Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE A NOVA LEI ORGANICA DOS PARTIDOS, APROVADA NA CAMARA DOS DEPUTADOS, NA ULTIMA QUARTA-FEIRA.

Autor
José Fogaça (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA.:
  • REFLEXÕES SOBRE A NOVA LEI ORGANICA DOS PARTIDOS, APROVADA NA CAMARA DOS DEPUTADOS, NA ULTIMA QUARTA-FEIRA.
Publicação
Publicação no DCN2 de 26/08/1995 - Página 14642
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA.
Indexação
  • ANALISE, APROVAÇÃO, LEI ORGANICA DOS PARTIDOS POLITICOS, CAMARA DOS DEPUTADOS, ADOÇÃO, LIBERDADE, CRIAÇÃO, DIREÇÃO, PARTIDO POLITICO, ACESSO, FUNDO PARTIDARIO, ESPAÇO, TEMPO, PROGRAMA, RADIO, TELEVISÃO, PARTICIPAÇÃO, ELEIÇÕES.

O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de fazer aqui algumas referências e uma breve reflexão a respeito da nova Lei Orgânica dos Partidos, aprovada na última quarta-feira na Câmara dos Deputados.

Devemos, antes de mais nada, reconhecer que a Câmara preservou em boa parte, e eu diria em parte substantiva, aquilo que foi moldado, que foi modelado, que foi montado, arquitetado no processo de discussão que se estabeleceu nesta Casa. O texto que saiu do Senado, embora tenha sofrido alterações, embora algumas supressões tenham sido feitas, conseguiu prevalecer em pontos e em elementos fundamentais, que são definidores da própria ideologia, que é politicamente liberal, da Lei Orgânica dos Partidos.

De modo que faço esta primeira referência, este primeiro registro. Não há dúvida alguma de que a nova Lei resulta de um trabalho conjunto das duas Casas: da Câmara e do Senado.

As mudanças são realmente cruciais, Sr. Presidente, porque, em primeiro lugar, vêm consagrar um princípio constitucional estabelecido desde 88 e que rege basicamente a vida partidária no Brasil: o princípio da absoluta liberdade de criação e de instituição de partidos.

De fato e de direito, criar partidos no Brasil é uma iniciativa da mais absoluta liberalidade. Não há praticamente obstáculo algum e praticamente nenhuma exigência mais dura, maior, que pudesse impedir a que qualquer conjunto de cidadãos - cento e um cidadãos -, reunidos com determinadas intenções, com determinado projeto programático, estatutário, crie o seu partido.

Criar um partido é a coisa mais fácil do mundo. Não há nada mais fácil do que isso. Basta que cento e um cidadãos se reúnam, formulem um programa partidário, escrevam os seus estatutos de regulamentação interna, constituam a direção, e nada mais façam senão registrar a sigla partidária no Cartório de Registro Civil da Capital Federal. Nada mais é exigido para que o partido tenha existência.

Ou seja, do ponto de vista ontológico, existencial, o partido nada mais é do que simplesmente um agrupamento de cidadãos, com determinado projeto político-ideológico, que desejam livremente se reunir para trabalhar em conjunto na defesa desses ideais ou desses princípios.

Mas é importante registrar, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que há uma enorme diferença entre o que seja ter direito à existência legal - o direito de associação, o direito de agrupamento, o direito de formação partidária, o direito ao proselitismo político -, que é uma coisa, e o direito a prerrogativas institucionais, que é outra coisa muito distinta.

Nesse ponto, a lei foi extremamente sábia. Já os Srs. Senadores tinham formulado essa proposição e a Câmara acabou por consagrá-la inteiramente. Ou seja, o primeiro patamar da vida partidária, o da existência legal, é da mais absoluta liberdade. Mas, no segundo patamar, o do gozo de prerrogativas institucionais, já há um nível de exigência maior, Sr. Presidente, desde que o partido cumpra exigências que são rigorosamente democráticas, de conteúdo popular, ou seja, nada mais do que a exigência de que haja povo por trás de um partido. Partido sem povo não tem prerrogativas institucionais; partido com povo goza das perrogativas ou das vantagens e direitos que esse nível de qualificação lhe reserva.

Na verdade, Sr. Presidente, quando falamos de prerrogativas institucionais, estamos nos referindo a pontos como, por exemplo, o direito a participar de eleições. O fato de formar um partido político, o fato de existir um partido, o fato de um partido ter vida legal não lhe dá automaticamente a condição de registrar candidatos para as eleições. Essa prerrogativa institucional só tem o partido que cumprir determinados ritos e exigências democráticas da lei, rigorosamente democráticas.

Ou seja, o partido tem que ter conteúdo popular e caráter nacional. O que é conteúdo popular? É povo, brasileiros, cidadãos. Se não tiver brasileiros e brasileiras, cidadãos por trás de si, o partido não pode participar de eleições.

Esse é o princípio fundamental, o princípio basilar da democracia. O partido que, uma vez tendo existência legal, conseguir reunir assinaturas de 0,5% do eleitorado votante, em, pelo menos, 1/3 dos Estados já pode começar a pensar em registrar-se no Tribunal Superior Eleitoral. Depois disso, tendo ele essas assinaturas - portanto, tendo conteúdo popular e caráter nacional, ou seja, povo, em vários Estados brasileiros -, pode-se registrar no Tribunal Superior Eleitoral. E, registrado no Tribunal Superior Eleitoral, está habilitado a participar de eleições.

Portanto, muitas vezes, o partido pode ter existência legal e não participar de eleições. Ou seja, a existência legal, o registro civil, não lhe dá a condição imediata de ser um partido dotado de prerrogativas institucionais - o direito de habilitar-se às eleições, com candidatos registrados em todos os níveis.

Além dessas prerrogativas - o direito de habilitar-se às eleições -, o partido registrado no Tribunal Superior Eleitoral, nesse segundo patamar, também tem o direito a tempo e espaço no rádio e na tv. E tem acesso ao chamado Fundo Partidário, que é uma dotação orçamentária distribuída aos partidos políticos, de maneira proporcional à sua representação parlamentar.

Portanto, essas três prerrogativas - participar de eleições, ter acesso a rádio e tv e gozar dos benefícios do Fundo Partidário - só tem o partido que tiver povo e caráter nacional, ou seja, 0,5% da população eleitoral e mais, evidentemente, o seu estatuto, o seu programa partidário e tudo o mais que, do ponto de vista organizacional, um partido precisa ter.

Esse partido que pode ter acesso ao Fundo Partidário é, evidentemente, um partido que já está organizado institucionalmente, com base popular mínima.

Mas há uma terceira classificação, um terceiro nível, um terceiro patamar que um partido pode atingir. O partido que tem existência legal, que goza das prerrogativas institucionais, obtendo 0,5%, no mínimo, em nove Estados brasileiros - o que representa 1/3 dos Estados brasileiros -, tem o direito também ao que chamamos de funcionamento parlamentar. Isso está na Constituição, é uma exigência constitucional: "A lei deverá exigir pré-requisitos para que o partido tenha direito ao funcionamento parlamentar".

Quando elaboramos essa matéria no Senado, tendo eu sido o seu Relator, fui vítima de críticas as mais virulentas, as mais duras, as mais amargas, por parte dos pequenos partidos. Lembro-me de artigos que foram escritos na imprensa de Brasília - no Jornal de Brasília e no Correio Braziliense - contra a minha proposta. Evidentemente, isso rebateu lá no meu Estado, onde esses mesmos partidos também fizeram críticas severas à nossa proposta.

No entanto, foi a que prevaleceu, dois anos depois. Embora, naquela época, tivéssemos proposto que os partidos com mais de 50 anos de existência tivessem direito a essa prerrogativa do funcionamento parlamentar, a Câmara suprimiu essa proposta e, portanto, a longevidade histórica não é mais vantagem nenhuma para o partido político.

Na verdade, com a evolução dos tempos, com a evolução das próprias condições políticas do mundo e do País, acabou-se por definir claramente que mesmo os partidos históricos estavam mudando. O Partido Comunista Brasileiro, que existia na época em que fui aqui Relator da Lei Orgânica, transformou-se em Partido Popular Socialista, o PPS. De modo que o próprio processo histórico acabou por delinear novas realidades que estão aí.

Se a Câmara, mediante votação simbólica - pois não houve pedido de verificação de quorum nessa matéria -, derrubou aquela norma que havíamos introduzido aqui no Senado, é porque, evidentemente, essa questão foi discutida e aceita democraticamente pelos partidos interessados. Um partido que ainda continua com a mesma sigla, com a mesma estruturação, com a mesma visão, é o Partido Comunista do Brasil, que seria beneficiado por aquela regra e que agora não conta mais com essa vantagem.

Mas, Sr. Presidente, quero deixar bem claro que esse terceiro estágio de funcionamento parlamentar tem que ser entendido na sua plenitude. O que é direito a funcionamento parlamentar? É muito diferente de direito à representação parlamentar. Quem elege um deputado, elegeu um representante, e não há lei que possa excluir essa condição. Elegeu-se o deputado, o deputado está eleito e terá direito ao seu mandato. Ele será diplomado pelo Tribunal e não vai ser cassado por nenhuma lei, porque essa garantia de, estando eleito, ter direito ao mandato, é da Constituição. Não há lei que possa derrubar isso.

No entanto, o fato de estar eleito e de ter um mandato nesta Casa não lhe dá direito - e isso é democrático, isso é rigorosamente, impecavelmente, equilibradamente democrático - a, primeiro, instituir Bancada; segundo, participar de todas as vantagens decorrentes dessa condição. Se o partido não tem 0,5% do eleitorado brasileiro, ele não pode, por exemplo, constituir uma liderança na Câmara dos Deputados, com os funcionários, com a correspondência, com o carro, e com uma série de outras vantagens. Caso contrário, se continuasse esse direito, essa vantagem, essa prerrogativa, haveria, na verdade, um estímulo permanente a criarem-se novos partidos, porque seria bom e vantajoso fazê-lo. O sujeito se elege por um partido, chega na Câmara e funda outro, porque isso lhe dá uma Bancada, uma liderança, 17 funcionários, mais correspondência, mais passagens aéreas, enfim, tudo o que havia e que ainda há na Câmara dos Deputados em relação a esse tipo de situação.

Agora, não. Já não existe essa liberalidade e não há prêmio a essa desídia ou a essa pulverização. A superpulverização partidária não é mais premiada. Essa dispersão política do País é castigada com a perda do direito à Bancada. Portanto, um partido que não tem Bancada não pode, por exemplo, participar daquela proporção, segundo a qual são ocupadas as vagas, por exemplo, da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, que é a Comissão mais importante da Câmara dos Deputados.

Não me recordo quantos membros tem a Comissão, mas creio que são por volta de sessenta membros. Toma-se esse número, divide-se proporcionalmente entre os partidos que tenham Bancada. Somente se houver sobra é que os chamados deputados independentes - ou seja, aqueles que não conseguem instituir uma Bancada, porque não tiveram 0,5% - terão direito a lugar nessa comissão. Se não conseguirem, irão para outra comissão.

Portanto, essas prerrogativas, essas vantagens, esses benefícios de funcionamento parlamentar quem dá ao Deputado, quem dá ao partido, quem dá ao representante é o voto, é a consistência popular do voto que recebeu.

Parece-me, Sr. Presidente, que com isso se estabelece algo mais racional, uma ordem mais ajustada dessas questões. Creio que isso propiciará, em breve, uma confluência de pequenos partidos em torno de agremiações maiores, o que é um benefício para o País, por várias razões. Por exemplo, diminuindo o número de partidos, diminui o número de programas partidários no rádio e na tv em horário obrigatório do Tribunal Superior Eleitoral; diminui o custo operacional da Câmara dos Deputados com as Bancadas instituídas com lideranças, funcionários, etc., como hoje ainda ocorre. Por outro lado, cria-se perante a população um quadro muito mais nítido e de muito maior visibilidade para opções político-ideológicas com a existência de quatro, cinco, no máximo seis partidos.

É possível que, de imediato, já na próxima eleição, isso ainda não aconteça, porque há regras transitórias que são diferentes das permanentes. Mas, de qualquer maneira, a lei empurra o processo histórico para o sentido da confluência, para o sentido da convergência, para o sentido de uma melhor definição e de uma maior consistência política dos partidos.

No que diz respeito à filiação, perdemos; o Senado aprovou a exigência de dois anos para a filiação e a Câmara voltou ao seu original de um ano. Não é de todo ruim, Sr. Presidente. Entendemos que dois anos era uma exigência dura, rígida, é verdade, mas garantidora de que essas transferências, essas trocas de partidos, que ocorrem tão gratuitamente, tão corriqueiramente no Congresso, tivessem um empecilho, um obstáculo, uma dificuldade a elas apostas.

É evidente, Sr. Presidente, que as pessoas não vão deixar de trocar de partidos. Não há proibição nenhuma. O cidadão pode trocar de partido quando quiser, a não ser um ano antes da eleição.

Há uma regra transitória, ainda para esta eleição municipal de 1996, que estabelece que, até dezembro de 1995, os parlamentares, políticos ou cidadãos em geral podem ingressar em um partido político, filiar-se a ele e por ele serem candidatos nas eleições de 1996.

Portanto, a regra transitória para 1996 está fixada em dezembro; a regra permanente é um ano. Isso alterou, abrandou aquilo que o Senado havia decidido - dois anos. V. Exª, Senador Bello Parga, que exerce a Presidência da Mesa, na época também exercia a Representação nesta Casa.

É importante também chamar a atenção para a mudança no conteúdo do financiamento dos partidos, que será feito por doações públicas e privadas. O que é a doação pública? É aquela originária do fundo partidário, que é constituído por verbas de orçamento e por verbas privadas - cidadãos e pessoas jurídicas que queiram ali depositar recursos para serem distribuídos proporcionalmente a todos os partidos.

Digamos que um cidadão queira estimular a democracia no Brasil, ajudar os partidos. Então, ele pode, ao invés de doar diretamente a uma determinada agremiação política, fazer uma doação ao Fundo Partidário e aquele recurso ser distribuído depois, dentro daquela equanimidade proporcional que a lei garante.

A outra forma de financiamento é pela doação privada, que pode ser feita - essa é uma grande novidade da Lei Orgânica dos Partidos, que muda a lei anterior - por pessoas físicas ou jurídicas.

De fato, Sr. Presidente, essa mudança vem trazer a limpo, vem trazer à luz do dia aquilo que, segundo se registra através de denúncias, sempre ocorreu na vida partidária de forma irregular, sub-reptícia, oculta ou de forma clandestina. Agora, a doação de pessoa física e a doação de pessoa jurídica são legais.

Sr. Presidente, do ponto de vista dos valores, estabelecemos um valor determinado aqui no Senado; mas, como vivíamos num período inflacionário, é muito difícil fazer hoje uma comparação de valores nesse sentido, do limite de doação. No entanto, parece-me que a Câmara dos Deputados foi bastante liberal, bastante elástica, flexível nesse limite. Estabeleceu um limite de até 20% da chamada dotação orçamentária do fundo partidário público.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, realmente é um limite que me parece, digamos assim, no mínimo - para não dizer outra coisa - liberal demais, porque isso realmente significa muito dinheiro.

De qualquer forma, há mecanismos na lei que determinam a transparência. Portanto, o problema não são os limites de recurso, mas, sim, como são controlados, como são fiscalizados.

Aí, uma vitória do Senado, Sr. Presidente, um triunfo do Senado, porque conseguiu fazer prevalecer a sua tese, ou seja, os partidos se autofiscalizam e se entrefiscalizam. Um partido pode fiscalizar o outro, ter acesso a sua conta e denunciá-lo perante a Justiça Eleitoral, no caso de mau uso, má aplicação ou irregularidade quanto às verbas ou doações.

Então, Sr. Presidente, agradeço a V. Exª pela generosidade, pelo tempo que me concedeu, e quero, sobretudo, mostrar que esta Casa teve uma colaboração, uma participação riquíssima: quase que 80% das inovações que aqui fizemos foram preservadas na Câmara dos Deputados.

É verdade que aqueles 20% que foram suprimidos o foram porque o mundo mudou, os partidos mudaram, a vida política mudou no País e, talvez, aquilo, hoje, já não tivesse mais sentido.

Fico, portanto, bastante satisfeito com a nova lei. Ela abrandou exigências que tínhamos endurecido no Senado, mas, de qualquer maneira, empurra o País, vai tangendo a nossa democracia cada vez mais para a liberdade, organização e base popular, que são, digamos assim, os três elementos que podem caracterizar a nova vida partidária no País.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 26/08/1995 - Página 14642