Discurso no Senado Federal

LIBERAÇÃO DE VERBAS PARA REFORMA E MANUTENÇÃO DAS PENITENCIARIAS BRASILEIRAS.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • LIBERAÇÃO DE VERBAS PARA REFORMA E MANUTENÇÃO DAS PENITENCIARIAS BRASILEIRAS.
Aparteantes
José Ignácio Ferreira.
Publicação
Publicação no DCN2 de 27/06/1995 - Página 11042
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, ANTERIORIDADE, DECISÃO, GOVERNO, LIBERAÇÃO, VERBA, RECONSTRUÇÃO, MANUTENÇÃO, PENITENCIARIA, PAIS, MOTIVO, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, EXCESSO, LOTAÇÃO, PRISÃO, AUMENTO, INDICE, REINCIDENCIA, INEFICACIA, RECUPERAÇÃO, PRESO.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, PRESIDIO, ZONA RURAL, RECUPERAÇÃO, PRESO, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, MELHORIA, SISTEMA PENITENCIARIO, PAIS.
  • APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, AUTORIZAÇÃO, TRANSFERENCIA, PRESO, IMPEDIMENTO, ATUAÇÃO, QUADRILHA, DESTINAÇÃO, RECURSOS, GOVERNO FEDERAL, RECONSTRUÇÃO, CONSTRUÇÃO, PRESIDIO, ZONA RURAL, VIABILIDADE, RECUPERAÇÃO, REINTEGRAÇÃO, SOCIEDADE.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no início do ano de 1994, foram anunciados recursos da ordem de US$36 milhões para reforma e manutenção das 349 penitenciárias brasileiras. Esses recursos provinham do Fundo Penitenciário Nacional - FUPEN, instituto criado por lei sancionada pelo Presidente Itamar Franco.

A iniciativa do Governo, após aprofundados estudos feitos por autoridades penitenciárias e policias, decorreu da percepção de que as condições prévias para os tumultos encontram-se na precária situação das prisões e na superlotação carcerária. Além disso, a concepção das prisões tem por base o conceito arcaico de que as cadeias devem ser locais onde se punem os transgressores das leis, portanto podem ficar sujas, desconfortáveis e congestionadas.

De fato, "não é preciso ser estudioso do assunto para verificar que a fotografia do nosso sistema penitenciário revela uma imagem verdadeiramente sinistra: profundamente trágica, formidavelmente dantesca: tendo ociosidade, hiperlotação, fome, miséria, homossexualismo, traição, violência, maus tratos, castigos e doenças contagiosas, mortes e assassinatos em nome da lei e da ordem, aviltamento e despersonalização (João José Leal - Prof. da FURB - in Revista dos Tribunais - vol. 706/1994).

A descrição é relativamente forte, mas, infelizmente, está próxima da verdade, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores. E não pode ser diferente, mantidas as atuais dimensões do problema.

O Censo Penitenciário Nacional, elaborado pelo Ministério da Justiça em 1994, dá conta dessa realidade. Existem em todo o sistema penitenciário nacional 59.954 vagas, para alojar mais de 120 mil prisioneiros. Há necessidade de prisões em todas as regiões, seja no Sul, no Sudeste, no Norte, no Nordeste, ou no Centro-Oeste. Enfim, todas as prisões estão superlotadas. Faz-se de prisão as delegacias. Há pessoas que estão, anos a fio, em celas de delegacia, que deveriam ser apenas temporariamente usadas.

Além dos 129 mil presos acima referidos, existem ainda no País 275 mil mandatos de prisão, expedidos pela Justiça e não cumpridos. Se todos esses mandatos fossem executados, o caos seria indescritível. Há, em algumas cadeias, em algumas penitenciárias nacionais, de quando em quando, um jogo terrível: o jogo de matar-se um por dia enquanto não se descongestiona o número excessivo de presos. Isso vem ocorrendo simultaneamente em várias áreas do País.

De qualquer forma, por deficiência do sistema de captura, ou por falta de vagas, trata-se de delinqüentes, ou de pessoas que deveriam estar presas, e não estão. Estão nas ruas formando legiões, circulando à vontade, reincidindo, cada vez mais temíveis e malignos.

O Censo do Ministério da Justiça revela outros dados também interessantes, senão trágicos. Em termos de raça 42,5% dos presos são constituídos por negros e mulatos e 44,6% são brancos. Os analfabetos e semi-analfabetos são apenas 19,9%; a grande maioria, ou seja, 54,63% tem o 1º grau incompleto; 12,67% têm o 1º grau completo; os presos com formação superior representam apenas 0,75%; já os presos por corrupção passiva são quase inexistentes, 0,002% e 0,04 por corrupção ativa.

Ainda de acordo com o referido censo, em 1994 o País assistiu a 33 rebeliões, 3.130 fugas, 131 homicídios e 45 suicídios. As infrações mais comuns praticadas pelos detentos, nas cadeias brasileiras, são brigas provocadas por ofensas verbais ou lesões corporais, tráfico e uso de drogas, faltas disciplinares, formação de quadrilhas e bandos, violência sexual, jogos de azar, homicídios e suicídios.

Do ponto de vista de recuperação do preso e de sua reinserção na sociedade, o sistema nacional revela-se totalmente ineficiente. O índice de reincidência no Brasil é da ordem de 85%.

As prisões nacionais transformaram-se em verdadeiras universidades do crime. Um cidadão que tenha sido preso por um crime econômico ou por uma falta relativamente pequena, ao invés de receber uma pena social, quando teria que trabalhar para a sociedade, é jogado em uma dessas prisões; sofre todas as violências do sistema; alia-se a uma quadrilha para sobreviver; e sai de lá graduado e, muitas vezes, pós-graduado nessas verdadeiras universidades do crime que passaram a ser as penitenciárias nacionais.

Muitos ali estão presos por não terem um emprego de um salário mínimo. Mas, quando presos, passam a custar quatro salários mínimos à República, aos Estados. O quadro é mais dantesco quando observamos as grandes cidades, onde quadrilhas inteiras são controladas de dentro das penitenciárias, e o uso do celular facilitou ainda mais esse artifício, essa possibilidade.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não é fácil reabilitar quem, por razões socioeconômicas ou por se ter profissionalizado no crime organizado, aprendeu a delinqüir. Provam-no os numerosos sistemas penitenciários testados ao longo da História, desde as masmorras até as prisões modernas de massa, todos embasados na visão penitenciarista. Nenhum dos sistemas conseguiu os objetivos pretendidos, pois, conforme criminólogos ilustres, erram nos métodos, "obrigam a regras que eliminam qualquer esforço de reconstrução moral para a vida livre de amanhã; induzem a um passivismo hipócrita pelo medo do castigo disciplinar, ao invés de remodelar caracteres; aviltam e desfibram, ao invés de incutirem o espírito de hombridade, o sentido do amor próprio; pretendem, paradoxalmente, preparar para a liberdade mediante um sistema de cativeiro".

Heleno Fragoso escreveu que "a reunião de pessoas do mesmo sexo num ambiente fechado, autoritário, opressivo e violento, corrompe e avilta. Os internos são submetidos às leis da massa, ou seja, ao código dos presos, onde impera a violência e a dominação de uns sobre os outros. O homossexualismo, por vezes brutal, é inevitável. A delação é punida com a morte. Conclui-se, assim - finaliza Fragoso -, que o problema da prisão é a própria prisão, que apresenta um custo social demasiadamente elevado. Aos efeitos comuns a todas as prisões, somam-se os que são comuns nas massas: superpopulação, ociosidade e promiscuidade".

Não deve ser, no entanto, o fracasso dos sistemas tradicionais inibidor da capacidade de pesquisa e de iniciativa das autoridades responsáveis e da sociedade como um todo. Há setores muito pouco explorados e que poderiam ser de grande valia e eficiência para a solução do problema prisional e da ressocialização dos delinqüentes.

Refiro-me, por exemplo, à questão da ociosidade mencionada por Fragoso. O ócio é o pai dos vícios, já afirmavam os antigos. "Se o trabalho representa um dos aspectos mais importantes para os que se encontram fora das grades, assume importância redobrada no cotidiano daqueles que se encontram cerceados de sua liberdade. Combater a ociosidade no sistema carcerário constitui-se, assim, no atual momento histórico brasileiro, uma questão emergente para evitar, inclusive, que episódios como o da Casa de Detenção de São Paulo se repitam, ocasionando sérios danos ao Governo e à sociedade, escreveu Anita Fernandes, advogada e Presidente da Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso de São Paulo - FUNAP.

Em 1993, dos quarenta e quatro estabelecimentos penais existentes no Estado de São Paulo, vinte e quatro possuíam oficinas de trabalho, onde se produziam móveis domésticos, uniformes profissionais, calçados especiais, carteiras escolares, cadeiras de rodas e outros. As oficinas funcionavam com os mesmos métodos de trabalho adotados pelas empresas particulares, com horários regulares, cartão-de-ponto, pagamento e até ganhos de produtividade.

Tenho a convicção, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de que o trabalho é o instrumento mais adequado para a recuperação dos delinqüentes, especialmente quando conjugado com atividades educativas. Sou defensor de soluções alternativas, de modo a enquadrar, em tratamentos especificados, as diversas modalidades de crime, compreendendo a prestação de serviços à comunidade, reservando-se a prisão apenas para os casos mais graves e ameaçadores, para os quais inexiste qualquer outro método repressivo capaz de coibir e conter a delinqüência em nível suportável pela sociedade.

Papel importante devem desempenhar os presídios rurais, de tão pouca tradição em nosso País, apesar das imensas áreas de que dispõem e das inegáveis potencialidades dessa modalidade de reclusão do ponto de vista psicoterapêutico e educacional. O contato com a natureza, a observação dos ciclos do tempo, da vida vegetal e animal, o plantio da semente, os tratos culturais, a espera e a colheita dos alimentos são realidades que ocupam o corpo e a mente, dão sentido ao esforço físico e mental e enobrecem a vida humana. As atividades agrícolas são estruturadas e produtivas, eminentemente produtivas.

No caso, o trabalho não é executado apenas como passatempo, mas se funda na dignidade da pessoa como ser capaz de produzir para a sua subsistência, com autonomia e criatividade. Na agricultura, através do trabalho agrícola, o preso realiza a experiência concreta e construtiva de que é possível e é digno viver sem agredir, sem roubar e sem matar.

Essa modalidade de presídio apresenta ainda a vantagem de propiciar a manutenção das penitenciárias pelos próprios detentos. O custo de manutenção das prisões são altíssimos e, em grandíssima parte, inúteis em termos de retorno para a sociedade e para o próprio preso; por isso, é necessário implementar alternativas para que os seus habitantes as sustentem. Os gastos atualmente feitos são altos e irracionais, pois gasta-se inutilmente porque se investe na criminalização crescente.

É claro, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que a questão dos presídios é apenas uma face do complexo problema da política penitenciária nacional. Parte fundamental é também a habilitação e a profissionalização da polícia e da justiça, visando, sobretudo, a enfrentar com proficiência o crime organizado, atualmente muito complexo, dinâmico, perigoso e tendente a agravar-se. É preciso aprimorar a legislação, inclusive a relativa à criança e ao adolescente, em relação aos quais a tolerância, o paternalismo, o assistencialismo e o pedagogismo estão abrindo as portas para alarmantes índices de avanço criminal nessas faixas etárias. É preciso, também, reservar a cadeia para os que devem ir para a reclusão; para os réus de enriquecimento ilícito, por exemplo, não há necessidade de cadeia, mas, sim, de confisco de bens.

Sempre se afirmou e se continua a dizer que governar é abrir estradas, promover a industrialização, acelerar o desenvolvimento econômico, corrigir as disparidades regionais, pagar a dívida social. Se o País não promover a atualização necessária no seu sistema de praticar a justiça, brevemente, construir penitenciárias passará a ser prioridade número um para governar.

Minha defesa no sentido de incrementar uma política de presídio rural parte da convicção de que esse sistema é eficaz em termos de renovação e dará contributo essencial à solução do problema prisional do Brasil.

Nesse sentido, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, apresentei dois projetos. O primeiro permite que possam ser transferidos presos de uma área geográfica, de um Estado para outro Estado - coisa que hoje é proibida pela lei. Foi assim na Europa, permitiu-se a troca de presos dentro dos países da Comunidade Européia. Com isso, desmantelou-se quadrilhas poderosas.

Hoje, no Rio de Janeiro, São Paulo, Sudeste do Brasil, vemos quadrilhas poderosas que arregimentam os presos que acabam de ingressar, treinam-nos e transformam-nos em cidadãos perigosíssimos.

É preciso que possamos fazer um intercâmbio, tirando o preso do Sudeste, jogando-o para uma outra área, trazendo-o de uma outra área para o Sudeste. Dessa forma, vamos desbaratar as famosas quadrilhas de São Paulo, Rio de Janeiro e assim por diante.

Esse foi um dos projetos que apresentei a esta Casa na semana passada, reeditando um projeto que eu havia feito no ano passado.

O segundo projeto foi no sentido de que todo e qualquer investimento federal em penitenciária seja ou para consertar os que existem ou para edificar novas na área rural, de forma a que os prisioneiros, que hoje estão custando em torno de quatro salários mínimos, à sociedade, façam sua comida, aprendam a produzir, conheçam a natureza e deixem de ser violentos através do contato com a natureza, com a agricultura, com a criação dos animais.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esses foram os projetos que apresentei na semana passada. Essa é a justificativa que me traz ao Plenário hoje.

O Sr. José Ignácio Ferreira - Permita-me V. Exª um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. José Ignácio Ferreira - Tão logo V. Exª desça da tribuna, gostaria muito de ter a oportunidade de compulsar esses textos, porque os dois projetos que V. Exª acaba de anunciar, num pronunciamento que acompanhei com muita atenção, interessaram-me muito. Gostaria de fazer uma observação com relação a essas questões, porque, durante muitos anos, fui advogado e atuei na área criminal; sou Procurador da Justiça e dou muita ênfase a essa questão criminal. Gostaria de dizer que é possível que, com a sua compreensão, tenhamos de aditar ao texto desses projetos algum mecanismo de estímulo, como, por exemplo, a redução de penas. V. Exª há de compreender que, quando se desloca para uma outra região um condenado, com sentença transitada em julgado e que está cumprindo pena, há uma série de outras implicações, tais como o problema familiar do condenado. Poderíamos até aproveitar essa situação para promover uma certa política de assentamentos, visando a dois objetivos: ao assentamento em si e ao reencaminhamento do condenado à sociedade. Numa etapa inicial, o condenado, com a sua pena reduzida, passaria a viver em sociedade, sob certa vigilância. Creio que isso é perfeitamente possível, mas, se nós não introduzirmos um mecanismo de estímulo para que isso ocorra, V. Exª terá muita dificuldade em ver esse projeto ter viabilidade, na prática, e até mesmo ser aprovado. Um acréscimo qualquer nesse sentido seria de bom alvitre.

O SR. NEY SUASSUNA - Recebo com muita satisfação as colocações de V. Exª. Enviarei, imediatamente, cópia dos dois projetos ao seu gabinete e estarei inteiramente aberto para que juntos possamos encontrar uma solução melhor ainda.

Agora, deixo bem claro, que são duas coisas diferenciadas. Uma é a troca daqueles presos que são nocivos à sociedade e que continuam comandando, de dentro das penitenciárias, as suas quadrilhas; a outra é que o cumprimento de penas - pelo menos um terço dela, porque enquanto houver ainda possibilidade de ir a tribunais, etc., não poderá haver o deslocamento - possa e deva ser feito em áreas rurais, uma vez decidida qual a duração da pena, retirando o preso de dentro da cidade e permitindo não só a sua reinserção na sociedade, mas evitando, com toda certeza, que ele possa fazer o que hoje se faz no Brasil, um curso de pós-graduação em marginalidade e banditismo; as penitenciárias são verdadeiras universidades do crime.

Estou aberto às colocações de V. Exª e juntos poderemos analisar os dois projetos. Creio que hoje - principalmente quando vejo, como na semana passada, novas rebeliões, onde inocentes foram mortos, havendo a todo momento explosões de rebeliões pelos presídios deste País - é preciso se pensar já na reformulação do nosso sistema penitenciário.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente, Srs. Senadores.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 27/06/1995 - Página 11042