Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PROJETO DE LEI DE AUTORIA DO DEPUTADO PAULO DELGADO, QUE DISPÕE SOBRE A EXTINÇÃO PROGRESSISTA DOS MANICOMIOS E SUA SUBSTITUIÇÃO POR OUTROS RECURSOS ASSISTENCIAIS E REGULAMENTA A INTERNAÇÃO PSIQUIATRICA COMPULSORIA.

Autor
Sebastião Bala Rocha (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AP)
Nome completo: Sebastião Ferreira da Rocha
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PROJETO DE LEI DE AUTORIA DO DEPUTADO PAULO DELGADO, QUE DISPÕE SOBRE A EXTINÇÃO PROGRESSISTA DOS MANICOMIOS E SUA SUBSTITUIÇÃO POR OUTROS RECURSOS ASSISTENCIAIS E REGULAMENTA A INTERNAÇÃO PSIQUIATRICA COMPULSORIA.
Publicação
Publicação no DCN2 de 26/08/1995 - Página 14638
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • COMENTARIO, POSIÇÃO, ORADOR, ENTIDADE, LIGAÇÃO, SAUDE, APOIO, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, PAULO DELGADO, DEPUTADO FEDERAL, REFORMULAÇÃO, PSIQUIATRIA, PROPOSIÇÃO, EXTINÇÃO, SUBSTITUIÇÃO, SANATORIO, ATIVIDADE ASSISTENCIAL, REGULAMENTAÇÃO, INTERNAMENTO, PAIS, ORIENTAÇÃO, MODELO, ATENDIMENTO, ASSISTENCIA PSIQUIATRICA.

O SR. SEBASTIÃO ROCHA (PDT-AP. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, ocupo hoje a tribuna desta Casa para abordar uma questão de extrema importância para o País: a reforma psiquiátrica.

Desde 1989, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei de autoria do Deputado Paulo Delgado, que "dispõe sobre a extinção progressiva dos manicômios e sua substituição por outros recursos assistenciais e regulamenta a internação psiquiátrica compulsória".

Para atingir esse objetivo, o referido projeto prevê a proibição não só da construção de novos hospitais psiquiátricos públicos no País, mas também da contratação ou financiamento de novos leitos em estabelecimentos psiquiátricos privados.

Trata-se, sem dúvida, de uma proposta que busca reorientar integralmente, do ponto de vista teórico e ético, o modelo de atendimento psiquiátrico público hoje existente no Brasil, mediante o estabelecimento de um processo paulatino de adoção de novas formas de tratamento, com a gradualidade que o bom senso, a prudência e a experiência internacional determinam.

No que respeita à extinção dos manicômios, o Projeto parte do princípio de que o hospital psiquiátrico especializado está superado do ponto de vista técnico e ideológico, tendo em vista o moderno entendimento da patogênese das doenças mentais e do arsenal terapêutico desenvolvido nos últimos cinqüenta anos.

Srªs e Srs. Senadores, esse é, sem dúvida, um dos projetos de lei que mais intenso debate tem produzido não só no âmbito do Congresso Nacional quanto da própria sociedade brasileira.

Polêmico e inovador, apesar de contar com inúmeros opositores, o Projeto de autoria do Deputado Paulo Delgado recebeu manifestação pública de apoio das três principais entidades representativas de todos os médicos brasileiros: o Conselho Federal de Medicina, a Federação Nacional dos Médicos e a Associação Médica Brasileira. Reunidas, elas publicaram, em 8 de julho próximo passado, no jornal O Globo, uma nota oficial intitulada "A Propósito da Reforma Psiquiátrica".

Nessa nota, as três entidades mais representativas da área médica nacional elogiaram a criação de serviços com novas características que, "praticando modernas técnicas e padrões éticos elevados, preservam a liberdade dos doentes, estimulam sua autonomia e combatem, vigorosamente, a sua discriminação e exclusão do meio social. Elas afirmam, também, que, após longas discussões sobre o assunto, é praticamente consensual no meio médico brasileiro o apoio à reforma psiquiátrica, tendo em vista o êxito das transformações da assistência psiquiátrica já implantada em outros países.

Além da aprovação das mencionadas entidades, as propostas que figuram no Projeto de Lei apresentado pelo Deputado Paulo Delgado são apoiadas pelo Conselho Nacional de Saúde, pelas coordenações de Saúde Mental do Ministério da Saúde e das secretarias estaduais de Saúde e pela Associação Brasileira de Psiquiatria, e foram recomendadas pela Segunda Conferência Nacional de Saúde Mental, realizada em 1992.

E não são apenas os dirigentes e profissionais da área de saúde no Brasil que apóiam a reforma psiquiátrica, Sr. Presidente. A Organização Mundial da Saúde - OMS - e a Organização Pan-Americana de Saúde - OPSA - também defendem o Projeto.

Segundo informações prestadas pelo Diretor da Divisão de Saúde Mental da Organização Mundial de Saúde, Professor J. Costa e Silva, em junho deste ano, "o antigo hospital psiquiátrico, de tipo asilar, cujo modelo foi estabelecido no século XVIII, não é mais compatível com os desenvolvimentos técnicos ocorridos nas áreas médicas e psiquiátricas desde então, nem com os desenvolvimentos sociais tais como as questões relacionadas aos direitos humanos."

Para o Dr. Costa e Silva, um dos princípios da estratégia em Cuidados Primários de Saúde que a OMS vem promovendo, desde 1978, como meio de alcançar a meta de Saúde para Todos, propõe que "os cuidados de saúde devem ser feitos, tanto quanto possível, na própria comunidade". (...) "A OMS, diz ele, apóia vigorosamente os sistemas de cuidados de saúde comunitários e considera a hospitalização psiquiátrica uma situação excepcional, quando todas as outras alternativas possíveis de tratamento falharem. Quando for absolutamente necessária, a hospitalização psiquiátrica deve ser conduzida de acordo com princípios médicos e legais, nos melhores interesses do paciente e no ambiente menos restritivo possível".

Como podemos ver, o apoio ao Projeto de Reforma Psiquiátrica é maciço, Srªs e Srs. Senadores.

Não bastasse isso, a realidade vem demonstrando que, em nosso País, o tratamento dos doentes mentais em hospitais psiquiátricos especializados, além de extremamente oneroso para o Sistema Único de Saúde, tem sido ineficaz e representa um verdadeiro atentado aos direitos humanos e civis dos portadores de enfermidades mentais.

A manutenção da atual rede hospitalar especializada tem consumido recursos que poderiam ser melhor utilizados. Segundo dados de 1994, fornecidos pela Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde, são gastos com o financiamento da assistência psiquiátrica em regime de internação cerca de US$350 milhões por ano.

Todos os leitos psiquiátricos existentes no Brasil estão ocupados. Tanto nos hospitais psiquiátricos quanto nos hospitais gerais não há vagas disponíveis. Embora o País disponha, em média, de 0,56 leitos psiquiátricos por mil habitantes, sua distribuição pelo território nacional é péssima. Enquanto a Região Sudeste apresenta uma taxa de 0,84 leitos, a Região Norte, da qual faz parte o Estado do Amapá, que tenho a honra de representar nesta Casa, conta com apenas 0,04 leitos psiquiátricos para cada mil habitantes.

Com tantos recursos destinados à hospitalização hoje considerada ultrapassada, não há dinheiro para investimentos em outras formas de tratamento que vêm apresentando resultados extremamente positivos. Vêm sendo relegadas a segundo plano formas alternativas, tais como a internação em leitos ou unidades psiquiátricas em hospitais gerais, hospitais-dia e hospitais-noite, serviços ambulatoriais, centros de convivência, reconhecidamente mais humanas e mais eficazes do que as atuais.

Essas alternativas assistenciais ambulatoriais e comunitárias vêm apresentando resultados animadores, Srªs e Srs. Senadores. As propostas que figuram no Projeto de Lei apresentado pelo Deputado Paulo Delgado são amplamente apoiadas.

A maioria dos que discordam do Projeto é composta por "desinformados e por pessoas que defendem os interesses menores dos que se beneficiam economicamente da "indústria da loucura", como diz a nota publicada pelas principais entidades médicas do País. Essa "indústria" vem sendo, há anos, um negócio lucrativo para os hospitais psiquiátricos privados, sendo esse o setor que mais se opõe às mudanças propostas pelo Projeto em questão.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desde o início de 1991, o Projeto Paulo Delgado tramita no Senado Federal e vem despertando o interesse e a participação efetiva dos membros desta Casa. Um amplo debate sobre a questão foi realizado em maio de 1991, reunindo parlamentares, cientistas, acadêmicos, técnicos do Ministério da Saúde e representantes da sociedade civil diretamente envolvidos com a prestação e o recebimento de assistência psiquiátrica.

Já houve tempo para a apreciação dos prós e dos contras. O Senado Federal está pronto para votar o Projeto de autoria do Deputado Paulo Delgado. Na Legislatura passada, o Senador José Paulo Bisol foi Relator do projeto e apresentou um substitutivo, e os Senadores Lucídio Portella e Beni Veras apresentaram votos em separado, incluindo três emendas ao Projeto.

Espero que o parecer do atual Relator, o nobre Senador Lúcio Alcântara, receba a aprovação da Comissão de Assuntos Sociais e do Plenário desta Casa. Não podemos retardar mais a votação de uma matéria tão importante quanto essa, Srªs e Srs. Senadores.

Convencido de sua importância e urgência, gostaria, ao concluir meu pronunciamento, de reafirmar meu total apoio ao Projeto de Reforma Psiquiátrica. Gostaria, também, de ver acelerada a tramitação, nesta Casa, dessa proposta de mudança tão atual, necessária e benéfica para nossos doentes mentais. Gostaria, finalmente, de manifestar minha esperança de que a aprovação definitiva do Projeto de Lei que "dispõe sobre a extinção progressiva dos manicômios e sua substituição por outros recursos assistenciais e regulamenta a internação psiquiátrica compulsória" permita ao País reorientar integralmente, não só do ponto de vista teórico e ético, mas também sob o aspecto humanitário, o modelo de atendimento psiquiátrico público no Brasil.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 26/08/1995 - Página 14638