Pronunciamento de Valmir Campelo em 06/09/1995
Discurso no Senado Federal
ABUSO NO TRABALHO DE MENORES. ESTATISTICAS DO IBGE SOBRE A EXPLORAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA INFANTIL.
- Autor
- Valmir Campelo (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/DF)
- Nome completo: Antônio Valmir Campelo Bezerra
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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POLITICA SOCIAL.:
- ABUSO NO TRABALHO DE MENORES. ESTATISTICAS DO IBGE SOBRE A EXPLORAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA INFANTIL.
- Publicação
- Publicação no DCN2 de 07/09/1995 - Página 15577
- Assunto
- Outros > POLITICA SOCIAL.
- Indexação
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- ANALISE, CRITICA, ABUSO, EXPLORAÇÃO, TRABALHO, MENOR, PAIS.
- REFERENCIA, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), DIVULGAÇÃO, INDICE, TRABALHO, MENOR, ZONA RURAL, ZONA URBANA.
- CRITICA, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, PAIS, RESPONSAVEL, MISERIA, POBREZA, MAIORIA, POPULAÇÃO, OBRIGATORIEDADE, ENTRADA, MENOR, MERCADO DE TRABALHO, COMPLEMENTAÇÃO, ORÇAMENTO, SUPRIMENTO, NECESSIDADE, FAMILIA.
- COMENTARIO, EFICACIA, TRABALHO, FEDERAÇÃO SINDICAL, ASSINATURA, CONVENIO, ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT), DESENVOLVIMENTO, PROGRAMA INTERNACIONAL, ERRADICAÇÃO, MENOR, DEFESA, DIREITOS, CRIANÇA, ADOLESCENTE, PAIS.
- CONCLAMAÇÃO, CONGRESSISTA, GOVERNO, LUTA, EXTINÇÃO, PROBLEMA, EXPLORAÇÃO, CRIANÇA, PAIS.
O SR. VALMIR CAMPELO (PTB-DF. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, 3 milhões de meninos e meninas, com menos de 14 anos de idade, saem de casa todos os dias, não para ir à escola, como deveriam, mas para trabalhar nas grandes cidades ou em propriedades rurais. Se incluirmos nesse universo todos os menores de 14 a 17 anos, o número sobe para 7 milhões e 500 mil trabalhadores, ainda crianças ou adolescentes, que ocupam 11,6% dos empregos disponíveis no País.
Esses e outros dados, divulgados desde o ano passado, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, são vergonhosos. O último levantamento nacional realizado por esse órgão revelou que, na área rural, mais de 42% dos menores de 10 a 17 anos trabalham; no setor urbano, esse número cai para cerca de 24%.
Em vez de estarem na escola, estudando e se preparando para a vida, esse imenso contingente de pequenos brasileiros já são trabalhadores e equivalem a quase 12% da nossa população economicamente ativa.
Segundo o Diretor da Organização Internacional do Trabalho, José Carlos Alexim, "é difícil encontrar, no Brasil, uma mercadoria que, na cadeia produtiva, não tenha por trás a marca da mão de uma criança.
Srªs e Srs. Senadores, há sem dúvida, em nosso País, uma verdadeira exploração da mão-de-obra infantil. O trabalho precoce queima uma etapa fundamental da vida de milhões de brasileiros, comprometendo-lhes irremediavelmente o futuro. O trabalho precoce é também um dos principais responsáveis pela preocupação evasão escolar detectada no País.
É para falar sobre este problema social gravíssimo que ocupo hoje a tribuna desta Casa.
O menor que trabalha geralmente abandona a escola. Pelo menos quatro milhões de crianças em idade escolar estão fora das salas de aula. Quase a metade das crianças e adolescentes que trabalham no Brasil - 46% delas, para sermos precisos - têm apenas quatro anos de escolaridade. Mesmo quando não estão fora da escola, a maior parte dessas crianças e adolescentes apresentam uma defasagem que varia entre 2 e 4 anos em relação à série em que, por faixa etária, deveriam estar. Segundo os dados do IBGE, apenas 39 em cada 100 crianças que trabalham terminam o 1º grau.
É lamentável que essas estatísticas sejam verdadeiras. E a pobreza em que vive grande parte da população brasileira é o fator que empurra tantos menores para o mercado de trabalho, sobretudo no interior do País.
É muito fácil encontrar crianças e adolescentes trabalhando como se fossem adultos, em todo o território nacional. Trabalham no corte da cana-de-açúcar, do sisal ou de outras culturas, em olarias, serrarias, oficinas, fábricas, tecelagens, minas de carvão, salinas, pedreiras, e atividades diversas, na cidade e no campo, submetendo-se a riscos diários, muitas vezes em condições atrozes, em ambientes insalubres, despendendo um esforço físico incompatível com o seu organismo em fase de crescimento.
É evidente, porém, que nenhuma criança trabalha porque quer. Trabalha para garantir a própria sobrevivência ou para complementar o orçamento familiar, pois o trabalho dos pais é insuficiente para suprir as necessidades da família. É difícil a fiscalização do trabalho desses menores, Sr. Presidente. Os próprios pais são coniventes com a situação e chegam a esconder os filhos quando aparecem os fiscais do Ministério do Trabalho.
Não tenho dúvida, Sr. Presidente, de que a situação dessas milhares de crianças pertencentes às camadas mais carentes da nossa população é a manifestação mais cruel e contundente do vergonhoso quadro de exclusão social que caracteriza o Brasil. O Sociólogo Herbert de Souza, articulador nacional da Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida, afirmou que a situação de milhões de crianças exploradas no Brasil "é seguramente a expressão mais profunda e escandalosa do grau de indigência a que chegamos neste País, que faz das crianças suas primeiras vítimas, diante da passividade da sociedade".
A brutal concentração de renda existente em nosso País o coloca em penúltimo lugar nesse quesito das estatísticas mundiais, sendo a responsável direta pela miséria em que vivem mais de trinta milhões de pessoas. Cinqüenta e oito por cento das crianças e adolescentes brasileiros vivem em famílias cuja renda per capita não ultrapassa meio salário mínimo, segundo a Pesquisa Nacional de Amostragem Domiciliar, realizada em 1990.
Aliada à desassistência no que diz respeito à educação, à saúde, e a tantos outros direitos elementares que integram o conceito de cidadania, está, sem dúvida, a miséria em que vivem tantas famílias em nosso País e que empurra para o mercado de trabalho, ou, o que é ainda pior, para as ruas grande número de jovens e crianças.
O trabalho precoce deixa sempre alguma seqüela irrecuperável, resultando não só no impedimento dos estudos como também no comprometimento da saúde e do desenvolvimento físico e mental de grande parte de nossa população infanto-juvenil.
Conscientes do problema, muitos movimentos sociais vêm transformando em bandeira de luta os direitos da criança à educação, à saúde, enfim, a uma vida melhor. Felizmente, hoje já é bem maior o engajamento da sociedade e de instituições na luta pela redução da mortalidade infantil por doenças evitáveis, pela redução da desnutrição, do analfabetismo e da violência que, muitas vezes, marginalizam e comprometem o futuro de nossa população mais jovem. Como exemplo, gostaria de citar o excelente trabalho que a Força Sindical vem desenvolvendo e que poderia servir de modelo para tantas outras entidades.
Em fins de 1992, a Força Sindical assinou um convênio com a Organização Internacional do Trabalho para o desenvolvimento do IPEC - Programa Internacional de Erradicação do Trabalho Infantil - e vem obtendo êxito na luta em defesa dos direitos das crianças e adolescentes em nosso País, com o apoio de órgãos nacionais que trabalham em prol dos menores e da UNICEF. A primeira fase do projeto atingiu cerca de oitocentos sindicalistas, em quatorze cursos realizados nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Ceará, Santa Catarina e Paraná.
Sras. e Srs. Senadores, mais do que conseguir informar ou conscientizar significativos segmentos da sociedade sobre os direitos das crianças e adolescentes e sobre a realidade aqui existente, cursos e trabalhos como esses têm o mérito de produzir um efeito positivo e multiplicador, gerando desdobramentos ou ações diretas envolvendo a sociedade na luta em defesa de nossa população infanto-juvenil.
Essa informação e conscientização são extremamente necessárias. A sociedade não pode mais ficar passiva diante de um problema social de tal gravidade. A realidade vem demonstrando que, na prática, os direitos garantidos pela Constituição Federal e regulamentados no Estatuto da Criança e do Adolescente não são respeitados.
Segundo a legislação brasileira, até os doze anos de idade a criança deve ser protegida do trabalho. Entre doze e quatorze anos deve-se conciliar, quando necessário, educação e trabalho, por meio da iniciação em regime de aprendizagem ou da inserção em programas que tenham por base o trabalho educativo. Somente após os quatorze anos os programas nessa área devem visar a capacitação profissional, o encaminhamento adequado e a proteção dos adolescentes no ambiente e nas relações de trabalho.
Os dados aqui mencionados anteriormente demonstram o fosso existente entre a teoria e a prática. Sete milhões e quinhentos mil trabalhadores de até dezessete anos ocupam 11,6% dos empregos disponíveis no País. São quase 12% de toda a nossa população economicamente ativa, Sr. Presidente.
Certamente, projetos como o IPEC, da Força Sindical, são extremamente importantes. Porque geram conhecimento, sensibilizam e conscientizam centenas de pessoas para a problemática do trabalho de crianças e adolescentes, tornando-as multiplicadores qualificados e preparados para o debate e a ação referente ao trabalho infanto-juvenil. Quero mais uma vez dizer que a Força Sindical desenvolve esse trabalho fundamental, atendendo aos preceitos constitucionais.
Precisamos estimular a consciência da sociedade como um todo sobre o grave problema da exploração da mão-de-obra infanto-juvenil em nosso País. Ao mesmo tempo em que temos que pressionar as autoridades para que busquem alternativas para acabar de uma vez por todas com a vergonhosa e trágica realidade social do Brasil, que empurra nossas crianças para o mercado de trabalho.
Os programas de trabalho e de geração de renda devem ter como alvo a família e não a criança. Todos concordamos, Sr. Presidente, que lugar de criança é na escola. Mesmo em caso de absoluta necessidade, é preciso que o trabalho infantil se desenvolva de forma a não impedir o acesso da criança à escola e, sobretudo, evitar que ela se transforme em mão-de-obra explorada.
Apesar de reconhecer que de nada adianta proibir a criança de trabalhar, quando essa é o único meio para que ela morra de fome. Condeno, veementemente, o trabalho infantil, em virtude das conseqüências negativas que ele tem sobre a formação de nossas crianças, alijando-as da escola, comprometendo não só o futuro de milhões de pequenos brasileiros, mas também o futuro do nosso País. Para evitar que a situação atual continue, é urgente a implementação de uma política econômica de redistribuição de renda.
Ao concluir meu pronunciamento, gostaria de conclamar os Srs. Parlamentares e as autoridades governamentais a lutarmos sem tréguas para pôr fim ao trágico problema da exploração da mão-de-obra infantil em todo o território nacional. Precisamos encontrar, urgentemente, soluções para minorar os problemas que atingem as camadas mais carentes, sobretudo as camadas mais jovens da nossa população.
O tempo é agora. As crianças não podem esperar. É preciso resgatar a imensa dívida social que o Brasil tem para com elas.
Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.