Discurso no Senado Federal

20 ANOS DA COMISSÃO PASTORAL DA TERRA (CPT).

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • 20 ANOS DA COMISSÃO PASTORAL DA TERRA (CPT).
Publicação
Publicação no DCN2 de 10/08/1995 - Página 13716
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, ENTIDADE, IGREJA CATOLICA, APOIO, REALIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA, PAIS.

A SRª MARINA SILVA (PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando vejo este plenário tão vazio, sinto um certo desestímulo para analisar algumas questões que são, do meu ponto de vista, muito relevantes.

No entanto, os que aqui estão não devem omitir aquilo que gostariam de dizer em função da ausência dos demais colegas, alguns até por compromissos muito justos.

Há uma semana, estou tentando registrar o aniversário da Comissão Pastoral da Terra, que chegou à maioridade, completando vinte anos de idade, ela foi fundada em 1975. 

Eu gostaria de fazer este registro porque a Comissão Pastoral da Terra tem sido um verdadeiro sal da terra  
na luta em defesa da reforma agrária. A CPT, órgão ligado à Igreja Católica, tem dado uma verdadeira contribuição no sentido de lutar pela terra, pela liberdade e pela vida.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, segundo os dados levantados pela CPT, instituição bastante séria, em nosso País existem 4,8 milhões de estabelecimentos rurais com menos de 50 hectares, ocupando uma área equivalente a 3,2% das terras agricultáveis do País. Contraditoriamente, 50 mil com mais de 1.000 hectares ocupam 43,8% das terras agricultáveis do País.

Dos 38 milhões de habitantes da área rural, 73% têm renda inferior à linha de pobreza, no caso os trabalhadores rurais. Metade dos 32 milhões de indigentes deste País está na zona rural.

Nos últimos dez anos, a Comissão Pastoral da Terra registrou 942 assassinatos de trabalhadores rurais, advogados, lideranças sindicais e religiosas ligados à luta pela terra. Nos últimos 20 anos, apenas 52 casos de homicídios por conflitos da terra foram a julgamento. Entre esses 52 casos, quero citar aqui o assassinato de Chico Mendes, cujos assassinos, embora tenham ido a julgamento e sido condenados, estão foragidos.

Dos assalariados, somente 22,5% possuem carteira assinada. Existem aproximadamente 2,8 milhões de trabalhadores rurais com idade entre 10 e 14 anos, o que é um crime, uma vergonha, porque o Brasil desponta como um dos países que mais têm utilizado a mão-de-obra infantil, muitas vezes de forma criminosa, como é a escravidão infantil.

Em 1994, foram registrados 25.193 casos de trabalho escravo, 5.233 a mais que em 1993.

Esses dados da Comissão Pastoral da Terra são importantes. É numa realidade como essa que a Comissão tem atuado, juntamente com sindicatos, autoridades, pessoas preocupadas com a luta pela reforma agrária. Existem aqueles que têm medo da expressão reforma agrária, porque a mesma foi por demais ideologizada. Há um preconceito muito grande contra essa expressão.

A luta pela democratização da terra se define nos seguintes termos, segundo a CPT:

      "Esta reforma agrária ampla e integral deve começar por uma redefinição do conceito de propriedade produtiva, enfatizando a função social da terra; uma legislação que viabilize as desapropriações para fins de reforma agrária; a participação das organizações da sociedade civil, com o controle dos trabalhadores neste processo; a regularização da posse, dos assentamentos e ocupações existentes; a imediata arrecadação das terras públicas e desapropriação das áreas de conflitos e dos 166 milhões de hectares aproveitáveis e não explorados, para fins de reforma agrária; uma política de incentivo à organização da produção, comercialização e industrialização dos pequenos produtores, garantindo-lhes créditos subsidiados e um programa de educação adequado à realidade do campo e à necessidade dos trabalhadores.

Esses dados e essa proposta de reforma agrária, com certeza, levariam alguns dos senhores a fazer uma indagação: por que uma instituição que é ligada à Igreja - e a Igreja deveria estar preocupada muito mais com as coisas do espírito - preocupa-se tanto com problemas materiais, inclusive com um até bastante complicado, que é a propriedade da terra? Até parece - alguns poderiam pensar, e muitos, às vezes, partem dessa premissa - que a Igreja Católica estaria contrariando aquele versículo bíblico, do qual todos os senhores aqui talvez tenham conhecimento, em que Jesus recomenda: "Olhai os lírios no campo. Eles não ceifam, nem fiam, e nem mesmo Salomão, na sua grande glória, se vestiu tão bem quanto eles".

Pareceria uma afronta a Igreja preocupar-se com coisas materiais, quando a recomendação da Divindade Maior é que não nos preocupemos com tais coisas. Só que há outro aspecto da questão. Os lírios do campo tinham onde fincar as suas raízes, e é exatamente na terra que eles as fincam para produzir seiva, fruto, beleza e, principalmente, para mostrar a grandeza de Deus, que na sua sabedoria não precisa ceifar, não precisa fiar. Basta que se tenha a terra para fincar as raízes. É por isso que considero mais do que correta a preocupação da CPT em defender terra, justiça e liberdade para a maioria de trabalhadores sem terra.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a preocupação da Igreja Católica em lidar com questões sociais, em muitos momentos, tem-lhe trazido algum tipo de prejuízo junto aos seus fiéis, mas tem também causado um grande respeito junto às camadas populares da sociedade. Acredito mesmo que muitas vezes devamos nos preocupar - e a Igreja deve se preocupar - com as coisas do espírito. Não devemos nos esquecer de que o espírito se abriga em um templo, que é o corpo do homem. Se não cuidarmos corretamente desse templo, com certeza o espírito perece.

Quero, mais uma vez, registrar meu apoio ao procedimento da Comissão Pastoral da Terra por lutar pelas coisas do corpo, porque se deve cuidar tão bem dele quanto do espírito.

Para concluir Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, faço a leitura de um lamento, que é do próprio Jesus Cristo, em homenagem aos trinta e dois milhões de trabalhadores que não têm teto nem comida.

Disse Jesus quando estava passando por grande dificuldade: "As aves do céu têm um ninho, as árvores da terra têm onde fincar suas raízes, mas o filho do homem não tem onde pôr a cabeça".

Em nome daqueles que não têm onde pôr a cabeça, este País deve dar as possibilidades para que os mais de 5 milhões de trabalhadores sem-terra, aqui existentes, possam ter onde pôr a cabeça.

Com essas palavras, quero agradecer, respeitosamente, pela existência da Comissão Pastoral da Terra.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 10/08/1995 - Página 13716