Discurso no Senado Federal

SOLICITANDO O IMEDIATO RESTABELECIMENTO DE RELAÇÕES DIPLOMATICAS DO BRASIL COM A REPUBLICA DEMOCRATICA POPULAR DA CORREIA (CORREIA DO NORTE).

Autor
Humberto Lucena (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Humberto Coutinho de Lucena
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • SOLICITANDO O IMEDIATO RESTABELECIMENTO DE RELAÇÕES DIPLOMATICAS DO BRASIL COM A REPUBLICA DEMOCRATICA POPULAR DA CORREIA (CORREIA DO NORTE).
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DCN2 de 04/07/1995 - Página 11602
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, GOVERNO BRASILEIRO, URGENCIA, RESTABELECIMENTO, RELAÇÕES DIPLOMATICAS, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, COREIA DO NORTE, DEMONSTRAÇÃO, INDEPENDENCIA, POLITICA EXTERNA, PAIS.

O SR. HUMBERTO LUCENA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Sr. Senadores, é da tradição da política externa brasileira a independência em relação a blocos de países hegemônicos. É, também, de nossa tradição o estabelecimento de relações com países de todos os continentes, independentemente das questões de natureza política, ideológica e cultural.

A formação e o desenvolvimento nacional deu-se após um longo e profundo processo de miscigenação que nos tornou, depois de cinco séculos, uma nação multirracial. No Brasil, o encontro entre diversas raças processou-se, via de regra, de forma pacífica.

Essa vertente cultural representou um forte estímulo à adoção, historicamente, de políticas externas independentes. O alinhamento automático a esse ou àquele país não representou, salvo raríssimas exceções, a matriz de nossa política externa.

Por isso, é incompreensível que, no limiar do terceiro milênio, o Brasil discrimine determinado país por razões ideológicas ou políticas, ou, ainda, por conta de pressões de outros países. Nossa política externa tem sido ditada e deve ser ditada por nós, pelos nossos interesses soberanos e por mais ninguém.

Refiro-me, Sr. Presidente, especificamente ao caso da República Democrática Popular da Coréia - Coréia do Norte. Apesar de todas as tratativas das autoridades daquele país no sentido de estabelecer relações plenas com o Brasil, nossas autoridades diplomáticas permanecem reticentes e indiferentes em relação ao assunto.

Nem mesmo no período da guerra fria esse comportamento teria justificativa. Hoje, quando o Brasil já estabeleceu relações normais com outros países socialistas, com alguns dos quais foi vanguarda, como a China, Cuba e Vietnã, tal postura se torna incompreensível.

Como Senador da República, tive a oportunidade de visitar a Coréia Socialista, como Presidente do Grupo Brasileiro da União Interparlamentar, e pude constatar a existência de um país pequeno, mas desenvolvido e soberano. Desde a Guerra da Coréia, quando aquele país foi totalmente destruído, o povo coreano realiza um esforço incomum de reconstrução nacional.

Os norte-coreanos têm realizado, através de seu governo, inúmeras gestões junto à Coréia do Sul e à comunidade internacional na busca da reunificação do País. Afinal, a Coréia é uma só: um só território, uma só península, um só povo, uma só cultura, uma só Nação. A comunidade das nações e a própria ONU têm sido testemunhas desses esforços, pois a reunificação representará não apenas a reunificação geográfica de um país, mas de todo um povo e uma nação.

Depois de terem saudado com tanto entusiasmo a queda do Muro de Berlim, é inadmissível que alguns países que têm interesses estratégicos na região continuem estimulando a divisão coreana e a existência de um muro de dez metros de largura e cinco de altura, ao longo de toda a península coreana.

Além disso, Srªs e Srs. Senadores, a República Popular Democrática da Coréia já conseguiu concretizar relações diplomáticas com vários países da América Latina, como Peru, Venezuela, Chile, Colômbia, Nicarágua e Cuba, e outros países latino-americanos estão também em vias de estabelecer relações normais com a Coréia do Norte.

Autoridades diplomáticas brasileiras, há algum tempo, levantaram alguns obstáculos ao estabelecimento dessas relações em virtude do impasse entre a República Popular Democrática da Coréia e os Estados Unidos da América em torno da questão nuclear.

Entretanto, desde 12 de junho de 1995, foi firmado um tratado entre norte-coreanos e os Estados Unidos da América, na capital da Malásia que ratificou os compromissos assumidos anteriormente pelas partes na cidade de Genebra. O referido acordo soluciona a questão da entrega dos reatores de água leve para a República Popular Democrática da Coréia, responsabilidade que ficou a cargo dos Estados Unidos da América, por intermédio da Organização para o Desenvolvimento Energético da Península Coreana, criada pelos Estados Unidos.

Segundo os termos do acordo, os Estados Unidos, por meio da Organização, são obrigados a entregar dois reatores de água leve, cada um com uma potência de 100 megawatts, até o ano 2000. As partes concordaram ainda, em assinar, neste mês de junho, outro acordo no sentido de normalização do ensino, por parte dos Estados Unidos da América, de óleo pesado como energia adicional, de modo a garantir à Coréia do Norte uma compensação energética.

Como poderemos verificar, Srªs e Srs. Senadores, as relações entre a República Popular Democrática da Coréia, a Coréia do Sul e os Estados Unidos da América estão em fase de normalização, ainda que persistam alguns impasses.

Além do mais, recentemente, foi constituído em São Paulo, com a presença de autoridades governamentais norte-coreana, o Instituto de Amizade Brasil-Coréia, presidido pelo Professo Nilson Araújo de Souza, do qual tenho a honra de participar de seu Conselho Nacional.

A criação desse Instituto representou um forte estímulo à amizade e ao intercâmbio de relações entre o povo brasileiro e o povo norte-coreano. Ainda no ano passado, foi criado no âmbito da Câmara dos Deputados um Grupo de Amizade Parlamentar Brasil-Coréia, que está em fase de formação.

Outro fato que merece atenção é o posicionamento do governo de Pyongyang no sentido de apoiar o pleito do Governo brasileiro de passar a ingressar o Conselho de Segurança da ONU.

Por todas essas razões, ocupo esta tribuna no dia de hoje para formular uma solicitação ao Governo brasileiro, para que, através do Itamaraty, coloque na ordem do dia o imediato estabelecimento de relações diplomáticas entre o Brasil e a República Popular Democrática da Coréia, como mais uma demonstração da independência de nossa política externa.

O Sr. Eduardo Suplicy - V. Exª me permite um aparte, Senador Humberto Lucena.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Pois não, Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy - Senador Humberto Lucena, faço este aparte ao pronunciamento de V. Exª para apoiar sua sugestão no sentido de que o Brasil estabeleça relações diplomáticas com a República Popular Democrática da Coréia, porque não há sentido algum para a história da diplomacia recente brasileira que ainda não tenhamos tomado esse passo. Tem sido, inclusive, demonstrado, na história das relações entre países, que aquilo que mais permite um país poder repensar suas próprias atitudes e, eventualmente, posicionamentos políticos ou até internos que venham a ser objeto de eventual discordância, nada melhor do que se estabelecer relações diplomáticas, culturais, comerciais para que haja interação dos povos de ambos os países, no sentido de se compreender melhor o que se passa no mundo. O governo norte-americano, quando era Presidente Richard Nixon, iniciou a denominada "diplomacia pingue-pongue" e, por mais de um ano, foram mantidos diversos contatos e pouco depois foram estabelecidas relações diplomáticas com a República Popular da China. Tenho certeza de que em nenhum momento o governo norte-americano se arrependeu de ter dado esse passo. São muitos os outros exemplos. O próprio Brasil, que aos poucos foi restabelecendo relações diplomáticas com os países da órbita socialista, há tempo deixou inteiramente de lado qualquer barreira com respeito a isso. De sorte que constitui algo muito estranho permanecer o não-estabelecimento de relações diplomáticas com a República Popular Democrática da Coréia. Avalio como importante que a sugestão de V. Exª seja acatada pelo Governo brasileiro.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Muito obrigado, nobre Senador Eduardo Suplicy. Acredito que talvez a Coréia do Norte seja o único país do mundo com o qual o Brasil ainda não tem relações diplomáticas.

Recentemente, tivemos aqui em Brasília a visita de uma delegação da Coréia do Norte, voltada mais para as relações comerciais. Na época, como Presidente do Senado, tive a oportunidade de conseguir do então Senador Albano Franco, que era também Presidente da Confederação Nacional da Indústria, um almoço para essa delegação na sede daquela entidade, em Brasília, quando tivemos oportunidade de ouvir os pleitos dos norte-coreanos a respeito das relações comerciais, culturais e sobretudo diplomáticas com o Brasil.

Acredito que todos nós temos a nítida consciência de que o Brasil, sobretudo na época de hoje, em que estamos perto do terceiro milênio, não podemos nos dar ao luxo de nos manter sem relações diplomáticas com algum país do mundo, como é o caso da Coréia do Norte.

Ao encerrar, Sr. Presidente, quero lembrar que, ao final do meu mandato como Presidente do Senado, recebi do Sr. Embaixador da Coréia do Norte no Peru, que cuida dos interesses daquele país no Brasil, por enquanto, vez que não temos relações diplomáticas, um convite para que fosse àquele país uma delegação parlamentar brasileira. Acredito que o Presidente José Sarney, oportunamente, haverá de acolher esse convite e designar uma comissão de parlamentares para ir até à Coréia do Norte como uma demonstração de que estamos realmente interessados em reatar as nossas relações com aquele país asiático.

Era o que eu tinha a dizer. Muito obrigado. Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 04/07/1995 - Página 11602