Discurso no Senado Federal

MATRIZ ENERGETICA BRASILEIRA.

Autor
Teotonio Vilela Filho (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AL)
Nome completo: Teotonio Brandão Vilela Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA.:
  • MATRIZ ENERGETICA BRASILEIRA.
Publicação
Publicação no DCN2 de 02/09/1995 - Página 15079
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, AUTORIA, JOELMIR BETING, JORNALISTA, DENUNCIA, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, MEIO AMBIENTE, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), RESULTADO, POLUIÇÃO, ADVERTENCIA, ABANDONO, PROGRAMA NACIONAL DO ALCOOL (PROALCOOL).
  • DEFESA, AMPLIAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, ALCOOL, ALTERNATIVA, MATRIZ ENERGETICA, PAIS, NECESSIDADE, URGENCIA, DEFINIÇÃO, IMPORTANCIA, CONSOLIDAÇÃO, PROGRAMA NACIONAL DO ALCOOL (PROALCOOL), CONTRIBUIÇÃO, AUTO SUFICIENCIA, RECURSOS ENERGETICOS.

           O SR. TEOTÔNIO VILELA FILHO (PSDB-AL.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, muitas vezes ocupei esta tribuna para compartilhar apreensões e dúvidas e apresentar sugestões em relação à matriz energética brasileira.

           Em repetidas oportunidades colhi propostas e análises de técnicos, de lideranças políticas, empresariais e sindicais e mesmo de pessoas comuns, que me procuram em meu gabinete e em seminários e encontros em que participei em todo o Brasil, como presidente da Comissão de Infra Estrutura e da Subcomissão de Energia desta Casa.

           O desconhecimento da importância de nossa opção energética e de sua influência determinante na economia, tem retardado a construção de uma matriz da dimensão do Brasil, limitado por sua condição de país em desenvolvimento, mas energeticamente rico por sua localização tropical.

           Defendo uma matriz energética que considere os impactos da produção e consumo, custos e preços, da imensa gama de opções que temos em nosso país, abençoado, talvez como nenhum outro, quando se trata de energia.

           Mais do que nunca agora, com a economia globalizada e a mudança do papel do Estado, que está se afastando das atividades ligadas à produção de energia, precisamos construir esta matriz.

           Ocupo esta tribuna mais uma vez para falar de energia, estimulado por um excelente artigo do jornalista Joelmir Beting, publicado no domingo passado, no jornal Estado de São Paulo.

           O artigo foi motivado pela grave situação vivida na poluída cidade de São Paulo, com o rodízio que impede a circulação de automóveis de acordo com suas placas. O jornalista alerta para o abandono do Programa do Álcool, chamando a atenção para a insignificante oferta de veículos novos a álcool e mesmo para a ameaça do fim da adição de 22% de álcool à gasolina.

           Joelmir Beting comenta inclusive o crescente interesse no exterior, particularmente nos Estados Unidos, para o uso deste combustível limpo e renovável, destacando a vinda dos governadores de Nebraska e Wisconsim ao Brasil para participar de um seminário sobre o Proálcool.

           É lamentável, em um período que o nosso pioneiro programa do álcool parece cair em descrédito, é até melancólico, poder acompanhar diversas iniciativas de outros países para ampliar a participação dessa alternativa em suas matrizes energéticas.

           O álcool, no Brasil, não é apenas mais um energético, numa matriz de poucas fontes e muitos equívocos, nem é somente nosso principal energético da biomassa. O álcool, em nossa matriz, é um símbolo acabadamente emblemático das omissões, das vacilações e dos equívocos de uma política energética que não conseguiu alcançar os verdadeiros interesses nacionais porque esteve presa aos interesses corporativos de grandes estatais do setor; de uma política que não conseguiu refletir objetivos de longo prazo, porque se enredou no imediatismo do curto prazo, nem conseguiu preservar a inarredável dimensão estratégica da energia porque insistiu em amesquinhar a energia como mero insumo econômico de planilha de fábrica e não como assunto de estado de interesse estratégico.

           O Proálcool surgiu quando o frágil equilíbrio geopolítico dos produtores de petróleo se estilhaçava nas guerras freqüentes do Oriente Médio, cartelizando os produtores e politizando suas relações e negócios. Nasceu mais por razões estratégicas e menos por imperativo econômico. O Proálcool, se sabia desde seus primeiros dias, produziria combustível a preços superiores às mais exageradas estimativas da explosão de preços do petróleo, mas seria um combustível verde-amarelo, que garantiria uma estratégica auto-suficiência energética.

           O preço internacional do petróleo está hoje inferior a 1974, quando a OPEP transformou o mundo importador em refém de seu cartel. Depois de chegar a quase 60 dólares, em 1981, o petróleo despenca a pouco mais de 15 dólares, nível inferior aos tempos imediatamente anteriores ao primeiro choque do petróleo. Os preços caíram, substancialmente, por razões que, na essência, têm a mesma natureza política das causas que os fizeram explodir. Ao longo dos diversos choques do petróleo, os produtores se uniram e reuniram num cartel monolítico reunido na OPEP, de onde ditavam preços e cotas de produção, de onde exigiam vantagens comerciais e concessões políticas. Hoje, ao invés, os mesmos produtores se digladiam em interesses inconciliáveis a respeito de volumes de produção, se guerreiam por razões religiosas que mal disfarçam ambições geopolíticas. O declínio da OPEP se baseia antes nos humores políticos do Oriente, que ontem convergiram para uma união monolítica, hoje desembocam numa divisão aparentemente incontornável, mas que ontem como hoje guardam os mesmos traços políticos de instabilidade e de absoluta imprevisibilidade.

           As razões estratégicas que presidiram a criação do Proálcool persistem hoje e só uma visão imediatista e caolha pode ignorá-las. São essas razões estratégicas que levam países desenvolvidos como a França e os Estados Unidos a estimularem, mesmo agora, a consolidação e a expansão de programas já ambiciosos de combustíveis renováveis. Nos Estados Unidos, o álcool já representa 1,5 % do consumo de combustível - o equivalente a metade da produção brasileira. e a partir de 1988, 2% das vendas de veículos novos serão obrigatoriamente de carros movidos a combustíveis renováveis. Ainda nos Estados Unidos, a GM acaba de anunciar lançamento de toda uma linha de pick-ups a combustível flexível, com 85% de etanol e 15% de gasolina e espera vender 150 mil unidades por ano. O subsídio federal será de 23 dólares por barril equivalente de petróleo - um subsídio de cerca de 150% sobre o preço internacional do barril de petróleo. Na França, desde o ano passado existe um subsídio para o combustível renovável produzido igualmente de 90 dólares por barril.

           Evidentemente franceses e americanos não se estão guiando por razões econômicas. A França paga de subsídio por barril do combustível renovável que produzir seis vezes mais do que pagaria por um de petróleo comprado em qualquer mercado do mundo.

Ninguém saberá ao certo quanto custa hoje um barril de petróleo produzido pela Petrobrás, até porque nossa estatal-símbolo tem privilégios fiscais, tributários, inclusive o privilégio maior de não remunerar adequadamente o acionista majoritário. As planilhas da Petrobrás, viraram, compreensivelmente, indevassáveis segredos de Estado. Mas é previsível que extrair Petróleo de águas profundas de mares revoltos seja mais caro que apenas bombeá-lo de poços jorrantes em terra, quase à beira do porto. Nem por isso o Brasil pensou, nem se poderia imaginar, em desativar a Petrobrás assim que começaram a cair no Oriente os preços do petróleo árabe.

           Os produtores de álcool do Brasil terão razões de múltipla natureza para defenderem o álcool e o Proálcool. Poderiam argumentar até com a questão social, de que o investimento na produção do álcool gera 155 vezes mais emprego que o mesmo investimento na indústria do petróleo, para o mesmo resultado energético. Hoje o álcool emprega 1 milhão e 200 mil homens de Sudeste a Nordeste. Poderiam argumentar com ganhos de produtividade: o setor é um dos poucos que registram significativos ganhos de produtividade de 3% ao ano, durante anos seguidos. Mais ainda, a cada ano o Proálcool representa uma economia de divisas de 1,5 bilhão de dólares, equivalente a substituição de importação de petróleo - o Proálcool já representou uma economia de divisas de 27 bilhões de dólares e contribuiu para diminuir a dependência externa do Brasil em relação ao petróleo.

           Os produtores poderiam argumentar ainda com razões econômicas: o Brasil possui os dois pólos sucroalcooleiros mais competitivos de todo o mundo: o primeiro em São Paulo e o segundo no Nordeste. Poderíamos, ainda, exibir dados irrefutáveis sobre a extensão econômica desse setor produtivo: em 1994/1995, o Brasil exportou 3,9 milhões de toneladas de açúcar. Com a falência do mercado interno do álcool, no médio prazo, o Brasil terá excedentes exportáveis da ordem de 75% do mercado livre mundial. Evidentemente, hoje não há mercado para absorver tais excedentes.

           Ninguém desconhecerá que esses números são os números e a extensão do desafio que o país terá de enfrentar, hoje ou amanhã, se continuar em sua política de vacilações e omissões diante do Proálcool. Será um problema social e econômico de proporções devastadoras.

           Prefiro ver o álcool em sua dimensão estratégica de combustível renovável, que atende privilegiadamente nosso potencial energético de país tropical, que, cedo ou tarde, terá de construir sua independência energética sobre a biomassa e sobre fontes hoje ainda tidas pejorativamente como alternativas. Prefiro ver o álcool como combustível limpo. Nesse sentido, será questionável a comparação de preços entre petróleo e álcool, por que o que se paga a menos na importação do barril de óleo pode ser o que se gasta a mais na internação do hospital. Se for internalizado nos preços de mercado do álcool o seu benefício ambiental, a relação de preço entre os dois energéticos já será outra.

           O Brasil está diante de uma alternativa que exige definição urgente, inadiável, sem vacilações: ou define o Proálcool como de fato importante e um programa estratégico que contribuirá para a sonhada auto-suficiência energética, ou condenará ao passado e ao esquecimento a tecnologia de produção e destilação, de produção de equipamentos de usinas e destilarias, de fabricação de motores a álcool. A tecnologia brasileira de produção de motores tem sido valorizada além fronteiras, mas enquanto a GM americana anuncia toda uma linha de utilitários movida a combustível renovável, a indústria brasileira, por falta de incentivos, produz hoje apenas 3% de novos veículos a álcool. Desde o ano passado, esse percentual já é inferior ao percentual de sucateamento de veículos. ou seja, a cada ano saem mais veículos a álcool do mercado do que os que entram no mercado.

           Pior ainda, esse percentual já não permite às montadoras linhas regulares de montagem produtiva. Mantidas as condições atuais, o carro a álcool está condenado à extinção no Brasil, onde ele surgiu e se consolidou não apenas como opção tecnológica, mas sobretudo como alternativa energética.

           A participação do álcool no consumo de energia do setor de transporte rodoviário, que já chegou a 22,5% em 1989, caiu hoje para menos 19%. e a tendência é cair mais ainda.

           Há caminhos múltiplos para se apoiar e consolidar o programa do álcool. Desde a volta dos incentivos tributários para os carros a álcool até o estímulo à formação das frotas oficiais com combustível renovável. Da garantia e aquisição dos estoques previstos em lei até à correção dos preços ao produtor, hoje consensualmente defasados em percentuais inquietantes. Tudo, no entanto, dependerá de uma definição básica e urgentemente inadiável: o que queremos de nossa matriz e de nossa política energética. Garantir o curtíssimo prazo sem vislumbrar o futuro e o longo prazo, fazer ganho econômico em troca de perdas estratégicas. O que queremos, enfim?

           Dessa definição dependem o futuro do Proálcool, como depende o futuro da matriz energética e do próprio país. Qualquer que seja a decisão de Governo, terá consequências profundas na vida nacional. Confio que o Governo não vai reincidir em um erro que tem marcado a política energética dos últimos anos: entender a energia apenas como insumo econômico, desprezando sua dimensão estratégica. Do contrário, é possível até economizar dólares, muitos dólares, o que não significará fator de crescimento e de desenvolvimento econômico, mas antes penhor de nossa dependência energética e de nossa submissão estratégica. Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 02/09/1995 - Página 15079