Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM OS EFEITOS DA POLITICA DE ANTICONSUMO DO GOVERNO.

Autor
Humberto Lucena (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Humberto Coutinho de Lucena
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • PREOCUPAÇÃO COM OS EFEITOS DA POLITICA DE ANTICONSUMO DO GOVERNO.
Aparteantes
Antonio Carlos Valadares, Casildo Maldaner, Esperidião Amin, Jader Barbalho, Ney Suassuna, Romero Jucá, Vilson Kleinübing.
Publicação
Publicação no DCN2 de 16/08/1995 - Página 13938
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • APREENSÃO, POLITICA, GOVERNO, MANUTENÇÃO, EXCESSO, TAXAS, JUROS, LIMITAÇÃO, NIVEL, CONSUMO, CONTROLE, INFLAÇÃO, REDUÇÃO, VERBA, INDUÇÃO, INADIMPLENCIA, FALENCIA, PEQUENA EMPRESA, MEDIA EMPRESA, COMERCIO, AUMENTO, DESEMPREGO, AMEAÇA, OCORRENCIA, RECESSÃO, CUSTO, DIVIDA INTERNA, ESTADOS, MUNICIPIOS.
  • TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, EDITORIAL, JORNAL, CORREIO DO POVO, ANALISE, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, POLITICA MONETARIA, REDUÇÃO, TAXAS, JUROS, PAIS, OBJETIVO, IMPEDIMENTO, RETORNO, RECESSÃO.

O SR. HUMBERTO LUCENA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso. ) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho a esta tribuna para discorrer sobre minha preocupação diante da difícil situação da economia produtiva do País, em decorrência da atual política monetária. E insistir na argumentação de que existem claros indicadores de que as condições macroeconômicas do momento já implicam a possibilidade plena de que se agilize, o quanto antes, a flexibilização dessa política.

Tanto assim que o Ministro da Fazenda, Pedro Malan, em boa hora, anunciou, cerca de 15 dias atrás, a disposição do Governo de começar a desmontar, se bem que gradualmente, o sistema de restrições ao crédito e os compulsórios bancários, que foram adotados para conter o crescimento da economia, supostamente em incontrolável aceleração, e assim impedir a volta do processo inflacionário, conforme argumenta a equipe econômica.

Na verdade, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sem querer aprofundar a questão sobre a adequabilidade desse diagnóstico, particularmente no que concerne a uma possível exacerbação do consumo, o fato é que já havia mesmo como sustentar uma política desse tipo por muito mais tempo. Pois, concretamente, o que ela vem acarretando, em especial nos últimos três meses, é um fortíssima quebra de empresas em todo o País, que precisa ser contida o quanto antes, sob pena de se jogar nossa economia, mais uma vez, em uma acentuada e como sempre perversa recessão.

Com efeito, as referidas medidas anticonsumo, adotadas em 22 de fevereiro e reiteradas, logo a seguir, em 29 de março e 27 de abril, tiveram um efeito devastador, não apenas para conter um crescimento mais acelerado da demanda, mas para resultar perigosamente em uma onda recorde de inadimplência, pedidos de concordata e falência de empresas. Um processo do qual não escaparam sequer muitas firmas de grande porte, como foram os casos das tradicionais Casa Centro e Mesbla. O que nos leva a imaginar, então, o pesadíssimo impacto que elas vêm causando nas micro, pequenas e médias empresas.

Afinal, os efeitos não poderiam, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, ser outros. Em rápido retrospecto, podemos ver o porquê dessa situação. Em fevereiro último, o Governo reduziu o número de prestações dos consórcios de automóveis de doze para seis, proibiu as redes de comércio de criar empresas para comprar o faturamento de suas lojas, através do conhecido processo de factoring, e os fundos de pensão foram impedidos de financiar compras de seus associados. Em março, o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), incidente sobre os cheques especiais e crédito pessoal, subiu de 6% para 18%, com o que foram aumentadas mais ainda as já altíssimas taxas de juros praticadas no País. E, por fim, em abril, passaram a não poder descontar cheques pré-datados em bancos. Agrega-se a tudo isso o efeito fortemente restritivo do recolhimento compulsório dos bancos, o que, sem dúvida, gerou uma crise ainda maior no âmbito do setor financeiro, que certamente contribuiu para a situação a que chegaram o Banco Econômico, da Bahia, e o Banco Mercantil de Pernambuco, e anteriormente o BANESPA e o BANERJ.

Logicamente, não é preciso delongar-me em números, para que se forme uma idéia concreta dos efeitos desse pacote de medidas restritivas. Mas, só à guisa de rápida ilustração, é bastante dizer que os balanços do setor financeiro, relativos ao primeiro semestre deste ano, indicam um nível recorde de atraso de pagamento aos bancos. O índice, neste caso, foi de 3,43%, contra 1,23% no mesmo período no ano passado. Refletindo a grave situação que se criou, como dizia antes, para toda a economia produtiva, em que o comércio, evidentemente, foi o setor mais afligido.

Por exemplo, segundo estudos do Sindicato das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte do Comércio de São Paulo, "para cada pequena loja que fechou as portas desde a entrada do real, no Estado de São Paulo, outras três encerram atividades sem dar baixa na Junta Comercial, e que cerca de 20% das lojas que surgiram nos últimos 12 meses não existem mais". O que determinou, pelos cálculos daquele sindicato, que 12 mil empregados do setor viessem a ser dispensados nos últimos três meses, em decorrência do brutal declínio das vendas e das falências das empresas.

Assim, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, já não haveria por que se tardar mais na flexibilização desse quadro. Ainda mais que outro aspecto, o qual, no meu entender, talvez tenha sido o de maior motivação para que o Governo se visse obrigado a elevar fortemente os juros, já não mais nos impõe maior risco. Querendo com isso referir-se à evasão dos capitais externos.

Afinal, as notícias referentes a área cambial dão conta de que, em julho, nossas reservas internacionais voltaram a crescer. E, dias atrás, informado pelo Presidente do Banco Central, economista Gustavo Loyola, de que essas reservas haviam voltado ao nível de novembro do ano passado, pouco antes da crise mexicana, ou seja, haviam superado o volume de US$39 bilhões, o próprio presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, não titubeou em afirmar que o novo quadro de divisas estrangeiras do país "mostra que não há mais turbulências nem risco no setor externo".

Na verdade, não seria interessante que esquecêssemos que a maior parte desses recursos compreende aplicações financeiras de curtíssimo prazo - os chamados capitais voláteis. Mas há que se considerar que a própria conjuntura financeira internacional, com a baixa dos juros nos Estados Unidos, cuja tendência, segundo os analistas, é a de manter-se nesse nível por tempo mais longo, diminui os riscos de eventual evasão desses capitais, pelo menos em um prazo médio.

Ao contrário, trata-se agora de conter a enxurrada de dólares que vêm ingressando no País, pois, atraídos pelas altíssimas taxas de juros hoje vigentes, os especuladores do setor financeiro vinham auferindo ganhos, em apenas dois ou três dias, que só conseguiriam em um mês ou dois, as atuais taxas de juros do mercado internacional.

O Sr. Esperidião Amin - Nobre Senador Humberto Lucena, V. Exª concede-me um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Pois não, Senador Esperidião Amin.

O Sr. Esperidião Amin - Permito-me aparteá-lo neste exato momento do seu pronunciamento pela oportunidade do ponto que V. Exª está a abordar, que é o aporte frenético do chamado dinheiro esperto, que costumo chamar dinheiro de motel. É o dinheiro sem compromisso com a nossa economia, que não vem montar uma fábrica, não vem criar um empreendimento.

O SR. HUMBERTO LUCENA - É de alta rotatividade.

O Sr. Esperidião Amin - Vem aqui se valer, nobre Senador Humberto Lucena, de uma taxa de juros que não existe no mundo. Não existe no Planeta a taxa de juros que o Brasil oferece. E já está oferecendo isso, escravo da necessidade desse dinheiro impiedoso, sem qualquer vínculo com a nossa economia e que veio aqui para praticar a rapina. Faço o aparte neste momento, porque simplesmente hoje a Comissão de Assuntos Econômicos tomou uma decisão que - julgo - vem ao encontro da sua e da minha preocupação. Estabelecemos a necessidade da convocação do Ministro da Fazenda e do Presidente do Banco Central, provavelmente para a próxima semana. Um dos dois assuntos que serão abordados em sessão secreta diz respeito à composição das nossas reservas cambiais, que, receio, já estejam majoritariamente compostas por esse tipo de dinheiro, o mesmo que, quando disparou do México, acabou com o milagre mexicano. Meus cumprimentos pelo seu pronunciamento, que, certamente, vai enriquecer os Anais da Casa.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Muito obrigado, nobre Senador Esperidião Amin. As palavras de V. Exª vêm ao encontro do ponto de vista que estou defendendo no momento, na tribuna do Senado. Na verdade, tive oportunidade, em pronunciamento anterior, de ressaltar que foi justamente a ação predatória desses capitais especulativos que levou o México à ruína econômico-financeira e a uma crise sem precedentes na sua história e, talvez, na América Latina.

Foi isso que levou o Governo a ter de adotar medidas para a contenção do grande volume de capitais externos que vinham aportando profusamente no país, nos últimos quarenta dias, com exceção do que é aplicado nas Bolsas.

O Banco Central acabou, assim, por taxar os empréstimos estrangeiros com 5% do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). E as operações interbancárias, realizadas entre instituições financeiras no exterior e as que operam no Brasil, bem como as transações feitas em disponibilidade de curto prazo de residentes no exterior, terão que pagar 7% desse mesmo imposto. Do mesmo modo que a entrada de recursos externos em fundo de renda fixa de capital estrangeiro.

Seguramente, essas medidas vão determinar que os capitais externos fiquem mais tempo aportados em nosso mercado financeiro. Para conseguirem a rentabilidade que hoje têm em tempo recorde, será preciso que se retenham por aqui por alguns cinco ou seis meses. Tudo bem. Mas a pergunta que se coloca para todos nós é a seguinte: por que o Governo não buscou reduzir substancialmente as taxas de juros, como forma de restringir essas entradas, ao invés, ou ao lado do aumento da taxação? Pois são justamente essas, que nas alturas em que estão - hoje, as mais altas do mundo - têm propiciado essa festa de capitais especulativos do País.

Assim, Sr. Presidente, Srs. Senadores, teríamos completado o conjunto de justificativas para que as atuais restrições creditícias fossem derrubadas. Além do mais, porque essa política monetária de juros altíssimos, pelo que ostentamos atualmente o primeiro lugar entre os países que praticam juros nesses patamares, tem seu lado inegavelmente negativo no tocante ao aumento dos custos da dívida mobiliária interna.

A propósito da dívida mobiliária interna, desejo dizer às Srªs e aos Srs. Senadores que estou examinando a possibilidade de apresentar a Casa um requerimento instituindo uma Comissão Especial Temporária, com a finalidade de nos aprofundarmos sobre o endividamento público interno do País e ver quais são as soluções alternativas que poderemos descobrir para sairmos das dificuldades em que nos encontramos. Estamos certos de que o endividamento interno do setor público é, sem dúvida nenhuma, fator primordial dessas dificuldades, no que tange ao próprio combate à inflação. A inflação poderá recrudescer se o Governo não tiver meios e modos de nos retirar dessa dramática situação.

Sobre esse assunto, tenho sempre trocado idéias com o nobre Senador Vilson Klenübing, ex-Governador de Santa Catarina, que é um estudioso da matéria econômico-financeira.

O Sr. Jader Barbalho - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Jader Barbalho - Senador Humberto Lucena, quero manifestar meus cumprimentos a V. Exª pelo pronunciamento que faz, analisando um tema que, seguramente, é de maior preocupação, no momento, por parte da sociedade brasileira. E, particularmente, quando V. Exª se refere à dívida mobiliária, à dívida interna do Governo brasileiro, penso que as providências que V. Exª pretende propor ao Senado são necessárias. Precisamos aprofundá-las. Recentemente, o Professor Edmar Bacha, Presidente do BNDES, esteve na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, quando da discussão sobre a privatização da Companhia Vale do Rio Doce nos deixou profundamente preocupados no momento em que declarou que o ponto de apoio do Governo para reduzir sua dívida mobiliária seriam as privatizações. E considerando que até aqui o resultado destas privatizações não são significativos e que a velocidade do processo de privatização está muito aquém da expectativa e, além disso, considerando o crescimento vertiginoso da dívida interna, em razão da política de juros, não imaginamos como seja possível o Governo conseguir equacionar, encaminhar, tendo como apoio a política de privatizações. Desejo, então, manifestar a V. Exª os meus cumprimentos pela análise que faz, uma análise que seguramente preocupa toda a sociedade brasileira. E o Senado tem o dever de indagar ao Governo quais as providências que deseja efetivamente tomar nesse setor, fundamental para a sociedade.

Meus cumprimentos a V. Exª.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Sou muito grato às palavras de V. Exª, nobre Líder Jader Barbalho. Devo dizer-lhe que há muito tempo venho refletindo sobre a situação econômica. Particularmente, tenho como certo que a dívida pública interna é, sem dúvida, muito mais grave do que a dívida externa. Esta já foi negociada e, inclusive, os próprios juros estão sendo pagos por bônus, emitidos pelo Governo, de acordo com as tratativas a nível internacional, com o apoio do Senado.

Quanto à dívida pública interna, continuamos numa situação anômala, o que levou, inclusive, o ex-Presidente Fernando Collor de Mello a tomar aquela iniciativa inopinada de confiscar os ativos financeiros das pessoas, sem discriminação, atingindo inclusive a poupança popular.

O Sr. Vilson Kleinübing - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Ouço V. Exª com atenção.

O Sr. Vilson Kleinübing - Senador Humberto Lucena, especialmente Senador Jader Barbalho, a dívida pública brasileira tem uma origem muito clara - vou falar o óbvio. Os Governos gastaram mais do que arrecadaram. Esse foi um período em que se gerou a dívida. Hoje, ao contrário, os Governos até não estão gastando mais do que arrecadam, mas em compensação a dívida cresce, porque ela ficou tão grande, que não está crescendo porque o Governo está gastando mais do que arrecada. É porque os juros ficaram extremamente altos. Está tornando-se difícil pagar a conta de quem tem título de dívida pública, ou de quem deve para a Caixa Econômica Federal ou para o Banco do Brasil, enfim, quem deve para qualquer instituição financeira. Ora, isso está aumentando assustadoramente nos Estados, porque eles estão rolando o principal mais juros e tirando do sistema financeiro, tornando a estabilidade do sistema financeiro complicada. Isso aconteceu na Argentina. Outro aspecto, o Governo Federal continua, mesmo num período de arrecadação extraordinário, com déficit, pagando 800 mil a 1 bilhão de dólares por mês de juros, fora o que tem que emitir para atualizar dívidas, portanto, não tendo dinheiro. Quando se fala que o Governo Fernando Henrique Cardoso não pode investir no social, não pode mesmo. Quem está pagando um bilhão de juros, imagine esse dinheiro na Saúde, na Educação, na Habitação. Tivemos um grande esforço para negociar a dívida externa. E aqui é o que vem de diferente, tivemos um renegociador, uma estrutura que montou o esquema de renegociação da dívida externa, aliás, muito bem montada. A dívida externa está nos custando 1,24% do PIB brasileiro e a dívida interna está nos custando mais de 5,5%. Está hora de encontrarmos, sob a supervisão do Senado Federal, um renegociador da dívida interna brasileira, que envolva a questão dos Estados como o Maranhão, que paga 20 e poucos por cento ao mês, porque não tem título público, só tem dívida fundada, que envolva estados que estão transferindo títulos públicos estaduais para o Banco Central, quando isso devia ser o privilégio para quem paga em dia, quer dizer, os juros do título público do Banco Central são mais baratos. Quem é que se apropriou disso? Os estados do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo, que não pagam em dia. Os estados que pagaram em dia estão com seus títulos pagando juros mais altos. É muito importante se pensar nisso, temos que estabelecer um teto de pagamento, caso contrário tudo vai quebrar. Estou fazendo estas contas, estou fazendo esse levantamento, estou vendo em todos os lugares. Estou falando a respeito disso desde que cheguei aqui. Vai quebrar mesmo! Os Governos, muitos Bancos e a relação de crédito vão quebrar mesmo! O que precisamos fazer? Há uma solução para esse problema: mandar o pessoal da Casa da Moeda imprimir dinheiro e pagar a dívida. Com isso, os credores diriam: "Não é possível proceder dessa forma". Há uma outra solução, adotada pelo Presidente Carlos Menem na Argentina: a de se dar um tempo de 20 anos para pagar a dívida em dólar, com juros de 5% ao ano. Há ainda uma outra solução: a de haver, junto ao Banco Central, um negociador em nome do Senado, caso contrário, não adianta. Vendemos a ESCELSA por US$ 350 milhões, e, neste mês, somente o Governo Federal pagou US$ 711 milhões de juros. Só o governo federal. Senador Humberto Lucena, V. Exª faz esse discurso no momento certo. Sou parceiro de V. Exª nessa briga. Não posso dizer que este País vai para frente e que o Plano Real dará certo; não posso imaginar pedir a alguém que forme uma empresa quando a sua rentabilidade será de 10% e a rentabilidade do dinheiro será de 5% ao mês. No último leilão do Tesouro Nacional foi vendido título público a 5,38% ao mês. Não há indústria no País que, neste ano, tenha ganhado 5,38% ao ano. Então, não se formarão mais fábricas, mas sim Bancos. O Estado de Santa Catarina nunca abriu um Banco, apenas fábricas. Vou dizer aos catarinenses que, agora, o bom negócio é abrir Bancos e fechar todas as fábricas, porque esse é que ó bom negócio.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Muito obrigado a V. Exª. Eu me congratulo com as suas palavras, que refletem justamente a preocupação que tem tido com esse problema, que é de transcendental importância para a economia brasileira. Acho que devemos nos juntar todos, a partir dos Senhores Líderes, para ver que rumo podemos dar à solução desse problema no Senado Federal.

Eu já conversei com V. Exª, como disse há pouco, e anunciei, também, a idéia de uma Comissão Especial, temporária, voltada exclusivamente para o exame da dívida pública interna.

Creio que temos que procurar alternativas, e a idéia que V. Exª levanta do negociador, em nome do Senado, é das mais oportunas e merece destaque, no momento em que estamos debatendo o assunto no plenário.

Quero dizer a V. Exª que, na verdade, se a situação da União é difícil, avalie a dos estados, que não têm como pagar o seu endividamento. V. Exª falou no Maranhão; na Paraíba, por exemplo, estamos pagando de dívida fundada 21% ao mês. A rolagem oficial é de 11%, no momento. Estamos resgatando, por fora, 10% de débitos que não puderam ser incluídos na rolagem, porque a lei vigente não permite. Daí os projetos que apresentei à Casa, que estão para serem discutidos e votados, com objeções da área econômica, um de resolução, que volta a fixar em 9% a rolagem da dívida dos estados e municípios com a União, e outro que permite que débitos que atualmente não podem ser incluídos na rolagem venham a sê-lo, para que tenhamos uma solução para os estados, já que somos, no Senado, os representantes da Federação.

O Sr. Ney Suassuna - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Ney Suassuna - Senador Humberto Lucena, hoje na Comissão de Economia debatíamos exatamente sobre este tema. O ilustre Senador Vilson Kleinubing, também presente, participava do debate. Eu faria uma complementação ao seu aparte. O crescimento da dívida dos estados deve-se principalmente ao fim da inflação, que era um imposto que compensava os juros, que eram altos, mas menores do que a inflação. Então, com o fim da inflação o juro hoje está exponenciando a dívida. É uma balela quando se ouve o Governo Federal dizer que não está ajudando os grandes. Hoje, naquela comissão, verificamos que alguns estados tiveram 93% dos seus títulos mobiliários trocados por títulos do Tesouro Nacional. Para os pequenos, principalmente os que não têm a imprensa, não têm a TV Globo, o Estadão, a Folha, o Jornal do Brasil, o O Globo, para esses, a lei não contempla, a regra é esperar que se faça uma lei. Para os outros, a lei não está valendo. Fazem-se negociações paralelas como essa da troca dos títulos estaduais por títulos do Tesouro Nacional. Então, o que nós queremos, além de apoiar inteiramente o discurso de V. Exª, é dizer que é preciso que não haja dois pesos e duas medidas. Não é possível achar solução apenas para os Estados que têm poder político, que têm poder de imprensa. Bem disse hoje o Senador Esperidião Amin, o País é uma família. Não se pode mandar um filho para Harvard e o outro para uma escola da roça. Tem que haver o mesmo tratamento para todos os estados da União. Por isso, solidário com o discurso de V. Exª, acrescento esses pequenos adendos que precisam ser vistos pelo Governo Federal exatamente para não criar esta política de dois pesos e duas medidas ou de tratamento desigual entre iguais.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Nobre Senador Ney Suassuna, a propósito do nosso estado, ainda há um outro aspecto que desejo lembrar, relacionado com a decretação da liquidação extrajudicial do Banco do Estado da Paraíba, no Governo Collor, pelo Banco Central, juntamente com o Banco do Estado do Rio Grande do Norte e o do Estado do Piauí.

Passamos mais de dois anos, por intermédio dos nossos Governadores - eu, como Presidente do Senado à época, fazia parte das reuniões - buscando entendimentos com o Ministro da Fazenda, com o Presidente do Banco Central, para encontrar meios e modos de resolver a situação daqueles estabelecimentos de crédito.

Foi uma via crucis. Depois de muita luta, depois de muito esforço, conseguimos reabrir o Banco do Estado da Paraíba e o Banco do Estado do Piauí. O Banco do Estado do Rio Grande do Norte ainda está fechado. Reabrimos os bancos sem que o Governo Federal injetasse um tostão naqueles estabelecimentos de crédito. Tudo por conta do esforço dos Governos estaduais.

No caso da Paraíba, o banco do estado passou a ser paradigmático, na medida em que tinha 45 agências e passou a ter 5, na medida em que tinha 1.200 funcionários e passou a ter 300. Hoje funciona como um banco modelo, com uma diretoria profissional.

Se sofremos tudo isso, nobre senador Ney Suassuna, Srªs e Srs. Senadores, avaliem os senhores, comparativamente, o que se passa hoje no Brasil.

A nossa iliquidez da época, anunciada pelo Banco Central, estava muito abaixo da iliquidez do BANESPA, do BANERJ, do Banco Econômico e do Banco Mercantil. No entanto, somos estados pequenos e tivemos a decretação da liquidação extrajudicial dos nossos bancos estaduais, não tivemos o regime especial de administração, nem tampouco intervenção. Portanto, a situação foi muito mais difícil. Há, então, o problema, a que V. Exª aludiu há pouco, da discriminação para com os estados menores da Federação.

O Sr. Romero Jucá - V. Exª me permite um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Ouço V. Exª, Senador Romero Jucá.

O Sr. Romero Jucá - Senador Humberto Lucena, com a dimensão política e a experiência que tem, V. Exª traz hoje a esta Casa um tema que, pela quantidade e conteúdo dos apartes, sem dúvida nenhuma, demonstra a sabedoria de V. Exª em tratar uma questão tão urgente e emergencial, que é a dívida interna e o problema dos juros no Brasil. Quero somar-me aos nobres Senadores que me antecederam, no sentido de registrar não só a importância do tema mas também de dizer que é essencial que o País encontre emergencialmente uma solução para essa questão. Comungo da solução proposta pelo Senador Vilson Kleinübing, e já debatida, no sentido de que o País encaminhe um negociador da dívida interna, exatamente porque, sem a solução dessa questão, sem o equacionamento de tudo isso, não chegaremos a lugar nenhum. E o Plano Real será uma das grandes vítimas desse processo. Parabenizo V. Exª e trago, em nome do PFL, a nossa posição. A dimensão política que V. Exª demonstra ao apresentar essas questões engrandece esta tarde e os discursos que foram aqui pronunciados. Torno minhas as palavras do ilustre Senador.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Agradeço a V. Exª, nobre Senador Romero Jucá.

Retomo o meu pronunciamento, Sr. Presidente.

Com efeito, segundo o professor Gerson Lima, pesquisador da Universidade Federal do Paraná, que é citado pelo economista Álvaro Zini, em artigo na Folha de S. Paulo, de domingo, 06 do corrente, a despesa do governo com juros, quando se inclui o custo implícito da política monetária, chega a R$ 1 bilhão por semana. Sendo bom aqui que eu reproduza trecho da correspondência do professor Lima, dirigida ao articulista da Folha, em que ele afirma: "Taxas de juros elevadas provocam o crescimento constante da dívida pública e dos respectivos juros, o que mantém o governo numa situação de déficit crônico, sempre à beira da falência, sempre a pedir mais empréstimos, sempre de pires na mão."

O que se passa é muito simples. O Governo costuma dizer, por intermédio dos Srs. Ministros da área econômica, que os juros altos estão sendo fixados em função da contenção do consumo. Tenho para mim, salvo melhor juízo, que não há tanto dinheiro assim em circulação no País. A grande, a imensa maioria do povo não dispõe de recursos para comprar a não ser o essencial para sua manutenção e da sua família.

Portanto, as altas taxas de juros - e este professor a que me referi tem toda a razão - longe de ser uma medida de contenção apenas do consumo, muito mais ela é uma medida de interesse do Governo para colocar os títulos públicos no mercado financeiro. À medida que as taxas de juros são altas, os títulos do Governo passam a ser mais atrativos. Quando isso ocorre, quando o Governo emite novos títulos para pagar a dívida vencida porque não dispõe de recursos fiscais, torna-se a dívida uma "bola de neve". Em decorrência dos altos juros, evidentemente a dívida cresce e, então, resolve-se o problema do pagamento, por um lado, e amplia-se a dívida por outro, como bem referiu o nobre Senador Romero Jucá na sua intervenção.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - Senador Humberto Lucena, juntando-me às manifestações anteriores dos nossos colegas, quero felicitar V. Exª por mais essa contribuição que dá ao Senado Federal e, mais de perto, à Nação, desenvolvendo um tema da maior importância que preocupa a todos nós. Na verdade, o sistema financeiro nacional, ao longo destes anos, desde 1981, tem privilegiado, acima de tudo, o capital e tem deixado de lado o setor produtivo, que mais precisa do apoiamento desse sistema, haja vista que neste momento milhares de empresas, grandes, médias e pequenas estão fechando suas portas. E isso se deve a esse tratamento, a meu ver, desumano que está sendo dado ao setor produtivo em todo o País. Não só a indústria mas também o comércio, os serviços, a agricultura, todos nós estamos sofrendo as conseqüências dessa política monetarista que não tem dado o devido valor àquilo que é essencial à Nação: atender ao sistema produtivo de um modo geral. A inflação continua em torno de 2%, o que equivale a mais de 20% no ano, enquanto em outros países, como nos Estados Unidos e até no próprio Chile, a inflação anual não passa de 5%. Essa é uma prova evidente de que esse monstro ainda não foi devidamente domado no Brasil e de que essa alta de juros, ao invés de resolver os problemas do nosso País, está causando o desemprego, a miséria, a fome, a quebra, não só dos empresários do setor produtivo, mas também do setor bancário. Os bancos se acostumaram a se envolver na ciranda financeira, a ganhar com a inflação. Isso foi estimulado até pelo próprio Governo. Agora, quando o Governo procura conter o consumo, através da alta dos juros, vemos bancos, como o Econômico e o Mercantil de Pernambuco, sofrerem intervenção justamente em conseqüência da política atualmente adotada. Isso decorre justamente da preocupação exagerada com o monetarismo, uma preocupação importada de outros países e que não convém ao nosso Brasil. Portanto, louvo V. Exª por essa preocupação, não só com a alta dos juros, mas com o endividamento. Atualmente, os bancos estão servindo muito mais ao endividamento dos estados, dos municípios e da própria União, do que às indústrias, ao comércio e à agricultura. É lamentável que isso esteja acontecendo em nosso País. Muito obrigado.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Eu que agradeço, nobre Senador. Na verdade, o que V. Exª disse tem absoluto apoio na realidade dos fatos, não só relativos ao atual Governo, mas aos governos anteriores. Sem dúvida, vez por outra, os Senhores Presidentes da República baixam planos e, inclusive, comprometem-se em acabar com a ciranda financeira. Quase sempre, porém a ciranda volta, porque sabe V. Exª que a queda da inflação beneficia as camadas mais pobres, que são, em verdade, a maioria da população. Mas elas não são do gosto das camadas mais ricas. Os ricos gostam da inflação, porque é justamente com a inflação que eles ganham, que eles especulam. Os banqueiros e, sobretudo, aqueles que representam os oligopólios na nossa economia é que têm realmente grande lucratividade e acolhimento aos seus cofres recursos vultosos, que bem ajudariam o custeio da solução dos problemas sociais, que, infelizmente, continuam cada vez se agravando.

Prossigo, Sr. Presidente, para terminar.

Sem dúvida, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, uma situação que não deve ser mantida por mais longo tempo. Pois esse custo da rolagem da dívida interna, a juros estratosféricos, está, como vimos, causando uma elevação absurda dessa dívida, que, de R$55 bilhões, no ano passado, saltou agora para R$75 bilhões, anulando, inclusive, dessa forma, os possíveis efeitos positivos decorrentes do processo de privatização.

Ademais, há ainda que enfatizar a evolução do processo inflacionário atual. Apesar de algum crescimento em junho, julho e no mês em curso, todas as estimativas são de que a inflação, a partir de setembro, venha a situar-se abaixo de 2%. O que efetivamente gera uma razoável folga para que se implemente uma nova política monetária, com um cenário de queda das taxas reais e nominais de juros.

Desse modo, é realmente de se louvar a atitude do Governo voltada agora para a redução progressiva dessas taxas, tanto quanto o seu anúncio de que vai promover o desmonte das restrições ao crédito, além de adotar medidas de redução dos compulsórios atuais. Sem dúvida, é importante saber que o Banco Central, como fez já no final da semana passada, já vem trabalhando para diminuir os juros, ao derrubar as taxas efetivas de 3,90% para 3,84%. É um percentual muito pequeno, mas já indica uma tendência de baixa.

Entretanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, essas reduções ainda são, evidentemente, diminutas. Pois, se na captação já se tem taxas nesse patamar, em torno de 3,84% ao mês, não se tem uma efetiva correspondência do impacto dessa queda nos empréstimos ao setor produtivo, para viabilização de capital de risco e de investimento, vez que, aí, as taxas continuam no patamar dos proibitivos e inconcebíveis 14% ao mês. Ou seja, algo absurdo e incompreensível para uma economia que, como disse o Presidente da República, já trabalha sem maiores turbulências. A par do que ele próprio, na última sexta-feira, reunido com o Presidente da Força Sindical, Luiz Antonio de Medeiros, e dirigentes da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo - FIESP - diante de dados insofismáveis sobre o quadro recessivo, acabou por se convencer da necessidade de medidas emergenciais, determinando a realização de estudos urgentes sobre a abertura de linha de crédito para empresas, com juros semelhantes à Taxa de Juros de Longo Prazo - TJLP - e mecanismos de empréstimos nos moldes do concedido ao setor agrícola, concordante com a constatação de que se vive agora uma desaceleração da economia, que vem causando forte desemprego em todo o país. Faz-se necessário, desse modo - e é este o meu apelo neste momento ao Senhor Presidente da República -, que o Governo torne o mais rápido possível esse processo de flexibilização da política monetária, para efeito de ir ao encontro dos anseios, dos reclamos de milhões e milhões de brasileiros que estão aí sendo marginalizados no nosso processo de desenvolvimento econômico.

O Sr. Casildo Maldaner - V. Exª me concede um aparte, Senador Humberto Lucena?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Tem V. Exª a palavra, nobre Senador Casildo Maldaner.

O Sr. Casildo Maldaner - Senador Humberto Lucena, tenho dois tópicos: um é nesse campo de se tentar reaquecer a economia nacional, que V. Exª analisa com muita profundidade e até finaliza nesse campo. Na verdade, segundo os entendidos, hoje, para se tentar reaquecer ou realimentar a economia, o processo deve levar no mínimo uns seis meses para que o resultado chegue na ponta. A recessão está aí, caiu a arrecadação, há o desemprego, não há a menor dúvida. Para se tentar equipar ou manter um plano, segundo uma das leis da Física, é normal que a toda ação corresponda uma reação. Vários setores então empobreceram para poder agüentar o plano até agora. Há um certo artificialismo nisso, e para se reaquecer a economia terá que se tomar algumas medidas, mas não teremos resultados imediatos, vai demorar, não há a menor dúvida. No entanto, é necessário começar a irrigar a economia nacional. É preciso atender a alguns setores que empobreceram demais, se descapitalizaram. Quanto ao assunto que estávamos debatendo ainda hoje, pela manhã, na Comissão de Assuntos Econômicos, acerca do crescente endividamento público interno, principalmente, V. Exª tem apresentado propostas. Parece-me que teremos que limitar não apenas a rolagem. Outrora, os estados emitiram títulos e agora vêm transferindo-os muitas vezes ao Governo Federal, que vem aceitando-os sem limites. O Governo Federal não deve ter o direito de emitir títulos sem limites. Há que se ter um teto, nobre Senador, porque, senão, a dívida torna-se uma bola de neve, algo interminável. É necessário, de uma vez por todas, que se controle essas dívidas, que se tenha um limite para emitir, para que possamos colocar o País nos seus devidos eixos, irrigando a economia. Acerta-se uma dívida, e a herança - uma dívida ainda maior - fica com os brasileiros. É preciso que tomemos - e temos força para isso - uma decisão com relação à emissão de títulos de uma vez por todas. V. Exª vem debatendo sobre essa questão, e acredito que, nas próximas semanas, possamos, em conjunto, batizar uma regra geral e duradoura para a Nação. Meus cumprimentos, para finalizar, ao grande pronunciamento que V. Exª faz, na tarde de hoje, no Senado da República.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Muito obrigado, nobre Senador Casildo Maldaner.

Para concluir, Sr. Presidente, peço a V. Exª que dê como lido o editorial do Correio do Povo, edição do dia 11 de agosto, sob o título "O Clamor Nacional pela Flexibilização", para que seja divulgado no Diário do Congresso Nacional, como um aditivo ao pronunciamento que acabo de fazer.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 16/08/1995 - Página 13938