Discurso no Senado Federal

PERVERSIDADE DO MODELO CONCENTRADOR DE RENDAS NA SOCIEDADE BRASILEIRA.

Autor
José Alves (PFL - Partido da Frente Liberal/SE)
Nome completo: José Alves do Nascimento
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL. BANCOS.:
  • PERVERSIDADE DO MODELO CONCENTRADOR DE RENDAS NA SOCIEDADE BRASILEIRA.
Publicação
Publicação no DCN2 de 30/08/1995 - Página 14807
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL. BANCOS.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, MODELO ECONOMICO, BRASIL, MOTIVO, EXCESSO, INDICE, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, DESIGUALDADE REGIONAL, PRIVILEGIO, DESTINAÇÃO, GASTOS PUBLICOS, DESPESA PUBLICA, REGIÃO SUDESTE, PREJUIZO, REGIÃO NORDESTE.
  • SOLIDARIEDADE, ATUAÇÃO, ANTONIO CARLOS MAGALHÃES, SENADOR, DEFESA, CORRENTISTA, BANCO PARTICULAR, INTERVENÇÃO, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN).

         O SR. JOSÉ ALVES (PFL-SE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nos últimos dias o tema central das notícias, dos debates e das preocupações no cenário econômico do País teve relação direta com as dificuldades e as complicações na área de bancos, com a crise que está sendo superada no Banco Econômico e os problemas relacionados com dívidas e fragilidade na liquidez de algumas outras instituições financeiras.

Quando uma instituição financeira, classificada como a mais antiga da América Latina, o sétimo ou oitavo maior banco privado do País, uma entidade que ao longo dos últimos 160 anos vinha convivendo e progredindo com todas as crises econômicas e políticas pelas quais o País atravessou, desde a regência no Império até os nossos dias, e finalmente sofre intervenção da autoridade monetária e somando-se nesta problemática a situação de vários outros bancos estatais e privados, o problema não parece ser apenas de gerência, mas também de conjuntura.

Ao contrário do que ocorre em outros países, aqui, entre nós, os 12 maiores bancos detêm 90% dos depósitos bancários.

E isto deve ser reflexo do nosso modelo econômico, extremamente intensivo de capital e concentrador de riqueza.

Segundo relatório do Banco Mundial publicado em 1995, com dados de 1988/89, o Brasil, já naquele período, se revelava como o País de mais elevado índice de concentração de renda do mundo, promovendo uma condição das mais perversas em termos de desigualdades sociais e disparidades regionais.

Em nosso País os 20% mais ricos detêm 67% da renda nacional, e os 20% mais pobres ficam, apenas, com 2,1%.

E o pior, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, é que este processo concentrador de renda tem sido altamente progressivo, basta dizer que no biênio anterior estes 20% mais ricos detinham 63%, e nos anos 60 este índice era de 54% da renda nacional.

Outra informação que atesta mais ainda o efeito perverso deste modelo concentrador de renda é a que apenas 10% da população detém mais da metade da renda nacional.

         O Brasil, País extremamente rico, que já foi classificado como a 8ª ou 9ª economia do mundo, tem uma das mais injustas desigualdades sociais, comparável à situação de vários países pobres da África e da Ásia, são 33 milhões de miseráveis, 41% da população em situação de pobreza ou indigência.

         Nós, que temos origem rural e temos intimidade com a terra e sabemos do seu potencial de produção abundante de alimentos, não podemos admitir que dentro da grandeza deste País ainda haja espaço para a fome.

         Seria injusto se criticar os últimos governos por esta situação social desastrosa, reflexo de uma conjuntura econômica construída há mais de 20 anos com base neste modelo, idealizado sob o princípio de que é preciso primeiro fermentar a massa, crescer o bolo, para depois distribuir as fatias, e isso tem monstrado que nem as migalhas têm chegado aos estratos mais carentes da população.

         O resultado, uma situação que o atual Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso está tentando enfrentar, é o que aí se encontra: a favelização das periferias urbanas, a indigência infantil nas ruas de nossa cidade, o confinamento das pessoas nas grades de suas residências por problemas de segurança, a violência também no meio rural, o esmagamento da classe média, a injusta distribuição da carga tributária e esta imensa dívida social que se reflete nos setores de educação, saúde, saneamento e moradia.

         E este abismo de desigualdade que existe entre as pessoas também repercute no âmbito regional, e na maior parte dos Estados, entre a Capital e o interior.

         No plano Federal, os Estados mais ricos também ficam cada vez mais ricos, não apenas pela sua natural capacidade produtiva, pelo esforço e competência dos seus cidadãos e pelos dotes da mãe natureza, mas também, especialmente, pelo substancial auxílio do referido modelo concentrador de renda e intensivo de capital.

Basta dizer que a Região Sudeste, indiscutivelmente a mais rica do País, de grande concentração industrial, segundo artigo publicado na Gazeta Mercantil no ano passado, referindo-se ao exercício de 1993, apenas ela, havia recebido "45,2% do total de incentivos fiscais e financeiros concedidos pela União; 53,6% de todo o gasto público do Governo e das empresas estatais, e de 41% de todos os empréstimos feitos pelo sistema bancário oficial", segundo informações do Ministério da Fazenda, da Receita Federal e do Banco Central à Comissão Especial do Congresso Nacional para o Estudo dos Desequilíbrios Econômicos Interregionais.

O Relatório dessa Comissão, que se aprofundou durante quase um ano no estudo das desigualdades de desenvolvimento regional e da qualidade de vida da população nas duas últimas décadas, revelou existir não apenas um desequilíbrio entre as Regiões, mas sim um abismo de desigualdade. O País empobreceu um pouco, parando de crescer, mas a concentração de renda e de capital entre os brasileiros disparou, deixando os pobres ainda mais pobres e desesperados.

Ao contrário do que sempre se propalava, que as Regiões mais pobres sempre foram as mais beneficiadas com os incentivos fiscais e financeiros, o Nordeste, que abriga quase 30% da população brasileira, onde mais da metade é classificada como indigente, recebeu 5 vezes menos incentivos fiscais e financeiros do que o rico Sudeste.

Os estudos da Comissão revelaram que os maiores beneficiários da renúncia fiscal do Governo têm sido os grandes grupos privados do Sudeste, com suas subsidiárias na Zona Franca de Manaus, que tiveram acesso a 2/3 ou 66% de todos os incentivos fiscais e financeiros concedidos pela União.

Enquanto as Regiões Sudeste e Norte ficaram com 83,6% desses incentivos, o Nordeste recebeu apenas 9,4%, portanto não tem clamado sem razão quem protesta contra o enfraquecimento da SUDENE nos últimos anos.

Ainda foi constatado, com base nos dados oficiais, reunidos pela Comissão, que, no período de 1970 a 1985, o Sudeste absorveu, em média, 62% de todos os gastos públicos federais.

Não se quer aqui contestar, injustamente, os méritos das diversas Regiões do País que contribuem com o seu trabalho, os investimentos, o esforço de suas populações e com suas riquezas naturais para a formação da riqueza nacional, na composição de nosso Produto Interno Bruto.

O que pretendo, Sr. Presidente, é estimular uma melhor reflexão sobre a justiça da proporcionalidade, quanto aos privilégios e carências regionais.

Segundo os dados disponíveis, analisados pela citada Comissão do Congresso, e esta realidade não mudou muito, o Sudeste com 44,8% da população, produzindo 58,1% do PIB, concentrou 53,6% da despesa pública, enquanto o Nordeste, abrigando quase 30% da população brasileira, e produzindo 13,6% do PIB, recebeu, apenas, 8,5% das despesas federais.

O Sul, com metade da população do Nordeste, e um PIB a ela superior em apenas 4%, absorveu no gasto do Governo e das empresas estatais um total de 7,8%, praticamente o mesmo valor da Região Nordestina.

Pode-se identificar, até no âmbito da Federação, os efeitos perniciosos deste nosso modelo econômico, concentrador de renda, que, na sua lógica, também privilegia as Regiões mais ricas.

No Nordeste, onde a renda per capita é metade da nacional, que por sua vez é uma das mais baixas do mundo, a concentração de renda é uma das mais perversas do País, devido à extrema pobreza das populações interioranas, principalmente do semi-árido, estimulando o êxodo rural, o inchamento das cidades e o agravamento de problemas sociais que exigem soluções de emergência por parte dos Governos Estaduais e Municipais.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o que pretendo, com o meu pronunciamento, não é reclamar do progresso e da fortuna das regiões mais ricas e desenvolvidas de nosso País, mas sim convidar à reflexão as autoridades, as lideranças políticas e a todas as pessoas que têm algum poder de influência, nos meios de informação, na política e na administração pública, no sentido de contribuir para melhor analisar as contradições desse nosso modelo de desenvolvimento econômico, visando uma completa reformulação de sua lógica e diretrizes, para que possamos salvar o País de um caos social, tamanho o abismo que se agiganta entre o topo e a base da pirâmide, bem como entre as sua diversas Regiões.

O atual Governo tem-se empenhado em solucionar os nosso problemas mais urgentes, como, por exemplo, a estabilização da moeda, peça fundamental para o funcionamento da economia, mas a um custo social muito elevado, devido à política de juros altos e à redução do fluxo monetário para conter o consumo, e isto tem se refletido até no próprio sistema financeiro, quanto mais a nível individual, familiar e das pequenas empresas.

O que estamos sentindo em algumas áreas é o agravamento dos problemas pelo fortalecimento das tendências desse modelo perverso de desenvolvimento, devido às diretrizes e orientações emanadas pelos teóricos de plantão da área econômica, que no planejamento e na execução têm privilegiado muito mais os grandes capitais, os grandes conglomerados empresariais do que as pequenas empresas, responsáveis pela maior parte da produção e da oferta de empregos no País.

É por esta razão, Sr. Presidente, que o homem público experiente, conhecedor das dificuldades por que passa a população do seu Estado, de sua região, tendo conhecimento das distorções e disparidades causadas por este injusto modelo, a extrema complexidade dos Governos dos Estados e Municípios em administrar a solução das carências e dos problemas sociais, se rebela contra os atos e fatos que atingem diretamente a sua região, piorando ainda mais os graves problemas já existentes.

Assim, Sr. Presidente, concluo o meu pronunciamento, reiterando a minha irrestrita solidariedade ao eminente Senador Antonio Carlos Magalhães, ilustre representante da Bahia, pela iniciativa que tomou em defesa dos correntistas e poupadores, no caso do Banco Econômico, uma postura já habitual de defesa que sempre tem tomado em favor não apenas do seu Estado, mas especialmente do Nordeste, cuja população tem sido a maior vítima deste fenômeno da economia brasileira, que é a absurda concentração de renda, terras e riqueza na mão de poucos.

Para o Brasil ser mais rico não precisa, necessariamente, tornar sua população mais pobre.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 30/08/1995 - Página 14807