Discurso no Senado Federal

REALIZAÇÃO DA IV CONFERENCIA MUNDIAL DA MULHER, EM PEQUIM, NA PROXIMA SEMANA.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
FEMINISMO.:
  • REALIZAÇÃO DA IV CONFERENCIA MUNDIAL DA MULHER, EM PEQUIM, NA PROXIMA SEMANA.
Aparteantes
Casildo Maldaner.
Publicação
Publicação no DCN2 de 29/08/1995 - Página 14761
Assunto
Outros > FEMINISMO.
Indexação
  • COMENTARIO, REALIZAÇÃO, CONFERENCIA INTERNACIONAL, PAIS ESTRANGEIRO, CHINA, PARTICIPAÇÃO, RUTH CARDOSO, ANTROPOLOGO, CHEFIA, DELEGAÇÃO BRASILEIRA, ANALISE, DEBATE, PROBLEMA, SITUAÇÃO, MULHER, MUNDO.
  • ANALISE, IMPORTANCIA, PARTICIPAÇÃO, VALORIZAÇÃO, MULHER, SOCIEDADE.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a luta das mulheres em defesa dos seus direitos e contra a discriminação secular de que têm sido vítimas em todo o mundo representa, sem dúvida, a mais significativa revolução cultural neste nosso século, com a luta que, em busca da igualdade das chamadas condições de gênero, não apenas despertou o mundo para o triste fenômeno da discriminação contra as mulheres, mas conseguiu também significativas vitórias na desmitificação de uma situação de injustiça que atinge teoricamente a metade da população do Planeta.

Uma dessas vitórias incontestáveis é a realização, nos próximos dias, em Pequim, da 4ª Conferência Mundial Sobre a Mulher, mais um evento a coroar o esforço de inúmeras pessoas, mulheres e homens, em todo o mundo que, desde a decretação da Década da Mulher, no Encontro de Nairóbi, em 1985, levaram a Organização das Nações Unidas a endossar e apoiar a sua luta.

Hoje, até mesmo aqueles que não reconhecem, na prática, a igualdade entre homens e mulheres, sentem-se obrigados a declarar em seus discursos essa mesma igualdade que é negada às mulheres no dia-a-dia.

Ninguém desconhece hoje em dia a magnitude da luta das mulheres em ampliar os seus horizontes e estender o seu espaço para além dos limites da vida doméstica. Um reconhecimento que, mesmo sendo em grande parte apenas teórico, representa, sem dúvida, uma conquista que merece ser celebrada pelas mulheres de todo o mundo.

Mas ainda é pouco. Não basta apenas celebrar. É preciso muito mais ainda. É preciso que se eliminem as barreiras legais que ainda levam tantas mulheres a situações de injustiça, ao lhes tolher direitos, ao lhes impedir ou dificultar a posse pura e simples de bens, ao alijá-las do direito de tomar decisões, ao impedir-lhes a locomoção, ao criar barreiras que as impedem de se realizar como pessoa, ao lhes proibir, enfim, o acesso aos mesmos direitos que são reconhecidos ao lado masculino da espécie humana.

As conquistas no campo jurídico já são significativas, mas ainda falta muito para que se possa dizer que a humanidade detém os mesmos direitos independentemente da questão do gênero. É muito pouco. É quase nada até, se levarmos em consideração a situação de opressão, ou quase escravidão em que se encontram, por exemplo, milhões de mulheres em países de cultura fundamentalmente machista.

Ainda há muito por fazer.

É preciso se dar maior visibilidade aos problemas que afetam a mulher em todo o mundo, pois essa falta de visibilidade era, até bem pouco, uma barreira intransponível, pois as estatísticas mundiais sobre emprego, por exemplo, raramente eram desagregadas por sexo, o que, na prática, camuflava a situação de injustiça cometida contra a mulher.

É preciso ampliar essa visibilidade para permitir que o mundo veja que, onde se permitiu que as mulheres avançassem, houve crescimento econômico, e onde elas foram cerceadas houve estagnação. Pelo menos é esse o resultado de um dos mais importantes relatórios a serem apresentados na Conferência de Bruxelas, fruto de um estudo realizado em países do chamado Terceiro Mundo.

A Conferência Mundial da Mulher conta com a participação de uma importante delegação brasileira, chefiada pela Senhora Ruth Cardoso, Primeira-Dama do País. A importância dessa cooperação torna-se mais evidente ao sabermos que a plataforma brasileira é a mais liberal e a mais avançada entre os países da América Latina, mesmo que o nosso País encontre-se em 53º lugar entre todos os países do mundo, segundo o Índice de Desenvolvimento Humano Ajustado ao Sexo, um novo indicador estabelecido para medir a igualdade entre homens e mulheres em diferentes países.

Hoje, em todo o mundo, já se evoluiu do "denuncismo" típico dos anos 70, para um maior enfoque na criação de políticas internas que garantam, mais até do que apenas visibilidade, a efetiva integração da mulher como membro de pleno direito da Sociedade Humana.

O Jornal do Brasil de ontem, dia 27 de agosto, fez uma síntese bastante interessante dos pontos que vão estar em discussão nessa Conferência Mundial que se realizará em Pequim. Verificaremos que os problemas comuns às sociedades nos diferentes países hoje em dia têm agravantes quando são desagregados por gênero, ou por sexo, isto é, os grandes problemas da sociedade são muito mais graves, maiores, quando consideramos isoladamente a situação da mulher.

Em relação à pobreza - um dos pontos que está em discussão -, segundo a ONU, as mulheres representam 70% do total de 1,2 bilhão de pobres no mundo. No Brasil, 23 milhões de mulheres trabalham, mas ganham em média 43% menos do que os homens. O salário da mulher, mesmo quando ela exerce funções equivalentes, é menor. O Brasil está, mais uma vez, numa das situações mais desvantajosas, comparando-se com outros países: 13% sustentam sozinhas as suas famílias, que estão entre as mais pobres do País. Uma mulher, em cada cinco, é chefe de família.

Sabemos que os problemas que a sociedade brasileira enfrenta, principalmente em camadas mais pobres da população, é a desagregação familiar. Muitas vezes, pesa sobre os ombros da mulher a responsabilidade de manter, sustentar sua família e trabalhar para criar seus filhos, assegurar-lhes condições de sobrevivência, dando-lhes um lar. Esse é um dado extremamente importante.

Quanto à educação, mais de dois terços dos 930 milhões de analfabetos são mulheres. O quadro da educação, no Brasil, tem mudado sensivelmente. No final dos anos 80, a matrícula das mulheres nos distintos níveis do ensino formal era semelhante à dos homens. Mas as mulheres permanecem confinadas às profissões de menor prestígio: professoras, comerciantes, balconistas, empregadas domésticas, secretárias. O rendimento médio das mulheres que trabalham no Brasil é de 2,8 salários mínimos contra 4,9 dos homens, sem se levar em conta o fato de que a mulher, freqüentemente, comumente até, tem dupla jornada pois, além de trabalhar na sua repartição, firma ou empresa, tem também tarefas no lar, como complementar a educação dos filhos, cuidar da casa, manter a situação de harmonia e equilíbrio familiar.

É uma realidade o fato de que a mulher tem uma dupla jornada: além do seu trabalho, ela tem uma jornada doméstica, que é igualmente tão importante como fonte de equilíbrio familiar e de educação e preparação dos seus filhos para a vida.

Em relação à saúde, mais de 500 mil mulheres morrem todos os anos em função de complicações no parto e de má qualidade dos serviços de assistência reprodutiva. O Brasil é o campeão em cesarianas: 32% de todos os partos. A Organização Mundial de Saúde aceita como razoável até 15% dos partos por cesariana. O Brasil tem o dobro desse percentual definido pela OMS como parâmetro aceitável. Para isso concorrem muitas causas, como o grande contingente de mulheres que vai ao parto sem ter feito um pré-natal, sem ter tido assistência à gestação, ou seja, em condições adversas para o parto. Muitas vezes, em decorrência de uma situação financeira difícil, essas mulheres também têm problemas de saúde e de desnutrição. Aliado a esses problemas, há também o fato de que os médicos, a assistência contratada pelo Sistema Único de Saúde, induz à realização de cesarianas, o que nos dá um percentual muito elevado desse número.

No Brasil, estima-se em 1.400 mil o número de abortos por ano, um dado realmente impressionante. Na medida em que o Governo não tem um programa de saúde para mulher bem definido, bem concebido e bem implementado, a mulher depara-se com essas situações extremamente difíceis, que têm como conseqüência o agravamento da sua saúde.

A violência contra a mulher é outro elemento a ser discutido, já que é um problema global e o Brasil, portanto, não faz exceção. Já existem numerosas delegacias especializadas no atendimento à mulher. Só no Estado de São Paulo foram registrados, entre 1985 e 1990, 41.150 casos de ameaças contra a mulher, sendo que, nos casos de homicídios, 80% dos culpados continuam sendo absolvidos com o argumento de legítima defesa da honra.

Há ainda uma opressão em relação à mulher. Esse registro é apenas de casos que chegam às delegacias. Sabemos, entretanto, que o número de ameaças, de opressão e de violências praticadas contra a mulher é muito maior. Infelizmente, nem todas têm condições de fazer sua denúncia e de cobrar providências contra esse tipo de arbitrariedade de que são vítimas.

Conflitos armados. Dos 25 milhões de refugiados no mundo 80% são mulheres. Quer dizer, as mulheres são as primeiras vítimas de situações de conflagração de guerras e de desagregação de países. As maiores vítimas são as mulheres e as crianças, que invadem as estradas para fugir das situações de violência e de conflagração.

Participação no mercado de trabalho e na produção. Cada vez mais mulheres participam ativamente na vida econômica. Mas ainda são poucas a tomar decisões em nível nacional, internacional e nas grandes empresas.

A plataforma que será discutida em Pequim prevê ações que asseguram direitos econômicos às mulheres, facilitam o acesso igual aos recursos, ao emprego e aos mercados, condenam a segregação ocupacional e a desigualdade salarial.

Isso, de certa maneira, é fácil de se constatar. É relativamente recente a ascensão das mulheres a postos de direção no serviço público, nas grandes empresas e até mesmo em especialidades no quadro das profissões. Até há relativamente pouco tempo, na medicina, por exemplo, as mulheres estavam limitadas a algumas especialidades. Eram anestesistas, pediatras, ginecologistas, obstetras. Raramente eram cirurgiãs ou com outras especialidades mais sofisticadas. De algum tempo para cá, essa situação começou a mudar. Há hoje neurocirurgiãs, cirurgiãs gerais, radiologistas, enfim.

Mas isso é uma mudança relativamente recente. De algum modo, a mulher estava limitada a um tipo de especialidade menos destacada. Da mesma forma, numa visão geral, ela não tinha ainda possibilidade de ascensão aos cargos mais elevados, tanto na iniciativa privada como na administração pública.

Desigualdade no poder de tomada de decisões. O Conselho Econômico e Social da ONU previu uma meta de participação de 30% das mulheres em todos os níveis de decisão.

É evidente que isso é um objetivo a ser alcançado, ninguém pode, por exemplo, obrigar que o Parlamento, que é responsável por decisões importantes, seja composto de 30% de mulheres. Essa é uma meta a ser alcançada nesses órgãos de decisão, colegiados e outros, é desejável uma participação feminina em torno de 30%.

Os mecanismos insuficientes para promover o avanço das mulheres. É um outro ponto que será discutido nessa conferência.

Em quase todos os Estados membros das Nações Unidas foram instituídos mecanismos para advogar, implementar, monitorar e mobilizar apoio a políticas que promovam o avanço das mulheres. Mas ainda é grande a falta de compromisso existente nos níveis mais altos. A plataforma de ação propõe criar e fortalecer os mecanismos institucionais existentes para integrar a visão das mulheres nas políticas públicas.

Mas é preciso ainda reverter, por exemplo, a situação constrangedora em que se encontra esta nossa civilização, tão orgulhosa dos seus próprios feitos tecnológicos, mas que convive sem o menor pudor com o fato de as mulheres, em todo o mundo, ganharem menos e trabalharem mais que os homens.

Temos certeza de que isso vai acabar e que a IV Conferência Mundial da Mulher, nesse sentido, marcará o fim do Século XX, que viu nascer, crescer e se impor a necessidade de uma efetiva igualdade entre Homens e Mulheres de todo o mundo.

É com este espírito que desejamos todo o sucesso àquele evento, almejando que, com ele, se encerre definitivamente uma etapa da História e para que nós possamos abrir um mundo novo, onde nenhuma pessoa seja prejudicada somente por pertencer ao gênero feminino.

Sr. Casildo Maldaner - V. Exª me concede um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Pois não, Senador Casildo Maldaner.

O Sr. Casildo Maldaner - Gostaria de cumprimentar V. Exª pela escolha do tema que hoje aborda. Trata-se de um assunto tão importante e de repercussão mundial, até porque estamos às vésperas da IV Conferência Mundial sobre a Mulher. V. Exª analisa, com equilíbrio, até pela sua formação humanística, a participação feminina em nossa sociedade. Entendo que a valorização da mulher em todos os setores vem ocorrendo gradativamente. Temos que comemorar essa conferência que se realizará em Pequim, na qual o Brasil se fará representar. Quero dizer que, hoje, à tarde, V. Exª enalteceu o Senado Federal e o Congresso Nacional, quando aqui analisou esse tema, procurando fazer com que, cada vez mais, haja uma maior participação das mulheres. Não se pode estipular o número de cadeiras que as mesmas ocuparão no Senado Federal ou na Câmara dos Deputados, mas, conforme a expressão de V. Exª, essa participação é desejável. Inclusive, no meu próprio gabinete, estão havendo algumas alterações. Tenho frisado para as pessoas que comigo trabalham que gostaria que fosse formada uma composição bastante eclética. Não quero trabalhar somente com homens, mas com mulheres também, até devido à suscetibilidade das mesmas no atendimento e no relacionamento com as pessoas. As mulheres, às vezes, possuem uma sensibilidade diferente da dos homens. Esse é o meu desejo. Talvez não se estipulem tantas funções, mas isso faz parte. Na humanidade não há uma distinção entre homens e mulheres quanto às conquistas alcançadas. Por isso, pedi o aparte a V. Exª, Senador Lúcio Alcântara. V. Exª está de parabéns, por vir ao Plenário do Senado falar dessa tão importante data. Meus cumprimentos.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Muito obrigado, Senador Casildo Maldaner.

É importante que se faça esse registro aqui, e, certamente, outros serão feitos antes ou até depois da abertura da Conferência em Pequim. Mas é importante que esse registro tenha sido feito por nós homens, que estamos reconhecendo o mérito dessa luta.

Há uma tentação, muitas vezes, de desqualificar-se essa luta, como se o feminismo fosse apenas um movimento caricato, uma espécie de antagonismo aos homens, no sentido amplo que essa palavra pudesse ter. Mas, na verdade, esse é um movimento que tem muitos méritos, porque a mulher foi quem conquistou esse espaço, desde o movimento das sufragistas, aquelas que lutaram para que a mulher pudesse votar. E, aqui, no Brasil, foi uma rio-grandense-do-norte que teve esse mérito, da mesma forma que nós poderíamos lembrar - já que V. Exª representa aqui o grande Estado de Santa Catarina - uma figura como Anita Garibaldi, que teve realmente uma posição fundamental não só no Brasil, mas também na Itália, ao lado de Garibaldi, o grande herói da Unificação italiana.

Eu tenho até um depoimento pessoal, já que V. Exª deu um em relação ao seu gabinete. Fui Prefeito de Fortaleza, Vice-Governador e Secretário de Estado, algumas vezes, no meu Estado, e digo isso porque já o fiz em outras ocasiões: as mulheres que estiveram entre as minhas melhores auxiliares, pela sua lealdade, pela sua dedicação, pela sua capacidade de trabalho e pela seriedade com que encaram as funções que lhes são atribuídas. Então, acho que esse espaço que elas reclamam, essa maior presença na sociedade, nas instâncias decisórias, nas organizações públicas, como nas organizações privadas, isso é de direito. É algo que elas merecem pelo seu próprio desempenho, por uma questão até de justiça.

De forma que, com esse pronunciamento, na tarde de hoje e com o aparte de V. Exª, que contribuiu para enriquecer o meu discurso, espero que essa conferência de Pequim represente um marco importante para que se vença de uma vez por todas a desigualdade de tratamento que existe ainda em relação à mulher.

Tal situação constatamos principalmente quando examinamos todos esses indicadores, como tentei fazer aqui, ainda que rapidamente. Através deles vemos que tudo é mais grave em relação à mulher: a pobreza, o salário que é menor, a carga horária de trabalho que é maior, as responsabilidades de chefiar a família, etc...

Enfim, por isso tudo é que essa conferência deve se inscrever como um momento de tomada de consciência e de reversão dessa situação de injustiça.

Desejamos êxito a todos os integrantes da conferência e, particularmente, um grande desempenho à delegação brasileira, que irá sob a chefia de Dona Ruth Cardoso.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 29/08/1995 - Página 14761