Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DE UMA REFORMA TRIBUTARIA MAIS PROFUNDA QUE A ENVIADA PELO GOVERNO FEDERAL.

Autor
Osmar Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Osmar Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA TRIBUTARIA.:
  • NECESSIDADE DE UMA REFORMA TRIBUTARIA MAIS PROFUNDA QUE A ENVIADA PELO GOVERNO FEDERAL.
Publicação
Publicação no DCN2 de 05/09/1995 - Página 15420
Assunto
Outros > REFORMA TRIBUTARIA.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, INSUFICIENCIA, PROPOSTA, REFORMA TRIBUTARIA, ENCAMINHAMENTO, GOVERNO, CONGRESSO NACIONAL.
  • COMENTARIO, VONTADE, ORADOR, APRESENTAÇÃO, EMENDA, OBJETIVO, PROVOCAÇÃO, INCIDENCIA, TRIBUTOS, RENDA, PATRIMONIO, EXCLUSÃO, PRODUÇÃO, TRABALHO, MOTIVO, AUMENTO, ARRECADAÇÃO, PAIS, REDUÇÃO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, INJUSTIÇA, NATUREZA SOCIAL.

O SR. OSMAR DIAS (PSDB-PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é difícil buscar motivação para falar numa tarde de segunda-feira de uma semana em que, como cidadão, não compreendo que se dispense, praticamente, o Senado das suas funções. Não adianta dizer que a função do Senador não é apenas no plenário, ele tem outras atribuições. Não conheço nenhuma atividade, neste País ou no mundo, que se dá ao luxo de ser dispensada, como está ocorrendo com o Senado em pleno semestre, em que deveríamos estar apreciando as emendas constitucionais enviadas pelo Governo, o plenário está praticamente vazio. No entanto, busco motivação naqueles que me mandaram para cá e que gostariam que eu defendesse uma reforma tributária mais profunda que essa enviada pelo Governo ao Congresso Nacional.

Acredito que o Brasil não é um país pobre. O Brasil é - isto sim - um país injusto, em função da concentração de renda, que é evidente. Entre as principais causas da concentração de renda, está a política tributária em vigor que permite que, num país de tantas riquezas, 50% da renda nacional esteja nas mãos de apenas 10% de sua população e que, ao contrário, 20% da renda nacional esteja em poder de apenas 2% da população.

Portanto, a reforma tributária encaminhada pelo Governo exige do Congresso Nacional uma responsabilidade muito maior do que as outras reformas. Estamos entendendo que essa reforma é tímida - e é -, por ser incapaz de cumprir os quatro objetivos escritos na própria proposta do Governo, ou seja:

1º) simplificar o sistema tributário brasileiro, aumentando sua economicidade para o Fisco e para o contribuinte;

2º) facilitar o combate à sonegação e às injustiças provocadas pelo sistema atual;

3º) diminuir o custo Brasil e ampliar a competitividade da nossa economia;

4º) permitir uma distribuição social mais justa da carga tributária.

Entendo que a proposta encaminhada ao Congresso não cumpre nenhum dos quatro objetivos estabelecidos nela própria. Sabemos que esses dois primeiros objetivos - a simplificação do sistema tributário e o combate à sonegação - só seriam possíveis de ser feitos se pudéssemos estabelecer uma ligação tão estreita entre a União, os Estados e os Municípios que impedisse a ação desonesta de parcela significativa daqueles que trabalham como agentes fiscais e que, estimulados pela alta carga tributária, juntam-se a empresários igualmente desonestos para praticar a sonegação.

A sonegação é responsável pelo seguinte dado: se nós estivéssemos, hoje, arrecadando 100% dos impostos colocados em prática no País, a participação dos tributos seria de 53% em relação ao Produto Interno Bruto. No entanto, como se sonega R$1,120 para R$1,0 arrecadado, nós temos uma participação de apenas 24% de tributos no Produto Interno Bruto. Essa sonegação, maior que a arrecadação, faz com que haja uma competição desigual. Quem paga paga muito, e quem sonega sonega muito, havendo, portanto, uma margem enorme para competir de forma desigual; com essa margem, oferecem-se descontos e pratica-se no mercado uma injustiça acrescida ainda por outras injustiças do próprio sistema tributário.

E cito uma delas: apesar de o Governo dizer que vai combater as injustiças com a proposta que vem ao Congresso, há uma incoerência, porque do próprio Governo sai novamente a proposta da criação do imposto sobre cheques, o IPMF, que produz um efeito cascata para diversos setores da atividade econômica.

Vou citar um exemplo: um produtor de frango, Senador Geraldo Melo, não paga os 0,25% que estão propondo, porque a cascata que ocorre na cadeia de produção, até que o frango chegue ao supermercado ou à mesa do consumidor, eleva esse tributo a 1,2% e não 0,25%. No caso da soma da COFINS e do PIS, esse mesmo produtor de frango pagaria 2,65%. No entanto, na carne de frango colocada no supermercado, a soma desses dois tributos, em função da cascata, chega a 6,36% de tributos.

Ora, todos sabemos que a carga tributária brasileira, especialmente sobre o setor produtivo, é muito alta em relação a qualquer país do mundo. Não dá para comparar, por exemplo, com a Argentina, com o Chile, parceiros do MERCOSUL. Daí por que o Governo ter de reduzir a carga tributária, até mesmo para atender o argumento de que reduzindo a carga tributária a arrecadação aumenta, pois diminui o estímulo à sonegação. Pois bem, que seja este o argumento, ou seja, o argumento de nos colocar em competição e aproveitarmos as vantagens comparativas que são todas nossas. Não fossem elas eliminadas pela carga tributária e até pelo custo do frete, que nos onera em demasia, teríamos outros argumentos, o argumento visto pelos trabalhadores. Se formos verificar, 70% da classe trabalhadora recebem menos do que cinco salários mínimos mensais; neles, nesta massa de trabalhadores, 40% do custo ou da renda que contabilizam é aplicada na alimentação. Portanto, 40% de tudo que ganha um trabalhador, com um salário de até cinco mínimos mensais, é aplicado na alimentação.

Eu não vejo uma preocupação com relação a este item. Aqui, evidentemente, estamos falando de um setor que não tem empreiteiros, cuja atividade é praticamente oposta a outra, e os banqueiros ficam com 16% da renda bruta nacional. Não há, aqui, portanto, interesses maiores que cercam os interesses de outras atividades em que se vê a possibilidade de lucro fácil.

A produção de alimentos é algo extremamente complicado, que depende não apenas do clima, mas, muitas vezes, das medidas do Governo. Infelizmente, nos últimos anos continuam sendo colocadas em prática de forma equivocada, inviabilizando o setor.

Se verificarmos como o trabalhador usa o seu salário, constataremos, em primeiro lugar, que 40% se destinam à alimentação; em segundo lugar, 23%, à moradia; em terceiro lugar, ao transporte. No entanto, observamos projetos de milhões de dólares que chegam ao Congresso Nacional, destinados aos transportes coletivos e à habitação. Contudo, nenhum deles vem ao Congresso Nacional, buscando o aumento da produção agrícola.

A redução dos tributos deve atender a milhares de objetivos, mas o principal é fazer com que o alimento chegue mais barato à mesa do trabalhador; afinal de contas, quem paga o tributo é ele. Dos cinco salários mínimos, gasta-se 40%. Se V. Exªs querem um exemplo na faixa de 15 a 20 salários mínimos, 20% dessa renda mensal é aplicada para comprar alimentos e, se há imposto em demasia, paga-se também os tributos em demasia para o Estado. É o que vem ocorrendo.

Se fosse possível, reduziríamos os impostos ao nível cobrado por qualquer nação civilizada. Por exemplo, nos países da União Européia, os tributos sobre a alimentação ou sobre os produtos da agricultura jamais ultrapassam 50% do valor pago pelos contribuintes em qualquer produto, em qualquer serviço. Ou seja, há uma isenção de mais de 50% em todos os casos, em todos os países pesquisados na Europa, nos Estados Unidos e em outros continentes, inclusive na Ásia. Todos os países do mundo concedem mais de 50% de isenção sobre os produtos agrícolas. No Brasil, não. Os produtores rurais pagam exatamente o que se paga a qualquer outra atividade econômica, seja no ramo da construção civil, seja na prestação de serviços.

Se a reforma tributária encaminhada ao Congresso prevê a isenção nos insumos e a redução da alíquota na cesta básica, isso ainda é insuficiente para tornar o nosso setor competitivo, porque - repito - apesar de participar com apenas 12% do Produto Interno Bruto, é o único setor, hoje, no País, que se apresenta com vantagens comparativas para participar do mercado internacional e fazer valer essas vantagens comparativas com inteligência, reduzindo o custo interno. Fala-se muito em custo- Brasil. Pois bem. O que mais onera o custo-Brasil é exatamente a carga tributária incidente sobre os produtos que nós consumimos ou que exportamos, mas que, afinal, são produzidos lá no campo.

Quero citar o exemplo da cesta básica. Uma cesta básica completa, tomados os preços no supermercado hoje, está valendo cerca de R$105,00. O trabalhador que ganha um salário mínimo não come uma cesta básica completa. Sem os tributos, essa cesta básica passaria a custar cerca de R$78,00. Sobrariam, portanto, R$27,00. Se esse trabalhador tivesse só o salário mínimo para comprar a cesta básica, exatamente com os R$27,00, ele poderia aplicá-los ou comer melhor, oferecendo mais bem-estar a sua família.

Se podemos fazer isso, já que esses impostos não serão pagos, pois haverá redução dos preços dos produtos agropecuários, de qualquer forma esse dinheiro vai circular na economia; podemos, portanto, fazer isso com absoluta tranqüilidade, sem que o Estado tenha reduzida sua receita tributária. É essa a maior preocupação do Estado quando envia a reforma tributária ao Congresso Nacional.

Não podemos, portanto, mesmo estando num Partido do Governo, olhar a reforma tributária que foi encaminhada ao Congresso sob o ângulo apenas do desejo do Governo em arrecadar mais, mas sobretudo para combater e reduzir as injustiças, as desigualdades sociais que verificamos com o atual sistema tributário nacional.

Enquanto um trabalhador de baixa renda gasta 40% dela para comer, é evidente que aqueles que detém hoje 50% da renda nacional e que compõem os 10% não aplicam sequer 5% da sua renda para comer; os tributos, portanto, são pagos de forma desigual, mais por quem não pode e menos por quem pode e deveria pagar.

Para que se corrija isso, temos que apresentar uma emenda. Vou buscar nos colegas, nos companheiros Senadores apoio para esta emenda. Que os tributos caiam sobre a renda e o patrimônio e não sobre a produção, como vem ocorrendo ultimamente, sobretudo com essa proposta que foi encaminhada ao Congresso, porque essa injustiça tributária vai continuar sendo praticada. Para que tenham uma idéia, apenas 20% dos impostos arrecadados no País são da renda e do patrimônio; 80%, do trabalho e da produção. Isso é injusto, isso é concentrador e chega a ser imoral com aqueles que trabalham e produzem.

Por oportuno, quero relembrar uma frase famosa: "Um País começa a conhecer sua desmoralização quando começa a desprezar o trabalho e a produção". O Brasil está desprezando o trabalho e a produção; está valorizando a especulação, está valorizando, sobretudo, aqueles que deveriam estar contribuindo mais e está penalizando aqueles que já contribuíram muito e deveriam agora ter redução da carga tributária, para que pudéssemos, aí sim, ver o trabalho e a produção valorizados em nosso País.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 05/09/1995 - Página 15420