Discurso no Senado Federal

DESCOMPASSO ENTRE O ATUAL PROGRAMA GOVERNAMENTAL E A REALIDADE DA VIDA ECONOMICA NO PAIS.

Autor
Josaphat Marinho (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Josaphat Ramos Marinho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • DESCOMPASSO ENTRE O ATUAL PROGRAMA GOVERNAMENTAL E A REALIDADE DA VIDA ECONOMICA NO PAIS.
Aparteantes
Antonio Carlos Valadares, Osmar Dias.
Publicação
Publicação no DCN2 de 30/08/1995 - Página 14788
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • COMENTARIO, CRITICA, DISPARIDADE, PROGRAMA DE GOVERNO, ECONOMIA, PLANO, REAL, CONTENÇÃO, INFLAÇÃO, SIMULTANEIDADE, AUMENTO, DESEMPREGO, FALENCIA, INADIMPLENCIA, COMERCIO, INDUSTRIA, REDUÇÃO, ATIVIDADE ECONOMICA, RECESSÃO.

O SR. JOSAPHAT MARINHO (PFL-BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, volto à tribuna para tratar de assunto simples, mas de grave importância para toda a comunidade. Venho fazê-lo com a tranqüilidade de quem atende ao apelo, faz pouco, a todos dirigido pelo nobre Presidente da República.

Segundo foi publicado, e sem contestação, teria Sua Excelência declarado que Parlamentar não é despachante, porque o que lhe cumpre é advertir o Governo dos problemas e das soluções em curso. É precisamente o que venho fazer: solicitar a atenção do eminente Presidente da República para a distância que se vai criando entre o programa governamental anunciado e a realidade vivida pelo povo.

Certo de que o Plano Real e a preocupação do Governo de conter a dívida pública são fatores que não podem ser desprezados. Ninguém reivindica que o Governo adote política que venha a perturbar a estabilidade do Plano Real e a contenção da inflação. Mas é também sabido que toda orientação administrativa há de conciliar a sua coerência com os fatos, sobretudo com os fatos que digam respeito à vida da comunidade.

Ora, está repetidamente observado pela imprensa, quase que diariamente, que há um descompasso entre a política divulgada e a situação geral da vida econômica do País.

Não quero desdobrar a matéria à base de princípios doutrinários, mas à luz dos fatos correntes. E devo valer-me apenas dos elementos mais recentes, justo os que indicam a realidade dos dias atuais.

É em face disso que desejo pedir a atenção do eminente Presidente da República para as sucessivas notícias relacionadas com o desemprego no País. Pode dizer-se que quase não há dia em que a imprensa não reproduza dados indicativos do aumento do desemprego. E o que torna o fato mais grave é o aumento do desemprego no Estado mais desenvolvido do País, que é São Paulo.

Assim se noticia: "COFAP anuncia demissão de 550 funcionários". No outro dia se menciona: "Taxa de desemprego subiu para 4,8% em julho". "Desemprego cresceu em todo o País". "Cai o faturamento do comércio em maio. Tem queda de 5,6%". Ainda em junho: "Aumentam as demissões em São Paulo". "Indústria paulista demite 10.916 só na primeira semana de agosto". "General Motors demite 1.050 de fábrica em São Paulo".

"Onda de desemprego", assim se anuncia quase que diariamente, a ponto de salientar-se que traz desafios ao Real.

Essas notícias de desemprego atingem a muitos outros Estados. Ainda neste mês de agosto, na Bahia se divulgou: "ARATU fecha setor industrial e provoca demissão de 230 pessoas".

Em conseqüência da situação econômico-financeira, fábricas pedem prazo maior para crédito; concordatas aumentam 520%. Com a redução da atividade econômica, com o desemprego crescente, outros setores sofrem as conseqüências naturais. "Contadores sentem na pele crise econômica" - noticia outro jornal.

Os fatos se agravam de tal modo que a imprensa assevera, e não há contestação assinalável, que "o Real demite mais do que emprega". Chega-se mesmo a falar que há sinais de recessão.

Se ninguém aspira a que a Nação entre em recessão, se nenhum setor político ou empresarial deseja que se deixe de combater a inflação, certo é, contudo, que esses fatos aconselham a que o Governo não atente apenas para a manutenção da estabilidade do Real, nem para a contenção da inflação.

Toda política há que atentar, pelo menos, em dois fatores: na lógica de suas soluções e nos efeitos destas sobre a comunidade. Assim, se há de entender, porque ninguém governa apenas para impor determinadas soluções, mas para impô-las a serviço da sociedade. O objetivo fundamental do Governo, enfim, não é criar um sistema de ação, porém criá-lo para o benefício geral, para o bem-estar da comunidade.

Não parece, pelos efeitos que se noticiam, que o Governo esteja suficientemente atento aos efeitos de sua política sobre o conjunto da população.

Não faz muito mesmo - foi em junho - que um empresário que tem sido solidário com o Governo, o Sr. Antônio Ermírio de Moraes, declarou que o Brasil é refém dos juros. Em função desse quadro descrito e dos juros é que empresas até bem pouco consideradas estáveis já requereram concordata. Assim, agrava-se a vida da população e, de modo especial, da que não dispõe de largos recursos econômicos.

Dir-se-á que não há ponderável aumento nos preços. Parece que, em média, assim não ocorre. Mas na medida em que a crise atinge as empresas, reduzindo-lhes a capacidade econômica, ou as levando ao fracasso, essa situação determina, com a redução da concorrência ou da competição, agravamento de preços para todos os setores da comunidade.

Há mesmo que notar, e os tecnicamente mais entendidos têm salientado, o risco de redução da produção agrícola, porque não há uma política assentada que assegure os efeitos necessários ao resguardo do trabalho no campo e de sua produtividade natural.

Na medida em que - isso é natural - houver o risco da diminuição da produção agrícola, e com a crise no plano comercial e industrial, é inevitável que os preços poderão escapar ao comando do Governo, mesmo que não haja elevação imediata e excessiva da inflação.

Ainda, há dias apenas, um jornal que normalmente assegura apoio ao Governo, como O Estado de S. Paulo, assinalou, em editorial - não em notícia: "Falta uma política agrícola".

São múltiplos os fatores, portanto, que concorrem para que se advirta o Governo dos riscos que corre se não adotar medidas oportunas para o resguardo do bem-estar coletivo.

Hoje mesmo, nesta Casa, a Senadora Júnia Marise cuidava do problema agrícola, assinalando a falta de rumo determinado, assegurador da produção regular e conseqüentemente do abastecimento para todos os setores da população.

O Sr. Osmar Dias - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSAPHAT MARINHO - V. Exª tem o aparte.

O Sr. Osmar Dias - Senador Josaphat Marinho, o assunto é de extrema seriedade e gravidade. Tenho sido um dos que alertam o Governo sobre o fato de que, com o fracasso da safra que estamos plantando agora, poderemos colher também a frustração do Plano Real, uma vez que seremos obrigados, sim, a aumentar a importação de alimentos, que poderá chegar, no ano que vem, a mais de 10 milhões de toneladas. Isso é mais do que exportamos. Normalmente, as nossas exportações não ultrapassam 10 milhões de toneladas. Logo, vamos importar mais do que exportaremos. Isso já está praticamente se concretizando, se consolidando, e o Governo continua surdo. Apenas acrescento ao pronunciamento de V. Exª um dado: os fertilizantes utilizados para o plantio desta safra tiveram aumento, em média, de 40% em relação a julho do ano passado. Os preços dos produtos agrícolas tiveram redução de 30% em relação a julho do ano passado. Essa conta não fecha; não dá, portanto, nem para sonhar em pagar o custo de produção com a próxima safra. E é por isso que ela vai cair. Além disso, há insensibilidade por parte de algumas autoridades do Governo. Quero aqui citar o Presidente do Banco do Brasil. Estou desde junho pedindo audiência para negociar com o Presidente do Banco do Brasil dívida de 25 milhões de reais de uma cooperativa, que quer rolar a dívida para continuar apoiando seus produtores. O Presidente do Banco do Brasil não me recebeu porque está cuidando da reforma administrativa do Banco. Ele devia dedicar mais tempo aos beneficiários do crédito do Banco do Brasil ao invés de simplesmente promover, na sua atuação, aquilo que pode ser feito pelo chefe de Recursos Humanos do Banco do Brasil. A insensibilidade vai, sim, matar a safra, e, com ela, pode matar o Plano Real.

O SR. JOSAPHAT MARINHO - V. Exª, nobre Senador, traz ao debate dois elementos, com a vantagem de ser um estudioso e conhecedor experimentado do assunto. De um lado, V. Exª assinala o risco de, com a redução das safras no País, termos que marchar para a importação de produtos. Em segundo lugar, V. Exª traz a relevo o problema da contenção ou redução de preços de produtos agrícolas, em contradição com o que corre no comércio em geral. É exatamente o que se está observando, e a esse respeito é que o Governo precisa estar atento.

Notem que não faço uma dissertação em forma de crítica; estou antes atendendo, como disse, ao apelo do Presidente da República de que se deve adverti-lo do que ocorre. A finalidade que me traz à tribuna é pedir que as autoridades mais responsáveis não fiquem preocupadas apenas com a manutenção da estabilidade do real e com a inflação baixa. A contenção da inflação não é uma finalidade; é um meio para garantir o desenvolvimento regular da vida do País.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - Senador Josaphat Marinho, V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSAPHAT MARINHO - V. Exª tem o aparte, nobre Senador Antonio Carlos Valadares.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - Senador Josaphat Marinho, parece-nos que há um paradoxo, uma contradição, entre os dados que são freqüentemente fornecidos por entidades governamentais, como o IBGE, e até instituições de cunho empresarial, como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, que denotam uma certa agilidade em mostrar que a inflação está num patamar muito baixo, que, neste mês de agosto, o processo inflacionário vai ser reduzido substancialmente e a taxa não será superior a 2%. Digo que se trata de um paradoxo porque enquanto a inflação está baixa, a nossa moeda se mostra ao mundo como sendo uma moeda forte, as nossas reservas cambiais estão crescendo a ponto de já haver uma previsão de chegarmos a US$50 bilhões, há um equilíbrio na nossa balança comercial, enfim, alguma coisa está errada. A meu ver, a política monetarista, que foi implantada pelo atual Governo, é a causa de tudo, porque a preocupação fundamental é conter o processo inflacionário, deixar uma moeda forte, conter os preços, fazendo com que os juros cheguem a uma altura estratosférica. E esses juros é que vêm prejudicando a economia brasileira, porque o desemprego está campeando as indústrias; o comércio e a agricultura estão passando por um processo de sucateamento e de quebradeira, enfim, é preciso uma mudança de rumos nessa política adotada pelo atual Governo. É preciso que tenhamos a coragem de V. Exª e tantos outros aqui no Senado Federal de alertar o Governo para o fato de que de nada adianta termos números favoráveis nas estatísticas nacionais, enquanto o povo passa fome, existe o desemprego, as empresas estão fechando e o Brasil está quebrando. Algo está errado. É preciso que haja uma mudança de rumos, e que não só o Presidente da República, que tem mostrado ser um homem humilde, mas também a sua equipe econômica reconheça que não existe alegria, não existe felicidade de nenhum empresário, de nenhum brasileiro em ver os seus semelhantes passando fome, porque não têm onde trabalhar. Muito obrigado, Senador Josaphat Marinho.

O SR. JOSAPHAT MARINHO - O aparte com que me distingue, nobre Senador, conduz sobretudo ao objetivo final deste discurso, que é o de buscar-se o equilíbrio entre a política do Governo e as condições gerais de vida da população. Não basta que se anuncie que o Plano Real se mantém estável. Não basta que se argua que a inflação não está em ascensão. É preciso comparar esses dados com a realidade comum, notadamente a da vida do homem do povo. Não vou apontar aqui o que já se observa, aliás, percorrendo o comércio, como há produtos de várias naturezas que estão com preços desmedidamente assinalados em função da política que o Governo adota. É preciso deixar-se a observação pura e simples dos dados estatísticos para ver os fatos como o povo os sente. Esse que é o problema. Não são as estatísticas apenas, não são os elementos oficiais que bastam para considerar o êxito da política. É preciso ver como a população está experimentando os efeitos da política. E, em verdade, os efeitos da política estão aí se revelando no momento, e sobretudo no desemprego crescente. E na medida em que esse desemprego evoluir, as classes economicamente mais pobres da população é que vão sofrer os efeitos mais danosos.

É a ponderação que deixo aqui, Sr. Presidente, Srs. Senadores, ao Presidente da República: se não houver sempre, na sua proximidade, quem lhe diga a verdade, que ele a ouça de cá, partida do Congresso Nacional.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 30/08/1995 - Página 14788