Discurso no Senado Federal

REMEMORANDO RELEVANTES FATOS OCORRIDOS NO GOVERNO GETULIO VARGAS.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • REMEMORANDO RELEVANTES FATOS OCORRIDOS NO GOVERNO GETULIO VARGAS.
Aparteantes
Antonio Carlos Magalhães, Bernardo Cabral, Carlos Bezerra, Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DCN2 de 25/08/1995 - Página 14543
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, GOVERNO, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, GETULIO VARGAS, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, POLITICA NACIONAL, OPORTUNIDADE, HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE.
  • TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), JORNAL DE BRASILIA, DISTRITO FEDERAL (DF), AUTORIA, LUIZ ROBERTO DO NASCIMENTO E SILVA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA CULTURA (MINC), ASPASIA CAMARGO, PRESIDENTE, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), LEOCADIO GUIMARÃES, JORNALISTA, TRECHO, LIVRO, JOSE SETTE E CAMARA, EMBAIXADOR, ANALISE, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, GETULIO VARGAS, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje é dia 24 de agosto. Lembro, como se fosse hoje, o dia 24 de agosto de 1954, 4l anos atrás, eu jovem, na Faculdade de Direito. Na História da Humanidade, dificilmente aconteceu uma reviravolta tão intensa na sociedade, como a do dia 24 de agosto de 1954.

Até aquela madrugada, fez-se no Brasil uma campanha sórdida, cruel, desumana e injusta contra um homem público, o Dr. Getúlio Vargas. A imprensa nacional, a então União Democrática Nacional, as Forças Armadas, o Sr. Carlos Lacerda, o Brasil inteiro clamava contra a figura de Getúlio Vargas. Ele aparecia como corrupto, desonesto, imoral. Não lhe era dada nenhuma chance de defesa. Não saía uma linha na imprensa a seu favor. O Brasil inteiro estava praticamente sufocado.

No entanto, no Rio Grande do Sul, éramos respeitosos com o Dr. Getúlio Vargas. Nunca fui fanático por ele. Quando jovem, fui díscipulo de Alberto Pasqualini; quando fui vereador e deputado pelo PTB - fui da ala moça do PTB - eu me identificava com a figura do Pasqualini teórico, doutrinário. O Dr. Getúlio Vargas, por sua vez, não se identificava com ele, tanto que, quando Pasqualini foi candidato a governador, o Dr. Getúlio, por omissão, deixou que ganhasse Walter Jobim, do PSD, e de certa forma esfriou o Sr. Alberto Pasqualini, do PTB. Apesar disso, todos tínhamos respeito pela figura brava, digna e correta do Dr. Getúlio Vargas.

Tenho aqui uma publicação feita agora, 40 anos depois, intitulada Agosto de 1954, de autoria do Embaixador José Sette Câmara, que era chefe de gabinete do Chefe da Casa Civil, Lourival Fontes, do Dr. Getúlio Vargas. Ele conta, nesse livro, que, moço, na Faculdade de Direito de Minas Gerais, era simpático à UDN e radicalmente contra Getúlio Vargas, contra o Estado Novo, contra o regime daquela época. E nos conta:

      "Nunca tinha sido getulista na minha vida. Ao contrário, nos meus dias de estudante em Belo Horizonte, na velha Escola de Direito - o casarão verde repassado de tradição e de lembranças (...) -, fazia parte do grupo mais ativo na resistência à ditadura."

Aliás, pedi ao Vice-Presidente Marco Maciel que entregasse esse livro ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, para que Sua Excelência lesse o trecho em que Sette Câmara conta que Getúlio Vargas, "de manhã, despachava os documentos deixados pelos ministros de Estado em sua visita semanal". O Dr. Getúlio Vargas jamais tomava uma decisão na presença dos Ministros ou das pessoas interessadas. Quem quer que fosse lhe encaminhar algum pedido - governador, deputado ou senador - tinha que deixar a correspondência na mesa do Dr. Getúlio, e ele a respondia depois, por escrito. Certamente, o desencontro havido entre o Senador pela Bahia, Sr. Antonio Carlos Magalhães, e o Presidente da República, aquele disse-não-disse não teria ocorrido se o Presidente, como fazia o Dr. Getúlio, tivesse deixado para responder à solicitação do Senador no dia seguinte, e não na mesma hora.

Continuo a ler o que nos diz o Sr. Sette Câmara - faço questão de fazê-lo:

      "A seriedade inatacável do presidente, a honestidade quase maníaca do chefe do Gabinete Civil, que não admitia facilidades, nem sequer um pedido de instalação do telefone que não fosse por interesse de serviço, foram salpicadas pelos respingos (...)

      A imprensa engajada na campanha para a destruição do governo resolveu durante dias a vasa das maroteiras pífias e do mercadejar de influência de Gregório. Em toda aquela papelada torpe, nem uma só linha, nem uma única palavra apareceu que pudesse sugerir que o presidente da República ou os funcionários graduados do Palácio tivessem qualquer conivência com as trapalhadas de Gregório."

E mais adiante diz Sette Câmara:

      "Mas, agora, passados 40 anos (...) Nada, no monturo de papéis da guarda pessoal, revelou qualquer envolvimento de pessoas do governo nas manobras de Gregório."

Aliás, Sr. Presidente, em 64 aconteceu algo quase igual. Ora, o que aconteceu em 1954 foi um golpe de Estado, como o que aconteceu em 1964 também. Em 1954, pela primeira vez na história do País, apareceu a mídia. Ainda não havia a televisão, só o rádio. E havia o Sr. Carlos Lacerda. A imprensa se engajou numa campanha para destruir um homem. E a "banda de música" da UDN, do Sr. Aliomar Baleeiro, e outros entraram nessa campanha para desmontar um homem.

Após os acontecimentos da rua Toneleros - a morte do Major Vaz, o tiro no pé do Sr. Carlos Lacerda - investigou-se e descobriu-se inclusive a responsabilidade do Sr. Gregório, que era o homem da Guarda do Dr. Getúlio Vargas. Investigou-se e descobriu-se absolutamente tudo. O crime não ficou impune. Apuraram-se as causas e puniram-se os responsáveis, mas se exigiu a queda do Dr. Getúlio Vargas.

Sr. Presidente, a História brasileira não é muito rica de fatos dessa natureza. Naquela época, não se imaginava que o episódio terminaria com o suicídio do Dr. Getúlio Vargas, inclusive porque ele concordara em se licenciar até que se apurassem os fatos. O seu Ministro da Guerra - que o traiu juntamente com o Vice-Presidente Café Filho, pois ambos encabeçaram a lista de traidores do Dr. Getúlio Vargas - disse: "Não, os ministros militares não aceitam a licença: aceitam a demissão, porque Vargas jamais voltará."

Quando o Dr. Zenóbio da Costa, de triste memória... Quando o Dr. Tancredo Neves, Ministro da Justiça, disse-lhe para demitir o Ministro do Exército e nomeá-lo Ministro do Exército, que ele se encarregaria de fazer a resistência e colocar na cadeia os insidiosos, o Dr. Getúlio Vargas não quis derramento de sangue, considerou o assunto encerrado, retirou-se para os seus aposentos no Palácio do Catete e se suicidou.

Sr. Presidente, é verdade que havia um grupo, desde 45, quando caiu Vargas, que queria ganhar o Governo pelo voto, com um brigadeiro, e não conseguiu; depois, em 50, novamente, com um brigadeiro, e não conseguiu; e depois, com Juscelino, e não conseguiu. Conseguiu apoiando Jânio, e nada havia de UDN. Depois conseguiu, novamente, com o golpe de Estado de 1964.

Essa gente, os eternos golpistas, não imaginava o suicídio. É verdade que foram para o poder com o Sr. Café Filho, que tentou evitar a posse do Sr. Juscelino Kubitschek de Oliveira. E houve o ato do Sr. Lott e seu afastamento.

Li o inventário de Getúlio Vargas. Ele deixou para os seus filhos, depois de vinte anos na Presidência da República, muito menos do o que o Sr. Manoel Vargas, seu pai, havia deixado para ele. O Dr. Getúlio Vargas deixou muito menos propriedades do que recebeu do seu pai depois de 20 anos na Presidência da República.

Se analisarmos a História do Brasil, veremos: Companhia Siderúrgica Nacional, obra de Getúlio Vargas; inclusive a entrada na guerra contra a Alemanha dizem que foi uma compensação. Ele entrou na guerra, mas conseguiu o beneplácito e o auxílio americano para a construção de Volta Redonda. A Companhia Vale do Rio Doce, que agora o Senhor Presidente pensa privatizar, é criação de Getúlio Vargas. A PETROBRÁS, com apoio e votação do Congresso, é criação do Dr. Getúlio Vargas. O BNDES, visando na sua forma inicial o desenvolvimento conjunto da sociedade brasileira; o Banco do Nordeste do Brasil, com a preocupação de olhar para o Nordeste; a Companhia Hidrelétrica de São Francisco e obras que ali se fizeram; o Instituto de Resseguros do Brasil; o Departamento da Administração do Pessoal Civil - DASP - que pela primeira vez coordenou e deu ação e racionalidade ao funcionalismo público do Brasil; o Ministério do Trabalho; o Ministério da Educação; o CNPq, da Ciência e Tecnologia; o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional; o Instituto Nacional do Livro; o Serviço Nacional de Teatro; o Instituto Nacional do Cinema Educativo; a Rádio Nacional - criação do Dr. Getúlio Vargas. O Instituto do Salário Mínimo; a jornada de trabalho semanal; as férias remuneradas; o repouso semanal; a Consolidação da Leis do Trabalho; a Previdência Social; o Código de Processo Civil, que está em vigor até hoje; o Código Penal, até hoje considerado uma instituição moderna; o Cógido de Águas; o Código Florestal; o Código Eleitoral, fundamentando as eleições para a Assembléia Constituinte de 1934; a Justiça Eleitoral; o voto secreto; o voto feminino, a promulgação da Lei Antitruste, que institui a Comissão de Defesa Nacional, base do planejamento do Brasil por meio do Plano Nacional de Viação. São apenas algumas obras da imensa biografia do Sr. Getúlio Vargas.

O Sr. Bernardo Cabral - Permite-me V. Exª um aparte? É um seu admirador que solicita.

O SR. PEDRO SIMON - Concedo o aparte ao nobre Senador Bernardo Cabral, com muito prazer.

O Sr. Bernardo Cabral - Não vou entrar no mérito do discurso de V. Exª. Salto, inclusive, o capítulo das desculpas por não fazê-lo. Mas há um dado substancial no Governo de Getúlio Vargas que peço a V. Exª que inclua em seu discurso - evidentemente não é aquele que, ironicamente, me lembrava o companheiro Jefferson Péres. É que, no mundo inteiro, a luta sindical partiu do povo para o Estado; no Brasil, tivemos a inversão sindical, ou seja, Getúlio Vargas antecipou-se: em vez de permitir que lutas fratricidas ocorressem, ele próprio conseguiu - V. Exª sabe disso melhor do que eu - evitar um derramamento de sangue, como houve no passado, em Chicago, e com isso deu dois grandes saltos. No primeiro, atraiu a massa sindical para o Partido que criou, o PTB, e evitou que as fileiras do Partido Comunista engrossassem; e, no segundo, criou, deu base ao movimento sindical. É de se lamentar apenas - com isso concordamos - que aquela sua criação não tenha sido limpa até o final ou límpida, porque acabaram surgindo os pelegos. Mas o discurso de V. Exª, além de ser hitórico, Senador Pedro Simon, resgata algumas passagens da vida de um homem que foi, inequívoca e indubitavelmente, um estadista desta República.

O SR. PEDRO SIMON - Agradeço o significativo aparte de V. Exª.

Não nego e não tenho medo de dizer aqui que houve 1937; não fujo disso. Também não deixo de dizer que sou um democrata permanente; e, se não aceito a figura do 37, é porque sempre tive resistência ao 37. Mas o Congresso deverá fazer justiça a uma análise que faço. Em 1937, o mundo estava caminhando para o radicalismo; o comunismo estava, praticamente, se impondo não apenas na Rússia, mas em toda a região; o nazismo se impondo na Alemanha; o fascismo se impondo na Itália. Parecia, de certa forma, naquela época, que a democracia estava em véspera de desaparecer, e a liberdade era uma interrogação. No Brasil, o nazismo e o fascismo eram representados pelo integralismo; integralismo que quase matou o Presidente Vargas e sua filha. Atuaram sobre o Palácio do Catete, cercaram-no de tal modo que a filha do Dr. Getúlio, a Dona Alzira Vargas, toda a família do Dr. Getúlio Vargas pegou em armas para se defender do tiroteio, até que viessem, não sei de onde, as tropas oficiais.

Depois veio o ano de 1938, burrada dos nossos amigos comunistas da época. Em 1938, invadiram os quartéis e, nessa quartelada, pela qual os comunistas pagam até hoje, na verdade, cometeram absurdos. Não estou, com isso, defendendo 1937, porque sou um democrata; estou querendo apenas argumentar que, ao contrário de 1964 - quando o mundo caminhava para a democracia, inclusive nós, recebemos aquele golpe de cima para baixo -, em 1937, o mundo caminhava para o nazismo, para o fascismo, para o comunismo, e havia movimentos que se identificavam com eles aqui no Brasil.

O Sr. Carlos Bezerra - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PEDRO SIMON - Ouço V. Exª com o maior prazer.

O Sr. Carlos Bezerra - Estou aqui vibrando e queria fazer um adendo a esse grande pronunciamento que V. Exª faz na tarde de hoje. Penso que o Brasil, até hoje, tem um vácuo pela falta de Getúlio. Getúlio era um verdadeiro estadista, tinha uma visão macro, muito bem clara, muito bem definida, e empurrou este País para o que ele é hoje. Aquela era uma época em que tínhamos planejamento no Brasil, o que não existe hoje. Acabou! Não existe planejamento para o semestre que vem, quanto mais para o próximo ano. Um dos últimos planejadores sérios que o Brasil teve - vou citar um apenas - e que tinha séria influência das idéias de Pasqualini, de Getúlio, foi Celso Furtado, com aquele famoso Plano Trienal. Depois disso, o Brasil não teve mais planejamento. Um país grande como o nosso, que precisa usar racionalmente seus recursos, sua riqueza, para direcionar bem o seu desenvolvimento, sofreu essa castração com a perda de Getúlio Vargas. E até hoje estamos tentando nos encontrar, definir um rumo econômico e social para esta Nação. Obrigado pela oportunidade de fazer essa complementação e parabéns por esse feliz pronunciamento.

O SR. PEDRO SIMON - Sr. Presidente, peço a transcrição nos Anais da Casa dos seguintes artigos: "A memória do futuro", de Luiz Roberto do Nascimento e Silva, publicado no Jornal do Brasil; "Getúlio Vargas e o novo pacto nacional", de Aspásia Camargo, publicado no Jornal de Brasília; "Presença de Vargas no Brasil de hoje", de Leocádio Guimarães, da equipe do Jornal de Brasília; e algumas passagens rápidas que eu saliento no livro do Embaixador José Sette Câmara.

O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PRESIDENTE (Júlio Campos) - Senador Pedro Simon, esta Presidência adverte V. Exª que seu tempo está se esgotando.

Por oportuno, a Mesa não poderia deixar de se associar à homenagem que o grande Líder Pedro Simon presta ao eminente e inesquecível Presidente Getúlio Dornelles Vargas, uma das maiores reservas morais da América.

O SR. PEDRO SIMON - Ouço o nobre Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy - Gostaria de cumprimentar V. Exª pelo seu pronunciamento e registrar que, ao longo desses quatro anos e oito meses de convivência, a cada ano tenho observado e ouvido com atenção os seus depoimentos. V. Exª traz a história para o presente, aquilo que se passou nos Governos de Getúlio Vargas, os diversos traumas que sacudiram esta Nação. V. Exª sempre aborda esses temas com a perspectiva de aprendermos com as lições do passado. Gostaria de cumprimentar V. Exª também pelo projeto que ontem foi aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, segundo o qual todos aqueles que ocuparem cargos, inclusive no Parlamento, de responsabilidade pública, deverão abrir mão do seu sigilo bancário. Houvesse isso ocorrido nas últimas décadas no Brasil, quem sabe poderíamos ter prevenido muitos dos problemas que V. Exª tem registrado. Finalmente, gostaria de mencionar algo que V. Exª registrou ontem, com muito brilhantismo, sobre o nosso colega no Senado, Antonio Carlos Magalhães, sobre as qualidades do Senador, que às vezes parece malvado, outras vezes tem o apelido de "Ternura". Podemos observar que, muitas vezes, o lado "Ternura" parece ser de muito bom-senso e merece a qualificação de oração de serenidade pelo Líder do Governo. Mas - e esta é a observação que faço -, apenas quando o "Malvadeza" se expressa é que realmente explode na imprensa. O "Ternura", como se observa hoje, não explode com tanta força. Essa é a observação que gostaria de fazer.

O SR. PEDRO SIMON - Sr. Presidente, gostaria apenas de dizer ao Senador Antonio Carlos Magalhães que concordo com o Senador Eduardo Suplicy nesse aspecto. Imaginei que o discurso de ontem de S. Exª merecia ter as mesmas manchetes do discurso anterior; e, na verdade, passou despercebido. A culpa não é do Senador Suplicy!

Vejam como a nossa imprensa gosta do "Malvadeza", e não gosta do "Ternura". Ela gosta de abrir as baterias, como abriu contra o Dr. Getúlio, e não mostrar o outro lado.

Entendo que esse é um dos aspectos que temos que debater. Assim como noticiaram em manchete o Senador Antonio Carlos quando falou a primeira vez, S. Exª tinha o direito de ser notícia de manchete igualmente quando falou da segunda vez, no momento em que fez uma análise mais tranqüila, mais positiva e posterior à questão. No entanto, a imprensa não o fez.

Essa atitude da imprensa ocorre desde 54, quando ela desmontou a figura de Getúlio Vargas. Foi a primeira vez, no Brasil, que a chamada mídia - não havia televisão, somente rádio e jornal - desmontou a vida de Vargas sem lhe dar chance de defesa. Em 64, foi a segunda vez: desmontaram a figura de João Goulart e não lhe deram uma chance de defesa.

Creio que temos de analisar essa questão. Ninguém mais do que nós, do Congresso, somos a favor da liberdade de imprensa. Por amor de Deus! Não há Congresso se não houver imprensa e não há imprensa se não houver Congresso. Quer dizer, há lugares por aí em que não há Congresso e há imprensa, mas não no seu verdadeiro sentido.

Porém, com toda sinceridade, em 54, o que vimos foi isto: a imprensa não deu chance para que o Sr. Getúlio Vargas, Presidente da República, no exercício da Presidência, pudesse falar. Em 1964, a imprensa não deu chance para que o Sr. João Goulart, Presidente da República, no exercício da Presidência, pudesse falar.

Quando derrubamos pelo voto e pelo impeachment o Sr. Collor de Mello, foi diferente: Ele esteve na Presidência da República, participou de programa em cadeia de rádio e televisão, falava para o Brasil inteiro quantas vezes quisesse e, até depois de votarmos o seu impeachment, reuniu a imprensa em cadeia nacional e teve chance de falar.

Não posso dizer se o Sr. Antonio Carlos tinha algo a argüir. Tenho certeza de que S. Exª gostaria de ter sido manchete hoje, como o foi há quinze dias.

Há um episódio do qual nunca me esqueço: Em 64, quando os Deputados foram cassados, os suplentes puderam assumir; depois, não puderam mais. Aconteceu, então, que um Deputado novo, vindo do interior, assumiu o cargo e se apaixonou. Ia a boates, etc., e acabou dando um tiro. Conclusão: virou capa de jornal! Com esse episódio, fui me queixar num jornal de Porto Alegre, cujo Secretário-Executivo era meu amigo íntimo, e disse-lhe: "Mas, que barbaridade! Esse Deputado apresentou 30 projetos e não saiu uma nota a esse respeito na imprensa; aconteceu o tiro e virou capa de jornal"! Ele me respondeu: "Meu filho, Deputado trabalhar é obrigação; Deputado dar tiro é escândalo! Se ele queria aparecer no jornal, tinha de fazer um projeto muito importante".

O meu amigo exemplificou: "Se, por exemplo, você sair da Redação e, na rua, um cachorro te morder, isso não é notícia. Agora, quer ser capa de jornal? Saia e morda um cachorro!"

Então, infelizmente, a imprensa brasileira vive esse situação. Aliás, a imprensa do mundo inteiro.

Quando ouvi o noticiário de hoje, dizendo que a Rainha da Inglaterra estava ameaçada de cair, fiquei assustado e me perguntei o que estaria acontecendo. Disseram-me que tem que haver seis corvos na torre de Londres. Como um havia morrido e só só havia cinco, seria um sinal de que o Império cairia.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PEDRO SIMON - Ouço V. Exª, com muito prazer.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães - Em primeiro lugar, quero me associar ao discurso de V. Exª, que vem trazer, no dia de hoje, uma homenagem ao Presidente Getúlio Vargas, que, sendo uma figura polêmica, tanto tempo tendo figurado na História do Brasil, duas coisas ninguém lhe pode negar - o amor que ele teve a duas causas, em que foi a figura principal: a legislação trabalhista, o amor que teve à causa dos trabalhadores do Brasil; e, ainda mais, à causa nacionalista, porque foi ele quem fundou as primeiras bases do nacionalismo do Brasil. Isso é inegável, ninguém pode ocultar. V. Exª faz sempre com propriedade e, ainda mais, sendo do Rio Grande do Sul, ninguém com mais autoridade para fazer esse discurso do que V. Exª. Não ouvi o contexto completo do aparte do nobre Senador Suplicy.

O SR. PEDRO SIMON - Foi a seu favor. S. Exª quis dizer que quando se trata do "Malvadeza", aparece na capa do jornal; quando é o "Ternura", não aparece.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães - Pois é! O simples fato de o meu nobre colega, Senador Eduardo Suplicy, me trazer ao debate onde V. Exª exalta a figura do Presidente Getúlio Vargas já considero um prêmio para a minha vida pública, estar nesse seu discurso e junto a esse elogio que V. Exª faz da figura do grande Presidente Vargas. De maneira que eu queria agradecer a V. Exª e - perdoe-me - mais ainda ao Líder do PT. Muito obrigado.

O SR. PEDRO SIMON - Encerro, Sr. Presidente, agradecendo a tolerância de V. Exª. Apenas gostaria de dizer o seguinte: Que pena que este seja um País sem memória!

Ontem, Teozinho, filho do Senador Teotônio Vilela, convidou-me para conversar sobre o livro que o Senado vai publicar sobre a biografia de Teotônio Vilela. Tem gente que não se lembra mais de quem foi Teotônio. Pouco se ouve falar de Tancredo Neves.

Este País, lamentavelmente - repito -, não tem memória. E se não temos memória, não temos futuro. Se não respeitarmos a nossa biografia, a nossa História, se não olharmos para trás, como vamos olhar para a frente?

Passado tanto tempo, repousa em paz, é verdade, a figura do Dr. Getúlio Vargas. Já se pode prestar uma homenagem como esta.

Logo depois de 64, Sr. Presidente, roubaram a carta-testamento que o Dr. Leonel Brizola havia colocado na Praça da Alfândega, em Porto Alegre. Mandei, como Presidente do MDB, fazer em Caxias uma cópia do documento, uma carta enorme, para colocar na praça. Isso foi feito com a praça cercada pelas tropas militares, sob ameaça de prisão, e com algumas prisões.

O tempo passou, e se hoje vivemos um clima de liberdade, vamos, primeiro, respeitar as figuras daqueles que lutaram por ela.

Do fundo do coração, Sr. Presidente, espero que os fatos como os de 54 e 64, onde a mídia e a violência do radicalismo derrubaram dois governos democráticos, não aconteçam mais, para que possamos ter o que tivemos há pouco: um Presidente deposto pelo impeachment, mas na mais absoluta democracia, na mais absoluta liberdade, com amplo direito de defesa, comunicando-se em cadeia de rádio e televisão com o Brasil inteiro, e com o Supremo Tribunal Federal dando a última palavra.

Meu abraço muito fraterno à figura e à memória do Dr. Getúlio Vargas.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 25/08/1995 - Página 14543