Discurso no Senado Federal

GRAVIDADE DA CRISE PELA QUAL ATRAVESSA O SETOR PRIMARIO DA REGIÃO NORDESTE, EM PARTICULAR O SUCRO-ALCOOLEIRO.

Autor
Guilherme Palmeira (PFL - Partido da Frente Liberal/AL)
Nome completo: Guilherme Gracindo Soares Palmeira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA.:
  • GRAVIDADE DA CRISE PELA QUAL ATRAVESSA O SETOR PRIMARIO DA REGIÃO NORDESTE, EM PARTICULAR O SUCRO-ALCOOLEIRO.
Aparteantes
Geraldo Melo, Josaphat Marinho, Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DCN2 de 08/08/1995 - Página 13542
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • APREENSÃO, ORADOR, GRAVIDADE, CRISE, SETOR, PRODUÇÃO, ALCOOL, REGIÃO NORDESTE, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DE ALAGOAS (AL), FECHAMENTO, USINA AÇUCAREIRA, AUMENTO, INDICE, DESEMPREGO, RESULTADO, IMPLANTAÇÃO, PLANO DE GOVERNO, ECONOMIA, ESTABILIDADE, MOEDA, REAL.

O SR. GUILHERME PALMEIRAS (PFL-AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o tema que volto a abordar desta tribuna talvez se torne cansativo, podendo até se tornar monótono, mas, como representante de um Estado sofrido, encravado numa região como é o Nordeste brasileiro, também não poderia estar ausente de descrever o sofrimento do meu povo, da minha gente, com as crises que enfrentamos, especialmente decorrente da falta de estímulo ao setor produtivo.

Ao falar no setor produtivo, partimos da agricultura. Depois das brilhantes palavras aqui expostas por vários companheiros, talvez o que eu venha a dizer se torne insignificante. Hoje mesmo vimos um belo debate sobre as dificuldades que enfrenta a agricultura no País, em seu todo. Creio que é uma grande contribuição para que o Governo desperte e veja que, sem um estímulo, sem uma presença nesse setor, o País jamais crescerá.

No último mês de junho, em pronunciamento a esta Casa, analisei as conquistas do Plano Real, às vésperas do seu primeiro aniversário, e a contribuição que o Congresso Nacional está dando ao processo de modernização institucional do País. No entanto, não era só ao sucesso do plano que aludia o discurso. Referia-me também a duas graves questões que, em meu entender, estavam e continuam a exigir providências do Governo. A primeira dizia respeito aos setores produtivos que, em virtude da abertura da nossa economia, estavam perdendo competitividade, enquanto a segunda tratava, em termos amplos, da política agrícola e, em particular, da situação do setor sucroalcooleiro em todo o Nordeste. Chamei a atenção para o fato de que, no meu Estado, Alagoas, cuja realidade conheço mais detidamente, a crise tinha levado ao fechamento de seis usinas e à dispensa de quase 54 mil trabalhadores, número que em todo o Nordeste deve atingir mais de 100 mil empregados, com repercussões na vida de, pelo menos, 300 mil pessoas.

Uma vez que analisei em detalhes as razões dessa crise, não pretendo - ou não pretendia - voltar ao assunto, muito embora a maioria dos motivos e conseqüências por mim apontados continue a inquietar-me e a preocupar, suponho, a representação nordestina nesta e na outra Casa do Congresso Nacional. O interregno do recesso parlamentar, que nos permitiu retomar os indispensáveis contatos com a realidade de nossos Estados, reforçou-me a convicção de que é imprescindível persistir na busca de soluções que, lamentavelmente, fogem ao nosso alcance, na medida em que se inserem na esfera de competência do Executivo, tanto na União, quanto nos Estados.

É até possível, Sr. Presidente, que a estabilidade da moeda, os rumos da economia e a conjuntura internacional tornem dispensável e superem o papel estratégico que teve o Programa Nacional do Álcool, na década de 70, durante as duas sucessivas crises do petróleo. Posso até admitir que o maior programa de produção de energia renovável em todo o mundo não tenha mais para o País a relevância e o significado que teve numa quadra terrível para o mundo industrializado. Posso, inclusive, aceitar que a emergência do fundamentalismo islâmico não chegará, por muitos anos, a afetar o equilíbrio entre a produção e o consumo dos combustíveis fósseis, quer por sua substituição por outras formas de energia alternativa, quer pela circunstância de que, quando e se isso ocorrer, já teremos alcançado a suficiência na produção interna de petróleo.

Nada disso, no entanto, nos permite, dentro do quadro atual, voltarmos as costas ou nos tornarmos alheios e indiferentes à realidade dramática e compungente que emerge do fechamento de usinas e destilarias e do fim de uma secular atividade agroindustrial que a história e a evolução econômica fragilizaram e tornaram inviável. Todos nós sabemos que o processo de mudança e reconversão industrial é perverso e ao mesmo tempo irreversível em todo o mundo. Os exemplos são muitos, mas nem por isso menos dolorosos. O caso da indústria extrativa do carvão durante o Governo da ex-Primeira-Ministra Margareth Thatcher, na Inglaterra, é um desses exemplos, da mesma forma como a extração do carvão e siderurgia no antigo Vale do Ruhr e em quase toda a Europa comunitária. Ainda recentemente, durante o recesso parlamentar, tive oportunidade de ler que na primeira potência industrial do mundo já não existe nenhuma empresa genuinamente americana que produza aparelhos de televisão. O mesmo fenômeno que ocorreu com a outrora poderosa indústria siderúrgica nos Estados Unidos ameaça hoje sua indústria automobilística, envolvida em uma guerra comercial com o Japão.

Estes exemplos, porém, Srªs e Srs. Senadores, não guardam qualquer semelhança, embora tenham relação ainda que remota com o que ocorre no setor sucroalcooleiro do Nordeste. Os trabalhadores dos canaviais do Nordeste não têm o poder, as condições, nem os recursos dos mineiros ingleses, capazes de desafiar e enfrentar, durante onze meses, o mais poderoso e inflexível Governo da Grã-Bretanha neste século. Não dispõem dos recursos, dos meios materiais e dos programas sociais proporcionados pelos setores mais fortes e poderosos da economia da União Européia, para a reconversão siderúrgica realizada nos principais países europeus. Não contam, por outro lado, com os fundos públicos e privados que sustentaram o virtual desmantelamento da indústria siderúrgica norte-americana. Por não terem à sua disposição meios financeiros, proteção legal nem programas sociais, a alternativa que lhes resta, Sr. Presidente, é o êxodo, a miséria, a fome, o abandono e o doloroso caminho do infortúnio, que vai, necessariamente, engrossar os índices de desnutrição, as taxas de mortalidade infantil e os indicadores de marginalização social, por mais promissoras que sejam as expectativas do futuro em nosso País.

O Sr. Lauro Campos - Senador Guilherme Palmeira, V. Exª me concede um aparte?

O SR. GUILHERME PALMEIRA - Concedo o aparte ao nobre Senador Lauro Campos.

O Sr. Lauro Campos - Sr. Senador, quero congratular-me efusivamente com a maneira pela qual V. Exª saúda o primeiro aniversário do Real. Se todos os parabéns recebidos pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso contivessem esse teor de consciência da realidade brasileira, do desastre que tem representado para o setor canavieiro, como V. Exª enfatizou, para o setor de calçados de Vale dos Sinos, de Franca, de Minas Gerais, para o setor de tecidos do Ceará, por exemplo, onde cerca de 90% do setor foi destruído em virtude da vitória do Plano Real, o Presidente Fernando Henrique Cardoso ficaria muito contrariado em receber esse tipo de apoio. Eu me preocupo, tanto quanto V. Exª, com as conseqüências sociais deste Plano Real. Em nome de um aparente combate à inflação, que já se mostra cada vez mais precário, estamos pagando um imenso custo social. O nosso desemprego se aproxima do da Argentina, 18%, o que deveria ser preocupante. Parece que o Presidente Fernando Henrique Cardoso, que continua ameaçando, através do Sr. Bresser Pereira, demitir oitenta mil funcionários, fechar agências do Banco do Brasil e da Caixa Econômica, desmantelar o Estado, parece que Sua Excelência fez uma divisão de trabalho com a sua esposa: ela fica com as atividades sociais e ele fica com as anti-sociais. Essa divisão de trabalho parece ter sido feita domesticamente, e temos aí as conseqüências do poderio patriarcal e de sua sobrepujança em relação ao poderio matriarcal da Primeira-Dama. Congratulo-me com essa demonstração de consciência e com esse aplauso que deveria ser o mesmo encaminhado por todos aqueles que apóiam conscientemente a conduta política e econômica-financeira do Presidente Fernando Henrique Cardoso.

O SR. GUILHERME PALMEIRA - Muito obrigado, Senador Lauro Campos, minha posição é de alerta. Acredito que o Presidente está desenvolvendo esforços no sentido de acertar e colocar em prática aquilo que ele pregou em seu discurso e em seu programa de campanha, do qual fui e continuo sendo um engajado.

Há distorções e pretendemos alertar a todos para que elas sejam contornadas, a fim de que possamos entrar no rumo que o Brasil necessita, principalmente na área social.

O Sr. Geraldo Melo - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. GUILHERME PALMEIRA - Com muito prazer, Senador Geraldo Melo.

O Sr. Geraldo Melo - Ouço V. Exª com o habitual respeito pela seriedade e competência das suas palavras e desejo contribuir com esse debate. Infelizmente, o setor sucro-alcooleiro, no Brasil, não teve a chance de ver os seus problemas discutidos com isenção. Existe um estereótipo no Brasil. Parece que todos os usineiros do Brasil vestem a roupa do usineiro da Casa Grande e todos os trabalhadores de usina são os trabalhadores da senzala. É como se nada tivesse acontecido desde que Gilberto Freire escreveu o seu monumental estudo sobre a sociologia daquela região, que teve a sua geratriz na relação econômica interna da indústria açucareira. Um imenso preconceito e um extraordinário estereótipo marcaram, ao longo dos anos, a posição de analistas pseudo-independentes, não deixando que se ouvisse a voz de uma indústria que , quando o Brasil precisou de álcool para enfrentar a crise do petróleo, produzia apenas 600 milhões de litros e, dez anos depois, estava apta a produzir 15 bilhões de litros de álcool. Uma indústria que chega a reunir quase 400 empresas e talvez seja a única, a última atividade importante da economia nacional que não tem, na estrutura do seu capital, uma única ação em poder do investidor estrangeiro, sendo total e completamente nacional. Uma indústria que produz o açúcar mais barato, em São Paulo, e o terceiro açúcar mais barato do mundo no Nordeste brasileiro; que recebe a produção de mais de 50 mil pequenos agricultores espalhados praticamente em todas as regiões deste País e emprega, permanentemente, mais de um milhão de trabalhadores. Mas nada disso valeu. Ao longo de toda a sua vida, os problemas dessa indústria têm sido encarados com a mais total e solene indiferença. Basta registrarmos aqui, para que não esqueçamos, que esta Casa, parte do Congresso Nacional, que se dedica à tarefa da elaboração de leis, assiste, neste País, a este espetáculo grotesco em que algumas leis são para cumprir e outras não. O açúcar, por exemplo, não possui preço mínimo porque há uma legislação própria para esse produto. O crédito rural instituído para toda a agricultura não se estende ao setor canavieiro em razão de que esse segmento possui legislação própria. O açúcar não faz parte da cesta básica e nem a sua política de preços obedeceu a qualquer relação com a indústria de alimentos porque, pela sua correlação com o álcool, o preço daquele produto foi dado em função da política de preços dos combustíveis. Essa mesma lei está em vigor desde 1965 e regulamenta a forma de calcular o preço da cana, do açúcar, do álcool e dos derivados, sendo obedecida com relação ao preço do açúcar nos seus aspectos restritivos. O Governo não contratou nenhum usineiro, mas a Fundação Getúlio Vargas para calcular o preço. Ao longo de todos esses anos, sistematicamente, o Governo recebia um preço da Fundação Getúlio Vargas, indicando que valor a lei apontava; o Governo estabelecia outro. Ao longo de todos esses anos, alguns bilhões de dólares foram expropriadas dessa atividade, que agora está naufragando, submergindo, e com ela um grande patrimônio do povo, da sociedade brasileira, nas mãos de proprietários privados; com ela submerge o único mercado, que é o mercado cativo de pequenos agricultores produtores de cana; com ela submerge o emprego de um milhão de trabalhadores brasileiros.

O SR. GUILHERME PALMEIRA - Muito grato a V. Exª, Senador Geraldo Melo. V. Exª, com o conhecimento profundo que tem do setor, quase me inibe a prosseguir na defesa que faço não só da necessidade da recuperação do setor, não só pelo que ele significa economicamente, mas pela importância social que ele efetiva.

Há pouco, eu dizia que milhares de trabalhadores rurais migram para os grandes centros a passarem vexames, necessidades, enfrentando a grande dificuldade de quem não tem o preparo para conviver nos centros urbanos e, mesmo assim, esquecem que o setor produtivo, o setor agrícola, o setor rural é decisivo para o desenvolvimento deste País. Não podemos imaginar, mesmo nessa área açucareira do Nordeste, que não se promova uma reforma agrária profunda, uma reforma agrária sem demagogia, feita dentro da realidade, da cultura do seu trabalhador e do seu empresário.

O que pode oferecer o Estado? O Estado precisa dar uma contribuição, mas não pode simplesmente bancar isso sozinho. Há necessidade de se dividir responsabilidade, sob pena de este País jamais chegar ao estágio de desenvolvimento que desejamos, que sonhamos.

O Sr. Josaphat Marinho - V. Exª permite um aparte, nobre Senador?

O SR. GUILHERME PALMEIRA - Ouço V. Exª, Senador Josaphat Marinho.

O Sr. Josaphat Marinho - Nobre Senador, V. Exª acaba de fazer menção a um pormenor que me parece da maior importância e justifica a minha intervenção. Do ponto de vista geral, V. Exª já situou os problemas que estão atingindo o País no plano sócio-econômico e foi secundado já por dois ilustres Senadores. Queria só assinalar o ponto a que V. Exª se refere. Não está havendo a devida coordenação no plano federativo para a solução dos problemas. As soluções são esgarçadas. Ora são da União, ora são dos Estados e, em algumas hipóteses, de Municípios, quando a extensão dos problemas exige exatamente a coordenação de esforços, sem o que não sairemos das dificuldades presentes.

O SR. GUILHERME PALMEIRA - Perfeito. Muito grato a V. Exª.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o que fazer com famílias inteiras que sobreviviam dura e penosamente com o trabalho sazonal e precário, quando desaparece a única possibilidade de sobrevivência de que dispunham? Não há outro caminho, se não nos movermos, do que o de condená-los, fria, inexorável e egoisticamente, ao terrível e miserável destino de engrossar a periferia dos grandes centros urbanos, como pedintes, indigentes, favelados. Na zona canavieira, dificilmente chegam os benefícios do seguro-desemprego. Lá inexiste para quase todos a precária compensação do FGTS e programas sociais de amparo, ajuda ou estímulo; são quimeras imaterializáveis. Em última análise, não têm, Sr. Presidente, qualquer outra alternativa que não seja a caridade pública. A herança de sucessivas gerações de sertanejos da Zona da Mata não tem sido outra, há séculos, que o conformismo, a submissão, a indigência, o abandono e a sina de uma precária e dolorosa sobrevivência, em que o analfabetismo se multiplica, a fome é endêmica e a dizimação da família o único destino.

Esta é a razão pela qual renovo o apelo que não me foi possível transmitir de viva voz da tribuna, para que o Presidente Henrique Cardoso, que já demonstrou impaciência e inconformismo com a morosidade letal das transformações sociais, volte os olhos para essa dura realidade e tome a iniciativa de mandar coordenar, através de um esforço comum dos órgãos federais, estaduais e municipais diretamente afetados, medidas que amenizem o quadro difícil, penoso e constrangedor daquela região.

Já tendo exercido os cargos de Governador do Estado e de Prefeito da Capital, sei por experiência própria que questões desta natureza têm caráter estrutural que medidas de emergência podem amenizar, mas não resolver. A agilidade da ação pública em casos dessa natureza, no entanto, não significa maior ou menor produção. Não implica melhorar ou piorar os índices de desempenho econômico. Não resulta apenas em diminuir ou agravar o déficit público. Significa preservar vidas, garantir a sobrevivência e significa a terrível diferença entre o respeito à vida e o desprezo pela morte.

Volto a repetir que não tenho dúvidas de que o processo de modernização em que está empenhado o Governo não visa apenas a restaurar a dignidade de uma moeda que durante muitos anos perdeu o significado do poder de compra que toda moeda deve expressar; não tem só o objetivo de dar estabilidade à economia, para que possa cumprir o seu papel de garantir prosperidade ao País. Sei que o caminho da restauração é, na maioria das vezes, mais difícil do que o da própria construção. O que o Presidente Fernando Henrique Cardoso está tentando fazer - acredito - é preparar o Brasil para uma nova era em que a competitividade, a globalização e a inserção no mercado internacional não são apenas conceitos teóricos, mas desafios concretos que temos que vencer, se não quisermos sucumbir à concorrência não só das grandes potências, mas sobretudo das nações emergentes que precisam transformar esperanças em conquistas, sonhos em realidade e expectativas em desenvolvimento. Isso impõe, sem dúvida, sacrifícios, ajustes, ganhos necessários para os mais frágeis e perdas inevitáveis para os mais fortes. Exige abolir privilégios, resgatar a cidadania para todos, reformar costumes, abrandar as diferenças e transformar os vícios que deformaram os próprios alicerces de nossa cultura. Temos que reformar o Estado, não para torná-lo mais frágil, mas para torná-lo mais ágil e eficiente. Temos que repensar a Federação, não para enfraquecê-la, mas para torná-la mais adequada as nossas responsabilidades comuns. Temos que redimensionar a Seguridade Social, não para abolir benefícios justos, mas para viabilizá-la de forma a garantir sua rentabilidade. Temos que reestruturar o sistema tributário para torná-lo menos regressivo e mais impermeável às fraudes. Temos que moralizar os padrões de conduta de todos os agentes do poder público e da iniciativa privada, para banir de vez a tentação do ganho fácil, da corrupção e da fraude.

Nada disso, porém, Sr. Presidente, é responsabilidade solitária de um só mandatário, mas responsabilidade coletiva de todas as instituições. Ninguém tem dúvidas de que o Presidente Fernando Henrique Cardoso está cumprindo sua parte, a começar pela coerência entre o que prometeu como candidato e o que está realizando como Chefe do Governo. Da mesma forma o Congresso Nacional que, sob a liderança firme, serena, equilibrada e patriótica de V. Exª, neste Casa, e do Deputado Luís Eduardo Magalhães, na Câmara, repercute, traduz e manifesta as tendências e os desejos expressos pela maioria da opinião pública do País. As instituições políticas, como em nenhum outro momento da História contemporânea, cumprem o seu papel de representar, em sintonia com o povo brasileiro, as mais reclamadas aspirações nacionais.

Aqui há divergência com respeito, dissidência com dignidade e oposição com espírito público. Tudo isso, Sr. Presidente, reflete o caráter democrático do regime que hoje está instaurado em nosso País. O Brasil enfrenta e supera, com enorme obstinação e elevado senso histórico, um dos seus mais graves desafios, que é o de preparar um futuro com menos injustiças sociais, com mais racionalidade econômica e com razoável estabilidade política.

É possível que, em algum momento, tenhamos errado nós ou tenha errado o Executivo, da mesma forma como provavelmente venham a tergiversar este ou aquele Poder. O que é certo, no entanto, é que já não temos Poderes concorrentes nem instituições em conflito. E isso é essencial para a parte mais dura, mais difícil e mais incerta de nossos desafios. Refiro-me, exatamente, ao grau, à amplitude e à complexidade das questões sociais que temos que superar. É indiscutível que elas se centram nas cinco prioridades do Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso: Agricultura, Emprego, Educação, Saúde e Segurança. É incontestável também que o diagnóstico das principais questões foi feito, com reconhecida competência, em suas "Propostas de Governo", divulgadas na publicação Mãos à Obra, que é, seguramente, o melhor programa de governo já apresentado à sociedade brasileira. É inquestionável, por fim, que o prognóstico das soluções está nesse mesmo documento que, em meu entender, deveria ser o catecismo da ação governamental. São metas, propostas, roteiros, diretrizes e projetos claros, precisos, detalhados e objetivos, só comparável no País, em termos de orientação governamental, ao Programa de Metas do Presidente Juscelino Kubitschek. No que respeita à agricultura, por exemplo, o texto do programa é, mais do que conclusivo; é elucidativo, na medida em que coloca a realidade desse setor e que propõe soluções tão defendidas e tão explicitadas nesta Casa assim como na Câmara dos Deputados.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, esse é um retrato cru, mas fiel e dramático do tamanho daquilo a que me referi antes: o drama principalmente do Nordeste no setor primário. E não é como se tem o setor agrosucroalcooleiro; também se reporta às dificuldades pelas quais passa o cacau da Bahia, a indústria têxtil em Sergipe, em todo o Nordeste, enfim, no País de maneira geral. É o setor produtivo que está vivendo esse drama quando se dá prioridade à estabilização da moeda.

Como eu dizia, não se trata apenas de um problema de descapitalização ou de falta de incentivos e financiamento, mas de algo mais grave e complexo, ou seja, a falta de rentabilidade e, por conseqüência, a falta de viabilidade para os padrões econômicos atuais no Brasil e no mundo.

Como é uma questão estrutural, exige soluções estruturais, não mais paliativas como era tradicional, ou seja, o aumento das linhas de crédito, cuja única conseqüência era aumentar a inadimplência e a falta de liquidez da atividade a que me refiro.

Com muito mais propriedade do que eu seria capaz de propor, as soluções estão apontadas no programa do Presidente Fernando Henrique Cardoso, seguindo várias colocações que já não me cabe repeti-las neste instante, inclusive no setor da agroindústria, bem explicitado no seu programa de metas.

Gostaria de concluir, Sr. Presidente, não sem antes agradecer a tolerância dos poucos que tiveram a paciência de me ouvir, expressando minha confiança na ação política e administrativa do Presidente Fernando Henrique Cardoso, a cujo governo empresto o penhor da minha modesta mas integral solidariedade. Tenho plena consciência de que Sua Excelência o Senhor Presidente da República tenta realizar um ambicioso e duradouro projeto de modernização institucional deste País. À liderança interna, capaz de articular com paciência, obstinação e habilidade uma expressiva maioria de sustentação parlamentar, soma o Presidente um incontestável papel de dar projeção política ao País no concerto internacional, graças não só às suas qualidades pessoais, mas também a um esforço deliberado de colocar na pauta de nossa política exterior questões que adquirem incontestável repercussão internacional.

Esta admiração e este apreço que aqui manifesto não me dispensam porém de preconizar atenção, ação e determinação de seu Governo, relativamente às questões sociais que são prioritárias em seu programa e que nem sempre têm merecido de sua equipe de auxiliares diretos o empenho que a própria estabilidade econômica exige como passo inicial no caminho do abrandamento das disparidades sociais e da erradicação da miséria em nosso País.

O Presidente está ganhando a guerra da estabilidade econômica em que estamos todos empenhados. É preciso, porém, que os lauréis de uma vitória, que ninguém contesta, não sejam os responsáveis pela derrota na batalha social, a que não podemos, por um imperativo de consciência, renunciar, seja a que pretexto for, em nome da solidariedade e da dignidade nacionais.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 08/08/1995 - Página 13542