Discurso no Senado Federal

QUADRO DRAMATICO DE DESEMPREGO, FACE O FECHAMENTO DE INDUSTRIAS E COMPRESSÃO DA ECONOMIA NACIONAL, GERADO PELA POLITICA RECESSIVA DO GOVERNO.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PP - Partido Progressista/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • QUADRO DRAMATICO DE DESEMPREGO, FACE O FECHAMENTO DE INDUSTRIAS E COMPRESSÃO DA ECONOMIA NACIONAL, GERADO PELA POLITICA RECESSIVA DO GOVERNO.
Aparteantes
Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DCN2 de 31/08/1995 - Página 14836
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, AUMENTO, DESEMPREGO, FECHAMENTO, INDUSTRIA, COMERCIO, REDUÇÃO, ATIVIDADE AGRICOLA, RESULTADO, RECESSÃO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DEMONSTRAÇÃO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, POPULAÇÃO, CLASSE MEDIA, PAIS.
  • LEITURA, ANALISE, GILSON SCHWARTZ, PROFESSOR, ECONOMISTA, RELAÇÃO, PROBLEMA, SALARIO, PAIS.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PP-SE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, para um país acostumado a conviver com um índice de inflação cada vez mais crescente, que reduzia de forma implacável o poder aquisitivo da população e que colocava a nossa moeda entre as mais desacreditadas do mundo, ler, como lemos, na imprensa nacional, que a inflação neste mês de agosto (segundo a FIPE) ficará abaixo de 2%, à primeira vista parece uma grande vitória.

No entanto, Sr. Presidente, tal notícia, não fosse a realidade vivida hoje em dia pelo povo brasileiro, merecia ser comemorada aqui e alhures com foguetório e banda de música.

É que ao lado do número frio e seco da aparente contenção inflacionária existe o quadro dramático e desalentador do desemprego a rondar os lares do nosso País. Existe o fechamento de indústrias, de casas comerciais e de serviços. E na agricultura, nesse processo articulado por uma política recessiva, quem quebrou deixou de produzir, e quem podia produzir parou de fazê-lo para não assumir também o risco de quebrar.

Essa afirmativa é válida para todos os segmentos de nossa economia.

A onda de desemprego que invade todo o Brasil ajuda a compor a imagem negativa de um País quase parado, um País onde já lampejam sinais de um inconformismo latente.

O sacrifício imposto à população por um monetarismo inflexível, desumano, fechado e exagerado já criou, sem dúvida alguma, um ambiente de saturação, visto que para tudo existe um limite e a maioria esmagadora da população não agüenta mais a compressão, o aperto, que foi demais em cima de um povo tão paciente e generoso como é o brasileiro.

O Jornal do Brasil (edição de segunda-feira, 28/08) estampa na primeira página uma notícia assustadora, que reforça as nossas preocupações:

"Indústria deve demitir 90 mil até dezembro."

A situação é tão grave na indústria carioca, por exemplo, que somente no mês passado foram demitidos 11.200 trabalhadores. As fábricas, atingidas pela recessão, reduzem os turnos de produção e a utilização do total da capacidade instalada, aumentando ainda mais as demissões de trabalhadores.

Já a indústria paulista, que tem funcionado em todas as épocas como um instrumento impulsionador da nossa economia - em face da retração do crédito, pelas altas taxas de juros cobradas pelos bancos, que são autorizados a fazer isso pelo Banco Central - desempregou 7.634 trabalhadores.

Na terceira semana de agosto, o nível de emprego na indústria paulista caiu 0,44%, o que corresponde a 10.220 postos de trabalho, que, na prática, deixam de existir.

Enquanto isso é a própria FIESP que afirma: "As demissões nas montadoras criam `efeito cascata´; e vê no aperto ao crédito a raiz do atual desaquecimento industrial" (Folha de S. Paulo, Cad. 2, Finanças, página 7). Índices impressionantes confirmam a incidência de uma situação, digamos, vexatória. "O número de demissões em indústrias metalúrgicas do ABCD nos últimos 25 dias acabou com 83% dos empregos criados no setor desde a implantação do Plano Real, em julho do ano passado".

Essa política temerária, Sr. Presidente, que chega às raias da insensibilidade, pode, durante algum tempo, manter a moeda forte, durante algum tempo domar a inflação, derrubar as importações e aumentar as exportações, a balança cambial pode subir a R$50 bilhões. Mas o equilíbrio monetário não pode ser conquistado exigindo um custo social que não compensa, pois, em última análise, moeda forte e baixa inflação artificial, tal como estão sendo sustentadas no Brasil, só têm gerado quebradeira, desemprego, e um paradeiro geral nas atividades produtivas.

Inclusive o setor habitacional, aquele que move a construção civil e o que mais empregos oferece aos brasileiros, não tem como prosseguir na sua atividade para suprir o monstruoso déficit de mais de 10 milhões de moradias, uma vez que a política projetada para corrigir esse déficit mostra-se bastante tímida, sem um objetivo definido a ser cumprido.

O Sr. Ney Suassuna - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES - Concedo o aparte a V. Exª, nobre Senador Ney Suassuna, que é um estudioso da nossa economia e um empresário que está sofrendo, naturalmente, as conseqüências de uma política como essa, tão fechada e inflexível.

O Sr. Ney Suassuna - O alerta de V. Exª é de uma importância tremenda em uma hora como esta que o Brasil atravessa. V. Exª não está falando somente da falência de toda a iniciativa privada. Infelizmente, todos os Estados estão na mesma situação. Ontem, houve um encontro de todos os secretários dos Estados e ficamos pasmos, porque há dois grandes blocos - um, que está devendo o mobiliário; e outro, que está devendo um conjunto não mobiliário. Pois bem, dentre os que estão devendo o mobiliário, por exemplo, o Rio Grande do Sul não tomou nenhum centavo emprestado, não tem nenhum lançamento novo. Devia, em janeiro deste ano, R$3,3 bilhões. Não tomou nada novo; pagou R$380 milhões; e está devendo R$4,3 bilhões. Isso mostra, Exª, que essa política, com essa taxa de juros, está levando ao sufoco completo todos os Estados. São Paulo deve, hoje, R$43 bilhões, e arrecada R$1,2 bilhão; paga, de juros, R$1,8 bilhões, ou seja, tudo o que São Paulo arrecada vai para o pagamento dos juros e ainda faltam R$600 milhões por mês. V. Exª está fazendo um alerta. É preciso que modifiquemos essa política, a curto prazo, sob pena de quebrarem o Governo Federal, os Governos Estaduais e toda a iniciativa privada também. Muito obrigado.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES - Agradeço o acréscimo substancial que V. Exª deu ao meu discurso.

As concordatas cresceram 520% em relação ao mês de julho do ano passado. A opção pela concordata, como fizeram lojas do porte da Mesbla, Casas Pernambucanas e Casas Centro, está estimulando no seio do empresariado o surgimento de um medo generalizado, porque o calote agora virou moda no Brasil. Pagar em dia é impossível, inclusive porque se perdeu totalmente a confiabilidade nas transações comerciais, com um número impressionante de cheques sem fundos passados em todas as praças do Brasil.

Como um alerta às autoridades, trago ao debate e à reflexão da Casa o artigo escrito por Marceu Vieira (Jornal do Brasil, edição de segunda feira, 28/08, página 2).

Eis alguns trechos que destaco:

      "Existe um tipo de brasileiro que não é rico, nem pobre. Mora de aluguel, aperta-se para pagar escola particular dos filhos, faz das tripas coração para manter a geladeira em ordem e, ultimamente, nem isso está conseguindo..."

      E aí define quem é este cidadão brasileiro:

      "É um brasileiro médio, quase ex-classe média, ícone social de uma parcela do País que, a cada dia, reúne menos gente..."

      "O salário desse brasileiro, que não é bom nem ruim, é o mesmo há um ano. O preço da consulta médica muda, a mensalidade da escola também, o banco lhe cassa o direito ao talão de cheque e ao crédito, e, no meio desse furacão, o salário dele fica ali; não sai do lugar".

      E continua o articulista em sua coluna Coisas da Política:

      "De 1º de julho para cá, diz o IBGE - que produz números para o próprio Governo -: o lanche da garotada subiu 70,82%; a consulta médica foi quase isso: 69, 38%; a habitação, problema comezinho a se julgar pela importância que o oficialismo lhe dá, aumentou 111,53%; a mensalidade escolar, de janeiro a julho, subiu, em média, 45%. No mesmo período, a inflação não chegou a 10% - e esse brasileiro não foi abençoado pela proeza do índice baixo."

E então arremata o articulista:

      "Alguma coisa de errado acontece que o deixa longe das reconhecidas e inegáveis maravilhas do Plano".

E numa linguagem simples, mas realista, não discorda dos índices oficiais que são divulgados pelo próprio Presidente (a quem nenhum de nós tem o desplante de se contrapor), mas apresenta um argumento que desnuda o artificialismo das estatísticas que são apresentadas em descompasso com a realidade enfrentada pelo cidadão comum:

      "O brasileiro médio não duvida do Presidente, mas o índice que lhe sensibiliza é outro. É o índice do olho. Leal à própria causa de egoísta franco, importa mais para ele o índice de mantimentos que consegue enxergar na geladeira ou no armário da cozinha, ou o índice de sorriso que um brinquedo novo seria capaz de produzir no rosto do filho".

Sr. Presidente, para explicar esse fenômeno que vem causando tantas dúvidas e aflições aos brasileiros de todos os quadrantes e de todos os segmentos sociais, já que não sou economista, recorro à análise do professor Gilson Schwartz (Decifre a Economia, pág. 45, 2ª edição), formado em Economia pela USP e com mestrado e doutorado em Economia pela UNICAMP, ex-professor da FGV e da PUC de São Paulo, atualmente lecionando no Instituto de Economia da Universidade de Campinas.

Eis o que nos ensina o renomado mestre ao referir-se ao problema salarial:

      "Os economistas monetaristas aconselham a redução dos salários ou, pelo menos, sua contenção em níveis "não inflacionários". Esses economistas, que existem desde o início da era moderna, costumam alertar para a quantidade de dinheiro que o Governo emite para cobrir gastos ou contratar funcionários, ou através da impressão descontrolada, que joga o dinheiro na economia através do Banco Central e de suas relações com o sistema bancário".

E diz:

      "O argumento dos monetaristas tem lógica. Uma lógica extremamente simples: basta entender e constatar que a todo momento há compradores e vendedores, ofertas e demandas, em todos os mercados, até o do próprio dinheiro. Se houver excesso de oferta de dinheiro, haverá como conseqüência direta um excesso de demanda por produtos e, portanto, inflação".

Entretanto, faz uma ressalva e de logo aconselha:

      "Apesar da sedutora simplicidade desse modelo, pode acontecer também que dinheiro a mais na economia (através da elevação de salários, emissão de cédula, redução de impostos, aumento de gastos etc.) estimule a demanda, e mesmo com o crescimento dela não seja ultrapassada a capacidade das empresas de aumentar suas ofertas de produtos na economia".

E, prosseguindo no seu raciocínio para o qual chamo a atenção da Casa, o ilustrado mestre assevera:

      "Nesse caso, com o aumento da demanda, podem subir a produção e o emprego, não os preços. Em economia com grande potencial de desenvolvimento - como é a nossa -, com capacidade produtiva - como é a nossa - e com o desemprego - como é a nossa -, a lógica monetarista pode, assim, induzir a erro, a decisões que colocam em risco a sobrevivência de um ou de muitos. Não há nenhuma relação direta ou indireta, necessariamente válida em qualquer situação - diz o referido professor -, entre quantidade de dinheiro e preços. Apesar da aparente lógica irrefutável dos monetaristas. Basta a existência de desemprego, capacidade ociosa ou oportunidades de investimentos que o dinheiro ofertado a mais gera uma procura necessária e bem-vinda por produtos, trabalhadores, máquinas e equipamentos".

E, afinal, conclui a certa altura o emérito professor:

      "Ao buscar uma explicação geral para os preços numa lei de oferta e demanda por dinheiro, o monetarismo parte da hipótese de que a economia já se encontra num estado de pleno emprego de recursos, eficiência no uso das máquinas e contratação do número maior possível de trabalhadores. Ou, se há desemprego, os monetaristas alertam para o perigo de forçar o crescimento econômico muito depressa".

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, diminuir a liquidez não significa, a nosso ver, o que de fato está acontecendo: limita-se ou até mesmo anula-se a capacidade de crescimento do Brasil, relega-se o seu grande potencial para produzir e dar emprego.

O dinheiro que deixa de circular hoje em nosso País, por causa de erros de percepção da política econômica posta em vigor, ao invés de gerar tranqüilidade para as famílias brasileiras, lamentavelmente, tem provocado o desespero e a fome.

Não causa alegria nem felicidade a ninguém verificar que o Brasil hoje dispõe de reservas como antes nunca teve; que a sua moeda tem um lastro em ouro de fazer inveja a dezenas de países; que a inflação está abaixo de 2%; e que, mesmo assim, o seu povo ficou mais pobre; que a sua classe média praticamente deixou de existir; que a sua classe empresarial se encontra quebrada ou incapaz de investir; que a sua classe trabalhadora se acha de braços cruzados porque o emprego necessário à sobrevivência de suas famílias foi substituído pelas demissões em massa.

Sr. Presidente, espero que não seja tarde a advertência e que a equipe econômica do Governo tome uma providência o mais rápido possível para a solução desse grave problema do desemprego que existe hoje no Brasil e da quebradeira geral das nossas empresas construídas com muito suor e com muito esforço dos empresários de visão deste nosso País.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 31/08/1995 - Página 14836