Discurso no Senado Federal

MANIFESTAÇÃO DE SOLIDARIEDADE AO POVO DO TIMOR LESTE EM SUA LUTA DE INDEPENDENCIA.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • MANIFESTAÇÃO DE SOLIDARIEDADE AO POVO DO TIMOR LESTE EM SUA LUTA DE INDEPENDENCIA.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DCN2 de 24/08/1995 - Página 14472
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • SOLIDARIEDADE, LUTA, INDEPENDENCIA, PAIS ESTRANGEIRO, TIMOR LESTE, OPORTUNIDADE, VISITA OFICIAL, ROQUE RODRIGUES, EMBAIXADOR, CONGRESSO NACIONAL, OBJETIVO, ABERTURA, REPRESENTAÇÃO, BRASIL, OBTENÇÃO, APOIO, SOCIEDADE.

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste momento, ocupo a Tribuna para falar de uma questão que não é nacional, mas internacional. Faço com o compromisso que o meu País tem em garantir a autodeterminação dos povos e por entender que os compromissos e acordos assinados pelo Brasil, na defesa do interesse das populações, devem ser de uma transparência que nos coloque também como aqueles que têm se manifestado atualmente, na Europa e na América Latina, em favor não apenas de uma petição, mas de um momento de paz e de liberdade conquistado a duras penas por um País, uma pequena ilha que, sem dúvida nenhuma, traz uma contribuição mundial por possuir uma riqueza muito grande em petróleo.

O Embaixador de Timor Leste em Angola, Sr. Roque Rodrigues, representante da resistência timorense em Portugal, encontra-se hoje em Brasília - mais precisamente nas dependências do Parlamento - com a missão de abrir uma representação oficial da resistência daquele País no Brasil e obter apoio da sociedade organizada à causa de seu povo.

Timor Leste, uma ilha localizada entre a Indonésia e a Austrália, no Oceano Índico, possui 90% da sua população formada por católicos. A língua nacional é o tetum e a oficial é o português, além de vários outros dialetos.

Timor Leste, rico em petróleo - está entre as 20 maiores reservas do mundo - tem sofrido, ao longo da sua história, a cobiça de países colonialistas.

Desde 1515, no período dos chamados descobrimentos, quando Portugal invadiu a ilha; passando pela invasão holandesa na sua parte ocidental, em 1651 - região que foi anexada pela Indonésia depois da Segunda Guerra Mundial -, Timor Leste vive, até os dias de hoje, em constantes lutas pela sua independência.

Talvez o assunto não interesse muito ao Brasil, se tratarmos aqui, evidentemente, de rendimentos para nossas relações comerciais. Mas existe algo de que não podemos abrir mão e com que o Brasil tem compromisso.

Sabemos que uma série de rebeliões sangrentas aconteceram - notadamente entre 1894 e 1912, quando foi obtida por uma pacificação forçada - pois a população resistia bravamente ao colonialismo. Como resultado, Portugal nunca logrou exercer um forte domínio sobre o território ocupado, já que a oposição dos povos da ilha era grande e ativa.

Apesar da história de resistência e das lutas timorenses à colonização, a ONU considerou, em 1960, Timor Leste território não autônomo, ficando sob a administração portuguesa.

Só depois da Revolução dos Cravos, em 1974, Portugal, que passava por um processo de descolonização, cria uma comissão para autodeterminação, "aceitando a independência", oportunidade em que é entregue à ONU memorando afirmando a disposição de Portugal em cooperar com a independência das ex-colônias.

A partir daí, os timorenses começaram a se organizar partidariamente. Naquele momento, foram criados, entre outros, dois partidos políticos de fortes raízes populares: a UDT - União Democrática Timorense, e a FRETILIN - Frente Revolucionária para a Independência de Timor Leste. O objetivo desses dois partidos era a independência total da ilha, já que a Indonésia permanecia na sua parte ocidental. Esse ideal comum possibilitou uma coligação entre os dois Partidos, desfeita em seguida pela ação dos serviços secretos indonésios.

Paralelamente aos partidos populares, surge uma instituição - APODETI - Associação Popular Democrática de Timor - que propunha a anexação de Timor Leste à Indonésia. Esta Associação tinha o objetivo de consolidar a invasão de Timor Leste pela Indonésia e era financiada por aquele País.

Embora a Indonésia, logo após ter anexado a parte ocidental da ilha, em 1945, afirmasse a ONU não ter quaisquer reivindicações sobre o território, bem como não possuir tropas naquela ilha, na verdade existiam serviços secretos indonésios agindo por todo o território e manobras militares na fronteira de Timor Ocidental.

O choque entre os interesses da Indonésia e dos independistas fez com que ocorresse uma tentativa de golpe de Estado por parte da UDT contra o qual a FRETILIN responde, conduzindo a um conflito armado que durou cerca de um mês. Dessa guerra civil, sai vitoriosa a FRETILIN, que declara a independência do País, criando, em 28 de novembro de 1975, a República Democrática de Timor Leste.

A partir desse fato, a Indonésia resolve invadir Timor Leste. A ONU exige que ela retire suas tropas, mas a Indonésia continua afirmando não possuir exércitos naquele território.

No ano seguinte, em 1976, o Ditador militar Suharto, Presidente da Indonésia, assina uma lei que integra Timor Leste ao seu País, com base numa assembléia espúria de 28 representantes convocados a critério dele mesmo.

Calcula-se que, durante os cinco anos de severos ataques ao povo de Timor Leste, tenha ocorrido cerca de 200 mil assassinatos, muitos contra lideranças populares e militantes da FRETILIN.

Em 1979, a Indonésia controlava todo o País e acreditava que a FRETILIN estava derrotada. No entanto, ressurgem das montanhas e matas inúmeros guerrilheiros liderados pelo símbolo da resistência timorense, o Comandante-Chefe Xanana Gusmão. Suas operações conseguiram criar ligações com povoações estratégicas, resistindo a inúmeros ataques da ditadura militar indonésia.

Há inúmeras denúncias de que os Estados Unidos tiveram um comprometimento na invasão, pois o Presidente Gerald Ford havia visitado a capital da Indonésia, Jacarta, pouco tempo antes da invasão, e as armas utilizadas por aquele país, nas várias investidas, eram, em sua grande maioria, originárias dos Estados Unidos da América.

A Austrália, por sua vez, também tem manifestado apoio à invasão, especialmente devido às grandes reservas de petróleo existentes naquele território.

A luta do povo de Timor Leste toma uma proporção mundial quando, no dia 12 de novembro de 1991, na saída de uma missa em memória de um estudante assassinado, os populares fizeram uma passeata rumo ao cemitério de Santa Cruz. Foram barbaramente atacados pelas tropas indonésias, que assassinaram mais de 200 pessoas. A presença de jornalistas possibilitou filmar o massacre, o qual foi amplamente exibido, causando repúdio à opinião pública do mundo todo.

Em 20 de novembro de 1992, Xanana Gusmão, líder da resistência foi capturado. Sua atuação na prisão, desde então, reitera sua condição de líder máximo da resistência pela soberania do seu povo.

A situação atual de Timor Leste é dramática, e, depois de vinte anos de guerras, não há solução militar. Apesar da opressão da Indonésia, a resistência timorense expande-se, criando o Conselho Nacional da Resistência Maubere, o qual apresentou uma iniciativa de paz que se realizaria em três fases:

I - Retirada das forças ocupantes;

II - Instalação de um dispositivo da ONU;

III - Autonomia progressiva do território sob os auspícios da ONU; e

IV - Um referendo de autodeterminação.

As reivindicações da resistência são as seguintes:

1ª - Libertação imediata e incondicional de Xanana Gusmão;

2ª - Participação de representantes da Resistência Timorense no processo de conversações sob os auspícios da ONU, no âmbito de suas resoluções aprovadas; e

3 ª - Acesso livre ao território de Timor Leste, ilegalmente ocupado pela Indonésia.

Srªs e Srs. Senadores, a causa de Timor Leste ganha apoio em vários países, inclusive por parte de setores organizados da própria Indonésia, que já não suportam a responsabilidade pelo massacre ao povo timorense. Atualmente, calcula-se que 1/3 da população de Timor Leste foi assassinada pelas tropas do ditador militar Suharto.

Em depoimento, hoje pela manhã, à Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, o Sr. Embaixador Roque Rodrigues denunciou o total desrespeito aos direitos humanos e às condições inaceitáveis em que se encontra o líder da resistência, Xanana Gusmão. Estamos encaminhando solicitação ao Ministério das Relações Exteriores, para que o Embaixador do Brasil em Timor Leste visite e acompanhe de perto as condições daquele líder, no cárcere.

Por quê? Porque entendemos que precisamos de ações, de gestos da representação brasileira para não apenas confirmar o compromisso, porque sabemos que a postura do Brasil na ONU tem sido a de garantir a autodeterminação dos povos, tem sido solidária com os países que estão sendo reprimidos e oprimidos; temos feito magníficos acordos para que haja verdadeiramente a paz. Todavia, é tímida a ação concreta do Brasil em relação a todos os compromissos e acordos de paz, liberdade e autodeterminação que tem assinado.

O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Ouvirei V. Exª a seguir, Senador Eduardo Suplicy. Gostaria apenas de concluir este pensamento.

Todas as vezes em que temos de nos posicionar em relação a uma situação como essa, chegamos sempre atrasados, e é importante que o Brasil chegue na frente. Temos características comuns e não concordamos com o fato de que aquela ilhazinha tão pequena seja tão massacrada. Seu espaço territorial é pequeno, com uma pequena população, mas existe uma justificativa ingrata, violenta para os fatos que temos assistido: ela é rica em petróleo. Tão pequena e está entre as vinte maiores reservas do mundo!

É preciso que haja uma ação mais concreta de nossa parte para dar mais consistência às nossas proposições, aos nossos acordos, àquilo que temos defendido. Sei que é muito difícil debatermos em nosso Parlamento política externa, mas é preciso. Faço-o com a garantia de que estarei, em dias seguintes, falando de outros temas que dizem respeito ao Brasil.

Coincidentemente, hoje eu falaria a respeito da quebra do monopólio de petróleo, mas, como vi, nesse Embaixador, uma coragem admirável, pois veio de tão longe para buscar um socorro de um apoio político, eu não poderia calar-me. Além disso, sou membro da Comissão de Relações Exteriores, sei que o Partido dos Trabalhadores tem um compromisso com a causa e sei, verdadeiramente, que temos um papel, como Senadores, de dar a nossa contribuição e nos unirmos à solidariedade que o Governo Federal vem assinando na ONU.

Concedo o aparte ao Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy - Gostaria de manifestar a solidariedade de todo o Partido dos Trabalhadores ao pronunciamento que V. Exª faz, mostrando a disposição de todos nós em apoiar a luta pela independência do Timor Leste. Foi muito importante o depoimento do Embaixador, hoje, perante a Comissão de Relações Exteriores, bem como perante o X Encontro Nacional do Partido dos Trabalhadores, realizado no último final de semana, na cidade de Guarapari, no Espírito Santo.

O Partido dos Trabalhadores considerou a causa pela independência do Timor Leste, colocando o Embaixador do Timor Leste em lugar de honra na abertura dos trabalhos e escolhendo como uma das principais causas que deveremos defender. O Embaixador do Brasil em Portugal, ex-Presidente Itamar Franco, teve a oportunidade, logo por ocasião da sua chegada em Lisboa, de manifestar solidariedade à causa da independência do Timor Leste. Gostaríamos de registar a importância desse ato. Seria muito importante que o Ministro das Relações Exteriores e o Presidente Fernando Henrique Cardoso, ao lado das ações que se desenvolvem no Congresso Nacional brasileiro, dessem passos na mesma direção das proposições colocadas por V. Exª, neste pronunciamento.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte, nobre Senador Eduardo Suplicy.

V. Exª se adiantou, no aparte, com relação ao X Encontro, quando tivemos a oportunidade de ouvir o Embaixador dizer que não se trata apenas de um compromisso partidário. O que S. Exª verdadeiramente busca é que todos os partidos no Congresso Nacional brasileiro o apóiem nessa sua iniciativa ou na sua peregrinação, porque é um sentimento grandioso ver alguém lutar pela libertação do seu povo. Já tive outra oportunidade, quando defendia o interesse de libertação de Mandela, da África do Sul, Moçambique e Angola. Então, nós, que temos condições para travar o debate, dar a solidariedade e, de forma alguma, deixar de fazê-lo.

A Câmara dos Deputados já providenciou o encaminhamento de moção de apoio à causa do povo timorense e fará realizar uma sessão especial no dia 20 de setembro próximo, com o objetivo de diligenciar junto ao Palácio do Itamaraty, ao Governo Federal e ao Congresso Nacional um maior apoio, não apenas no que diz respeito a discursos mas para que possamos dar respaldo a essa luta do grande Embaixador, no Brasil, Sr. Roque Rodrigues.

Convido os meus Pares, nesta Casa, para que possamos, também, ser signatários do telegrama a ser enviado ao Itamaraty, a fim de fazermos com que o nosso Governo se expresse, mais claramente, em relação ao apoio dado até agora pela ONU para garantir que esta organização seja, sem dúvida, a responsável pelo desdobramento desse processo e dessa conquista.

Um povo só é livre quando pode econômica, política e socialmente exercer todos os seus poderes. Se há entre nós um acordo, queremos que o Brasil exponha, com toda a transparência, a sua posição para que possamos manifestar a nossa solidariedade.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 24/08/1995 - Página 14472