Discurso no Senado Federal

CRISE DA INDUSTRIA DO CAJU NA REGIÃO NORDESTE.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • CRISE DA INDUSTRIA DO CAJU NA REGIÃO NORDESTE.
Publicação
Publicação no DCN2 de 04/08/1995 - Página 12797
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • ANALISE, ESTUDO, EVOLUÇÃO, HISTORIA, FORMA, CULTIVO, LAVOURA, CAJU, PAIS.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, LAVOURA, CAJU, PAIS, NECESSIDADE, IMPLANTAÇÃO, GOVERNO, POLITICA, MODERNIZAÇÃO, SETOR.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, ATIVIDADE ECONOMICA, LAVOURA, CAJU, GARANTIA, RENDA, POPULAÇÃO, PAIS.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje falarei sobre os problemas e as perspectivas da agroindústria do caju no Nordeste do País.

Muito antes do descobrimento do Brasil, o caju já era alimento básico das populações nativas do Norte e do Nordeste, conforme atestam os relatos dos primeiros conquistadores que, ao aqui chegarem, verificaram a grande utilização que lhe davam, tanto ao natural como em rudimentares formas de processamento.

Os portugueses encarregaram-se de disseminar as sementes do cajueiro em suas colônias africanas e na Índia, hoje nossos principais concorrentes.

O extrativismo e o beneficiamento rudimentar da castanha, considerado o produto mais valioso, manteve-se praticamente sem maiores progressos até o desencadeamento da Segunda Guerra Mundial. Data de 1943 a industrialização da castanha, com o objetivo do aproveitamento principal do líquido da casca, rico em fenóis, considerado material estratégico para o esforço de guerra dos aliados.

O beneficiamento, com o objetivo maior da obtenção da amêndoa, considerada uma das nozes mais valiosas no mercado externo, somente se deu a partir da década de sessenta, com o líquido, ou LCC, sendo considerado subproduto. Deve-se ressaltar, por mérito, que a Índia foi a responsável pela introdução da amêndoa de caju no Primeiro Mundo, através do desenvolvimento de técnicas de conservação e investimentos em marketing para tornar conhecido um produto exótico até então não utilizado em países tradicionais consumidores de nozes.

Na década de sessenta, iniciou-se uma tentativa do processo de transformação da cajucultura tradicional para uma cajucultura moderna, através do investimento maciço nos fatores modernos de produção, como o plantio organizado, a mecanização e os tratos culturais. Até 1975 esse esforço foi realizado basicamente sem incentivos fiscais. A partir daí, os plantios de cajueiros e a capacidade de beneficiamento expandiram-se de maneira muito rápida, graças à abundância dos incentivos fiscais. A concessão de subsídios se fez sem que fosse exigida a utilização de técnicas que aumentassem a produtividade. A bem da verdade, essas técnicas eram incipientes à época, e de qualquer modo, foram ocupadas com florestas de cajueiros, áreas até então inaproveitadas ou ocupadas pela vegetação nativa da caatinga sem valor econômico.

A tentativa de transformação da cajucultura tradicional para uma cajucultura moderna, no período dos incentivos fiscais, não foram suficientes para produzir pomares de alta produtividade e garantir a rentabilidade da exploração racional do cajueiro. O uso de fertilizantes, inseticidas e fungicidas, insumos caros e pouco conhecidos dos produtores, certamente não trariam os retornos esperados, devido ao elevado percentual de plantas improdutivas nos pomares. Portanto, no caso do caju, o investimento em pesquisa e a adoção de seus resultados são fundamentais para se passar da atividade de subsistência e extrativismo, ineficientes, para uma cajucultura moderna.

A EMBRAPA possui dados dramáticos a respeito da queda da produtividade nos plantios. Ela divide a evolução da cajucultura nordestina dos plantios em dois períodos - sem incentivos fiscais, de 1960 a 1975, e com incentivos fiscais, de 1976 a 1988.

No primeiro período, as taxas anuais de crescimento da área colhida, produção e rendimento, foram, respectivamente de 3,7%, 4,8% e 11,13%. Já no segundo período, a área cresceu 12%, a produção 4,6%, porém o rendimento decresceu 7,3% ao ano.

Se esta situação continuar, os produtores serão levados a desistir da atividade em função do decréscimo de rendimento da área colhida, por causa do declínio das plantas, empobrecimento dos solos, incidência de pragas e moléstias e, principalmente, o desestímulo do custo/benefício para a manutenção e colheita do pomar. Como o cajueiro comum é uma árvore longeva, a alta freqüência de plantas improdutivas somente são descobertas pelos produtores após o sexto ano de investimento no pomar.

Os técnicos da EMBRAPA detectaram que se se optar pelo aumento da produção através do incremento da área plantada seria necessário quintuplicar a área em dez anos para se colher uma vez e meia o que foi colhido em 1988. Portanto, não existe opção: é MODERNIZAR ou MODERNIZAR.

É bom lembrar que a cajucultura é uma atividade econômica muito importante pois garante renda para cerca de 300 mil pessoas e gera divisas de exportações de aproximadamente 110 milhões de dólares anuais. O parque industrial é constituído de 24 empresas de beneficiamento de caju com capacidade para processar 280 mil toneladas que no entanto só processa 100 mil, por falta de matéria prima. Para a fabricação de sucos e doces, existem 8 unidades processando a pequena quantidade de 53 mil toneladas que representa apenas 6% da produção brasileira de pedúnculo.

O êxodo rural será agravado pela queda do emprego no campo e pelas demissões nas indústrias. A redução do ICMS e das divisas são algumas das graves conseqüências para a região mais pobre do País, caso medidas não sejam adotadas de imediato no sentido de modernizar a atividade.

Para que o produto se mantenha, em termos de comércio exterior, no mesmo patamar vigente, ou seja, com participação relativa crescente, é preciso que se concretize, o mais rápido possível e de forma agressiva, o que prevêem os protocolos firmados entre governos estaduais, sindicatos de produtores e de industriais, bancos financiadores e empresas de pesquisa. Outras medidas acessórias deverão ser tomadas com vistas à modernização e redefinição do modelo de produção o que só poderá ser alcançado através da articulação e engajamento dos agentes formadores da cadeia no esforço de soerguer tão importante segmento econômico.

O terceiro cenário, embora possível, não deverá se concretizar nem no médio nem no longo prazo, deve servir apenas como uma sinalização ideal, tendo em vista que requereria mudanças estruturais fortes, tais como: prioridade nacional para soerguimento do setor, injeção expressiva de recursos subsidiados, mudança do perfil gerencial dos agentes do sistema, forte campanha de marketing no exterior e, por fim renovação total dos plantios com material genético de boa qualidade.

Com relação ao primeiro cenário, ou seja, o de estagnação ou decréscimo proeminente da importância da cajucultura do Brasil no cenário mundial, ele poderá vir a ocorrer na medida em que os agentes do setor desprezem a cajucultura da forma que foi feito com outros produtos que, em tempos passados, representaram riqueza e fonte de divisas, a exemplo do algodão e da cera-de-carnaúba.

O despontar de países asiáticos que começam a marcar sua presença no mercado mundial através da plantação de novos pomares e do investimento maciço em pesquisa agrícola e industrial visando o aumento da produtividade e o aprimoramento da qualidade do produto é uma grave ameaça ao Brasil. A região Nordeste poderá, no entanto, manter-se competitiva investindo mais especificamente em pesquisa e tecnologia e através do efetivo cumprimento dos protocolos, recentemente firmados, com os agentes formadores da cadeia agroindustrial do caju, dentre os quais destaca-se como fonte financiadora o FNE.

Ficou constatado que, em termos quantitativos, o Brasil ainda não perdeu sua expressiva participação no mercado mundial de ACC e LCC.

Esse indicador contudo, não pode ser analisado de forma estanque, uma vez que outros fatores, como a produtividade, que vem apresentando um decréscimo crônico, e a tendência na queda da cotação da ACC, em virtude da menor qualidade de nossa amêndoa, e do aumento da concorrência externa, comprometem sobremodo o futuro da cajucultura no Brasil.

Para que se possa obter a melhoria da qualidade do produto e aumento nos níveis de rendimento agrícola, é preciso que haja a junção de forças no sentido do correto direcionamento das ações e instrumentos requeridos para reverter a tendência contracionista do agribusiness do caju.

Essa mudança estrutural passa principalmente pela observância de três pontos: a) da introdução de novas tecnologias no sentido de melhorar a qualidade do produto final; b) da tentativa de aumentar o número de países importadores de ACC do Brasil e c) da disseminação de unidades fabris de pequeno porte.

Com relação ao primeiro ponto, a despeito de ser uma medida de longo prazo, é necessário desde já, que as instituições responsáveis e envolvidas no aprimoramento e soerguimento da cultura caminhem em parceria priorizando esforços em treinamento e pesquisa, a exemplo do que está acontecendo nos países emergentes.

A diversificação do mercado demandador da ACC é por demais desejável uma vez que um aumento da produção teria boa acolhida no mercado externo em face da demanda reprimida e do privilégio que goza a ACC como produto nobre e exótico em todos os países do mundo.

Como exemplo de mercados importadores altamente concentrados, tem-se os EUA que importam 80,0% da castanha produzida no Brasil e 38,5% da Índia. Mais da metade da castanha consumida no Canadá é de origem brasileira enquanto que em países como a Holanda, Alemanha e Inglaterra, o Brasil concorre com 14,9%, 8,9% e 5,5%, respectivamente, do produto adquirido por aqueles países. Ainda não se explorou outros mercados, como o escandinavo e o francês, de alto poder aquisitivo.

A disseminação de unidades fabris deve ensejar a mudança de perfil no sentido da desconcentração das unidades de beneficiamento com o incentivo à criação de pequenas unidades nos centros de produção de caju.

Caros colegas, é bem verdade que é necessária uma revisão dos preços pagos aos produtores, a instalação de pequenas unidades industriais em sistema de cooperativas para proteger o pequeno produtor e um trabalho de ampliação dos mercados. Porém mais importante é a imediata recuperação dos plantios, com o objetivo de através do aumento da produtividade torná-los viáveis e fazer com que a atividade possa contribuir muito mais na modernização da agricultura brasileira, na atenuação do grave problema de desemprego e na geração de divisas para o País.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 04/08/1995 - Página 12797