Discurso no Senado Federal

REGISTRANDO A IMPORTANCIA DAS HIDROVIAS E A NAVEGAÇÃO INTERIOR.

Autor
Bernardo Cabral (PP - Partido Progressista/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE TRANSPORTES.:
  • REGISTRANDO A IMPORTANCIA DAS HIDROVIAS E A NAVEGAÇÃO INTERIOR.
Aparteantes
Geraldo Melo, José Roberto Arruda, Osmar Dias, Pedro Simon, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DCN2 de 30/08/1995 - Página 14800
Assunto
Outros > POLITICA DE TRANSPORTES.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, ESTABELECIMENTO, NORMAS, PLANEJAMENTO, IMPLANTAÇÃO, OPERAÇÃO, MANUTENÇÃO, SISTEMA, HIDROVIA, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, BRASIL.

O SR. BERNARDO CABRAL (PP-AM. Como Líder. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na sessão de 1º de junho de 1995, em que o Senado Federal homenageou o Poder Judiciário, eu dizia, ao iniciar o meu discurso, que era do Norte e lembrava que, tendo ali nascido, no meu Amazonas, aprendi que os rios, que são muito pequenos no começo, vão aumentando o seu caudal à medida que se aproximam da foz, tornando-se, com o seu crescimento, estradas do desenvolvimento e da própria vida.

Volto à tribuna hoje, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, para registrar a minha preocupação e dar a minha modesta contribuição na questão das hidrovias brasileiras e, no que muito nos toca, das hidrovias da Região Amazônica, bem como a navegação interior.

Da imensa malha fluvial que drena o território brasileiro, cerca de 40 mil Km de rios são constituídos por hidrovias fisicamente aproveitáveis. São rios que inicialmente serviram como estradas para que os primeiros colonizadores, com suas pequenas embarcações, sem a linha do Tratado de Tordesilhas, alargassem as fronteiras, incorporando vastas regiões ao nosso território.

Mas, se de um lado o Brasil é um país privilegiado por sua imensa malha fluvial, de outro, somente 10% das áreas onde se deu o desenvolvimento estão próximas à calha dos grandes rios. O crescimento ocorreu basicamente na região litorânea, que, com a sua topografia acidentada, torna os rios inadequados para a navegação em corrente livre, ou seja, em suas condições naturais, obrigando o dispêndio de pesados investimentos para sua correção.

Em sua maior parte, os rios navegáveis correm em áreas localizadas nos chamados "grandes vazios", regiões até há pouco sem atrativos para investimentos que lhes proporcionassem ingressar no mercado como centros de produção. Assim, a navegação interior, própria para o transporte de grandes volumes de carga, ficou relegada a um segundo plano, dependendo de incentivos que permitissem a sua continuidade. À exceção da Amazônia, onde em verdadeiras imensidões são praticamente a única forma de transporte para passageiros e cargas; do rio São Francisco, com as suas folclóricas gaiolas, e da Região Sul, graças à existência da Lagoa dos Patos, associada a fatores culturais trazidos por imigrantes europeus, o termo hidrovia caiu em desuso.

Hoje, o processo de interiorização, impulsionado pela expansão das fronteiras agrícola e mineral, acabou por chegar à área de influência de grande parte de nossos rios. Através deles são escoados, principalmente, grãos, minérios, madeira, derivados de petróleo e materiais de construção. Como retorno, levam às regiões produtoras insumos e equipamentos, num volume total de carga que já supera os 12 milhões de toneladas anuais (0,48% da carga transportada por hidrovias em todo o mundo).

Imensas áreas há pouco desabitadas vão sendo cobertas por lavoura de grãos, por grandes fazendas de criatório, por canteiros para a exploração mineral. Nas maiores hidrovias o tráfego começa a se adensar. Na Amazônia, carretas com até 45 toneladas de cargas são embarcadas nas chata pelo chamado sistema "roll-on roll-off", indo e vindo pelo Rio Madeira, entre Porto Velho e Manaus ou, ainda, entre Manaus e Belém pelo Rio Amazonas, integrando-se dessa forma à malha viária terrestre para compor o transporte de porta a porta.

Diversos portos localizados ao longo dos rios são reaparelhados para escoar a produção de novos pólos agrícolas, e a construção de obras de infra-estrutura, de norte a sul do País promove a formação de grandes estirões navegáveis, como abrindo novos horizontes para a nossa navegação interior.

As atividades relacionadas com a implantação, supervisão, coordenação e controle da navegação interior são de atribuição do Ministério dos Transportes. Dessas as referentes à implantação e operação da infra-estrutura hidroviária necessária ao desenvolvimento da navegação interior, incluindo portos fluviais, eram da competência da Portobrás - Empresa de Portos do Brasil S/A, sendo atualmente do Departamento de Portos e Hidrovias do Ministério dos Transportes.

A malha fluvial brasileira, com cerca de 40 mil km de rios potencialmente aproveitáveis para navegação, distribui-se em nove grandes bacias hidrográficas, conforme a seguinte distribuição.

E aqui paro para fazer um parêntese, Sr. Presidente, para demonstrar o que foi a tenacidade do Dr. Arnaldo Augusto Setti, meu assessor técnico na Liderança do Partido Progressista, que fez um levantamento primoroso e que o situa entre os maiores especialistas em matéria de hidrovia do Brasil e fora do nosso País.

O quadro, Sr. Presidente, mostra as bacias Amazônica, Nordeste, Tocantins-Araguaia, São Francisco, Leste, Paraná, Paraguai, e Sudeste, Uruguai; quadro esse que vou passar à Taquigrafia, sem a necessária leitura, para que não haja um senão sequer.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. BERNARDO CABRAL EM SEU PRONUNCIAMENTO:

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Gostaria, Sr. Presidente, Srs. Senadores, de tecer algumas considerações sobre a situação das hidrovias e da navegação interior, para melhor colocar a questão nacional em relação a esta temática. Tomemos como primeiro título "Navegação Interior no Mundo". E chamo a atenção dos Srs. Senadores para o fato que de um todo de 450 mil quilômetros de vias navegáveis interiores existentes no mundo, são, efetivamente, utilizados cerca de 190 mil quilômetros, nos quais são transportados, anualmente, dois bilhões e 200 milhões de toneladas de cargas, principalmente carvão, petróleo, combustíveis, líquidos, fertilizantes, ferro, aço e materiais de construção. Desse total, cerca de 57% são movimentados pelos Estados Unidos da América, 25% pela ex-União Soviética, 10% pelos países da Europa Ocidental e 8% restantes transportados pelos demais países que se utilizam de hidrovias.

Observem, Srªs e Srs. Senadores, a disparidade brutal que há entre o que se movimenta só nos Estados Unidos 57% e os 8% restantes que cabem aos demais países que se utilizam das hidrovias.

Os maiores índices de aproveitamento de hidrovias (percentualmente, no uso da rede potencial) encontram-se na Europa e nos Estados Unidos. A ex-União Soviética utiliza 31% de seu potencial e os países da Ásia apenas cerca de 8%.

      A REDE EUROPÉIA.

A malha de hidrovias que se estende pela Europa Ocidental tem sua maior extensão concentrada nas vastas regiões de topografia plana ou levemente ondulada, que recobre a Holanda, a Bélgica, o Norte e o Noroeste da França, o Norte, Noroeste e Oeste da Alemanha Federal e o Norte da Alemanha Democrática.

Dessa malha de 26.500km de extensão, e por onde anualmente são transportadas cerca de, no mínimo, 370 milhões de toneladas de carga, mais de 10 mil quilômetros são formados por canais artificiais e o restante por rios e lagos, ligando os principais centros de produção e consumo e portos oceânicos como Rotterdam, Amsterdam, Hamburgo e Antuérpia. Pela topografia suave da região, o sistema hidroviário, dotado de barragens e pequenas quedas, está quase totalmente canalizado por meio de sucessivos lagos represados. No rio Main, que no futuro integrará o Reno ao Danúbio, 41 eclusas vencem um desnível de cerca de 300 metros, ao longo de 450km, enquanto outras 27 eclusas estão instaladas nos quase 300km que formam o trecho médio do Reno.

Com o término da ligação Reno-Main-Danúbio, feita em 1994, ficou formada uma hidrovia que liga o Mar do Norte ao Mar Negro, atravessando, em seus 3.500km, uma das mais ricas e produtivas regiões da Europa Ocidental.

Agora, Sr. Presidente, faça-se uma observação à rede na região da ex-União Soviética. Devo dizer a V. Exª que visitei a União Soviética por duas vezes, uma com o ex-Senador Pompeu de Sousa, que àquela altura era o Presidente da Associação Brasileira de Imprensa em exercício, e eu era o Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil. Nessa ocasião pude comprovar a topografia razoavelmente plana, o que proporciona grandes extensões, naturalmente navegáveis, para as hidrovias formadas pelos rios Volga, Kama, Don (ligado ao Rio Volga pelo canal Volga-Don), Neva (que é o rio que banha a frente da Cidade de Leningrado), Svir e Dnieper. Essas grandes hidrovias ligam-se a 5 mares interiores: Negro, Cáspio, Asov, Báltico e Branco (navegados também por embarcações fluviomarítimas), e mais os lagos Oneg e Ladoga, além de inúmeros canais, ligando principalmente os lagos aos mares interiores.

Na região asiática do território ex-soviético, as principais hidrovias são as formadas pelos Rios Jenissei, Irtysh, Ohi e Âncora.

Transportando anualmente cerca de 550 milhões de toneladas de carga nos seus 45 mil km de curso aproveitados, o sistema hidroviário soviético possui, em sua infra-estrutura, mais de 100 eclusas, além de 10 mil canais artificiais.

Agora, Sr. Presidente, faça-se um paralelo com a rede americana.

O sistema hidroviário americano formado por 40 mil km de hidrovias é responsável por transporte anual - e chamo a atenção de V. Exª para o fato de como desprezamos o nosso sistema hidroviário - só ali, naquela rede americana, de mais de 1 bilhão e 250 milhões de toneladas de carga. Está subdivido, segundo a locação geográfica de seus cursos, da seguinte forma: hidrovias da Costa Atlântica, hidrovias costeiras do Golfo do México, sistema do Rio Mississipi e Antilhas, dos Grandes Lagos e do canal marítimo do São Lourenço, além de outras pequenas hidrovias da Costa do Pacífico, Alasca e Havaí.

Sua mais importante malha hidroviária está localizada na região Centro-Oeste do território americano e é formada pela Bacia do Mississipi, onde correm rios como Ohio, Tennessee e Ilinois.

Naquela malha opera ainda um canal ligando o Rio Tennessee ao Rio Tombigbee, conhecido por "Tenn-Tom". Visando encurtar a distância para o Golfo do México em 500km - e vejam a preocupação aí da inteligência na produção norte-americana -, só para escoar, principalmente, a produção das reservas carboníferas do Estado de Ohio, numa estimativa inicial da ordem de dezoito milhões de toneladas anuais de carvão, é que eles encurtaram essa distância para o Golfo do México em 500km.

E o sistema Mississipi-Ohio constitui-se na hidrovia de tráfego mais intenso do mundo, sendo que, no Baixo Mississipi, trafegam comboios de até sessenta mil toneladas de carga.

      GESTÃO DA NAVEGAÇÃO INTERIOR.

Nos Estados Unidos prevalece a filosofia de usos múltiplos, contemplando não só a navegação, como o controle de cheias, geração de energia elétrica, irrigação e lazer. Do ponto de vista institucional, cada entidade define suas prioridades, recursos e estruturação adequados, após entendimentos prévios, fazendo com que nenhum aspecto setorial prevaleça autocraticamente sobre os demais. Todos os empreendimentos relativos aos usos comuns estão sob a responsabilidade de comitês de bacia, viabilizando-se assim a gestão conjunta.

Nos países da Europa a normatização, planejamento, implantação, operação e manutenção da navegação interior são exercidas, em geral, por um organismo federal, havendo casos em que a administração é compartilhada também com a iniciativa privada. Há países como a Holanda, por exemplo, onde convivem hidrovias geridas pelo Estado, outras por organismos especialmente instituídos para esse fim e hidrovias administradas pelas comunidades locais.

Na ex-União Soviética, a gestão das hidrovias era feita pelo Estado, dentro de um sistema gerencial de uso múltiplo. Os planos de transporte eram estabelecidos em planos qüinqüenais, em que se define a participação de cada modo de transporte.

O Sr. Osmar Dias - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Com muita honra. V. Exª completa a lacuna de cada discurso que se possa pronunciar neste plenário.

O Sr. Osmar Dias - Quero associar-me a V. Exª, lamentando também que um tema de tamanha importância não encontre eco nos debates nesta Casa. Entendo que é a questão da redução dos custos nos transportes que viabiliza um país. Sabemos por que os Estados Unidos não encontram concorrente nas exportações, por exemplo, dos produtos agrícolas, dos grãos, para outros países. Porque os Estados Unidos optou pelo transporte intermodal, reunindo as hidrovias, as ferrovias e as rodovias, mas com competência, utilizando-se dos recursos naturais, espalhando hidrovias nas regiões produtoras e, desta forma, permitindo o escoamento da produção e a exportação a um custo reduzido, no que se refere ao transporte. Perdemos muito em transporte para os nossos parceiros do Mercosul. Por exemplo, as distâncias que separam as regiões produtoras da Argentina do seu porto são, em média, 250 quilômetros, enquanto as distâncias médias do Brasil chegam a 850 quilômetros. Isso significa que uma tonelada de comida, de grão, na Argentina, custa US$14 para ser carregada até o porto. No Brasil, em função do nosso sistema de transporte e das distâncias que separam as regiões produtoras dos portos, esse custo chega a ser duas ou duas vezes e meia superior ao custo contabilizado pela Argentina. Assim, não dá para concorrer. Entendo bem o significado do pronunciamento de V. Exª porque sei da importância que tem para a viabilização não apenas do setor agrícola, mas do setor industrial em especial, que arca ainda com um alto custo de transporte para competir no mercado mundial. Parabéns a V. Exª.

O SR. BERNARDO CABRAL -  Agradeço a V. Exª, eminente Senador Osmar Dias. Devo dizer-lhe que um dos pontos que ia abordar mais adiante é o que hoje se convencionou chamar na Amazônia.

A estrada natural naquela região é o rio; é o rio que comanda a vida. No entanto, há sempre alguém que prefere gastar milhões e bilhões em uma rodovia - e posso citar a Transamazônica - quando agora estamos tentando transportar de Cuiabá para Porto Velho e, depois, pela calha do Madeira até o município de Itacoatiara, no Amazonas, a nossa soja, saindo para o Atlântico, pela metade do preço.

Por que as pessoas fazem ouvido de mercador? Porque quando o Brasil lançar esse produto no exterior pela metade do preço, os grandes mercados internacionais começarão a sofrer o prejuízo. E, a partir daí, começa a sabotagem.

De modo que agradeço a V. Exª pela sua intervenção, plenamente coerente com a linearidade do meu discurso.

O Sr. Romeu Tuma -  V. Exª me permite um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Com muita honra, Senador Romeu Tuma.

O Sr. Romeu Tuma - Desculpe-me por interrompê-lo, Senador Bernando Cabral. Mas V. Exª traz à baila um assunto apaixonante, para não dizer que economicamente de grande valor, principalmente para o Brasil que possui várias bacias hidrográficas, dentre elas a hidrovia Tietê-Paraná. Em visita recente a uma usina de açúcar e de álcool, o Senador Osmar Dias, com os seus conhecimentos na área agrícola, observou que há uma redução no custo do transporte da cana em praticamente 50%, pelo uso do transporte modal. O uso desse transporte permite que se vá buscar a mercadoria a uma distância bem maior do que seria possível com o transporte rodoviário. A usina utiliza-se do transporte rodoviário, do ferroviário e da hidrovia, tendo inclusive desenvolvido a tecnologia de construção das barcaças no próprio local. Verifique V. Exª como o assunto é importante dada a quantidade de oportunidades que podem surgir com o uso da hidrovia. V. Exª referiu-se à Europa. Fiz um trabalho com a polícia alemã no Rio Reno; lá, há uma patrulha que percorre permanentemente aquele rio. As barcaças de transporte, de várias toneladas, parecem um comboio de trem pelo número e tamanho de cada uma delas. Elas fazem um transporte internacional, ou seja, da Alemanha para a Holanda e para outros países que se servem do mesmo leito de rio. Quero cumprimentar V. Exª e, em nome dos brasileiros, agradecê-lo pela oportunidade do seu discurso, na esperança de que os investimentos venham com rapidez. Lembraria até a ponte de Santa Fé, onde uma hidrovia unirá São Paulo ao Mato Grosso. Esta ponte está paralisada por falta de investimentos, principalmente do Governo Federal.

O SR. BERNARDO CABRAL - Senador Romeu Tuma, V. Exª aborda parte do que, ao final, vou fazer chegar às mãos da Presidência da Casa. É um trabalho de dois volumes, denso, elaborado, ao longo de seis meses ininterruptos, pela Assessoria da Liderança do Partido Progressista, chefiada pelo Dr. Setti, que ainda há pouco eu dizia ser, na minha consideração, hoje, um dos maiores especialistas na matéria tanto no Brasil quanto no exterior. Tenho a certeza de que a Presidência do Senado mandará publicar esse alentado trabalho para que todos tenham conhecimento do que há em relação às hidrovias, em relação ao desenvolvimento sustentável do nosso País.

O Sr. Pedro Simon - V. Exª me permite um aparte, nobre Senador Bernardo Cabral?

O SR. BERNARDO CABRAL - Pois não, nobre Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon - Felicito V. Exª pela importância do pronunciamento.

O SR. BERNARDO CABRAL - Obrigado a V. Exª.

O Sr. Pedro Simon - É doloroso falar no nosso Rio Grande do Sul. Há 50 anos, o grande meio de transporte naquela região era o hidroviário. V. Exª conhece Porto Alegre e sabe que ali há uma série de rios, todos praticamente navegáveis. Íamos de minha terra, Caxias do Sul, por água até Porto Alegre. Relegou-se esse tipo de transporte a um plano terciário; sobreveio, então, o seu desaparecimento. E nós fizemos a loucura - a que se referiu o Senador Osmar Dias - de fazermos a maior parte do nosso transporte por rodovias. Trinta por cento do que se produz no Brasil se perde nessa anarquia, desde a colheita até o transporte. A realidade que estamos vivendo é essa. V. Exª falou muito bem sobre a Transamazônica. É uma piada falar na Transamazônica, que poderia até ser construída, desde que, primeiro, tratássemos do problema da rodovia. E os rios navegáveis do Brasil? Por onde se anda, verifica-se que há muitos rios. É uma realidade. De repente, o ex-Presidente JK deu impulso à indústria automobilística. Nada contra. A solução, para nós, seria o transporte rodoviário, era tudo para o transporte rodoviário. E o que temos hoje? Nada de rodovia, nada de transporte fluvial, nossas ferrovias são um fracasso total, estão numa decadência total e as nossas rodovias também. Pelo menos se pudéssemos dizer: optamos por rodovias, e não há nada melhor do que as rodovias do Brasil. Tudo bem. Mas, não. Como não podia deixar de ser, as nossas rodovias, pelo volume de cargas transportado, não agüentam por muito tempo. Portanto, o pronunciamento de V. Exª é de uma importância fundamental, no momento em que estamos debatendo essa questão. Não se fala tanto em privatização? Está aí talvez um setor que possa até ser privatizado. Por que não olhar para o transporte fluvial e pesquisar se pode ou não haver interessados na sua privatização? A verdade, a dolorosa realidade, é esta: nunca - e V. Exª disse-o muito bem - vamos ter condições de competir em preços porque utilizamos massivamente o transporte rodoviário, que tem um frente muito caro. Não temos condições de competir e não é só com os Estados Unidos, não temos condições de competir com ninguém. Ao mesmo tempo em que temos que aumentar a produção - que hoje é de setenta milhões, uma ninharia, temos de duplicar, triplicar -, não se pode falar em competição real se não houver um transporte barato. E o nosso tipo de transporte é o mais cruel, o mais ridículo que podemos imaginar. Meus cumprimentos pela importância e pelo significado de mais esse pronunciamento de V. Exª.

O SR. PRESIDENTE (Levy Dias) - Senador Bernardo Cabral, o tempo de V. Exª está esgotado.

O SR. BERNARDO CABRAL - Sr. Presidente, vou pedir permissão a V. Exª para responder pelo menos o aparte do Senador Pedro Simon e, as últimas quatro folhas do meu discurso, gostaria que V. Exª as considerasse como lidas, para não invadir o tempo do outro orador.

O SR. PRESIDENTE (Levy Dias) - Está concedido um tempo adicional a V. Exª.

O SR. BERNARDO CABRAL - Muito obrigado.

Senador Pedro Simon, veja V. Exª o que é cruel, para usar o termo que V. Exª acaba de registrar: o frete rodoviário é o mais caro do mundo; depois vem o ferroviário, e, por último, o mais barato, o menos custoso, o frete marítimo, porque neste a estrada é natural, não precisa ser construída nem conservada. E, no entanto, relega-se isso talvez porque não seja uma fonte de corrupção no sentido do quanto as pessoas podem enricar na construção de estradas que daí a pouco estão esburacadas ou na construção de ferrovias - como V. Exª citou -, que estão abandonadas. O fato é que não se encara com a devida seriedade um assunto dessa natureza, desse porte, que, sobretudo, economiza divisas dentro e fora do País, reduzindo, inclusive, os custos de alimentação, como bem salientou o Senador Osmar Dias.

O Sr. Geraldo Melo - Permita-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Geraldo Melo - Senador Bernardo Cabral, gostaria apenas de cumprimentá-lo pela sua importante contribuição ao debate sobre o problema do transporte no Brasil. É uma das coisas que temos dito seguidamente às pessoas que se preocupam com essa matéria. Na Região Amazônica, onde a natureza construiu uma rede viária, alguma parte dessa rede que não pode ser utilizada é tomada como inexistente, mas a imensa malha que já existe apenas necessita de acessos à infra-estrutura de apoio e à grande frota que surgiria se alguém desse prioridade à construção de hidrovias neste País. A ocupação e a penetração da Amazônia constituirão um desafio quase intransponível se quisermos, ao mesmo tempo, afirmar nossa soberania naquela região e preservar o meio ambiente, como é o nosso dever e o desejo dos brasileiros. Senador Bernardo Cabral, acredito que V. Exª agita, com o seu discurso, com a competência que o caracteriza e com a seriedade e prudência com que coloca a questão, um dos problemas de maior importância para a construção do futuro deste País. Da mesma maneira como não se compreende - tantas vezes o nosso Colega Senador Beni Veras tem-se manifestado sobre esse assunto - que, entre o Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre, não se tenha construído ainda uma ferrovia moderna e eficiente, que atenderia a mais de 50% da economia nacional que trafega naquele trecho. Não se compreende que com o sistema viário feito na Amazônia, o Brasil não tenha descoberto que ali seria mais barato utilizar o que a natureza já fez do que construir estradas que ninguém consegue manter, estradas que precisam ser pavimentadas, asfaltadas, conservadas e que, atualmente, não levam a lugar algum. Meus parabéns a V. Exª, que está dando uma importante contribuição ao nosso País.

O SR. BERNARDO CABRAL - Senador Geraldo Melo, V. Exª, que foi Governador de Estado, assim como o Senador Pedro Simon, traz a experiência daqueles que cuidam de dar ao seu torrão natal - ou, pelo menos, àquele Estado que lhe deu um mandato de Governador para gerir os seus recursos - uma prova da proficiência que deve nortear a conduta do homem público. Eu agradeço a V. Exª o aparte.

Vou concluir, Sr. Presidente, lembrando, para tomar o mote proferido pelo Senador Geraldo Melo, que, realmente, a prioridade máxima deve ser reativar o transporte hidroviário na Amazônia. Em função de sua extensão territorial, é na Amazônia que se precisa de transporte eficiente e barato. Nessas condições, o setor hidroviário desempenhará papel relevante.

E aqui faço questão de embutir este parágrafo, que deve marcar a sessão de hoje do Senado. É uma grande falácia dizer que nossos rios navegáveis estão localizados na região errada, pois nossos rios estão no local correto. É na Amazônia, onde as grandes distâncias exigem menores custos de transporte, onde nossos melhores rios se encontram.

O Sr. José Roberto Arruda - Senador, antes de V. Exª encerrar, gostaria de merecer um aparte.

O SR. BERNARDO CABRAL - Com a anuência do eminente Presidente...

O SR. PRESIDENTE (Levy Dias) - Senador José Roberto Arruda, o tempo do Senador Bernardo Cabral, com a aquiescência da Mesa, já foi ultrapassado em treze minutos. Mas V. Exª faz o aparte rapidamente. Tenho certeza de que V. Exª vai enriquecer o pronunciamento do Senador Bernardo Cabral.

O SR. BERNARDO CABRAL - Não só enriquecer, se V. Exª me permite, mas teremos também a prova democrática da Presidência ao permitir o aparte.

O Sr. José Roberto Arruda - Muito obrigado, Sr. Presidente, muito obrigado, Senador Bernardo Cabral. Gostaria apenas de acrescentar que um dos trabalhos mais interessantes sobre geopolítica de Vianna Moog, falecido recentemente, traçava exatamente o paralelo entre os rios brasileiros, os rios da América do Sul e os rios da América do Norte, para traçar também um paralelo entre os modelos de desenvolvimento do hemisfério sul e do hemisfério norte. E ele falava exatamente dos rios da Amazônia. É claro que a baixa densidade demográfica na região norte do País ainda não levou os estudiosos a verem que a estrada mais barata é aquela que já existe, que são as vias fluviais. A construção de eclusas e as retificações necessárias para o uso econômico das hidrovias brasileiras devem ser a prioridade do nosso sistema nacional de transportes, seguidas de uma segunda, que é exatamente a ferrovia, porque embora mereça um investimento inicial mais alto, ela é perene e tem um custo de manutenção muito mais baixo se comparado ao que tem sido, erroneamente, a prioridade nacional, que são as rodovias. Parabenizo V. Exª pelo oportuno pronunciamento.

O SR. BERNARDO CABRAL - Eu me parabenizo por ter ouvido V. Exª, engenheiro que é e conhecedor da matéria.

Sr. Presidente, Deus me deu, além da graça de ter nascido no Amazonas, a visão de que nenhum homem público pode ser egoísta. O eminente Senador José Roberto Arruda falou em Vianna Moog. Ao cabo e ao fim do meu discurso, cabe dizer que Vianna Moog tinha uma frase precisa que serve para tudo na vida. Ele dizia, nessa obra sobre os rios da Amazônia, que "os rios sempre conseguiam atingir os seus objetivos, porque sabiam contornar os obstáculos que vinham surgindo a sua frente".

Neste momento, tenho obstáculos de falar perante V. Exª. Estou contornando todos eles, esperando que me tenha saído com engenho e arte, para dizer, portanto, Sr. Presidente, que aqui se encontra o trabalho sobre "O Papel das Hidrovias no Desenvolvimento Sustentável da Região Amazônica.

Conforme ressaltei a V. Exªs, foi um trabalho que a Assessoria Técnica, chefiada pelo meu prezado amigo de longa data e mestre na matéria, Arnaldo Augusto Setti, desenvolveu, um trabalho de seis meses, documentado em dez capítulos e três anexos, com farta ilustração de páginas e quadros e mais de quinhentas páginas.

Creio que ao fazer chegar a V. Exª este trabalho, solicitando que determine à Gráfica do Senado Federal seja impresso, para que todos os Srs. Senadores tenham um exemplar, estou colaborando com Parlamentares, estudiosos, professores, pesquisadores, consultores e autoridades. E quando digo que estou contribuindo é porque sou apenas o veículo dessa Assessoria para um trabalho dessa natureza.

Sr. Presidente, retomando a leitura, a experiência internacional quanto aos aspectos de gestão tem demonstrado que a solução mais adequada é a de se adotar, como unidade básica de gestão, a bacia hidrográfica. A Inglaterra, por exemplo, adota desde 1973 um único órgão de gestão que é denominado "Autoridades Regionais da Água", e a política definida pelo "Conselho Nacional da Água".Nos Estados Unidos, as vias navegáveis que são geridas pelo "corpo de engenheiros dos Estados Unidos", que é supervisionado pelo "Conselho de Recursos Hìdricos", e coordenado e planejado pelas "Comissões de Bacias Hidrográficas".

A legislação relativa as águas, nos países citados, demonstra a existência de aspectos comuns na experiência desses países, onde o controle a utilização da águas são efetivados dentro de uma perspectiva de gestão global dos recursos hídricos. A França, por exemplo, criou o "Código da Navegação Fluvial" que inclui os conceitos e definições básicas aplicáveis à navegação interior, uso múltiplo das águas e o uso prioritário da navegação, áreas de domínio, administração, embarcações, operações de terminais, trabalho e segurança do sistema fluvial. Esses países possuem uma legislação específica para o setor hidroviário, totalmente desvinculada da legislação pertinente à navegação marítima.

Em relação à segurança da navegação, a experiência internacional tem demonstrado a importância de efetuar investimentos em sistemas de rádio-comunicação e radar nas embarcações, além dos outros sistemas convencionais amplamente difundidos.

O desenvolvimento do setor depende, em grande parte, da existência de uma mentalidade hidroviária.

Nos países onde o modo hidroviário assume papel relevante no transporte de cargas, os fretes se mostram compatíveis, devido a diversos fatores, entre eles o que se denomina "bolsa de frete", procurando tornar o modal mais competitivo. Por outro lado, procuram-se soluções mais adequadas a cada região, simplificando-se as operações e baixando-se os custos, com soluções, como por exemplo, de a própria família atuar como tripulação da embarcação.

LIÇÕES A SEREM APRENDIDAS:

- Todos os países desenvolvidos priorizaram a Navegação Interior como instrumento fundamental do seu processo de desenvolvimento.

- A importância da Navegação Interior é de tal magnitude que países de diferentes orientações participam em forma de congestão da utilização deste meio que a natureza ofereceu (Europa e Ex-União Soviética).

- Todos os países que desenvolveram a navegação interior estabeleceram uma estrutura normatizadora e de planejamento em seu organograma administrativo, com alto nível de profissionalização, pois são programas e projetos de longo tempo de maturação.

Sr.Presidente, Srªs e Srs. Senadores:

Tomei conhecimento que o Eminente Ministro dos Transportes, Odacir Klein, está reestruturando a organização funcional do Ministério dos Transportes, em conjunto com a dos demais Ministérios, motivo da Reforma Administrativa em curso, promovida pela MARE - Ministério da Administração e Reforma do Estado.

A reformulação afeta ao Ministério dos Transportes prevê três novas Secretarias, destacando-se: a Secretaria de Transportes Terrestres - incluindo aí os Departamentos de Transporte Rodoviário-DTR e o Ferroviário-DTF - e a Secretaria de Transportes Aquaviários - com o Departamento de Marinha Mercante, o Departamento de Portos e o Departamento de Hidrovias.

Ressalta-se que, pela primeira vez, o Setor de Hidrovias será tratado como um modo de transportes desatrelado de qualquer outro setor.

A proposta para conduzir o Departamento de Hidrovias será o fortalecimento do setor como um segmento da Engenharia de Transporte, com o maior enfoque a para a prestação dos serviços hidroviários.

Assim, será dada a máxima prioridade à prestação dos serviços, ao invés da engenharia de construção da infra-estrutura da hidrovia. Isto quer dizer que os pressupostos básicos do serviço de transportes serão buscados com a máxima eficiência, quais sejam: segurança, confiabilidade, rapidez e pontualidade.

Também, será meta primordial o melhoramento e reativação dos segmentos hidroviários já disponíveis.O País conta como disse com 40.000km de rios navegáveis sendo que, destes, cerca de 20.000 localizam-se na Região Amazônica.

Assim, é prioridade máxima reativar o transporte hidroviário na Amazônia. Em função de sua extensão territorial, é na Amazônia que se precisa de transporte eficiente e barato. E nessas condições o setor hidroviário desempenhará papel relevante.

É uma grande falácia dizer que nossos rios navegáveis estão localizados na região errada. Pois nossos rios estão no local correto! É na Amazônia onde as grandes distâncias exigem menores custos de transporte, e é lá onde nossos melhores rios se encontram!

O que se precisa é encarar o transporte hidroviário sob o aspecto comercial, possuindo boas "estradas" (hidrovias), tendo veículos potentes e de tecnologia atual (embarcações), além de portos fluviais eficientes. No caso do transporte hidroviário, a cadência de despacho e recebimento de mercadorias devem sobrepujar o predicado da rapidez do veículo. Como exemplo, cita-se o soja e seus derivados que, quando transportados por hidrovia pelo sistema existente no Estado do Rio Grande do Sul, resulta num processo muito mais rápido que pelo modo rodoviário, dadas as condições de volume, capacidade da frota e eficiência na carga e descarga.

O transporte hidroviário é uma atribuição constitucional e o Estado necessita ser eficiente em suas atribuições. Nessas condições, será dado maior enfoque na "desfederalização" dos portos fluviais, através de licitação pública. Às empresas de navegação, prestadoras de serviço público, também serão cobradas: eficiência, bons serviços prestados e a preços justos.

Por isso, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, apoio e louvo a reestruturação do Ministério dos Transportes, conduzida pelo Ministro Odacir Klein, e peço o apoio dos meus Nobres Pares.

5) Finalmente, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores:

Deus me deu, além da graça de ter nascido no Amazonas, a visão de que nenhum homem público pode ser egoísta.

Encomendei à Assessoria Técnica do meu gabinete de Líder do Partido Progressista um trabalho, que orientei fosse o mais exaustivo e abrangente possível com o título "O Papel das Hidrovias no Desenvolvimento Sustentável da Região Amazônica". A Assessoria Técnica trabalhou de março a junho deste ano, tendo produzido um rico e substancioso documento em 10 capítulos e 3 anexos, com cerca de 500 páginas.

Neste instante Senhor Presidente, gostaria de compartilhar este trabalho com as Nobres Senadoras e Senadores, notadamente da Bancada Amazônica, solicitando que a Gráfica do Senado Federal imprima este documento para que todos tenham um exemplar.

Creio que, assim, estarei contribuindo para o nivelamento de informação e para que os debates mais se enriqueçam e possamos melhor colaborar com o desenvolvimento do País, dando acesso a Parlamentares, Estudiosos, Professores, Pesquisadores, Consultores e Autoridades.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 30/08/1995 - Página 14800