Discurso no Senado Federal

OS CONFLITOS GERADOS PELA QUESTÃO DAS DEMARCAÇÕES DE TERRAS INDIGENAS NO TERRITORIO NACIONAL. CRITICAS A POSTURA DA FUNAI EM RELAÇÃO AO PROBLEMA.

Autor
Ernandes Amorim (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RO)
Nome completo: Ernandes Santos Amorim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • OS CONFLITOS GERADOS PELA QUESTÃO DAS DEMARCAÇÕES DE TERRAS INDIGENAS NO TERRITORIO NACIONAL. CRITICAS A POSTURA DA FUNAI EM RELAÇÃO AO PROBLEMA.
Publicação
Publicação no DCN2 de 09/08/1995 - Página 13601
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), URGENCIA, ADOÇÃO, PROVIDENCIA, CORREÇÃO, LEGALIDADE, ARBITRARIEDADE, INCLUSÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), DEMARCAÇÃO, TERRAS, PROPRIEDADE, COLONO, ASSENTAMENTO RURAL, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), RESERVA INDIGENA.
  • DEFESA, ALTERAÇÃO, PROJETO DE LEI, REGULAMENTAÇÃO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, OBJETIVO, EXCLUSÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), MONOPOLIO, PROCESSO, DEFINIÇÃO, RESERVA INDIGENA, GARANTIA, PRINCIPIO DO CONTRADITORIO.
  • COMENTARIO, ENCAMINHAMENTO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, GARANTIA, SEGURANÇA, TRABALHADOR, GARIMPEIRO.

O SR. ERNANDES AMORIM (PDT-RO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desta vez nós pretendemos discutir a situação indígena, principalmente, na nossa região.

Não queremos prejudicar os índios, pois nada temos contra os mesmos, entretanto, uma série de problemas estão ocorrendo em nossa região, os quais colocaremos no decorrer do nosso discurso.

A demarcação de terras indígenas no Brasil, em muitas situações, tem sido motivo de conflitos sociais sérios, perturbando a vida de milhares de brasileiros que engrossam essa legião dos excluídos, que participam do humilhante percentual de 2,1% sobre a renda nacional.

A maioria desses conflitos seriam evitados se a demarcação de terras obedecesse a lógica da racionalidade e do bom senso, já que a exclusão da área demarcada, das ocupações de boa-fé, muitas com mais de dez anos de exploração agrícola familiar, comprovadamente não afetariam os interesses e as necessidades da sobrevivência física e cultural dos índios existentes na região.

O processo de identificação e demarcação de áreas indígenas, na Amazônia e, particularmente, em Rondônia, tem obedecido mais a lógica dos antropólogos da FUNAI e das entidades não-governamentais - às quais são vinculadas, como a Associação Brasileira de Antropologia, por exemplo - do que a realidade de cada grupo indígena existente em meu Estado.

Existem aberrações e abusos que precisam ser corrigidos. Cito, como exemplo, o caso da área indígena Karipuna, com mais de duzentos mil hectares para nove índios, localizados no extremo norte da área. Pois bem, a demarcação dessa área prejudicou mais de cem famílias assentadas pelo INCRA no outro extremo dessa região, sem qualquer contato físico com esses índios, sem nenhuma convivência ou conflito social.

A inclusão das terras ocupadas pelos colonos da área indígena Karipuna, foi uma arbitrariedade praticada pela FUNAI.

E mais do que isso, foi uma ilegalidade, porque a decisão não se respaldou nos requisitos legais que orientam a caracterização de uma área indígena. A conseqüência dessa medida arbitrária e ilegal é a condição de desamparo em que vivem essas centenas de famílias de agricultores, excluídos do crédito, da assistência técnica, da infra-estrutura e hoje largados à própria sorte, reclamando justiça e o direito de posse dessa terra em que vivem e produzem.

Outro caso berrante, Sr. Presidente, é o da Área Indígena Uru-eu-wau-wau: são quase dois milhões de hectares para pouco mais de cem índios. Também nesse caso a demarcação afetou centenas de famílias assentadas pelo INCRA, provocando uma situação de conflito permanente entre os colonos e a FUNAI, que insiste em perpetuar a irregularidade praticada contra os direitos dos assentados e os interesses do meu Estado.

Poderia continuar descrevendo várias outras situações como esta, mas vou deter-me em apenas uma, a mais recente e a mais absurda. A FUNAI iniciou, em maio deste ano, a demarcação de uma região denominada Área Indígena Mequém, mais uma vez englobando terras de colonos assentados pelo INCRA.

Recebi uma grave denúncia de indigenista da FUNAI, ex-administrador da Administração Regional de Cacoal, de que na verdade o grupo indígena tratado como tal era um grupo de mestiços, herdeiros de seringueiros de origem nordestina e boliviana, que, no começo do século, foram explorar borracha nos seringais existentes na região. Mestiços são boa parte dos brasileiros, sem teto e sem terra, excluídos por este País afora, sem qualquer privilégio.

De pronto, a fim de fazer justiça e de garantir o direito dos agricultores assentados na região há mais de dez anos, sem qualquer conflito com os caboclos batizados pela FUNAI como "índios", solicitei ao Senhor Ministro da Justiça que sobrestasse a demarcação e constituísse um grupo de trabalho, com a incumbência de proceder à uma perícia antropológica, para verificar se os brasileiros dados como índios na região de Mequém, eram índios na concepção legal.

Meses depois, precisamente em julho, recebi uma inusitada resposta do Senhor Ministro da Justiça, remetendo-me despacho do Sr. Presidente da FUNAI, segundo o qual o assunto estava resolvido porque a demarcação da área havia sido concluída.

Ora, Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, o que fiz ao Senhor Ministro da Justiça foi uma denúncia grave: denunciei que a FUNAI estava "fabricando" mais um grupo indígena; que a FUNAI estava criando mais um conflito social neste País de muitos conflitos; denunciei que a FUNAI estava cometendo mais uma ilegalidade.

E o que fez o Sr. Ministro da Justiça? Ouvidos de mercador ao desespero de centenas de famílias de agricultores afetados pela arbitrariedade, pela ilegalidade que era praticada por um órgão a ele subordinado. Ficou mudo, surdo, insensível, diante da incerteza e da insegurança dessas famílias, que, assentadas na região por outro órgão do governo federal, hoje não sabem o que fazer nem têm para onde ir.

A demarcação de áreas indígenas é assunto muito sério para ficar apenas na jurisdição da FUNAI ou do Ministério da Justiça, que têm provado agir com passionalismo e irracionalidade nessa questão. São fabricantes de conflitos sociais.

Estou novamente solicitando providências ao Sr. Ministro da Justiça a respeito da ilegalidade cometida na demarcação da reserva Mequém. Os mestiços lá existentes têm o mesmo direito dos milhares de sem-terra espalhados por este Brasil afora, não o privilégio de serem batizados de índios, em detrimento de outros brasileiros habitantes da região, também mestiços que, com a manutenção da situação atual, deverão ser expulsos da área, aumentando a legião dos excluídos no Brasil.

Finalmente, Sr. Presidente, permita-me chamar a atenção para o Projeto de Lei nº 260, de 1989, do Senado Federal e de seu substitutivo na Câmara, nº 4881 de 1990, que dispõe sobre a demarcação de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.

O referido Projeto de Lei guarda impropriedades que precisam ser corrigidas, no interesse do País, principalmente excluindo da FUNAI o monopólio da definição de áreas indígenas, garantindo o princípio legal do contraditório.

Sr. Presidente, na FUNAI existe um esquema de criação de reservas indígenas. Ainda há pouco, ouvi uma história ocorrida em determinada região do Pará, para onde garimpeiros se deslocaram a fim de explorar o ouro lá encontrado. Esses garimpeiros, embasados na lei, tentaram conseguir o alvará junto a FUNAI e ficaram sabendo que uma senhora já lhes teria antecipado e requerido a instituição de uma reserva indígena na região.

Notem que essas reservas são criadas a bel-prazer de um ou dois funcionários da FUNAI, a interesses de grupos, deixando de atender o cidadão, o ser humano, que precisa trabalhar.

Como já disse, nós não temos nenhum interesse em prejudicar os índios brasileiros, mas queremos que a Constituição seja cumprida no que se refere à determinação de que, para criação de uma reserva, é necessário se fazer um estudo antropológico para comprovação da existência de índios vivendo, trabalhando e caçando na região há muito tempo. No entanto, o que verificamos é que virou moda a criação de reservas indígenas, bastando falar com alguns funcionários da FUNAI que, com a autoridade que têm, criam reservas em todos os lugares.

Para encerrar, Sr. Presidente, teríamos um projeto a ser apreciado hoje, mas em virtude das grandes votações a serem realizadas na Casa no dia de hoje, pedi adiamento da votação do projeto a fim de que, inclusive, retorne à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania já que recebeu parecer contrário em outra Comissão. Trata-se de matéria que interessa à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e também de grande interesse do meu Estado, Rondônia, pois visa esclarecer a alguns que, no Poder Judiciário, ainda teimam contra o direito dos cidadãos, condenando pessoas indefesas, garimpeiros, trabalhadores, cujos direitos estão assegurados na Constituição desde 1988: nos garimpos livres onde haja trabalho em sistema de cooperativas, os garimpeiros não seriam retirados. Mas as grandes mineradoras estão expulsando os garimpeiros com tratores, promovendo tiroteios, ferindo dezenas de garimpeiros para afastá-los dos seus direitos.

Esta Casa tem a obrigação de aprovar uma lei que dê segurança a esses garimpeiros.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 09/08/1995 - Página 13601