Discurso no Senado Federal

TRANSCURSO DO DIA 7 DE SETEMBRO, 'INDEPENDENCIA DO BRASIL' , ESCOLHIDO PELA PASTORAL SOCIAL DA IGREJA CATOLICA PARA SER O 'DIA NACIONAL DE INDEPEPENDENCIA DOS EXCLUIDOS'.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IGREJA CATOLICA. POLITICA SOCIAL.:
  • TRANSCURSO DO DIA 7 DE SETEMBRO, 'INDEPENDENCIA DO BRASIL' , ESCOLHIDO PELA PASTORAL SOCIAL DA IGREJA CATOLICA PARA SER O 'DIA NACIONAL DE INDEPEPENDENCIA DOS EXCLUIDOS'.
Publicação
Publicação no DCN2 de 07/09/1995 - Página 15578
Assunto
Outros > IGREJA CATOLICA. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • SOLIDARIEDADE, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, IGREJA CATOLICA, UTILIZAÇÃO, DIA NACIONAL, INDEPENDENCIA, BRASIL, DEFESA, BUSCA, JUSTIÇA SOCIAL, MAIORIA, POPULAÇÃO, PAIS.
  • DEFESA, NECESSIDADE, ATENÇÃO, GOVERNO, POLITICA SOCIAL, CRIAÇÃO, EMPREGO, RENDA, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, PESSOAS, REDUÇÃO, FOME, MISERIA, DESEMPREGO, PAIS.

A SRª MARINA SILVA (PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje quero fazer o registro do que ocorrerá amanhã, 7 de setembro. Esse é o dia em que se comemora a independência da nossa Pátria e também o dia em que a sociedade, por motivos justos, também continua a lutar pela sua independência, principalmente aquela independência voltada para a condição de vida, conforme o discurso do Senador Valmir Campelo no que se refere ao tratamento dado às nossas crianças e adolescentes.

A Pastoral Social da Igreja Católica, por meio de seus vários núcleos reunidos, decidiu fazer do dia 07 de setembro o dia nacional em que os excluídos buscarão dar o seu grito de independência, clamando por justiça social.

Há uma realidade triste no País no que se refere à Educação: há 20,2 milhões de analfabetos; 19% das pessoas com sete anos ou mais de idade são analfabetas.

Na área da saúde, há um dado bastante triste também: de cada mil crianças que nascem, cinqüenta e uma morrem antes de completarem um ano de idade; no Nordeste, morrem 88,2 crianças a cada mil nascimentos.

Há uma triste realidade também no que se refere à questão da terra, à questão agrária. No Brasil, existem 4,8 milhões de trabalhadores sem terra e 16 milhões de indigentes no campo. Todos nós sabemos que, no Brasil, há uma cifra triste de 32 milhões de indigentes, e, pasmem V. Exªs, desses 32 milhões de indigentes, 16% estão no campo, mesmo constatando-se que a população das cidades é incomparavelmente maior do que a população do campo.

Há ainda 82 milhões de pessoas que dependem de assistência médica pública e 23 milhões que não têm sequer um atendimento de saúde. No Brasil, há 7 milhões de deficientes físicos que não têm condições de sobreviver.

Esses dados, Sr. Presidente, Srs. Senadores, são para ilustrar e justificar a ação da Igreja nessa movimentação. Com certeza, não é só da Igreja Católica, é das demais religiões que se preocupam com o bem-estar do homem na terra e no céu, é de todos os homens e mulheres de bem, que não se conformam com a injustiça social.

Observe, Sr. Presidente, o quadro estarrecedor. A população economicamente ativa do nosso País é de 64.467.000 pessoas, recebendo até um salário mínimo. Trabalhadores sem carteira assinada, 22.897.000, e desempregados, 10 milhões. Com uma situação como essa não poderia ficar calada e deixar de me solidarizar com a ação que haverá amanhã em todo o País. Haverá várias manifestações de pessoas que lutam por reforma agrária, por trabalho, por justiça social, por atendimento digno da área da saúde, por melhor educação e por uma política decente de habitação.

A política econômica do governo, cujo defensor maior é o pilar da estabilização econômica, não está dando resposta aos problemas sociais. Na verdade, esse quadro mostra-nos que mais parece que estamos estabilizando a miséria. Não é esse que deve ser o nosso objetivo. Não podemos tratar seres humanos como meras cifras, quando eles se tornam apenas o detalhe, como já disse uma economista que assumiu um dos postos mais importantes da economia do nosso País, que foi a Ministra Zélia Cardoso de Melo. Se na época da Ministra o povo era apenas um detalhe, hoje, nem sei mais se detalhe é, porque, com uma situação como esta, realmente não dá para ficar calada, não dá para sobreviver. Há na política econômica do Governo ausência completa da menor sensibilidade para a questão social. A sensibilidade quanto à área social deixa muito a desejar.

Lembro-me que durante a campanha do então candidato Fernando Henrique Cardoso - que não é um presidente qualquer, não é um despreparado como foi Fernando Collor de Mello, é um sociólogo que conhece como poucos a realidade social deste País - mas, em sua campanha, nosso Presidente defendia cinco pontos. Um deles, que eram simbolizados pelos cinco dedos da mão, era a questão da política social. Pelo que sei, nosso Presidente não sofreu acidente de trabalho em que tenha perdido um dedo, portanto, não entendo por que o dedo que representa a política social está tão desaparecido no que concerne a uma tentativa de resolver os problemas.

Quero fazer uma referência à intenção do Governo de encontrar soluções para os problemas sociais. Duas pessoas muito sérias, a Drª Ruth Cardoso, Primeira-Dama do País, pela qual tenho o maior respeito, e a socióloga Anna Maria Peliano, à frente do Comunidade Solidária, vêm tentando encontrar respostas para as questões sociais. No entanto, por mais respeito que tenha por elas, por saber do empenho que têm e pela experiência que acumularam nas instituições que dirigiram e das quais participaram, não está a contento a política social do Governo. Sobre essa realidade, já fiz referência anteriormente.

Claro que esse quadro não seria resolvido da noite para o dia, mas também é claro que ele não se resolve apenas com políticas compensatórias, apenas com distribuição de cestas básicas. É preciso que a área econômica do Governo dê condições para que essas mazelas sejam corrigidas e não sejam secundarizadas, para que, mais uma vez, a idéia de fazer crescer o bolo para depois dividi-lo venha a acontecer.

Alguns, entretanto, começam a encher a barriga com o bolo antes que ele seja dividido. É isso que está acontecendo. Se, em outras épocas, caíam algumas migalhas da mesa dos poderosos para os "lázaros" da vida, hoje, acredito que essas migalhas estão cada vez mais escassas.

É preciso que se tenha uma política ousada, articulada entre todos os Ministérios no que se refere à geração de emprego e renda, no que se refere à democratização da terra, não bastando a distribuição da terra pura e simplesmente. Um Senador fez referência a milhares de trabalhadores que estão deixando seus lotes por falta de uma política agrícola. É preciso que haja uma política adequada para o campo, e o Governo brasileiro deve fazer com que sua equipe compreenda que não basta buscarmos a estabilização econômica sem que ela dê um retorno do ponto de vista prático na melhoria das condições de vida das pessoas. As pessoas precisam se vestir melhor, se alimentar melhor e, acima de tudo, de um melhor atendimento.

Hoje, pela parte da manhã, tive a oportunidade de ouvir, mais uma vez, o Ministro Jatene na sua cruzada em defesa dos recursos para viabilizar a Saúde em nosso País. Ainda não tenho uma posição fechada se contra ou a favor da contribuição que o Ministro está buscando, no entanto, acho justa e louvável sua luta. Mas acredito que não são medidas paliativas desse ou daquele Ministro ou de um Governo específico que irão resolver o problema. Se essa não for uma atitude de Governo como um todo, no sentido de fazer justiça social, a atitude ficará sempre como uma política marginal.

Talvez tenha sido por isso que uma das pessoas importantes desse Governo tenha se referido ao programa Comunidade Solidária de forma desrespeitosa e com linguagem de baixo calão. Quiçá, tenha assim agido por não possuir sensibilidade para com os problemas sociais que nosso País está atravessando.

As políticas compensatórias possuem o seu limite. Realmente, é necessário que se faça doação de cestas para aqueles que estão passando fome, que se tome alguma atitude diante do problema do faminto, como muito bem explicou o Betinho. Mas essas são apenas políticas compensatórias, não são políticas estruturais diminuir a fome, a miséria, o desemprego, de fazer nosso País voltar a crescer.

Nesse sentido, hoje, solidarizo-me com "O grito dos excluídos", manifestação organizada para amanhã, e estimo que a Independência do Brasil possa acontecer, também, para aqueles que não possuem um "berço esplêndido" para dormir, nem a margem de um riacho para refletir sua esquálida imagem. Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 07/09/1995 - Página 15578