Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE OS PROBLEMAS DA DEMARCAÇÃO DE TERRAS NO ESTADO DE RORAIMA.

Autor
João França (PP - Partido Progressista/RR)
Nome completo: João França Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE OS PROBLEMAS DA DEMARCAÇÃO DE TERRAS NO ESTADO DE RORAIMA.
Aparteantes
Marina Silva.
Publicação
Publicação no DCN2 de 02/09/1995 - Página 15075
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • CRITICA, INTERESSE ECONOMICO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, LOCALIDADE, EXISTENCIA, JAZIDAS, ESTADO DE RORAIMA (RR), AUMENTO, CONFLITO, POPULAÇÃO, INDIO.
  • COMENTARIO, APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIZAÇÃO, LEGISLATIVO, PARTICIPAÇÃO, PROCESSO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS.

O SR. JOÃO FRANÇA (PP-RR. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo a tribuna do Senado Federal, nesta manhã, para chamar a atenção de todos aqui presentes, da Nação brasileira e do Sr. Ministro da Justiça, ao qual encaminhei ofício solicitando uma posição quanto à demarcação de uma outra área indígena dentro do território do Estado de Roraima: a reserva para os índios Wai-Wai.

A Fundação Nacional do Índio - FUNAI - pretende demarcar extensa área situada ao sul de Roraima, localizada nos municípios de São João da Baliza e São Luiz do Anauá. A área pretendida é de aproximadamente 1 milhão de hectares.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de forma incansável, ao longo do mandato exercido em defesa do nosso Estado, tenho procurado demonstrar os problemas que ocorrem entre as populações de índios e de não-índios, a exemplo da demarcação da Reserva Ianomâmi, com os seus 9,4 milhões de hectares, que veio a agravar ainda mais os conflitos na região norte de Roraima. O convívio pacífico que ocorria entre as duas populações, desde os fins do século XIX, tornou-se, de acordo com interesses mesquinhos defendidos pela Igreja Católica de Roraima e pelas Missões Religiosas, palco de mortes e intrigas.

A Srª Marina Silva - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOÃO FRANÇA - Pois não. Ouço, com prazer, o aparte de V. Exª, nobre Senadora.

A Srª Marina Silva - Nobre Senador, estou acompanhando o pronunciamento de V. Exª, que aborda uma questão de extremo valor, a da demarcação das terras indígenas. Inclusive V. Exª está fazendo uma referência no sentido de que, ao fazer essas demarcações - corrija-me se estiver errada -, há um processo de acirramento das disputas entre populações indígenas e as populações locais. Gostaria de falar também sobre um outro aspecto que me parece bastante esclarecedor, o da problemática ou da aparente dicotomia entre demarcação de terras de índios e conflitos. Fico sempre pensando que quando se fala em demarcar terras indígenas logo se imagina atraso para o Estado, problemas com setores da sociedade, enfim, uma série de outras questões. Mas quando os cartórios oferecerem titulação de terras para grileiros na Amazônia ninguém se levanta contra. Posso citar aqui o caso do meu Estado, onde há um único proprietário que se inclui entre os cinco maiores latifundiários do Brasil e que, sozinho, no Acre, tem mais de dois milhões de hectares de terra; uma única pessoa. Há também um caso de um segundo proprietário que, inclusive, comprou o antigo seringal onde nasci e, sozinho, possui 1,5 milhão de hectares. Nunca ouvi uma voz, no Brasil, se levantar contra eles. V. Exª pode me perguntar se são terras produtivas, que lhe responderei: Não! São terras que não produzem nada, à exceção de algumas capoeiras e, como se diz na minha terra, de um bichinho bem pequeno chamado micuim. Portanto, faço esse aparte ao discurso de V. Exª, com todo respeito - pois sei que V. Exª está imbuído do propósito de debater a questão -, com o intuito de ajudar neste paralelo: às vezes, atribuímos aos índios a responsabilidade por aviltar a possibilidade dos investimentos em nossos Estados, mas não fazemos o mesmo reparo quando grileiros chegam lá, pegam terras, expulsam índios e posseiros e ainda conseguem titular essas terras em cartório. E, infelizmente, contra esses nenhuma voz se levanta. Muito obrigada.

O SR. JOÃO FRANÇA - Por isso, Srª Senadora, estamos debatendo o assunto, pois essas terras são produtivas.

Hoje, o nosso território está comprometido em mais ou menos 65% das terras para índios. É uma coisa absurda! Só para V. Exª ter uma idéia, o IBGE, por três vezes, já contou e recontou a área ianomâmi; são 3.860 índios para uma área contínua de 9.400 mil hectares. Isso é um absurdo!

E agora essa nova área que querem demarcar para os índios Wai-Wai no sul do Estado é uma área totalmente produtiva. Daqui a pouco vai ser preciso expulsar todo mundo do Estado, porque não haverá mais espaço para ninguém, só para índio.

E, como tenho dito aqui, isso não se dá por interesse de preservar índio, mas por interesses econômicos, de uma meia dúzia de pessoas.

Como V. Exª pode verificar, há Missões Religiosas, hoje - foi feito um levantamento recente -, com 290 missionários dentro da área indígena e, dentre eles, não existe um brasileiro, todos são estrangeiros.

Estão querendo demarcar também a região Raposa Serra do Sol. O Bispo veio ao Ministro da Justiça - eu estava presente ao encontro -, que disse: "D. Aldo, não posso demarcar essa área porque o Brasil não está tendo dinheiro para educação, para saúde, para nada, como posso gastar dinheiro em demarcação?" O Bispo respondeu: "Dinheiro não é problema, a Itália manda dinheiro para demarcar as áreas e indenizar os fazendeiros."

A Srª Marina Silva - Permite V. Exª ainda um aparte, nobre Senador?

O SR. JOÃO FRANÇA - Com muito prazer.

A Srª Marina Silva - V. Exª, do seu ponto de vista, está tentando colaborar com a questão, que é problemática realmente.

O SR. JOÃO FRANÇA - É problemática demais.

A Srª Marina Silva - V. Exª acha que 9 milhões para os ianomâmis ou 1 milhão para os Macuxis, enfim, é demais, mas eles já tiveram este imenso País e nós aqui chegamos e nem pedimos licença, se olharmos sob o ponto de vista histórico, social, antropológico. Então, na verdade, nós já fizemos o processo inverso. O que estão querendo é apenas um pouquinho para sobreviver de acordo com as suas tradições e a sua cultura. V. Exª generalizou com relação a Igreja Católica. Creio que não caberia essa generalização! A Igreja Católica tem realizado um trabalho sério, através do CIME, junto às populações indígenas, inclusive com respeito pela sua cultura. No caso de outras religiões que vêm de outros países, não tenho conhecimento, mas tenho todo o interesse em ter acesso a informações sobre a quantidade desses religiosos que estão na terra ianomâmi, até porque temos que separar corretamente o joio do trigo. Agora já vi também muitos políticos fazerem denúncias com relação a interesses estrangeiros no meu Estado. Mas, pasme V. Exª, há uma denúncia do Senador Romeu Tuma de que vários governadores do nosso Estado estão pegando empréstimo com uma empresa, digamos assim, de crédito duvidoso, sobre a qual há suspeitas de lavagem de dinheiro do narcotráfico. E, o pior, hipotecando terras do Estado do Acre, de Rondônia e, parece-me, até de Roraima. Vou procurar me informar melhor a respeito com o Senador Romeu Tuma. Mas posso lhe afirmar com certeza - estou de posse da cópia do convênio -: é feita uma hipoteca equivalente a duas vezes o valor do empréstimo; para o Estado do Acre, na ordem de US$160 milhões; no caso de Rondônia, US$700 milhões; e hipotecando isso em florestas tropicais. Enquanto índios brasileiros, que vivem nessas terras, são como se fossem estrangeiros. E indago a V. Exª: os governos podem fazer isso?

O SR. JOÃO FRANÇA - Não discordo do que diz V. Exª. O que estou defendendo é o direito do povo do nosso Estado. Estamos nos sentindo sufocados, porque querem demarcar todas as nossas áreas produtivas para índios. E digo que é por interesse econômico, porque só querem demarcar áreas onde existem jazidas de ouro, cassiterita, diamante. E quem está por trás disso tudo? Os conflitos naquela área começaram depois que chegaram os padres estrangeiros; lá não tem um padre brasileiro. Antes disso, a convivência era amigável entre índios e os fazendeiros.

Nessa área Raposa Serra do Sol, por exemplo, há fazendeiros que têm título de propriedade de terras com mais de 150 anos, vindas de geração em geração. E querem entregá-las aos índios! Vai ser preciso localizar esses fazendeiros; saber para onde vai o gado, pois já não tem mais lugar onde colocá-lo.

Não sou contra a demarcação de área indígena, nobre Senadora. Sou favorável e sei que eles têm os seus direitos, mas dentro dos seus limites e não da maneira como está sendo feita - desordenadamente, uma coisa absurda - nas áreas ianomâmis.

Assim, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é que os problemas poderão estender-se para o sul do Estado.

Noregime democrático nós sabemos muito bem que atos arbitrários somente servem para gerar conflitos, lágrimas e sofrimentos. A demarcação feita somente pelo que pretende a FUNAI é gerar um novo foco de problemas no território roraimense.

Para corrigir essas distorções, já apresentamos um Projeto de Emenda à Constituição, permitindo a participação do Legislativo no processo demarcatório dessas áreas. Contudo, Srªs e Srs. Senadores, ainda existe tempo para reverter uma situação que está por se concretizar.

Por isso precisamos do exercício do diálogo, do entendimento entre os segmentos envolvidos, da mediação do Legislativo e do Executivo para que se encontre uma solução pacífica e duradoura para essa nova reserva destinada aos índios Wai- Wai.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 02/09/1995 - Página 15075