Discurso no Senado Federal

DECISÃO DO GOVERNO NA EDIÇÃO DA MEDIDA PROVISORIA 1.024/95, QUE COLOCA EM RISCO A INDUSTRIA BRASILEIRA DE AUTO PEÇAS.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDUSTRIAL.:
  • DECISÃO DO GOVERNO NA EDIÇÃO DA MEDIDA PROVISORIA 1.024/95, QUE COLOCA EM RISCO A INDUSTRIA BRASILEIRA DE AUTO PEÇAS.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DCN2 de 30/06/1995 - Página 11395
Assunto
Outros > POLITICA INDUSTRIAL.
Indexação
  • ADVERTENCIA, RISCOS, MEDIDA PROVISORIA (MPV), GOVERNO, AMEAÇA, PREJUIZO, INDUSTRIA AUTOMOBILISTICA, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, EMPRESA DE AUTOPEÇAS.
  • SOLICITAÇÃO, ELCIO ALVARES, LIDER, GOVERNO, SENADO, ANALISE, EFEITO, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), AUTORIZAÇÃO, IMPORTAÇÃO, PEÇAS, AUTOMOVEL, SETOR, PRODUÇÃO, BRASIL, PROVOCAÇÃO, AUMENTO, DESEMPREGO, DEFICIT, BALANÇA COMERCIAL.
  • SOLICITAÇÃO, INCLUSÃO, PRONUNCIAMENTO, ORADOR, ANALISE, ATUAÇÃO, EMPRESA DE AUTOPEÇAS, PAIS.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, creio que trago, neste momento, um assunto da maior relevância com relação a um importante setor da economia brasileira e à realidade que estamos vivendo. Raramente faço um pronunciamento lido, Sr. Presidente, mas faço este pelos números e pela realidade que ele apresenta.

Gostaria de alertar esta Casa para o grave risco que algumas decisões do Governo podem representar para o setor automobilístico brasileiro, especificamente para os fabricantes de autopeças. Refiro-me à Medida Provisória nº 1.024, que pretende criar um regime automotriz brasileiro, a exemplo do que fez o Governo da vizinha Argentina.

Antes de entrar nos pontos que podem mudar negativamente os rumos dessa indústria, quero apontar alguns indicadores que dão a exata dimensão da indústria brasileira de autopeças. Em 1994, apresentou um faturamento nominal de U$14,8 bilhões, embora a rentabilidade, pelo quarto ano consecutivo, tenha ficado abaixo de zero. Mesmo com essa dificuldade, o setor manteve um número de empregos diretos no patamar de 240 mil trabalhadores - quando se fala em indústria automobilística, em ABC e em metalúrgicos, lembramo-nos das montadoras -, conforme compromisso estabelecido pelo setor da Câmara Setorial Automobilística. Vale aqui ressaltar que esse número é quase o triplo do que empregam as montadoras instaladas no País.

Outra importante referência são as exportações de US$3 bilhões. Não seria possível a um setor despreparado exportar produtos para as montadoras norte-americanas e européias, habituadas a criar e lidar com tecnologia de ponta. (Relatório anexo)

Essas mesmas montadoras, quando decidiram iniciar suas operações no mercado brasileiro, fizeram-no com o suporte das indústrias de autopeças já desenvolvidas e que existiam no Brasil bem antes das montadoras. De outra forma, talvez a história iniciada pelo Sr. Juscelino Kubitschek tivesse sido diferente.

Peço licença aos Senhores. Parlamentares para fazer um breve relato. Em 1930, as oficinas mecânicas e pequenas fundições, com limitados recursos, já produziam algumas peças que se destinavam à composição de máquinas têxteis e elétricas, utilidades domésticas e outras peças para uso industrial. Essa indústria de autopeças remonta em nosso País a 1930.

Nove anos mais tarde, o mundo vivia o dramático cenário da Segunda Grande Guerra. Todas as importações foram reduzidas. Havia dificuldades no transporte marítimo, mas já existia uma pequena frota circulando em nosso País, e portanto a demanda de peças para reposição já existia. Em 1943, por exemplo, eram 213 mil veículos.

Diante da dificuldade de importar peças para reposição, proprietários de caminhões, donos de oficinas mecânicas e posteriormente comerciantes de peças e acessórios passaram a solicitar a fabricação, mesmo em caráter experimental, à produção local.

Note-se a importância da indústria de autopeças, que deu suporte, repito, para a instalação das montadoras.

Podemos afirmar, portanto, que essa indústria nasceu a partir de uma solicitação do mercado, e passou a atendê-lo na medida de sua necessidade.

Aos poucos, vencendo dificuldades, vencendo limitações, fundições, forjarias e estamparias e oficinas mecânicas, algumas bem estruturadas, mas a maioria incipiente, realizaram um verdadeiro milagre, queimaram etapas que suas concorrentes internacionais não tiveram de queimar e ampliaram a produção.

Uns dos principais méritos dos pioneiros do setor de autopeças foi ter provado à opinião pública que o País podia fabricar produtos de qualidade, ainda que fabricados no Brasil. Acreditava-se que o Brasil não poderia oferecer produtos competitivos com qualidade e preços a nível internacional.

Em 1952 foi realizado levantamento parcial: 250 indústrias estavam produzindo 162 produtos para aplicação automotiva.

Quatro anos depois, o Governo do Presidente Juscelino Kubitschek criou o GEIA - Grupo Executivo da Indústria Automobilística. Nos dizeres do Decreto nº 381.744, com poderes para examinar, aprovar e rejeitar os projetos industriais apresentados ao Governo e propor ao Presidente da República planos nacionais automobilísticos.

Ao mesmo tempo, foram assinados outros decretos que deram base para o surgimento da indústria automobilística brasileira.

Isso só foi possível devido à existência de uma indústria de autopeças já estabelecida de 950 fábricas em 1955, quando o Dr. Juscelino Kubitschek iniciou a indústria das montadoras.

Mais de três décadas depois, com a abertura da economia, a indústria automobilística sofreu sensíveis alterações. A produção e a venda cresceram. Em 1989, por exemplo, foram montados um milhão de veículos. No ano passado, 1,6 milhão. De 1990 para cá, montadoras e fabricantes de autopeças investiram em produtividade e reduziram os seus custos. O produto melhorou e as empresas se tornaram mais competitivas.

Mas os concorrentes internacionais também evoluíram, e o Brasil acabou mantendo praticamente a mesma posição no ranking mundial.

Sobre a Medida Provisória nº 1.024 especificamente, é fácil compreender a legítima necessidade de o Governo atuar sobre o déficit da balança comercial, retomando a sua posição superavitária.

É necessário também atrair investimentos produtivos e manter as boas relações comerciais com os parceiros do MERCOSUL.

Contudo, temos de prestar muita atenção aos danos que uma medida como essa pode gerar.

Os valores que têm sido veiculados como prováveis da regulamentação dos parâmetros da medida provisória manterão a relação de comércio exterior deficitária, num setor que historicamente é superavitário.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a medida provisória referida beneficia as importações por causa das exceções que, inevitavelmente, vão provocar déficit na balança comercial, caso seja mantida a proporção de um dólar importado para cada um dólar exportado.

Isto porque essas exceções consideram os investimentos realizados internamente como crédito para importações de autopeças. E vejam bem, Srs. Senadores, num setor historicamente superavitário, que já produziu muitos bilhões de dólares em divisas para a Nação.

Desejamos enfatizar que a medida, além de não diminuir o déficit na Balança Comercial, como dito, trará, indubitavelmente, prejuízos ao setor de autopeças, com reflexos na produção interna e na diminuição do nível de emprego, acarretando um absoluto desemprego no setor desses 280 mil trabalhadores da indústria de autopeças.

Hoje, 85% das peças, componentes e matérias-primas são produzidas no Brasil. Com a adoção das normas da medida provisória em questão, poderá passar para 60%, o que possibilitará a importação de 40% do preço líquido do veículo ou o equivalente a 61% das peças, componentes e matérias-primas (Quadros Anexos).

Os incentivos ao investimento são redundantes. A potencialidade do mercado é o nosso principal legado. Qualquer regra na compensação entre importação e exportação obrigará grande parte do investimento internacional a se instalar no Brasil.

Por outro lado, decisões mal calculadas podem reduzir o setor de autopeças à metade do que é hoje, não só em faturamento, mas em número de empregos oferecidos.

Devemos estar atentos, pois a necessidade de buscar novos investimentos não pode acabar com os investimentos realizados no espaço de mais de 60 anos, com grandes sacrifícios para a Nação brasileira.

Cito um exemplo, Sr. Presidente, retirado do quadro demonstrativo que apresento. Estrutura dos custos da montadora atual: 11% importados; 49% das partes componentes são da indústria de autopeças nacional.

Após a medida provisória, dos 11% dos importados, 40% passarão a ser importados; e os 49% das partes componentes de autopeças nacional baixará para 24%, menos do que a metade. Isso significará, provavelmente, metade de demissões nas indústrias de autopeças dos nossos trabalhadores.

Sr. Presidente, solicito que faça parte do meu pronunciamento a análise do desempenho do setor de autopeças de 1974 a 1984.

Sr. Presidente, desculpe-me a sinceridade, observo que o Governo, ainda que agindo com a melhor das intenções, tem caracterizado os seus atos pelo improviso. Falta ao Governo um estudo de conjunto, em torno de uma mesa, onde se analise os diversos aspectos da questão.

O Senhor Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, em várias reuniões que realiza com os Srs. Senadores e Deputados afirma que o "cobertor é curto" e tem-se que pensar o que se pode fazer com ele. Parece-me que, em sendo "curto o cobertor", realmente teremos que pensar.

Caxias do Sul, minha terra natal, possui indústrias de autopeças tradicionais e diversificadas e poderia, há muito tempo, ter colocado em funcionamento uma montadora, porque o Rio Grande do Sul é praticamente o segundo Estado produtor de autopeças. Lá, aquela indústria é distribuída em médio capitais, pois não tem monopólio, oligopólio e não há dono do setor.

Pois bem, uma indústria como a nossa que começou em 1930, cresceu, continua se desenvolvendo e está indo muito bem, por que, de repente, atingi-la dessa maneira? Qual a razão? Dizem eles e, parece-me racional, não irá diminuir o déficit; não irá resolver a questão e, na verdade, na verdade, dezenas de milhares de trabalhadores poderão ser dispensados.

Erramos no calçado. São 41 mil desempregados só na região do Vale do Sino, no Rio Grande do Sul, pelo equívoco que, de repente, o Brasil, um dos maiores exportadores de calçados do mundo, passou a ser importador, o que, absolutamente, não deveria ocorrer. Agora vamos repetir o mesmo equívoco, num setor ainda mais tradicional, ainda mais complicado e ainda mais positivo nas suas realizações, que é o setor de autopeças.

Sinceramente, Sr. Presidente, não consigo entender como se tomam medidas dessa natureza sem uma análise profunda das conseqüências em todo o conjunto. Reunir apenas as montadoras. Acho que é importante discutir com as montadoras, mas todos sabem que elas são parte do setor, como também os trabalhadores; entretanto as indústrias de autopeças fazem parte desse contexto e devem ser chamadas a participar dos debates.

Claro que elas não têm as manchetes dos jornais, não têm o grande noticiário. Uma coisa é falar na Mercedes, na Ford, nas grandes empresas brasileiras, que são filiais das internacionais, e outra, é falar nessas milhares de pequenas indústrias de autopeças que, talvez, isoladamente pouco ou nada signifiquem.

Mas volto a falar: são 280 mil empregos. É o dobro de empregos das montadoras e distribuídos não só ali no ABC, ou em Minas Gerais, ou no Paraná, mas praticamente por todo o Brasil. São pequenos produtores, pequenos empresários; são empresários quase que manuais, que inventam, que descobrem. Conheço peças que foram inventadas, criadas em Caxias do Sul, ali patenteadas, hoje vendidas para o mundo inteiro.

Numa hora como esta, Sr. Presidente, entendo que o Governo tem que meditar, refletir, porque essa história de dizer que o mundo está perto, que precisamos agir a nível internacional, tudo bem, mas temos que sempre agir na defesa do que é nosso. Temos sempre que entrar para esse debate, internacionalizar a nossa economia, tudo bem, mas vamos proteger, garantir o que é nosso.

É o que fazem os Estados Unidos da América, a Alemanha, a França, o Japão. Na briga que está havendo entre o Japão e os Estados Unidos em torno da indústria automobilística, cada um se protege. Trata-se de uma briga com uma violência total, e são dois países ultraliberais.

Faço um apelo ao meu querido Líder Elcio Alvares, por quem tenho carinho e afeto, para que pense nisso tudo, e vou entregar-lhe pessoalmente uma cópia deste pronunciamento, que é fruto de um debate, de uma discussão longa que tive com os produtores de autopeças, para que o Governo reflita, analise e veja as conseqüências.

O Sr. Eduardo Suplicy - V. Exª me permite um aparte?

O SR. PEDRO SIMON - Com prazer, ouço V. Exª, nobre Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy - Prezado Senador Pedro Simon, V. Exª assinala um dos aspectos de grande complexidade resultante da medida provisória, através da qual o Governo quis, de alguma maneira, proteger a indústria nacional aos olhos, numa primeira visão, da opinião pública. Mas, pela radiografia que V. Exª traz, em verdade, o quadro é muito preocupante. Cabe aqui assinalar alguns aspectos que, inclusive, foram objeto da avaliação de economistas da mais alta capacidade, que tiveram a oportunidade de participar do debate, nos últimos três dias, na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, desde o Ministro da Fazenda, Pedro Malan; Deputado Antônio Delfim Netto; Deputada Maria da Conceição Tavares; Economista *Paulo Nogueira Batista Júnior; Economista *Affonso Celso Pastore; *André Lara Resende, um dos formuladores do Plano Real e outros, que contribuíram para que ali houvesse um diálogo do mais alto nível sobre o primeiro ano do Plano Real.

Muitos dos economistas mostraram que a economia brasileira começa a passar por um período recessivo. Alguns avaliam que esse período poderá ter uma fase grave de desemprego, a não ser que sejam tomadas medidas de pronto, que talvez já tardam. Foi quase consensual a avaliação de que a política cambial extremamente rígida, levando o Real a uma valorização acentuada e crescente diante da inflação, tem levado diversos segmentos a dificuldades extraordinárias, sobretudo os segmentos relacionados aos setores de bens comercializados internacionalmente. E as importações estão extremamente facilitadas e convidativas, afetando setores como os que V. Exª assinalou: o de calçados, o setor têxtil e outros, mas sobretudo afetando muito a economia gaúcha, bem como a de São Paulo e de outros Estados. O Governo, teimando na política cambial rígida, acabou realizando diversas políticas, ora de tarifas, ora de cotas, ora de natureza mais complexa como a contida na medida provisória que V. Exª analisa, para tentar salvar o segmento de calçados, o têxtil e agora o de automóveis. Ainda na última segunda-feira, assisti uma entrevista do Ministro José Serra ao apresentador Jô Soares; não sei se V. Exª teve a oportunidade de assistir ao programa, mas ali exatamente Jô Soares perguntou ao Ministro José Serra sobre essa questão, se estaria ele protegendo a indústria paulista ou a indústria automobilística, ou o que seja, e S. Exª ressaltou que a indústria automobilística lucrava muito ao importar automóveis de suas matrizes, e que seria muito melhor justamente estar produzindo automóveis no Brasil do que estar lucrando extraordinariamente com a importação de automóveis, seja da Volkswagen, da Fiat, da Ford ou da GM. Ora, o que V. Exª traz como informação nova é o fato de o Governo brasileiro, por meio de medida provisória, de um lado, conter as importações de automóveis prontos, e, de outro, abrir as portas para a importação de autopeças. Então, aquilo que poderia ter parecido uma política planejada, a mais adequada para a proteção da indústria doméstica na medida possível, em verdade, para o segmento de autopeças, é uma política de extremo risco. V. Exª salienta bem a questão da necessidade de uma política industrial muito melhor planejada. V. Exª era Líder do Governo Itamar Franco e pôde acompanhar mais de perto a política que, de certa maneira, facilitou sobremodo a contenção de preços, quando se forçou a sobrevalorização do Real, logo nos primeiros dias de sua vigência. Mas, além de uma política cambial que favorecia as importações e dificultava as exportações, o Governo resolveu abrir violentamente as portas para as importações do ponto de vista da diminuição de tarifas, adiantando, mesmo, as metas da Rodada Uruguai, das metas previstas no MERCOSUL, diminuindo, por exemplo, as tarifas para importação de automóveis para 20%. Neste caso, houve pontos de vista diferentes como os dos Ministros Ciro Gomes e José Serra. Não há dúvida de que houve um ziguezague que tornou difícil o planejamento para os empresários dos setores produtores e de importação haja vista as inúmeras lojas que se abriram nas diversas capitais brasileiras para receber e mostrar os automóveis importados. A partir de outubro, novembro e dezembro em diante, o que se viu foi uma avalanche de importações de automóveis e empresários importadores planejando lojas extremamente luxuosas como, por exemplo, as que apareceram em São Paulo, sobretudo na Avenida Europa e na Rua Colômbia, onde há cerca de vinte lojas extremamente modernas mostrando carros luxuosos importados como se isso fosse algo extremamente possível e lucrativo. Mas, de repente, o governo volta a subir a alíquota de importação sobre automóveis importados para 32 e, depois, para 70% em um espaço de menos de seis meses. E essa medida provisória parecia ser algo no sentido de conter as importações. Senador Pedro Simon, V. Exª traz informação e análises extremamente relevantes porque pode estar parecendo que as importações de automóveis estão contidas, todavia, está havendo importação muito maior de autopeças.

O SR. PEDRO SIMON - Diminui-se a importação de automóveis das "empresas nacionais" que importam das "lá de fora". Em compensação, passam a deixar de comprar autopeças das empresas brasileiras e compram as autopeças das próprias associadas deles lá fora, isto é, ganham duas vezes: não entra o concorrente e eles compram os componentes.

O SR. EDUARDO SUPLICY - O que é interessante, Senador Pedro Simon, é que, talvez, mecanismos tais como os que V. Exª está apontando é que, possivelmente, estão frustrando a expectativa das próprias autoridades governamentais de diminuir o déficit na balança comercial porque a informação, hoje, revelada...

O SR. PEDRO SIMON - US$ 1 bilhão.

O SR. EDUARDO SUPLICY - ... é que, no mês de junho, o déficit na balança comercial, ao invés de ter diminuído de US$700 milhões registrados em maio passou para US$1 bilhão, em que pese a modificação cambial e outras medidas adotadas. Ou seja, as medidas pareceram um sinal de reversão, mas, dada a forma como foram feitas - conforme assinala V. Exª -, não estão atingindo a finalidade desejada. Cumprimento V. Exª por chamar a atenção desse aspecto extremamente relevante.

O SR. PEDRO SIMON - Agradeço a V. Exª, Senador Eduardo Suplicy, que honrou o meu pronunciamento com um aparte tão feliz e tão oportuno.

O Sr. Romeu Tuma - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PEDRO SIMON - Ouço V. Exª com prazer. O Estado de V. Exª, São Paulo, é o maior produtor de autopeças. Estou falando como representante do segundo maior produtor.

O Sr. Romeu Tuma - Apesar de ser São Paulo o maior produtor de autopeças, não tive o privilégio de participar dessa reunião importante, a que V. Exª se referiu. Fico grato a V. Exª por ter trazido ao conhecimento desta Casa, com a sua eloqüência e a sua facilidade de exposição, os problemas que afligem a indústria de autopeças. Tive o privilégio de acompanhar, durante a minha vida profissional, a evolução dos conflitos entre as montadoras e a indústria de autopeças. Elas cresceram praticamente juntas em São Paulo. As disputas salariais ocasionaram as grandes greves, como as que ocorreram principalmente na região do ABC. Gostaria de relatar a V. Exª um fato que ocorreu pouco antes da edição dessa medida provisória. Conversando informalmente com alguns membros da indústria de autopeças em São Paulo - quero deixar claro que não houve nenhuma reunião -, soube da preocupação deles com a contrapartida de exportação de US$1 e a importação de US$1 em veículos já prontos ou em autopeças. Como havia sido convidado para uma reunião com o Presidente Fernando Henrique Cardoso, levei ao conhecimento de Sua Excelência esse problema e alguns outros. Fui apenas relatar o fato.

O SR. PEDRO SIMON - Para essa reunião com o Presidente da República, não fui convidado.

O Sr. Romeu Tuma - Eu fui. Cada um na sua. É por isso que digo: a soma dos privilégios aqui nos trazem um resultado satisfatório, quando se tem a oportunidade de esclarecer os fatos, como o fez V. Exª, com sua facilidade de expressão. Os grandes conhecimentos econômicos do Senador Eduardo Suplicy ilustraram o pronunciamento de V. Exª.

O Presidente Fernando Henrique Cardoso ainda não conhecia os dados, ou pelo menos não tinha trocado idéia com os Ministros da área econômica a respeito deles, mas disse-me que conversaria com os Ministros. No dia seguinte, procurei o Presidente da ANFAVEA e ex-Presidente da FIAT, Silvano Valentino, a quem expus essa preocupação e pedi que esclarecesse como evoluiria a possibilidade de importação e exportação no valor exato de um por um. Sempre pensamos que a exportação era feita na base de cinco por um, com diferença maior para nós, em virtude da dificuldade da balança de pagamento. Dr. Silvano Valentino disse-me que o grande problema deles não era importar autopeças, porque o carro pronto dá um lucro muito maior. Sabemos que hoje as grandes indústrias fizeram o tal carro mundial, isto é, as peças são importadas para a montagem do carro. Cada país fabrica uma peça. O Brasil exporta motor para determinados países e importa outras peças para a montagem do carro mundial, ou, se possível, compra todos os componentes em território brasileiro. Percebi, não foi uma declaração dele, que essa seria uma forma de pressão sobre a indústria de autopeças para a manutenção de um preço compatível com o que queriam pagar. Quer dizer, a montadora ameaça: ou você me vende essa maçaneta por X ou a importo do Japão, ou da China ou da matriz externa. E esse caso ficou em discussão. Perguntei ainda a ele - só para acrescentar, porque V. Exª falou na Argentina - como ficava a indústria automobilística argentina, porque sei que a Fiat e a Renault montam o carro lá. Ele disse-me que lá a montagem é feita mediante terceirização. A indústria argentina, que monta esses carros por encomenda, não tinha capacidade, em vista do aumento da exportação argentina de veículos, de fazer uma programação de aumento de produção da indústria argentina. Então, eles romperiam, daqui a dois anos, o contrato para instalação da Fiat na Argentina. Li também que a própria Renault também faria isso. Ficou muito claro que a Argentina seria a porta aberta para entrada de carros no Brasil, com alíquota aquém da exigida da Europa. Considero oportuno esse esclarecimento e quero agradecer-lhe a oportunidade de participar do seu discurso.

O SR. PEDRO SIMON - Fico muito satisfeito. Foi muito importante o aparte de V. Exª.

V. Exª falou nas importações argentinas. O Presidente José Sarney, quando Presidente da República, e quando se iniciou o diálogo e as negociações do intercâmbio que resultou no MERCOSUL, naquela oportunidade, falávamos em dez anos de preparação para entrar nesse mercado em definitivo. Por que isso? Para as partes se adaptarem. Afinal o Mercado Comum Europeu levou mais de quarenta anos para os países se adaptarem.

O ex-Presidente Fernando Collor resolveu passar de 10 para 5 anos. Verificamos que existem essas questões, para as quais não estávamos preparados.

De repente, uma montadora pode instalar-se na Argentina, no Uruguai ou no Paraguai e, via MERCOSUL, fazer os seus produtos entrarem no nosso País. Essa é uma questão séria.

Sr. Presidente, quero apenas salientar que, na minha cidade - tenho muito orgulho de dizer isto -, Caxias do Sul, podemos praticamente montar um automóvel. Em Caxias do Sul, há praticamente tudo em termos de indústria de autopeças. O Brasil é um grande produtor da indústria de autopeças.

Quando se fala que Juscelino Kubitschek trouxe as indústrias para este País, parece que as montadoras são as responsáveis por tudo isso. Isso não é verdade. As indústrias de autopeças, que já existiam e produziam, continuaram crescendo, progredindo, desenvolvendo e avançando. Tais indústrias são tão ou mais responsáveis por tudo isso, pois oferecem o dobro de empregos e de oportunidades fornecidas pelas montadoras. O capital é distribuído de maneira social, de maneira equitativa, entre pequenas, médias e algumas grandes empresas.

Parece que é importante que isso continue assim. Parece-me que esse é um setor que conseguiu se estabelecer. O Governo não pode brincar com setores que alcançaram sucesso. O Governo brincou com a indústria calçadista, o qual é um setor positivo. Exportamos US$2 bilhões de calçados. De repente, o Governo - ninguém consegue entender o motivo - resolveu permitir a importação de calçados. Com isso, hoje, somos importadores de calçados. As grandes empresas exportadoras de calçados estão importando.

Sr. Presidente, quando o Presidente da República era o Sr. Itamar Franco e o Ministro da Fazenda o Sr. Fernando Henrique Cardoso, eu dizia o que vou repetir neste momento: é preciso combater a inflação. Há algumas empresas que são cruéis, desumanas. Existem alguns oligopólios, de certa forma, são 17 os que atuam nos supermercados. O Governo não teve até hoje coragem de investir, de fazer o levantamento desses oligopólios para ver os que aumentaram os preços.

Eu vi outro dia no jornal o aumento de alguns produtos que estão oligopolizados. O Governo está correndo o risco de privatizar o aço e ele se transformar em oligopólio, como está se transformando em oligopólio a petroquímica, que era distribuída na mão onde o Estado tinha um terço e a coordenava. Hoje, grupos fechados estão construindo um oligopólio da petroquímica. Acredito que muitos dos grandes empresários são irresponsáveis; não têm o sentido de entender a hora e o momento de aceitar o desafio, de baixar o preço e de colaborar com o Governo em termos de inflação. Creio que, às vezes, o Governo teve que importar alimentos ou determinados produtos, porque ele tinha que baixar a inflação; e eu acho essa atitude correta. Mas se não limitar a importação, Sr. Presidente, o que o Brasil já fez muitas vezes, no passado, a economia ficará prejudicada.

Eu me lembro, e V. Exª deve se lembrar, quando o Brasil já se tinha tornado auto-suficiente na produção de trigo, e os Estados Unidos nos ofereceram trigo com 40 anos de prazo. Com 40 anos de prazo podíamos comprar o trigo dos Estados Unidos, e terminou a produção do Brasil e principalmente do Rio Grande do Sul, e aí o preço do trigo foi para a Lua. O preço do trigo, que era zero, foi para a Lua.

V. Exª era Presidente da República e deve se lembrar. Eu era seu Ministro quando vieram nos oferecer uma produção de leite em pó importado, que saía a metade do nosso, mas que, na verdade, terminaria com a produção de gado leiteiro no Brasil, mas não aceitamos. A proposta era interessante e favorecia o trabalhador, mas aquele preço não seria mantido por dez ou quinze anos; era garantido para aqueles dois anos. Isso desestimulava, liquidava a produção nacional e, então, teríamos que iniciar tudo outra vez.

É o que pode acontecer com a indústria de autopeças, Sr. Presidente, se de repente passarmos a importar o dobro, se a indústria passar a produzir a metade do que vem produzindo e demitir metade dos trabalhadores atualmente empregados. Estamos mexendo com um setor que vai muito bem, obrigado.

Faço um apelo ao Presidente para que faça uma análise sobre esse assunto, que é muito importante para o nosso País.

Obrigado a V. Exª pela tolerância.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 30/06/1995 - Página 11395