Discurso no Senado Federal

HOMENAGENS DE PESAR PELO FALECIMENTO DO SOCIOLOGO E PROFESSOR FLORESTAN FERNANDES. REPUDIO AOS ASSASSINATOS DE TRABALHADORES RURAIS.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. REFORMA AGRARIA.:
  • HOMENAGENS DE PESAR PELO FALECIMENTO DO SOCIOLOGO E PROFESSOR FLORESTAN FERNANDES. REPUDIO AOS ASSASSINATOS DE TRABALHADORES RURAIS.
Publicação
Publicação no DCN2 de 12/08/1995 - Página 13846
Assunto
Outros > HOMENAGEM. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, FLORESTAN FERNANDES, PROFESSOR, SOCIOLOGO, EX-DEPUTADO.
  • PROTESTO, OCORRENCIA, CONFLITO, TRABALHADOR RURAL, PROPRIETARIO, PROPRIEDADE RURAL, MORTE, POLICIAL, TRABALHADOR, ESTADO DO PARA (PA), ESTADO DE RONDONIA (RO).
  • DEFESA, ADOÇÃO, PROVIDENCIA, GOVERNO FEDERAL, EXECUÇÃO, POLITICA AGRARIA, REFORMA AGRARIA, PAIS, OBJETIVO, IMPEDIMENTO, OCORRENCIA, CONFLITO, TRABALHADOR RURAL, PROPRIETARIO, PROPRIEDADE RURAL.

A SRª MARINA SILVA (PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tentarei ser o mais breve possível, já que farei um relato do episódio da morte do ilustre Sociólogo, Professor e ex-Deputado do nosso Partido, o companheiro Florestan Fernandes.

Sr. Presidente, trata-se de um relato doloroso.

Ontem, às 18 horas, quando o corpo do Professor Florestan Fernandes - pessoa ilustre que deu grande contribuição na área da sociologia brasileira - estava indo para o crematório, a pedido do seu médico, Dr. Silvano Raia, foi solicitada uma necropsia, pois havia a suspeita de que teria havido falha no equipamento de hemodiálise da Unidade de Fígado da Faculdade de Medicina de São Paulo, ligada ao Hospital das Clínicas daquele Estado. Essa necropsia foi realizada, mas ainda não temos o seu resultado. O Dr. Silvano Raia disse ao ilustre Senador Eduardo Suplicy que, realmente, houve erro técnico no aparelho que fazia a hemodiálise no Professor Florestan Fernandes.

O que quero registrar, aqui, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, é que esse episódio, embora trágico para a família do Professor Florestan Fernandes, para os amigos e para os milhares e milhares de admiradores seus, revela a situação das péssimas condições e da pouca eficácia da saúde brasileira. Se uma das figuras mais ilustres do nosso País, atendido em uma das mais importantes unidades de saúde deste País, repito, ligada à Escola Paulista de Medicina e ao Hospital das Clínicas de São Paulo, sofreu tais conseqüências, fatal pelo seu resultado, quanto mais em pequenas unidades, em postos de saúde e nos hospitais de várias cidades deste País. Erros podem acontecer. A perfeição não existe nem no ser humano, nem nas máquinas. No entanto, esse fato deve ocorrer inúmeras vezes por falta de assistência técnica necessária aos equipamentos e na administração correta dos recursos destinados para esse fim, no que se refere à saúde pública.

O ilustre homenageado teve como seu aluno mais ilustre o Presidente da República, que lhe prestou homenagem através de uma nota no Jornal do Brasil.

Um outro artigo diz que Florestan Fernandes morreu em uma unidade de saúde por falha técnica, quanto mais um cidadão comum, a dona-de-casa, o trabalhador rural que, muitas vezes, morre à míngua, sem nenhum tipo de atendimento.

O Jornal do Brasil traz uma lista de ilustres cidadãos brasileiros, e até mesmo personalidades estrangeiras, prestando uma última homenagem ao pai da Sociologia. Dentre os nomes ali citados, encontramos o da nossa Primeira-Dama, Drª Ruth Cardoso, o do companheiro Luiz Inácio Lula da Silva, o de Benedita da Silva, o do cientista político Bolívar Lamounier, o de José Arthur Giannotti, grande intelectual brasileiro e o de Maria Victoria Benevides, uma outra grande socióloga, todos homenageando o Professor Florestan Fernandes.

Acredito que uma das grandes homenagens que poderia ser feita ao pai da Sociologia, aquele que, como disse o próprio Presidente da República, tentou compatibilizar erudição, conhecimento científico e sociologia com compromisso social e político, poderia ser feita pelo Governo no sentido de se debruçar em cima dos problemas sociais deste País, principalmente no que se refere à democratização da terra, à reforma agrária. Acredito que o nosso querido Professor Florestan Fernandes se sentirá muito bem, onde quer que ele esteja, vendo que o Brasil consegue também, através de suas figuras públicas, de seus governantes, traduzir o discurso político com uma prática comprometida com a realidade social deste País.

Sr. Presidente, no mês de julho, em Tucumã, no Pará morreram dois policiais e seis trabalhadores; no dia 6 de agosto morreram três trabalhadores, em São João do Araguaia; no dia 10 de agosto, onze mortos e mais de cem feridos no Município de Corumbiara, em Rondônia, este último, fato a que todos nós estamos assistindo pelos meios de comunicação.

Ontem, o Senador Ademir Andrade recebeu um telefonema do Prefeito do Município de Santana, em São João do Araguaia, dizendo que também ali teria havido uma chacina entre jagunços e trabalhadores.

Sr. Presidente, não dá mais para conviver com esse tipo de atitude e de barbaridades que vêm ocorrendo em nosso País. O Governo tem que assumir a responsabilidade de investigar, até às últimas conseqüências, esses episódios. Na Paraíba também aconteceu o assassinato de um trabalhador rural, no início desta semana. O Governo poderá estar pecando por omissão sobre um crime já cometido. Mas, se não tomar providências no sentido de ter uma política agrária que atenda às questões da reforma, estará pecando também pela omissão de não assumir a sua responsabilidade, a fim de diminuir os conflitos de terra neste País. Do jeito que está a situação econômica, principalmente nos Estados do Norte, onde Estados como o do Amazonas e do Amapá têm 80% da população nas cidades, e o Acre, 53%, tudo isso faz com que a cada dia aumente a miséria e o desemprego. Temos que fazer com que essas pessoas retornem às terras, ocupadas por grandes latifundiários através de processos muitas vezes penosos, que é o da invasão, o que não é bom nem para os proprietários, nem para os trabalhadores, porque muitos desses proprietários são grileiros de terra - aliás isso acontece com muita freqüência na minha terra, onde chega-se a grilar milhares e milhares de hectares de terra. Na minha região temos o caso de uma propriedade do tamanho do Estado de Sergipe. Então, nessas circunstâncias, os trabalhadores são obrigados a ocupar essas propriedades onde, com certeza, se fosse feita uma investigação correta, chegaríamos à conclusão de que realmente não pertencem aos supostos proprietários.

Eram essas as minhas palavras, homenageando também o ilustre Professor Florestan Fernandes, ao mesmo tempo que lamentando que a sua morte tenha ocorrido por falha de um aparelho numa unidade de saúde. Por ele e por todos aqueles que o homenageiam, pelas suas idéias e pela sua postura de compromisso social, devemos continuar a fazer isso na teoria e na prática. E com certeza o seu aluno mais ilustre, e que por ser o mais ilustre tem mais responsabilidade, tem maior contribuição a dar na realização do sonho do Professor Florestan Fernandes.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 12/08/1995 - Página 13846