Discurso no Senado Federal

CONTRIBUIÇÕES AO DEBATE SOBRE A REFORMA TRIBUTARIA E ADMINISTRATIVA DO GOVERNO.

Autor
Romero Jucá (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Romero Jucá Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA TRIBUTARIA.:
  • CONTRIBUIÇÕES AO DEBATE SOBRE A REFORMA TRIBUTARIA E ADMINISTRATIVA DO GOVERNO.
Publicação
Publicação no DCN2 de 02/09/1995 - Página 15070
Assunto
Outros > REFORMA TRIBUTARIA.
Indexação
  • ANALISE, NECESSIDADE, AMPLIAÇÃO, REFORMA TRIBUTARIA, CONCESSÃO, AUTONOMIA, ORGANIZAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO, NATUREZA TRIBUTARIA, EFICACIA, SISTEMA TRIBUTARIO, SOLUÇÃO, CRISE, SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL, RETORNO, CAPACIDADE, IMPEDIMENTO, SONEGAÇÃO FISCAL, AUMENTO, ARRECADAÇÃO, TRIBUTOS, MELHORIA, SITUAÇÃO, REMUNERAÇÃO, AUDITOR FISCAL.
  • COMENTARIO, ENCAMINHAMENTO, EMENDA, MEDIDA PROVISORIA (MPV), TENTATIVA, CORREÇÃO, INJUSTIÇA, REMUNERAÇÃO, AUDITOR FISCAL, RECEITA FEDERAL.

O SR. ROMERO JUCÁ (PFL-RR. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a reforma tributária e a reforma administrativa têm calado fundo em diversos segmentos da sociedade, disso resultando um debate altamente proveitoso para o equacionamento de grandes problemas nacionais, apesar do tom apaixonado que algumas vezes se tem emprestado à defesa das mais variadas teses sobre o assunto.

Desejo contribuir para esse debate, oferecendo aos seus participantes algumas considerações que, a meu ver, ainda não foram trazidas a lume e que se destinam a ressaltar relevantes aspectos desses temas.

Os projetos governamentais, ou o que deles se conhece até agora, no entanto, parecem passar ao largo dos anseios de mudança da sociedade e mesmo em alguns casos instituem tratamento equivocado desses aspectos.

Refiro-me primeiramente à reforma tributária. As vagas proposições de um novo desenho da discriminação de rendas aludem a várias maneiras de captação de recursos privados para o setor público, mediante tributação dos agregados-base tradicionais, que podemos designar simplificadamente como renda auferida, renda consumida e patrimônio. Propõem-se variadas formas de partilha de competências originárias entre as entidades federadas e mais variadas ainda maneiras de repartição, entre estas, do produto da arrecadação tributária ou de ressarcimento de eventuais prejuízos.

Todavia, nenhuma delas se detém em avaliar ou projetar o aspecto da implantação e da execução dos respectivos modelos, o que é de fundamental importância e carece de vasta experiência no plano concreto da aplicação das normas. O certo é que o País precisa aperfeiçoar o seu sistema tributário, facilitando e ampliando a base de tributação sem onerar demais a produção.

Pois bem, nenhum conjunto de normas, por perfeito que seja, produzirá os efeitos desejados se não houver uma estrutura administrativa solidamente organizada e apta a uma atuação eficiente e eficaz na aplicação da legislação.

No caso particular de que estamos falando, o do financiamento do Estado para realização dos gastos sociais, a necessidade dessa estrutura é mais premente ainda, pois somente com a captação de recursos não inflacionários, como os gerados pelos tributos, é que se poderá caminhar com segurança no rumo da estabilização. É urgente que se controle firmemente e minimize o recurso ao crédito público através do endividamento, pelas suas conseqüências inflacionárias e contrárias à estabilização e que, em sentido inverso, se privilegie a arrecadação tributária.

Isso só será possível, desejo enfatizar, se o País tiver uma administração tributária forte e prestigiada.

A observação de nossa principal organização arrecadadora, a Secretaria da Receita Federal, parece confirmar as assertivas de vários especialistas nacionais e estrangeiros sobre a profunda crise por que essa vem passando, há algum tempo, e a sua paulatina perda da capacidade de resposta aos desafios que atualmente se colocam ao controle dos resultados da imposição tributária, desafios esses cuja expressão maior se traduz nos crescentes índices de sonegação. Não obstante expressivas demonstrações de eficiência, representadas por sucessivas quebras de recordes de arrecadação, para falar só do período de 1993 para cá, a análise mais detida da organização revela carências merecedoras dos melhores cuidados do Governo.

Destaco, dentre essas, a falta de planejamento, de metas e de objetivos de médio e longo prazo; a falta de uma política de recursos humanos; a precariedade dos sistemas de informações; a falta de instrumentos coercitivos, em nível administrativo, e de condições de acesso às informações de interesse fiscal e a falta de autonomia administrativa e financeira. Chama a atenção também a falta de continuidade no comando da organização, que teve 14 Secretários em 11 anos. E aqui quero aproveitar a oportunidade para registrar o excelente trabalho desenvolvido pelo Secretário Everardo Maciel, técnico extremamente experiente, de formação e reputação das melhores do nosso País.

Considero, no entanto, requisito indispensável à eficácia do Sistema Tributário a autonomia da organização fiscal e da administração tributária. Essa autonomia deve se manifestar no campo financeiro, para que a organização possa utilizar seus recursos flexivelmente, de modo a atingir os melhores resultados de arrecadação; e, no campo administrativo, para que possa traçar metas e gerir adequadamente seus recursos humanos, desde o recrutamento e seleção até a formação e construção de estrutura salarial própria.

No que diz respeito aos recursos humanos, a situação atual da Receita Federal é dramática: para se ter uma idéia, em 1969 havia 13.000 fiscais; hoje, há cerca de 6.200, sendo 1.024 nos serviços aduaneiros e cerca de 1.600 na fiscalização externa de Imposto de Renda, IPI e contribuições sociais. Uma comparação simples permite aquilatar a dimensão do problema: os fiscais estaduais são em número aproximado de 30 mil, para fiscalizar menor número de impostos. Sabendo-se do crescimento e da diversificação da economia e do comércio exterior nos últimos 26 anos, é fácil entender por que o Brasil tem um dos menores índices de presença fiscal do mundo: 0,13 funcionários da administração tributária por 1.000 habitantes, o que só permite fiscalizar, por exemplo, 4,89% dos contribuintes do Imposto de Renda, pessoas jurídicas; 0,37% dos contribuintes do Imposto de Renda, pessoas físicas, por ano.

Apesar disso, essa força de trabalho que tem abnegadamente sustentado os êxitos arrecadatórios mencionados e que se encontra próxima da saturação ocupacional não tem merecido tratamento adequado, no que tange aos diversos aspectos de uma administração competente de recursos humanos.

Salta aos olhos de qualquer leigo, conhecidos os dados sobre presença fiscal aqui referidos, a necessidade de ampliação do quadro de auditores fiscais, compatibilizando-o com o universo contributivo e a evolução da economia, sem falar na mudança e consolidação do sistema tributário, através da redução e modernização dos impostos.

Registre-se também a importância da instituição de um plano de carreira para esses servidores que estabeleça claramente seus deveres, direitos, prerrogativas, formas de provimento de cargos de direção e assessoramento, regime disciplinar, carga horária de trabalho e remuneração compatível com a complexidade das funções e a responsabilidade do cargo. É preciso ainda conferir-lhes estabilidade no cargo para mantê-los independentes e infensos a pressões políticas e econômicas, tendo em vista que a estabilidade, nesse caso, não é benesse para o servidor, mas um instituto protecional do Estado.

Ainda no capítulo da remuneração, é necessário assegurar-lhes contrapartida salarial adequada, nos limites constitucionais atualmente previstos, cujos efeitos se estendam à aposentadoria como garantia de execução eficiente do serviço, enquanto o servidor não chegar ao término da vida funcional.

Nesse aspecto, ganha destaque a sistemática da Retribuição Adicional Variável - a RAV, instituída pela Lei nº 7.711/88, que, como parte integrante da remuneração dos auditores, constitui exemplo moderno de contrapartida financeira de prestação de serviços, que alia características de salário e de instrumento gerencial de recursos humanos, pois é baseada em sistema de aferição de produtividade individual e plural dos servidores.

Entretanto, sua eficácia está hoje comprometida pelo estabelecimento de um subteto para seu valor que discrepa do texto constitucional, unicamente por alegadas razões de contenção de despesas de custeio.

Ora, é preciso considerar, Sr. Presidente, a despeito do rigor do título orçamentário, que os gastos com pessoal que promovem a realização das receitas do Estado não são propriamente gastos, mas sim investimentos dos mais relevantes, dado que, sem recursos, o Estado fica de mãos atadas para efetuar seus gastos, inclusive os importantes gastos sociais e a condição de cobrir o déficit gerado com os dispêndios sem cobertura, que alimenta toda a ciranda inflacionária e corrosiva que temos firmemente condenado nesta Casa.

É preciso que se diga ainda que os recursos que fazem face ao pagamento da RAV provêm de multas aplicadas aos infratores da legislação tributária, constituindo-se a rigor em recursos extra-orçamentários cujo montante depende diretamente do esforço fiscal desenvolvido por esses servidores. É importante registrar ainda que o custo da administração tributária (incluindo salários) no Brasil é dos mais baixos do mundo, situando-se em 1,45% da arrecadação, isto é, um nível semelhante ao de países extremamente desenvolvidos como Japão (1,16%), Canadá (1,18%) e Reino Unido (1,47%).

Portanto, analisando esses parâmetros e a importância do sistema de arrecadação para o País, não se justifica, pois, a limitação da RAV fora do padrão definido pela Constituição. Daí, a extinção desse subteto que penaliza os profissionais da Receita Federal é providência que vai ao encontro do interesse público, na medida em que estimulará um aumento do esforço fiscal, crucial para a estabilização econômica.

Registro que encaminhei emendas sobre a Medida Provisória que regula esta matéria, exatamente para tentar corrigir essa injustiça na remuneração dos auditores fiscais da Receita Federal.

Por fim, Sr. Presidente, apelo ao Presidente Fernando Henrique Cardoso e ao Ministro Pedro Malan para que determinem estudo mais criterioso dessa questão. Tenho certeza de que uma reforma tributária mais ampla é de fundamental importância para o nosso País, mas também o é um quadro de fiscais e auditores estruturado, com remuneração digna e aparelhado tecnicamente para se fazer cumprir essa legislação tributária, moderna e justa que a sociedade tanto almeja.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 02/09/1995 - Página 15070