Discurso no Senado Federal

REPORTAGEM PUBLICADA NA REVISTA VEJA SOBRE A CONIVENCIA DA RECEITA FEDERAL COM A SONEGAÇÃO FISCAL.

Autor
Jefferson Peres (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA TRIBUTARIA.:
  • REPORTAGEM PUBLICADA NA REVISTA VEJA SOBRE A CONIVENCIA DA RECEITA FEDERAL COM A SONEGAÇÃO FISCAL.
Aparteantes
Edison Lobão, Eduardo Suplicy, José Agripino.
Publicação
Publicação no DCN2 de 05/09/1995 - Página 15412
Assunto
Outros > REFORMA TRIBUTARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DENUNCIA, PARTICIPAÇÃO, FUNCIONARIO PUBLICO, RECEITA FEDERAL, SONEGAÇÃO FISCAL, LIBERAÇÃO, EXCESSO, BAGAGEM, CONTRABANDO, MERCADORIA ESTRANGEIRA, AEROPORTO.
  • DEFESA, NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO, NATUREZA FISCAL, SIMULTANEIDADE, EXECUÇÃO, REFORMA TRIBUTARIA.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, volto ao tema que me trouxe a esta tribuna na última sexta-feira, quando abordei o problema do escandaloso contrabando que entra no País via, principalmente, Ciudad del Est, mas também pelas portas abertas dos aeroportos e portos do Brasil.

A revista Veja desta semana traz uma denúncia a respeito da conivência da Receita Federal com a sonegação fiscal. Revela o desaparecimento de um processo de sonegação, com três volumes, envolvendo um conhecido empresário e ex-deputado de Brasília. Não é a primeira vez que isso acontece na Receita Federal, demonstrando que existe, portanto, conivência de funcionários dessa repartição com sonegadores de impostos.

A revista revela também que toneladas de produtos estrangeiros entram pelos aeroportos e são liberados pelos funcionários da Receita Federal. Os números mostram que os produtos liberados, em peso, representam cerca 2,5 toneladas a 3 toneladas, per capita, Sr. Presidente. Já não se trata, portanto, de casos esporádicos. Não é o excesso de bagagem com o qual a Receita pode e até deve ser tolerante. Não. Quando se fala em toneladas, realmente, é um caso que indica uma situação muito grave. Quando o Fisco não funciona em um país, o Estado está sendo falido, Sr. Presidente.

Sobre Ciudad del Est, eu me referia a números que complemento hoje. Estima-se que 45% dos produtos eletroeletrônicos vendidos no Brasil entram via Ciudad del Est. Cerca de metade dos relógios comercializados no País são provenientes daquela cidade paraguaia.

Em Brasília, ao lado do Estádio Mané Garrincha, funciona uma feira que já se denominou de Feira do Paraguai. Lá se compra de tudo, com a total complacência das autoridades estaduais, distritais e federais.

Na semana passada, fui chamado por comerciantes de Manaus que participavam de uma feira oficial e legalizada e, no entanto, estavam sofrendo uma rigorosíssima vigilância do Fisco estadual. Aqueles fiscais, ao serem indagados sobre o fato de não agirem com o mesmo rigor com os comerciantes da Feira do Paraguai, responderam que se tratava de um problema político.

Sexta-feira, depois que ocupei esta tribuna para falar sobre contrabando, fui informado por funcionários do meu gabinete que um cidadão bem vestido, bem falante, portando uma pasta, lá entrara oferecendo telefones celulares coreanos, taiwaneses e cingapureanos. Deixou, inclusive, um telefone de contato. A audácia dos contrabandistas chega ao extremo de invadir o gabinete dos Senadores para oferecer produtos entrados ilegalmente no País.

Na semana passada, comuniquei que a Receita Federal, em resposta a um requerimento meu, informou-me oficialmente que a sonegação via Ciudad del Est chega a quase R$2 bilhões por ano. É um terço do que o Ministro Adib Jatene necessita para resolver os problemas do Ministério da Saúde. A mídia - a televisão, os jornais, as revistas - focaliza essa questão quase todas as semanas, e não se toma uma providência efetiva. Que País é este?

O Senador Eduardo Suplicy leu um trecho da reportagem da revista Veja, demonstrando o que foi aquela brutalidade do massacre em Rondônia.

O Senador Geraldo Melo revelava que, na zona do agreste, se não me engano, há 200 mil hectares de terra disponíveis. E não é feita uma reforma agrária séria neste País, o qual precisa de tantos recursos. O Brasil tem um sistema de saúde em Estado precaríssimo e permite um contrabando deslavado, desbragado.

Este é um País que não tem Estado; o Estado brasileiro está falido. O Congresso Nacional não pode ficar de braços cruzados diante de uma situação como essa.

O Sr. Edison Lobão - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JEFFERSON PÉRES - Concedo o aparte a V. Exª, com muito prazer.

O Sr. Edison Lobão - Senador Jefferson Péres, louvo-lhe a iniciativa de trazer aqui a sua importante voz, para fazer uma crítica ao que vem acontecendo com freqüência em nosso País e que constitui uma de nossas mazelas. Recordo-me que, há cerca de oito anos, levei ao Presidente da República um relatório de um superintendente da Receita Federal na Amazônia, relatando a sua ação naquela região; localizado em Belém, ele tinha jurisdição no Estado de V. Exª, no Amapá e em Roraima. Ele, então, explicava que depois da sua chegada à Superintendência da Receita daquela região passou a produzir ouro em grande escala, oficialmente, e pimenta-do-reino. Anteriormente, a produção de ouro e pimenta-do-reino registrada naquela área amazônica era quase zero, e, todavia, o Suriname era um dos maiores exportadores latino-americanos de tais produtos, sem que produzisse um grama de ouro ou um grão de pimenta-do-reino. Eram o ouro e a pimenta-do-reino brasileiros escapando pela fronteira. Chegamos a esse ponto em nosso País. Por enquanto, V. Exª está se referindo ao que entra ilegalmente; e eu, ao que saía - pelo menos saía - ilegalmente do nosso País, não sei se isto ainda ocorre. Foi de tal modo escandalosa aquela revelação, que o próprio Presidente da República, o então Presidente José Sarney, chegou a propor uma lei, que foi votada aqui, da qual fui Relator, estabelecendo que o ouro passava a ser um ativo financeiro e, portanto, com uma taxação baixíssima, exatamente para impedir ou evitar o seu contrabando. Mas isso que V. Exª relata nesta tarde é grave, tem ocorrido, e as autoridades brasileiras precisam tomar uma providência realmente enérgica. Sei que o Governo está preocupado com isso. O Secretário da Receita, Everardo Maciel, trabalha intensamente no sentido de coibir esses abusos. Mas algo mais firme e mais enérgico precisa ser feito para que registros como esses que V. Exª faz não ocorram mais em nossas relações administrativas. Cumprimento V. Exª.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Obrigado, Senador Edison Lobão. O Congresso vai examinar, logo mais, um projeto de reforma tributária. Uma reforma tímida, mas, de qualquer modo, tenta-se dar alguma racionalidade, ou menos irracionalidade, ao sistema tributário nacional.

Será bastante, Senador? Se nada se fizer de efetivo no que tange à administração tributária, se não se equipar o Fisco, informatizando-o, fornecendo pessoal qualificado a seus quadros, nada adiantará.

O que é feito da ESAF? Será que ainda se formam fiscais na ESAF, a Escola de Administração Fazendária? Não sei, nunca mais ouvi falar nada sobre o assunto. Penso que algo de muito sério tem que ser feito, não apenas no campo legal, no campo legislativo, mas também, principalmente, no campo administrativo. Do contrário, os milhões vão continuar se escoando pelo ralo e ficará difícil, realmente, resolver problemas neste País.

Semana passada, comuniquei ao Plenário que o Secretário Everardo Maciel foi convocado pela Comissão de Assuntos Econômicos para tratar especificamente de contrabando. Não sei o que ele vai anunciar, que medidas concretas vai informar àquela Comissão, mas, dependendo do que ele disser, temos que pensar seriamente - não este ano, porque o Congresso está saturado, mas logo no começo do próximo exercício - na criação de uma comissão parlamentar de inquérito. O contrabando, da forma que está, Srs. Senadores, e vai num crescendo, realmente, não pode continuar. É preciso colocar um paradeiro nisso.

O Sr. Eduardo Suplicy - V. Exª permite um aparte, Senador Jefferson Péres?

O SR. JEFFERSON PÉRES - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Eduardo Suplicy - Também gostaria de cumprimentar V. Exª por trazer este assunto ao Plenário. É fato que está havendo, por parte da Receita Federal, seus diversos agentes e dos órgãos que com ela colaboram, como a Polícia Federal, algo que precisa ser melhor esclarecido. Nós teremos aqui a oportunidade de ouvir, pela convocação a que V. Exª se refere, o Secretário da Receita Federal, Everardo Maciel. Mas, segundo reportagem da Revista Veja, se indica uma certa conivência de muitos setores e agentes fiscais da Receita Federal, seja nos aeroportos, como em Cumbica, seja em portos, como o de Vitória, no Espírito Santo, e nos mais diversos pontos do País. Existe também a conivência entre funcionários da Receita que ora trabalham em escritórios de advocacia e de consultoria tributária, atendendo às grandes empresas, e ora voltam como uma simbiose de ação por parte desses funcionários que contrariam todo e qualquer aspecto de ética na Administração Pública.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Simbiose ou promiscuidade, Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy - Promiscuidade. E V. Exª lembra bem um ponto importante, que a Revista Veja chama a atenção. É que empresas como a COIMEX e a Cotia Trading remuneravam 44 fiscais para desembaraçar produtos trazidos pela empresas. Como pode um fiscal da Receita Federal ser remunerado, ao mesmo tempo, pelo Poder Público e por empresas de Comércio Exterior? Evidentemente, há algo inadmissível. O Diretor da COIMEX, Sr. Otacílio Coser, critica o Sr. Everardo Maciel no sentido de que estaria fazendo uma estupidez por estar impressionado com essa ação de promiscuidade, que, realmente, não pode ser admitida. De fato, precisamos do esclarecimento em profundidade e esperamos que o Sr. Everardo Maciel traga as devidas explicações porque, do contrário, a intenção anunciada por V. Exª é correta e receberá o nosso apoio. Ou seja, se não houver o elucidamento e a ação concreta, se justificará a CPI.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Agradeço a V. Exª. Espero que os membros do Partido dos Trabalhadores, da Comissão a qual V. Exª faz parte, estejam presentes na reunião e levem elementos para que façamos uma argüição profunda ao Secretário Everardo Maciel.

O Sr. José Agripino - Permite V. Exª um aparte?

O SR. JEFFERSON PÉRES - Com prazer ouço V. Exª.

O Sr. José Agripino - Senador Jefferson Péres, ouvi estupefato a declaração de V. Exª sobre a audácia do contrabandista que ousou ir ao seu gabinete oferecer produto contrabandeado. V. Exª faz um pronunciamento muito oportuno que merece a reflexão desta Casa, porque, em última análise, toca em uma questão sobre a qual, há pouco, conversava com o Senador Geraldo Melo: o Sistema Tributário Nacional. Veja bem, se alguém vai ao exterior e traz coisas, tendo oportunidade de não declará-las na alfândega, não paga o imposto devido à União e não lesa ninguém. Se alguém pratica contrabando, raciocina que, para adquirir alguma coisa, tem que tirar dinheiro, até mesmo para trocar dólar. V. Exª comentou o nível de preparo dos agentes fazendários da Receita Federal, da ESAF, na atuação do Secretário Everardo Maciel, que, creio eu, muito tem se dedicado para desempenhar bem o seu papel - e dou meu testemunho nesse sentido -, mas, com a legislação tributária que temos, fica muito difícil exercer um policiamento correto. A reforma tributária que o Poder Executivo remeteu ao Congresso Nacional para apreciação é tímida, pouco criativa e sem nenhuma inovação. Essa questão do contrabando, por exemplo, poderia desaparecer das discussões na medida em que o imposto sobre cheques fosse um grande imposto brasileiro, porque, para a compra de qualquer objeto, se teria que tirar dinheiro, emitir um cheque e, assim, pagar-se-ia o imposto. Por que não se argúi do Secretário Everardo Maciel o que S. Sª pensa do imposto sobre cheque, como foi proposto pelo ex-Deputado Flávio Rocha e esteve em discussão durante muito tempo, para irmos, efetivamente, ao âmago da questão? Do contrário, vamos ficar na superficialidade, nos ataques ao padrão ético ou não-ético dos agentes, da capacidade ou não da Receita de exercer um correto policiamento. Penso que temos que ir ao âmago da questão para tentarmos resolver o problema que V. Exª denuncia com muita propriedade nesta tarde.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Muito obrigado, Senador José Agripino.

O Sr. Edison Lobão - V. Exª permite um aparte, nobre Senador?

O SR. JEFFERSON PÉRES - Ouço V. Exª, nobre Senador Edison Lobão.

O Sr. Edison Lobão - V. Exª mencionou um pouco superficialmente a questão da ESAF e o aparelhamento da fiscalização. Aí reside boa parte do nosso problema. Tenho notícia de que o número de nossos fiscais é exíguo, reduzidíssimo. Temos uma grande quantidade de fiscais da melhor categoria, funcionários de elevado espírito público, de correção pessoal e de competência, mas, assoberbados pelo serviço, não conseguem promover uma fiscalização adequada em nosso País. Essa é uma questão que precisa ser vista também. Reativar a ESAF, se está desativada, e fazer com que tenhamos uma quadro de fiscais a altura das necessidades brasileiras.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Não há dúvida, Senador Edison Lobão. Longe de mim generalizar. No Amazonas, meu Estado, conheço fiscais da Receita Federal da melhor qualidade, extremamente probos e competentes.

O fisco brasileiro, principalmente no nível federal, foi desbaratado, desmantelado. O número de fiscais por habitante é realmente irrisório. Reconheço tudo isso. O que disse há pouco foi que precisamos cuidar de administração fiscal também, e não apenas de reforma fiscal.

Incorporando todos esses apartes ao meu discurso, dou por encerrado este pronunciamento, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 05/09/1995 - Página 15412