Discurso no Senado Federal

OS 50 ANOS DA BOMBA DE HIROSHIMA E NAGASAKI, ACONTECIMENTO DETERMINANTE DE UMA NOVA PERCEPÇÃO DA PAZ ENTRE OS POVOS E A LUTA PELOS DIREITOS HUMANOS.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • OS 50 ANOS DA BOMBA DE HIROSHIMA E NAGASAKI, ACONTECIMENTO DETERMINANTE DE UMA NOVA PERCEPÇÃO DA PAZ ENTRE OS POVOS E A LUTA PELOS DIREITOS HUMANOS.
Publicação
Publicação no DCN2 de 09/08/1995 - Página 13602
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, REFORÇO, DIREITOS HUMANOS, BUSCA, PAZ, OPORTUNIDADE, ANIVERSARIO, LANÇAMENTO, BOMBA, PAIS ESTRANGEIRO, JAPÃO.

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem tive oportunidade de abordar um tema que tratava de buscar junto a esta Casa e ao Governo Federal apoio para o movimento para que o Governo da Filadélfia adiasse o prazo de execução do conhecido jornalista Abu-Jamal. Por conta disso, não pude falar de outra coisa que era também prioridade, o dia 6 de agosto, sobre o qual tive oportunidade não apenas de ler nos jornais mas também de ver na televisão uma retrospectiva, data em que foi lançada a bomba sobre a cidade de Hiroshima, em 1945.

Isso foi há cinqüenta anos. E temos um ditado que diz que "recordar é viver". E recordar é viver os cinqüenta anos de Hiroshima, é viver para mudar. Esta é uma luta constante dos defensores dos direitos humanos, para que nenhuma sociedade busque em instrumentos altamente repressivos alternativas para resolver os seus problemas. E nem sequer um problema que pudesse justificar essa ação encontramos.

Na época tinha eu apenas três anos de idade, mas hoje, representante e defensora dos direitos humanos, venho à tribuna para dizer que aquela data me fez, em toda a minha trajetória, refletir sobre até que ponto a mente humana, em seu desvio, em seu desequilíbrio, é capaz de chegar.

Cento e quarenta mil pessoas morreram - obra das mãos dos homens. Ao meditar sobre essa situação, reportei-me à Bíblia Sagrada, o que sempre faço nos momentos difíceis, de reflexão. Porque exatamente aprendi que Deus nos concedeu o espírito do discernimento e, representado na Sua figura máxima, Seu filho, Jesus Cristo, disse que abençoaria as obras das nossas mãos e que faríamos obras maiores que as que Jesus Cristo tinha feito.

E descobri que essa obra foi maléfica e que não teve, evidentemente, o apoio e a bênção de Deus. A bomba foi uma descoberta fatal, que colocou gente contra gente.

Nos momentos em que pude refletir, com grande emoção li também, nessa história triste, que três dias depois desse fato que levou mais de cento e quarenta mil pessoas a serem assassinadas, tivemos Nagasaki, onde outra bomba não causou menor prejuízo, onde não houve menor violência, onde não foi menor o desvio, e onde tivemos mais de 70 mil mortos, mais de 70 mil gravemente feridos e queimados, sem contar, ainda, os que ficaram altamente contaminados e as gerações futuras.

Essa invenção, na verdade, foi destruidora, e eu vi que o ser humano é insaciável: quanto mais tem mais quer. E o homem, na sua sabedoria, pôde, naquele exato momento, querer mais e mais, porque ele sabia que a sua inteligência exigia mais conquistas. Só que ingleses, franceses, indianos, russos, norte-americanos, todos, pensavam, na sua inteligência, em construir um instrumento que, na verdade, seria de destruição: a bomba de hidrogênio.

Nós vimos a guerra, o extermínio, a destruição, a guerra do Leste, onde Alemanha e Rússia puderam mostrar todo o seu potencial de inteligência, do meu ponto de vista, negativo, porque era a destruição do homem.

A exibição televisiva que eu pude ver desse problema, no domingo, no Fantástico, em que um Instituto de Washington fazia uma demonstração exibindo o B-29, não contou de forma alguma essa tragédia. Recordar é viver. Recordar para mudar; recordar para aprender. Novamente, lembrei-me de outro versículo bíblico: "De que se queixa o homem a não ser dos seus próprios pecados?" E esse foi, sem dúvida nenhuma, um grande pecado, o que chamamos de pecado mortal, porque vimos o extermínio daqueles que, naquele momento, nem sequer podiam com sua própria inteligência responder da mesma forma.

Deus faz, a natureza conserva e o homem destrói. É uma grande lição para todos nós.

Lendo o caderno especial do Correio Braziliense sobre a matéria, pensei: O famoso físico, seis anos antes, quando mandou aquela carta em que falava dos avanços científicos, certamente pensava que aquela idéia magnífica, científica seria aproveitada em benefício do povo. É lógico supor-se que poderiam ser construídas bombas de extraordinária potência, mas acredito que jamais passou pela sua cabeça, naquele momento, que iriam usar essa inteligência para fazer uma bomba e destruir Hiroshima, como vimos.

Trago também algumas palavras proferidas pelo Almirante Leahy, um dos comandantes americanos, que escreveu anos depois: "O emprego dessa arma bárbara, tanto em Hiroshima quanto em Nagasaki, não nos trouxe qualquer utilidade na guerra contra o Japão."

Ao fazer uma leitura mais reflexiva, vejo que, à época, aquilo era o clímax do esforço concentrado da inteligência; daqueles homens que poderiam ter dado outro tipo de contribuição ao mundo - eles eram os principais cientistas da época. Alemanha, Dinamarca, Itália e tantos outros países se aproveitaram da idéia de seus representantes, de sua capacidade científica, intelectual, tecnológica, para ter em mãos um instrumento que representa a destruição de, podemos dizer, parte da humanidade.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é do meu dever dizer, como cristã que sou, que a vida pertence a Deus e que o diálogo ainda é a maior arma que o ser humano possui para persuadir. Qualquer ato que fuja disso significa violência, por mais inteligentes que sejam nossos cientistas.

Tenho certeza que sua inteligência, altamente violentada naquele momento, deve ter tido por eles uma leitura frustrante. Talvez naquele momento eles tivessem querido, na sua maioria, ser ignorantes para não serem conhecidos pela humanidade como detentores de ciências utilizadas numa distorção do momento incrível de declínio da mente humana para a destruição. Por isso, esse dia deve ser lembrado por todos os países e por todos nós, que não sustentamos e não queremos a guerra.

Rendamos louvor neste momento também ao nosso querido Brasil, que às vezes tanto criticamos pelas ações morosas de seus governantes. Tivemos momentos difíceis, é verdade; até vivemos sob ditadura, mas tivemos a coragem, de certa forma, de impedir que a Nação viesse a usar armas para destruir todos aqueles que verdadeiramente se posicionaram contra nós. O País pôde, pelo contrário, auxiliar outros que viviam momentos difíceis para que pudessem buscar sua liberdade e tranqüilidade.

Luto pela paz; uma paz que não pode ser aquela onde haja derramamento de sangue. Já ultrapassamos o Velho Testamento, estamos no Novo Testamento, que diz que Jesus Cristo veio para que tivéssemos vida e a tivéssemos com abundância. Mesmo aqueles que não crêem nisso sabem perfeitamente que foi o diálogo que venceu e podem colocá-lo como grande líder espiritual de toda a humanidade, principalmente aquela que crê.

Penso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que nos cabe neste momento levantar nossas vozes numa luta pela paz. Em certa ocasião, li no Velho Testamento que sem derramamento de sangue não haverá redenção. Temos rolado suor e sangue de alguns brasileiros, mas lutaremos até o último esforço para que nossas inteligências, as inteligências brasileiras, científicas ou não, nunca construam algo que seja de nossa discordância e que sirva para derramar o sangue dos nossos irmãos.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 09/08/1995 - Página 13602