Discurso no Senado Federal

CONSEQUENCIAS DAS DEMISSÕES NO BANCO DO BRASIL.

Autor
Epitácio Cafeteira (PPR - Partido Progressista Reformador/MA)
Nome completo: Epitácio Cafeteira Afonso Pereira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
BANCOS.:
  • CONSEQUENCIAS DAS DEMISSÕES NO BANCO DO BRASIL.
Publicação
Publicação no DCN2 de 08/08/1995 - Página 13556
Assunto
Outros > BANCOS.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, DECISÃO, GOVERNO, PROMOÇÃO, PROGRAMA, INCENTIVO, DEMISSÃO, FUNCIONARIO PUBLICO, BANCO DO BRASIL, ALEGAÇÕES, NECESSIDADE, MANUTENÇÃO, PLANO, REAL, RESULTADO, AUMENTO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, DESEMPREGO, REDUÇÃO, PODER AQUISITIVO, FAMILIA, POPULAÇÃO, PAIS.

O SR. EPITACIO CAFETEIRA (PPR-MA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, tentei escrever um pronunciamento, mas é muito difícil passar para o papel alguma coisa que está muito dentro de nós. Por isso fiz algumas anotações, para me socorrer no encadeamento do assunto e poder, conseqüentemente, falar daquilo que sinto, como sinto e por que sinto.

O meu último pronunciamento, no primeiro semestre, questionava um assunto que me preocupava: demissões. Demissões que começavam pelo Banco do Brasil, o maior Banco deste País, que, de repente, partia para um programa de demissões voluntárias, buscando demitir entre 15 e 18 mil funcionários. E tínhamos a certeza de que começaria pelo Banco do Brasil e depois caminharia por todo o País.

Hoje, quando me dirigia a esta Casa, ouvia pelo rádio a informação da existência de um programa de demissões voluntárias no Estado de Pernambuco. Ou seja, o meu temor começa a confirmar-se.

Naquele meu pronunciamento, eu dizia que vi o Presidente da República, com os olhos rasos d água, comemorar o primeiro aniversário do Real. Na ocasião, Sua Excelência dizia: "O Real está aí para defender o poder aquisitivo dos salários."

Agora, depois dessas demissões, eu me pergunto: mas que salários? Esses funcionários que foram demitidos ao invés de terem um salário que se deteriorava, passaram a não ter salário algum.

Muitos funcionários do Banco do Brasil assinaram o pedido de demissão voluntária. Houve até quem dissesse: "Estou assinando este documento, mas não quero sair. Estou fazendo isso porque estou sendo pressionado." E a pressão vai começar a funcionar agora. Quem aceitou, recebeu um trocado para assinar a sua demissão voluntária. E quem não assinou? Quem não assinou está sendo transferido, por exemplo, do interior do meu Estado, do interior do Maranhão, para Brasília, para São Paulo, para o Rio de Janeiro, para sobreviver com sua família com um ordenado de R$400,00. Isso quer dizer que será uma demissão - agora sim - pedida, sem nenhum auxílio do Banco; pedida porque não haverá mais a possibilidade de o funcionário sobreviver num grande centro com um salário tão irrisório.

Sou, com muito orgulho, ex-funcionário do Banco do Brasil. Quando entrei, em 1943, o salário inicial era de 10 salários mínimos. Comecei na terra do meu colega Lucídio Portella, lá no Piauí, em Floriano. E havia uma carreira pela frente, na qual todos lutávamos para ascender.

Mas hoje, quando o Banco paga quatro salários a quem está iniciando e convoca os que têm mais de 12 anos de serviço para fazerem um pedido de demissão voluntária, o funcionalismo passa a entender que não tem mais carreira alguma, que tem apenas um emprego; e, assim mesmo, um emprego que não tem nenhuma garantia, porque o optante do Fundo de Garantia pode ser dispensado.

É esse sofrimento pelo qual as famílias dos funcionários do Banco do Brasil estão passando. As lágrimas do Presidente da República eram e são lágrimas de alegria. Mas as lágrimas dos funcionários do Banco e de suas famílias eram lágrimas de tristeza, de sobressalto, de noites indormidas, diante de um quadro avassalador.

Acredito, Sr. Presidente, que muito mais traumatizado está o grupo que está ficando, porque perdeu a confiança na sua carreira; perdeu a confiança no seu empregador. Chegou à conclusão de que não tem carreira alguma, que não existe mais coisa alguma para defender, a não ser o pão de cada dia.

Ora, um homem com 26, 28 anos de serviço, com 45 anos de idade, vai começar a vida onde? Se tivesse começado há 25, 26 anos, vendendo cachorro-quente, talvez, hoje, fosse dono de uma lanchonete. Mas começando no Banco do Brasil, ele não é dono de coisa alguma.

O SR. Josaphat Marinho - V. Exª me permite um aparte?

O SR. EPITACIO CAFETEIRA - Com muita honra, nobre Senador Josaphat Marinho.

O SR. Josaphat Marinho - Senador Epitacio Cafeteira, surpreendente, sobretudo, que me parece, no caso do Banco do Brasil, é que o funcionário desse estabelecimento é, em regra, pessoa que optou por uma carreira, renunciou a qualquer outra tendência ou vocação, fez um concurso, buscando a estabilidade e o crescimento da sua vida e, num dado momento, inesperadamente, como é o caso, sobrevêm as demissões que estão ocorrendo e gera-se uma situação de surpresa e, em regra, para pessoas que já não estão em condições de cuidar de outra profissão. Isto é que me parece extremamente grave para o funcionário do Banco e sua família.

O SR. EPITACIO CAFETEIRA - Agradeço, nobre Senador Josaphat Marinho.

Sobre este assunto, eu me permito ler trechos de um artigo do jornalista Sebastião Nery, que considero da maior importância e muito elucidativo. Diz ele: "Dias atrás, em um café da manhã, o ministro Bresser Pereira me dizia que um dos problemas mais difíceis para o Governo é a falta de quadros. O Estado, que já foi a grande matriz profissional do País, vai vendo seus melhores servidores buscando as empresas privadas, porque o Governo paga mal e não dá futuro." E acrescenta: "Três setores sempre foram as melhores escolas de serviço público no Brasil, Itamaraty, as Forças Armadas e o Banco do Brasil. (...) Agora, o BB lançou o programa para cortar 15 mil dos 115 mil funcionários. Mas, em vez de cortar nas pelancas, no bife, no contrafilé, está cortando no filé.(...) O resultado é a debandada dos melhores. O BB sempre teve uma política de investir em pessoal, incentivar, preparar, formar. Em Brasília, há um "Centro de Treinamento" que é um mundo. Muitos vão para o exterior aperfeiçoar-se. Pois são esses, exatamente os melhores, que estão indo embora."

O Sr. Lúcio Alcântara - V. Exª permite um aparte, Senador Epitacio Cafeteira?

O SR. EPITACIO CAFETEIRA - Com muita alegria, nobre Senador Lúcio Alcântara.

O Sr. Lúcio Alcântara - Tanto o pronunciamento de V. Exª como o aparte do Senador Josaphat Marinho definem, com muita clareza, esse paradoxo. O Banco do Brasil se celebrizou justamente por ter um alto sentido profissionalizante. O Banco do Brasil conscientizou todos os seus funcionários de que era preciso se dedicar integralmente ao Banco, fazer cursos de especialização para ascender na carreira. É inegável que o Banco precisa fazer ajustes, que precisa se adaptar à nova situação da economia, mas ele vai cortar aquilo que me parece ser o maior capital que ele tem, que é o seu pessoal, seus recursos humanos; e semeia dentro do funcionalismo uma espécie de pânico, na medida em que aqueles que não pediram para sair encontram-se agora atemorizados com transferências e remoções que praticamente vão obrigar outros a sair porque com esses vencimentos não há condições de se deslocarem para outros centros do País. Acho que a questão do Banco do Brasil não está suficientemente explicada. Apresentei hoje à Comissão de Economia um requerimento convidando o Presidente do Banco a comparecer àquele órgão técnico do Senado para explicar o que está acontecendo. Notícias que temos, salvo algum Senador que tenha informação mais consistente, são as da imprensa, que dá conta de haver um passivo, um grande número de inadimplentes e que o Banco está em situação extremamente difícil. É possível que nos informemos disso com todo o rigor para que possamos nos posicionar. Há, realmente, uma situação de grande inquietação nos quadros do Banco, e do ponto de vista empresarial as notícias são conflitantes de membros do Conselho Fiscal do Banco, de notas, de empresas de auditorias. Temos o dever, a obrigação, de estar suficientemente esclarecidos sobre isso; daí a razão do meu requerimento. Quero acrescentar que V. Exª está abordando um tema realmente de grande relevância e que não podemos assistir, de braços cruzados, ao que está acontecendo com o Banco do Brasil.

O SR. EPITACIO CAFETEIRA - Agradeço o aparte do nobre Senador Lúcio Alcântara. Aproveitando o que S. Exª. falou, quero dizer uma coisa: a firma contratada pelo banco não propôs demissões. Fez um macroexame da situação do banco e chegou à conclusão óbvia - para a qual não necessitaria grande capacitação: há uma despesa superior à receita, mensalmente. Todavia, o grupo designado pela direção do banco examinou a situação e achou mais simples criar esse processo de demissão voluntária ao invés de aumentar a receita.

O que está matando o Banco do Brasil é algo que se chama inadimplência; outro fator, mais grave, foi a utilização de seus recursos para determinações políticas desviadas das transações normais de uma instituição bancária. O verdadeiro prejuízo do Banco do Brasil não está representado pelos pequenos tomadores de empréstimos, pequenos agricultores inadimplentes. Quem realmente lesou o banco foi o Tesouro Nacional, que, desde o início da década de 80, vem determinando empréstimos e pagamentos não muito claros, sem o devido ressarcimento ao Banco. Exemplo disso foi o pagamento feito enquanto avalista, de dívida do extinto IAA contraída há 17 anos e que, até hoje, não foi devolvido ao banco.

Antigamente, o Banco do Brasil tinha a conta de movimento do Tesouro; então, emprestava o dinheiro do Governo. O Governo mandava emprestar a juros subsidiados, a juros que estabelecia, e o Banco do Brasil emprestava; mas era dinheiro do Governo que estava na conta-movimento. Depois, o Governo mudou sua conta-movimento para o Banco Central; o Banco do Brasil perdeu essa conta-movimento, mas o Governo Federal não perdeu a mania de mandar o Banco do Brasil avalizar e emprestar a juros que estabelecia e para quem bem entendesse.

Tenho aqui - e peço è Mesa que faça constar do meu pronunciamento - a resposta do Requerimento de Informação que fiz sobre os débitos da União para com o Banco do Brasil que totalizam, segundo essa informação, R$3.845.285,00. Isso é o que diz o Banco, que dá a relação dos devedores, por rubrica; a maior delas aqui é do INSS: R$699 milhões; PROAGRO: R$416 milhões. Mas não estão aqui listados, por exemplo, a operação no Iraque - aval dado à firma Mendes Júnior, pelo qual o Banco do Brasil pagou R$806 milhões. Essa operação ficou perdida em função da Guerra do Golfo e esses R$806 milhões não estão nesse rol. Da mesma forma, muitas outras contas questionáveis não estão aqui.

Se os Srs. Senadores se dispuserem a examinar isso, vou propor a criação de CPI para verificarmos realmente qual é o total do débito do Tesouro Nacional para com o Banco.

O Sr. Romeu Tuma - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EPITACIO CAFETEIRA - Nobre Senador Romeu Tuma, com muita alegria quero ouvir V. Exª.

O Sr. Romeu Tuma - Senador Epitacio Cafeteira, obrigado pela oportunidade de aparteá-lo em assunto tão importante. V. Exª traz uma constatação e, mais do que isso, acredito eu, uma denúncia, principalmente no que diz respeito à coação exercida sobre funcionários do Banco do Brasil. Recordo-me que, há cerca de 40 anos, ainda jovens universitários, procurávamos uma carreira e era dificílimo o concurso para ingresso na carreira de funcionário do Banco do Brasil. Digo isso com muita tristeza pelo que ouço hoje da exposição que V. Exª faz. Aqueles que disputavam essas carreiras, à época, tinham como prioridade a busca da realização, da sua trajetória de vida no Banco do Brasil. Não entro no mérito dessa demissão voluntária, mas entendo que o funcionário deveria ter o direito de decidir por ela. E se ele está sendo coagido é uma forma criminosa de exercer gerenciamento sobre a atividade de relações humanas. Congratulo-me com o Senador Lúcio Alcântara pela convocação do Presidente do Banco do Brasil, que, realmente, tem que esclarecer todas essas questões que V. Exª traz; de que forma estão sendo feitas essas coações, essas remoções. Penso que sejam injustas para a família daqueles funcionários que, como bem se referiu o Senador Josaphat Marinho, buscaram uma carreira para realização de sua própria vida profissional e se encontram hoje numa encruzilhada, sem saber para onde ir, provavelmente com uma indenização irrisória que não lhes dará a oportunidade de buscar um caminho de liberação da atividade profissional. E o mercado de trabalho hoje se encontra saturado pelo desemprego que vem da própria recessão que se avizinha; não adianta dizer que a situação está boa, porque quem conversa com empresários, comerciantes, industriais sabe que o desemprego está aumentando a cada dia, fora as pequenas e médias empresas que estão encerrando suas atividades por falta de mercado comprador ou de dinheiro para exercer sua atividade produtiva. E temos outra responsabilidade, Senador - e por isso cumprimento V. Exª por trazer esse assunto à baila - que é a situação dos acionistas do Banco do Brasil; acredito que milhares de brasileiros que, à época, se seduziram pelas ações do Banco do Brasil hoje não sabem realmente qual é a situação econômica do banco. Penso que esta Casa tem a responsabilidade - e esse caminho S. Exª, o Presidente do Senado, está tomando ao aceitar os ofícios de convocação dessas autoridades - como dizia, temos a responsabilidade e o dever de proteger a sociedade, que representamos, principalmente em situações econômicas como essas. Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - Solicito aos Srs. Senadores que não aparteiem o orador, uma vez que o tempo de S. Exª se encontra esgotado, e, naturalmente, precisamos ouvir a conclusão do seu discurso.

O SR. EPITACIO CAFETEIRA - Sr. Presidente, perguntaria inicialmente quantos minutos já falei.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - V. Exª começou a ocupar a tribuna às 16h9min. De acordo com o Regimento, V. Exª tem 20 minutos. São, neste momento, 16 horas e 30 minutos. Hoje, como não há Expediente, cada orador tem direito a apenas 20 minutos.

O SR. EPITACIO CAFETEIRA - Aquele horário depois da Ordem do Dia, que seria amplo, não existe mais?

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - Hoje, como não há Ordem do Dia, o Regimento permite apenas 20 minutos para cada orador. Mas a Mesa será tolerante e espera que V. Exª conclua o seu discurso.

O SR. EPITACIO CAFETEIRA - Agradeço a tolerância de V. Exª e lamento não ouvir a palavra dos nossos colegas que aqui estão, os Senadores Antonio Carlos Valadares e José Eduardo Dutra, o meu querido amigo, Senador Ademir Andrade, o Senador Carlos Patrocínio e quantos estavam interessados em participar deste debate.

Quero encerrar este pronunciamento de uma maneira muito clara e contundente. O Banco do Brasil optou pela maneira mais fácil de resolver um problema de receita e despesa. Demite até diminuir sua despesa. Por quê? Porque a sua direção não tem condições de exigir que o Tesouro Nacional pague o que está devendo ao Banco. Não há necessidade de se falar dos outros créditos, apenas nesses R$3,800 bilhões confessados pelo Banco. Com a taxa de juros que o Banco está cobrando para os empréstimos, daria para não ter havido prejuízo no primeiro semestre.

Um governo que fala em caloteiros, quer pagar o que deve com títulos da dívida pública. Isso parece deboche, uma vez que a matéria-prima de um banco é o dinheiro. E o Banco do Brasil vai emprestar títulos da dívida pública? O Banco vai resolver seu problema recebendo títulos da dívida pública? Por que o Governo não assume os seus títulos da dívida pública para receber os débitos dos trabalhadores rurais, dos empresários?

Na realidade, o Governo quer desindexar, mas quer manter a UFIR para que a sua receita continue indexada. O Governo quer desindexar apenas os salários. Os juros pagos nas aplicações são de 4% ao mês, mas o salário tem que ser desindexado. No Brasil, pelo empréstimo bancário são cobrados juros superiores a 10%; no entanto, o agiota está emprestando dinheiro com uma taxa de juros mais baixa que a dos bancos oficiais. Quem pratica agiotagem empresta a 8%, e o Banco do Brasil empresta a 15, 16 ou 17%.

Essa é a situação deste País e eu a considero um deboche, ou seja, o Governo pagar não o total da dívida que tem com o Banco do Brasil, mas apenas uma parte. Os jornais dizem que da dívida que o Banco afirma ser de R$3,800 bilhões, o Governo pagaria R$1,700 milhão em títulos da dívida pública.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não poderia calar a minha voz, não poderia fazer de conta que não estou assistindo a esse quadro dantesco que me faz lembrar a seguinte frase de Stálin: "Uma única morte é uma tragédia; 1 milhão de mortes, uma estatística".

O desemprego passou a ser uma estatística na medida em que as demissões continuam, sejam elas voluntárias ou não, pelo Banco do Brasil, pelo Governo do Estado de Pernambuco ou por quantas outras empresas estejam a afastar os pais de família, levando-os à fome, à miséria e ao desespero neste País.

Portanto, como Líder do PPR - e digo isso porque falei com cada um dos Senadores da minha Bancada - não poderia silenciar-me. Apoiaremos o Governo nas reformas que considerarmos importantes para este País, mas haveremos de questionar as medidas do Governo que levam ao desespero o povo que representamos nesta Casa.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 08/08/1995 - Página 13556