Discurso no Senado Federal

SITUAÇÃO DO SR. JOSE MILTON DALLARI NO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • SITUAÇÃO DO SR. JOSE MILTON DALLARI NO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, José Eduardo Dutra.
Publicação
Publicação no DCN2 de 10/08/1995 - Página 13709
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, POSIÇÃO, GOVERNO FEDERAL, DEMISSÃO, JOSE MILTON DALLARI, SECRETARIO ESPECIAL, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), RESULTADO, DENUNCIA, PERIODICO, VEJA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), IRREGULARIDADE, PRIVILEGIO, OBTENÇÃO, INFORMAÇÃO CONFIDENCIAL, NATUREZA ECONOMICA, FAVORECIMENTO, EMPRESA PRIVADA, MOTIVO, OCUPAÇÃO, CARGO PUBLICO.
  • DEFESA, NECESSIDADE, IMPORTANCIA, DIGNIDADE, ETICA, GOVERNO, SUGESTÃO, RECRIAÇÃO, COMISSÃO ESPECIAL, INVESTIGAÇÃO, BUSCA, ESCLARECIMENTOS, APURAÇÃO, VERACIDADE, FATO, NOTICIARIO.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, volto a um tema que foi muito debatido ontem aqui: a questão referente ao Sr. Dallari.

Pelo que a imprensa noticia, o ilustre Sr. Dallari deve solicitar a sua demissão ainda hoje. Creio que seria correta a demissão. Creio, Sr. Presidente, que ficou muito estranha a posição de S. Exª em ser sócio de uma empresa que presta assessoramento técnico a empresas com as quais estão diretamente ligadas a sua ação e ao seu comando.

Acredito ser correta a demissão de S. Exª. E digo aqui, Sr. Presidente, o que tenho repetido: o Senhor Presidente da República não pode ter responsabilidade por equívocos que aparecem no seu Governo. Sua Excelência tem, sim, responsabilidade por sanear esses equívocos.

Outro dia, o Senador Antonio Carlos Magalhães disse à imprensa que levaria nomes ao Senhor Presidente da República, de pessoas que teriam sido nomeadas e que não mereciam ser nomeadas. Acho correta a posição do Sr. Antonio Carlos Magalhães. Amigo é para isso. Se esses fatos são do conhecimento de um homem público, ele faz um favor em noticiá-los ao Presidente. Achei equivocada a posição do porta-voz do Presidente em não citar os nomes. Disse que, sobre dez dos nomes, o Presidente já sabia que não havia nada e que dois precisavam ser investigado. Não se tratou de um problema entre o Senador Antonio Carlos Magalhães e o Presidente da República. Foi uma questão entre o Senador da República e o Presidente da República com relação a um problema nacional.

Tratar-se-ia de uma questão pessoal entre o Presidente da República e o Senador Antonio Carlos Magalhães, se este tivesse ido pessoalmente ao encontro do Senhor Presidente da República, sem noticiar à imprensa, na qualidade de amigo e de conselheiro, e lhe dissesse: "Gostaria de lhe falar que esses casos são graves e que você está cometendo um erro". Mas o Senador Antonio Carlos Magalhães fez questão de dizer e de noticiar que ia levar essas questões ao Senhor Presidente. Com isso, eu, Pedro Simon, quero saber quais são os nomes e os fatos apontados, se não há nada e se o assunto será esclarecido. Com todo o respeito ao Sr. Porta-Voz, a Nação precisa saber disso.

A imprensa noticia que Sua Excelência disse que, dos doze casos, dez não tinham fundamento e que dois precisavam ser investigados e que iria esclarecer o assunto. A imprensa publicou que o Senador Antonio Carlos Magalhães disse o seguinte: "Não é verdade. O Presidente não me disse que não havia nada com relação aos dez". A imprensa noticiou que o porta-voz telefonou para o Senador Antonio Carlos Magalhães e lhe disse o seguinte: "Vamos dar o assunto por encerrado; não se fala mais nisso". Isso não está certo. Deve-se falar no assunto, no sentido de que possamos saber quais são os doze nomes mencionados pelo Senador, o que foi dito, o que existe e o que não existe.

Os casos do Senador Antonio Carlos Magalhães e o do Sr. Milton Dallari me levam a analisar o apelo que fiz ao Presidente da República, no sentido de que Sua Excelência recriasse o que, lamentavelmente, a assessoria o levou a extinguir, que foi a Comissão Especial de Investigação - CEI, que o Presidente Itamar Franco constituiu. Trata-se de uma comissão composta por pessoas da confiança da sociedade, tendo o Ministro da Administração como coordenador, exatamente para, ao lado do Presidente da República, prestar as informações e buscar os esclarecimentos de qualquer notícia que aconteça.

Assim, não se repetiria o que aconteceu com o Sr. Dallari, ou seja, a revista Veja publicou a notícia e o Governo foi atrás. Um governo sério, responsável, não pode ser ponteado pela imprensa: nem pela Veja, nem pela Folha de S. Paulo, nem pelo Jornal Nacional. Um governo sério, um governo responsável, tem que ser ponteado pela sua assessoria e até, no bom sentido, pelo seu sistema de informação. Não me refiro ao antigo SNI, que existia para descobrir se o indivíduo era comunista ou seja lá o que for, mas a um serviço de informação que objetive verificar a seriedade, a integridade e a honestidade das pessoas que compõem ou são convidadas a compor o governo.

Errou a assessoria do Presidente Fernando Henrique Cardoso, fazendo com que Sua Excelência extinguisse a CEI. Volto a fazer o apelo que fiz pessoalmente ao Presidente no Palácio do Planalto: recrie a CEI, Senhor Presidente, composta de pessoas da sua confiança e da confiança da Nação. Pessoas que não sejam nem ministros, nem assessores de ministro, nem homens de partido contra ou a favor, mas pessoas que tenham a credibilidade da Nação, como as que integravam a CEI no tempo do Presidente Itamar. E esse setor vai fiscalizar, vai tomar conhecimento dos fatos, fazer-lhes a análise e colocá-los no papel para assessorar o Presidente da República.

Eu li no jornal, na semana passada, o nome de um cidadão de Minas Gerais que foi presidente de uma entidade ao tempo do Governo Itamar e que não foi indicado para nenhum cargo no atual Governo. Trata-se do Sr. Marcelo Siqueira. Ele deu a informação à imprensa de que Itamar Franco estaria rompendo com o atual Presidente, porque Fernando Henrique não havia nomeado ele, Marcelo Siqueira, nem nenhum dos representantes de Juiz de Fora para cargos no Governo.

Está no jornal uma manchete com a informação atribuída ao Sr. Marcelo que diz que o Sr. Itamar Franco está rompendo com o Senhor Fernando Henrique, porque ele, Marcelo, não foi nomeado para determinado cargo e que, além disso, havia mais gente da "República de Juiz de Fora" que não tinha sido nomeada.

Duvido que esse cidadão tenha falado em nome de Itamar Franco. Duvido que passe pela cabeça do Sr. Itamar Franco romper com o Senhor Fernando Henrique Cardoso porque o Presidente não nomeou seja lá quem for de Juiz de Fora.

Testemunhei no Palácio do Planalto todos os entendimentos, até o último dia da presença do Sr. Itamar Franco à frente da Presidência da República, com Fernando Henrique às vésperas de assumir. Em nenhum momento vi o Sr. Itamar Franco fazer qualquer tipo de sugestão ou de apelo ao Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Acho que esse cidadão, que nem lembro se conheço, está mentindo. Repito: está mentindo para o jornal, no momento em que ele diz que o Sr. Itamar Franco rompeu ou vai romper com o Senhor Fernando Henrique Cardoso porque ele não foi nomeado. Pelo amor de Deus! Volto a afirmar que ele está mentindo. Duvido que o Sr. Itamar Franco tenha exigido a nomeação dele ou do Coronel da Polícia Federal, o Sr. Romão, ou de qualquer pessoa.

Se estivesse ocorrendo isso, lamentaria muito a posição dele, porque não seria o Sr. Itamar Franco que eu conheci. O Itamar Franco que conheço e com quem mantenho as melhores relações é o cidadão que sempre fixou a sua conduta na seriedade, na dignidade e no respeito.

Mais de uma vez, o Presidente Fernando Henrique Cardoso comentou-me que ele próprio escolheu o então chefe da Casa Civil, Sr. Henrique Hargreaves. A escolha foi de Sua Excelência, não houve recomendação do Sr. Itamar Franco.

Não existe essa estória de que a imprensa está noticiando sobre a "República de Juiz de Fora", porque tem que nomear o fulano. Na minha opinião, não tem que nomear ninguém. A "República de Juiz de Fora" terminou e o Sr. Itamar Franco é Embaixador em Portugal. S. Exª teve direito de escolher os assessores que quisesse, o resto terminou.

Cabe ao Presidente Fernando Henrique Cardoso verificar a competência daquele que deseja nomear; caso contrário, não deve fazê-lo. Agora, nomear porque se trata de um amigo do Sr. Itamar Franco, me parece um absurdo.

Estou falando isso por causa da reportagem desse cidadão, que me chamou a atenção, Sr. Presidente José Sarney, e me irritou.

Em manchete nos jornais, ele comunicava ao Brasil que o Sr. Itamar Franco estava rompendo relações com o Presidente Fernando Henrique Cardoso, porque não tinha sido nomeado para um determinado cargo.

Considero o Senhor Fernando Henrique Cardoso um homem de bem. Sua Excelência pode ter hoje amigos mais íntimos, mais chegados do que eu, mas ninguém desta Casa tem uma amizade mais antiga, profunda e de maior conteúdo do que a minha, que vem das horas difíceis do exílio, em que lutávamos contra o regime da Ditadura, da violência, do arbítrio.

Quando fui buscá-lo no CEBRAP, o nome dele era proibido sair nos jornais de São Paulo. Levei-o ao Rio Grande do Sul, onde tínhamos praticamente uma república aberta, em cuja Assembléia Legislativa, ainda que cercada pelas tropas do Exército, podíamos debater os problemas do Brasil.

Tenho respeito pelo Senhor Fernando Henrique Cardoso. Considero Sua Excelência um homem de bem, sério, correto, bem-intencionado. Agora, há momentos em que Sua Excelência tem de parar para pensar.

Por exemplo, essa situação do Dallari é séria, mas o Senhor Fernando Henrique Cardoso não tem nada que ver com isso! O que é sério é que esses fatos estejam acontecendo em decorrência de uma reportagem publicada pela revista Veja. Se não tivesse ocorrido, o Sr. José Milton Dallari ficaria mais um ano.

Quem está discutindo o padrão da ética, da moral, da dignidade, da seriedade do Governo e do Congresso Nacional é a imprensa brasileira. É claro que considero importante a liberdade da imprensa; essa é a sua missão. O papel da Veja foi muito importante; o papel do Sr. Antonio Carlos Magalhães teve também sua influência. Em uma democracia, é fundamental discutir as idéias, debater os fatos, sejam reais ou não.

No entanto, o Governo não pode agir apenas em função disso. A Revista Veja denunciou o Sr. José Milton Dallari e o Governo mandou demiti-lo. Se aquele semanário não o tivesse feito, o Secretário de Acompanhamento de Preços permaneceria por mais dois anos. Nesse caso, entra a função da Comissão Especial de Investigação - CEI, e da Ouvidoria, para ouvir os comentários que estão ocorrendo e assessorar o Senhor Presidente da República.

O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PEDRO SIMON - Com prazer, ouço V. Exª

O Sr. Eduardo Suplicy - Senador Pedro Simon, V. Exª faz uma observação de enorme peso, em virtude de ter sido Líder do Governo do Presidente Itamar Franco, conhecer de perto o que ocorria ao nível da gestão anterior e, também, por sua relação profunda de amizade com o Presidente Fernando Henrique Cardoso. Pondera que o Sr. José Milton Dallari, Secretário de Acompanhamento de Preços do Ministério da Fazenda, já deveria ter sido afastado. Na segunda-feira, o Senador José Eduardo Dutra, eu próprio e outros levantamos a questão diante da reportagem da revista Veja. Na ocasião, o Senador Vilson Kleinübing, como Vice-Líder do Governo, afirmou que seria importante que se desse um prazo de três ou quatro dias para que o Governo esclarecesse a questão. Na verdade, Senador Pedro Simon, os quatro dias se vão e eu esperava que, a esta altura, estivesse o Líder do Governo comunicando ao Congresso Nacional e à opinião pública a situação completa dos fatos, que não são tão complexos assim para se ter tamanha demora na tomada de uma decisão, porque mais e mais as idas e vindas com respeito a esse caso estão a tornar cada vez mais difícil a situação do Sr. José Milton Dallari, bem como a do Governo. Tem-se notícia agora de que, há um ano e cinco meses, o Deputado Alexandre Cardoso, da Assembléia Legislativa fluminense, já havia prestado ao Governo, inclusive com pronunciamentos públicos, informações semelhantes àquelas que agora foram publicadas pela revista Veja. Em "O Homem da Decisão", título que dá ao artigo de sua coluna de hoje, Jânio de Freitas menciona: "Dono de 95% da Decisão, o beneficiário dos lucros da orientadora de empresários e negócios é Dallari - justamente o encarregado, no Governo, de aceitar ou recusar aumentos de preços, analisar tarifas pagas pelas empresas, fazer listas de produtos protegidos pelas restrições à importação, propor quotas para produtos importados" Será que José Milton Dallari teria sido colocado no Governo para fazer exatamente o que tem feito - pela afirmação de Jânio de Freitas? Se isso for verdade, a situação do Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso se complica. O Sr. José Milton Dallari, em entrevista à Folha de S. Paulo, ontem, reclama do fato de terem sido divulgados recibos: "O estranho é como vaza um negócio desses assim. Onde está o sigilo fiscal?" Ora, ele queria, então, que os negócios entre a empresa Decisão e cada uma das 20 empresas que assinaram prestação de serviços não fossem divulgados? Diante de postura dessa natureza, o Governo ainda está refletindo, considerando se vai ou não afastá-lo? Esperaria que o porta-voz do Governo no Senado, na tarde de hoje, já com grande demora, estivesse aqui a dar uma explicação definitiva sobre o assunto: se houve boa-fé ou não, o que aconteceu. O Senador José Eduardo Dutra deu entrada de um requerimento de convocação do Secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, bem como do Sr. José Milton Dallari, para prestar esclarecimentos na Comissão de Assuntos Econômicos. Esperamos que isso possa ocorrer o quanto antes e que, inclusive, amanhã, na Comissão de Assuntos Econômicos, esta matéria receba a prioridade que merece, com urgência. Mas cumprimento V. Exª, porque fala com a postura de quem conhece de perto as questões do Governo, inclusive aquelas vindas da gestão passada, porque V. Exª foi Líder do Governo anterior. E, se tivesse tido, portanto, como demonstra hoje, o conhecimento desses fatos durante o Governo José Sarney, tenho a certeza, teria a postura que tem hoje da tribuna do Senado.

O SR. PEDRO SIMON - Agradeço o aparte de V. Exª, mas posso informar que nem o Presidente Itamar Franco, nem eu, nem o então Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, sabíamos deste fato. A Nação não sabia, o que é natural. Como íamos adivinhar? Na realidade, a ser verdade, feia foi a atitude do Sr. José Milton Dallari, que tinha de dizer que não poderia aceitar o cargo.

Certa vez, o Presidente Itamar Franco convidou o Sr. Antônio Ermírio de Moraes para ser Ministro das Minas e Energia e ele respondeu que agradecia emocionado o convite, mas não poderia aceitar porque sua empresa tinha enormes interesses ligados a esse Ministério - minas, alumínios etc. Ficaria, pois, numa posição muito delicada: ele, como Ministro de Minas e Energia, decidindo sobre setores ligados à sua empresa.

Essa foi uma atitude ética, respeitável. Na ocasião, nem o Fernando Henrique, que estava ali como Ministro da Fazenda; nem eu, como Líder do Governo, e nem o então Presidente Itamar tínhamos nos dado conta desse detalhe. Foi ele quem nos alertou para o fato.

A mesma situação é a do Sr. Dallari, ele deveria dizer o mesmo. O que aparece no jornal, a ser verdade, é que são R$500 mil na declaração de Imposto de Renda da sua empresa, correspondendo a praticamente R$45 mil por mês. Se a pessoa está ganhando essa quantia por mês, é uma boa empresa, que vai muito bem, é um belo trabalho. Mas sair de lá para ganhar R$5 mil? Poderia sair, não vejo nada de mais. Se ele saísse de onde está para prestar assistência ao Ministério da Cultura ou da Justiça, tudo bem, mas prestar assessoria ao setor que está diretamente ligado à sua empresa e às empresas que administra, que dá assessoria? Perdoe-me, meu amigo Dallari, mas é um grave e profundo erro cometido. Ele não tinha o direito de fazer isso com o Ministro Fernando Henrique, com o Presidente Itamar e com o atual Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Agora, com relação ao atraso, discordo de V. Exª, nobre Senador Eduardo Suplicy. Penso que esse é um assunto que pegou o Governo num impacto tão grande que ele tem obrigação de analisar, estudar, aprofundar-se, de ver o que está acontecendo. Inclusive a informação que tenho é que o Governo já nem está esperando a conclusão do inquérito, está acreditando que o assunto é tão sério que impede o Sr. Dallari que peça demissão antes da apuração do inquérito. Penso que vai acontecer isso.

Sr. Presidente, outro dia um nobre Senador do PSDB, nosso querido amigo pelo Amazonas, em nome do PSDB, veio a esta tribuna e debateu essas matérias das nomeações de um governo, de uma situação delicada igual a esta que estamos atravessando, onde as interrogações são enormes, o cumprimento do dever não sabemos como é.

Não nego aos senhores que, pela primeira vez na minha vida, encontrei-me numa situação difícil com a minha consciência. Foi o problema da PETROBRÁS, do minério. Sou um guri que vim da luta pelo petróleo, batalhando por essas causas e, de repente, as coisas estão assim. O meu problema é saber onde está a realidade. Será que o mundo mudou tanto? Penso que não.

Então, numa hora como esta, o Governo não pode deixar de ter o seu comportamento. Tenho mágoa com relação ao meu Presidente Fernando Henrique, porque, quando eu quis fazer a CPI dos Corruptores, agiu mal o Governo quando não o permitiu; agiu mal o PSDB quando pediu ao seu líder na Câmara dos Deputados - graças a Deus não aconteceu no Senado - para retirar as assinaturas que o Deputado José Genoíno estava colhendo, e que já haviam sido dadas. Foi determinada a retirada. E ao PFL, ao PSDB e ao PMDB foi determinado que não assinassem mais, caso ainda não o tivessem feito, sob o argumento de que ética e corrupção eram assuntos do passado. "Agora, é a hora da reforma" - disseram - "e o Senador Pedro Simon queria alterar, complicar o processo da hora em que estávamos vivendo, trazendo um assunto que já havia passado".

No Congresso, há momentos. Vivemos o momento do impeachment, que deve ser esquecido; vivemos o momento da CPI do Orçamento, que já passou. Agora, estamos no momento das reformas. Concordo que este seja o momento das reformas, para as quais devemos dar prioridade. Mas isso não significa que tenhamos que jogar o lixo para baixo do tapete para, daqui a algum tempo, ver o que sobrou dele.

Quanto a esta parte, discordei e discordo de Sua Excelência, o Presidente Fernando Henrique Cardoso. Penso que cometeu um lamentável equívoco na sua biografia, quando proibiu a CPI do Congresso Nacional para estudar o terceiro tempo, que eram exatamente os corruptores. Mas, se fez isso, se, levado pela sua assessoria, lamentavelmente, extinguiu a CEI - Comissão Especial de Investigações, se até hoje não se tem instalada uma ouvidoria, para ouvir e ser a ligação da sociedade com o Presidente da República, a sua responsabilidade é muito maior! Não concordo com isso.

Se há algo, Sr. Presidente, que estamos tentando mudar - e V. Exª tem parcela aqui no Congresso, como tem o Presidente da Câmara - é exatamente a imagem no sentido da dignidade, da correção e da seriedade. Não adianta mudar a Constituição, não adianta mudar o mundo, se, a certa altura do campeonato, os "Srs. Dallaris da vida" têm uma empresa e não têm a conduta ética da seriedade de dizer "não posso ser o encarregado de fixação de preço, pois tenho aquela empresa".

Essa não é uma questão de lei, de Constituição ou de reforma, mas de consciência, de formação, de personalidade, de espírito e de dignidade. Isso que o meu amigo Fernando Henrique Cardoso tem que ter presente. O homem de bem, sério, digno que foi, o sociólogo, o homem que lutou, que resistiu, o homem que tem uma vida familiar e pública que é uma linha reta, não pode fazer esse tipo de concessão a nenhum título! Não pode fazer esse tipo de concessão, pois sabemos quando se faz a primeira concessão, mas não sabemos quando se faz as outras.

Sabemos que, quando nos desviamos da rota certa e vamos por um outro lado, fazendo uma pequena concessão para agradar a fulano ou para evitar um equívoco, posteriormente, Sr. Presidente, desviamos a rota, e o caminho muda. É célebre o final daquele livro O Julgamento de Nüremberg, quando o presidente de julgamento da Suprema Corte Americana condenava à morte um amigo íntimo seu, de grandes reuniões de intelectuais do mundo inteiro, que foi o chefe da política de natalidade, da política de avanços do nazismo, e este, como última vontade pede para falar com o presidente da Corte americana. Quando o presidente chega à sua cela, ele lhe fala: "Gostaria apenas de saber como cheguei até aqui. V. Exª me conhece das reuniões que fizemos, V. Exª como jurista e eu como cientista. Sempre fui um cientista, nunca tive idéias, nunca tive ideologias, nunca fiz política partidária, enfim, não tive absolutamente nada, fui sempre um cientista do mundo. Sendo assim, como poderia ter participado desses absurdos ditos no tribunal?" Responde o presidente: "Quando apareceu o primeiro judeu ou seja lá quem for e você abriu mão da ética e da seriedade pela primeira vez.. O resto veio depois."

Como irmão, dou este conselho ao Presidente Fernando Henrique Cardoso. Ele não pode abrir mão dessa seriedade, dessa correção, enfim, do que caracteriza a sua vida e a sua biografia. Ninguém lhe pode dar lição. Ele tem que dar lição ao Brasil porque foi eleito Presidente da República por várias razões, sendo essa a principal.

Se me perguntarem por que o Brasil votou em Fernando Henrique, vou responder que votou por várias razões. Eu votei por inúmeras razões, mas essa foi a principal, pois sabia que Fernando Henrique era um homem de bem, um homem digno, um homem correto, e sabia também que poderia olhar para os meus filhos e dizer que tenho um Presidente que vai fazer com que o meu País dê certo.

O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PEDRO SIMON - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Eduardo Suplicy - É apenas um complemento de informação. Tenho uma preocupação: será que o Presidente Fernando Henrique Cardoso desconhecia esse fato? Era sabido que o Sr. José Milton Dallari, em governo anterior, quando do tempo do Ministro Antônio Delfim Netto, havia sido membro responsável pelo controle de preços, tendo se especializado nesta área. Posteriormente, com uma atividade privada, tornou-se consultor de entidades empresariais, especializado justamente na área de diálogos sobre a questão de preços. Então, sabia-se pelo menos que tinha essa atividade; isso era do conhecimento, imagino, das autoridades governamentais anteriores. O que seria de esperar é que, uma vez vindo ao Governo, de pronto deixasse aquela atividade na qual havia se especializado, pois não poderia estar agindo ao mesmo tempo dos dois lados, como agora parece e segundo as informações estaria ocorrendo. Creio que isso aumenta a responsabilidade do esclarecimento por parte do Governo.

O Sr. José Eduardo Dutra - V. Exª me permite um aparte, nobre Senador Pedro Simon?

O SR. PEDRO SIMON - Pois não, nobre Senador José Eduardo Dutra.

O Sr. José Eduardo Dutra - Nobre Senador Pedro Simon, gostaria de acrescentar alguns pontos ao pronunciamento de V. Exª. Quando, na segunda-feira, fiz um pronunciamento aqui, nesta Casa, sobre a questão do Sr. José Milton Dallari, disse que, a serem verdadeiras as informações dadas pela revista Veja, o Sr. Milton Dallari deveria ser afastado imediatamente, sem prejuízo de outros procedimentos de natureza jurídica que porventura viessem a ser tomados. Acredito que o Governo, nesse caso, realmente adotou uma postura de avestruz, enfiando a cabeça no chão como se não fosse com ele, como se a questão dependesse, única e exclusivamente, de uma decisão do próprio Milton Dallari. Outro aspecto é que o próprio Legislativo tem que encarar isso como uma responsabilidade para nós, legisladores. A Nação brasileira não pode ficar na dependência de que um ou outro cidadão tenha um gesto ético para aceitar ou não cargos que porventura se choquem com sua atividade profissional. O Congresso Nacional tem que dar uma contribuição para a profissionalização da máquina pública brasileira. Precisamos aprovar aqui algum tipo de legislação que, a exemplo do Banco Central, da Receita Federal, exija de diversos cargos alguns pré-requisitos para as pessoas que venham a ocupá-los. Outro aspecto que o Congresso Nacional, particularmente o Senado Federal, tem que estar atento - até aproveitando a referência de V. Exª à CPI dos corruptores - é que estamos entrando agora no processo de privatização do setor elétrico, de flexibilização do monopólio estatal das telecomunicações e possivelmente da PETROBRÁS. Sabemos que nesse processo de flexibilização, com certeza, diversas dessas empresas que seriam alvo dessa CPI dos corruptores vão participar. Portanto, é inadmissível que esse processo se inicie sem que consigamos dar o terceiro passo, a que V. Exª já se referiu, com relação à CPI dos corruptores. É também inadmissível que essa CPI, que foi pedida nesta Casa, através de requerimento de V. Exª, que teve as assinaturas regimentais, ainda não tenha sido instalada por falta de designação dos membros, particularmente dos membros dos partidos da base de apoio do Governo. Queria aproveitar esse pronunciamento de V. Exª para fazer um apelo às lideranças dos partidos do Governo, para que indiquem seus membros que comporão essa CPI, porque sabemos que é muito perigoso iniciar o processo de privatização, principalmente do setor elétrico e das telecomunicações, sem o cumprimento dessa tarefa que a CPI do Collor e a CPI do Orçamento legaram aos atuais parlamentares. Muito obrigado.

O SR. PEDRO SIMON - Senador Suplicy, falo com a mais absoluta convicção. O Presidente Fernando Henrique não sabia que o Sr. Dallari tinha essa empresa e estava ligado a essa atividade. Por que tenho essa convicção? Em primeiro lugar, quero dizer que durante muito tempo eu podia ser até co-responsável, porque o Sr. Dallari foi para o Governo durante da gestão do Sr. Itamar Franco. Quer dizer, o Sr. Itamar Franco também participou. Vamos deixar claro, não é preciso ninguém me dizer isso, porque eu já estou falando.

Durante todo o período em que fui líder do Governo, das várias reuniões que participei com o Sr. Fernando Henrique, Ministro da Fazenda, com o Presidente da República, com o Sr. Dallari, das vezes que viajamos de avião, nunca me passou pela cabeça que o Sr. Dallari tivesse essa outra atividade.

Não tenho nenhuma dúvida que o Sr. Fernando Henrique Cardoso não sabia que havia esse outro tipo de ligação, que ele tinha uma empresa, até por que nunca ouvi falar; de repente aparece a empresa, aparecem esses nomes e isso que aconteceu. Então, levantar dúvida sobre se o Sr. Fernando Henrique sabia ou não, eu respondo, com toda a sinceridade, quer dizer, respondo por mim. Tenho convicção absoluta de que S. Exª não sabia.

Em segundo lugar, uma demissão dessa natureza é algo sério. Com todo o respeito à revista Veja e às informações fornecidas pelos jornais, quero dizer que deve haver algo que comprove isso, que nos faça analisar, com profundidade, essa questão.

O Governo tem que fazer o que deveria ter feito anteriormente, mas não há nada. A prova disso é que foram publicadas as notícias, e, até agora, nada foi feito. O normal é ter.

Quando eu ocupava a Pasta do Ministério da Agricultura do Governo do Presidente José Sarney, em cada Ministério havia um setor do SNI. Foram feitas as nomeações. De repente, a minha secretária me disse: "Há um coronel que quer falar com V. Exª". O coronel entrou em meu gabinete e disse o seguinte: "Quero-lhe dizer que tudo que V. Exª fez não vale nada; está tudo anulado". Eu lhe perguntei: "Como pode estar tudo anulado?" Ele me disse: "Está tudo anulado porque eu não dei a concordância. Para que os cargos do Ministério da Agricultura sejam designados, os nomes indicados devem ser enviados a mim; faço um levantamento e, depois, digo ao Ministro se a nomeação pode ou não ser feita. Como V. Exª não procedeu dessa forma, a sua designação não vale nada". Eu lhe disse: "Muito obrigado. Pode sair". Fui falar com o Presidente José Sarney e com o Ministro-Chefe do SNI e, ao perguntar a respeito do ocorrido, disseram me que isso existia e que não sabiam como iriam proceder a respeito. Eu decidi o que fazer. Demiti o coronel. O General Leônidas Pires me indicou o nome do Coronel Brochado, que foi aqui um cidadão excepcional, um gaúcho que mora em Brasília, e eu o chamei ao meu gabinete e disse-lhe: "O senhor vai exercer esse cargo, com tais atribuições. Mas tem o seguinte: não quero saber se o homem é comunista, nem se é subversivo, não quero saber da vida de ninguém; quero saber sobre a seriedade da pessoa. A partir do Ministro Pedro Simon e da sua mulher, o senhor tem a responsabilidade de fazer investigações e de me trazer tudo o que o senhor souber a respeito das coisas que estão acontecendo no meu Ministério".

O Presidente Sarney deve se lembrar dos inquéritos que tive de conduzir naquele ano em que fui Ministro durante o seu governo. Um, inclusive, V. Exª, Sr. Presidente, com lágrimas nos olhos, assinou a demissão: tratava-se de alguém que fora indicado por Tancredo Neves. Andando pelo Rio Amazonas com o pai dele, um grande jornalista e um grande escritor da Academia Brasileira de Letras - colega de V. Exª, Presidente Sarney -, o Presidente Tancredo (ao pai) havia oferecido esse cargo no IBDF. E o guri estava lá. Lamentavelmente, veio um dossiê e esse rapaz estava envolvido. Eu levei o caso ao Presidente Sarney que o demitiu com profunda mágoa dizendo: "Você não sabe, Pedro, o que isso está me custando, pela amizade, pelo carinho e pelo afeto que eu tenho pelo pai dele". E quem me trouxe essas informações? Foi o Coronel Brochado.

Eu acho que esse procedimento é natural em qualquer governo democrático. Como é que eu vou saber sobre a idoneidade das pessoas? Como é que vou nomear alguém sem saber quem é, quem não é, de onde vem, e de onde não vem? O Presidente Itamar Franco nomeou um cidadão de conduta excepcional para o Ministério da Agricultura, um homem que durante 10 anos mais ou menos foi Secretário da Agricultura do Governo do Distrito Federal, Presidente da Associação Comercial, uma pessoa acima do bem e do mal. Quarenta e oito horas depois, saiu uma manchete nos jornais dizendo que ele havia cometido um duplo homicídio, que havia sido pronunciado, isto é, denunciado, processado, mas o julgamento não fora ainda realizado. Ele teve que se demitir, ele foi demitido.

Essas coisas não podem acontecer numa democracia normal, não devem acontecer. E se acontecerem, assim como aconteceu com o Sr. Milton Dallari e o ex-Ministro da Agricultura, não se pode culpar o Governo.

Disse o nobre Senador que temos que criar um órgão para estabelecer formas através das quais "os Dallari da vida" não possam ocupar cargos conflitantes com as empresas que possuem. Concordo com essa idéia, mas fico a pensar: que tipo de lei poderíamos criar?

Tenho um projeto de lei sobre esse assunto, que redigi tendo por base um projeto americano, que estabelece que para candidatos a cargos de instituições como o Banco Central e o Banco do Brasil devem ser observadas algumas condições que impossibilitem tirar proveito do cargo público a ser ocupado.

A verdade, no entanto, é que é difícil estabelecer em lei aquilo que a rigor é um problema ético, de consciência. Temos muitos exemplos no Brasil: o Código de Trânsito estabelece que pode ser punido o cidadão que buzina na frente de um hospital; pode ser punido o cidadão que passa em alta velocidade na frente de uma escola. Que tipo de punição posso determinar para alguém que vê um hospital e não imagina que ali pode estar um filho dele ou alguém morrendo e que ali não é lugar de buzinar? Que orientação eu posso dar para um cidadão que vê uma escola e não entende que ali tem que baixar a velocidade porque as crianças podem estar atravessando a rua? No entanto, existem dispositivos no nosso Código de Trânsito que estabelecem que é infração quem faz isso. Mas de que adiantam essas normas se não temos uma consciência cívica nesse sentido?

É o mesmo caso do Sr. Dallari. Ele tinha obrigação de agradecer ao convite do Senhor Fernando Henrique, não aceitá-lo, e dizer que, em sua empresa, ele ganha R$ 50 mil por mês, e não podia dispensar essa quantia para assumir um emprego em que ganharia R$ 5 mil, além de o serviço ser conflitante com a empresa de sua propriedade. Essa é uma questão racional e colocar isso em um projeto de lei é estranho.

Então, são esses fatos que o Senhor Fernando Henrique Cardoso e o seu Governo têm que, a priori, policiar. Precisa haver um setor de inteligência para fazer esse tipo de controle. Essa é a coisa mais natural que pode acontecer.

Eu, Governador de Estado, na hora de fazer as indicações, perguntava, procurava ver a ficha dessas pessoas para poder saber quem eram. Tive surpresas dramáticas, pessoas que eu havia escolhido e não pude indicar, e que seriam meus principais assessores, pelas mais variadas, tristes e infelizes questões. Alguns até não entenderam minha atitude, mas eu não pude fazer as indicações. Por quê? Porque as informações que recebi mostraram-me que não era possível.

Já havia escolhido, há muito tempo, um amigo meu, grande companheiro, para ser Diretor do banco estadual. Mas, quando cheguei ao Governo do Estado, os empresários vieram dizer-me da impossibilidade dessa escolha, apontando-me como motivo, entre outros, o fato de ele ter uma firma falida. Como poderia indicar para Diretor do banco estatal uma pessoa que estava vivendo essa situação no momento? Ele não entendeu, mas não pude nomeá-lo. Como poderia fazê-lo?

Isso é natural. Afirmo que o Presidente da República deve ter um órgão como a SEI ou esse tipo de assessoramento e não pode dobrar-se a nenhuma insinuação que fuja de uma linha reta, venha de quem for. Isso é fundamental para o seu governo; o resto vem depois.

Se me permite, Senhor Fernando Henrique Cardoso, mais importante do que o combate à inflação é a dignidade e a seriedade do Governo.

Diz o Senhor Fernando Henrique - e com razão - que o maior inimigo do povo brasileiro é a inflação e que devemos fazer tudo para que ela não exista. Isso é verdade.

Cedemos tudo que for necessário, porque inflação zero ou perto de zero é o início para tudo que vem depois. Agora, cedemos tudo, mas mais importante até do que combater a inflação é a ética, a seriedade e a moral que o Senhor Fernando Henrique Cardoso sempre teve e que seu governo deve continuar tendo.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 10/08/1995 - Página 13709