Pronunciamento de Ney Suassuna em 06/09/1995
Discurso no Senado Federal
COBRANDO DOS GOVERNOS DOS ESTADOS NORDESTINOS SOLUÇÕES PARA A REDENÇÃO DA AGRICULTURA NA REGIÃO.
- Autor
- Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
- Nome completo: Ney Robinson Suassuna
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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CALAMIDADE PUBLICA.:
- COBRANDO DOS GOVERNOS DOS ESTADOS NORDESTINOS SOLUÇÕES PARA A REDENÇÃO DA AGRICULTURA NA REGIÃO.
- Publicação
- Publicação no DCN2 de 07/09/1995 - Página 15579
- Assunto
- Outros > CALAMIDADE PUBLICA.
- Indexação
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- COMENTARIO, CARACTERISTICA, REGIÃO NORDESTE, PREDOMINANCIA, SOLO, REDUÇÃO, FERTILIDADE, OCORRENCIA, SECA, NECESSIDADE, GOVERNADOR, ESTADOS, REGIÃO SEMI ARIDA, GOVERNO FEDERAL, BUSCA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, AGRICULTURA, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO.
O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Região Nordeste tem uma característica que a identifica e a distingue de todas as demais regiões do Brasil: cinqüenta e dois por cento de seu território são ocupados por solos de pouca fertilidade, muito ácidos e castigados permanentemente pela seca. Trata-se do semi-árido, uma vasta área de oitocentos e cinqüenta mil de quilômetros quadrados, que abriga cerca de cinqüenta e seis por cento da população da região.
Não bastasse a pouca densidade e a baixa freqüência das precipitações pluviais nessa área, o solo, de base predominantemente cristalina, tem pouca capacidade de absorção da água, o que colabora para mantê-la mais seca ainda.
Além disso, essa região apresenta um grande desequilíbrio no que diz respeito à ocupação da terra: enquanto dez por cento da população detêm cerca de oitenta por cento da área, "os noventa por cento restantes - no dizer de Renato Duarte, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco e Professor da Universidade Federal de Pernambuco - devem se contentar com formas de acesso à terra e, por extensão, aos demais meios de produção, extremamente limitativos, condicionados e precários". Como conseqüência, predominam aí as lavouras de subsistência, que, em realidade, dada a incidência cada vez mais constante da estiagem e da seca, não são suficientes nem para garantir essa subsistência aos lavradores e a suas famílias. Em razão disso, uma política bem adequada às necessidades da região deve ter por finalidade precípua disseminar tecnologias de captação, conservação e manejo da água, de plantio e trato do solo, de acordo com Renato Duarte (Cadernos de Estudos Sociais, vol. 8, Nº. 1, janeiro/junho, 1992). Complementarmente, há que se introduzirem melhoramentos que tenham por finalidade primeira aumentar a produtividade das terras sem exaurir totalmente a sua capacidade produtiva.
Para isso, o essencial é que as novas tecnologias sejam testadas in loco. De nada adianta transplantar para o semi-árido resultados de experimentos elaborados sob condições climáticas diferentes, pois é quase certo que redundarão em fracasso. Essa é uma região sui generis, em que se deve despender o máximo de esforço para preservá-la, para usá-la tal como ela é, procurando apenas melhorar as suas condições, sem querer modificá-las totalmente, pois é ela refratária a qualquer método que a agrida ou que fuja às suas condições climáticas. É por isso que têm redundado em estrondosos fracassos todas as iniciativas de transplantar para lá técnicas de manejo usuais no Sul, no Sudeste ou no Centro-Oeste, como os grandes desmatamentos, as arações e gradagens constantes.
Jorge Coelho da Silva, engenheiro-agrônomo da Sudene, aponta em seu livro Tecnologia Agrícola para o Semi-Árido Brasileiro (Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 1988) alguns parâmetros técnicos que devem ser observados para se obter produção no trópico semi-árido e promover a sua reestruturação econômica.
Não adianta lutar contra a natureza, ensina ele. Por isso, no que tange à agricultura, devem ser exploradas culturas resistentes às secas e, na pecuária, deve-se dar preferência a raças comuns à região, usando-se, na alimentação dos animais, forrageiras arbóreas ou herbáceas nativas e xerófilas, aquelas que já foram adaptadas ao seu clima.
Em razão do rigor climático do Nordeste, deve-se, a qualquer custo, preservar a caatinga, evitando-se o desnudamento do solo, pois com esse desnudamento vêm a perda de umidade, o adensamento da terra e uma aceleração do processo erosivo, com a conseqüente perda das camadas agricultáveis.
No plantio, a preferência deve recair em culturas que exijam menos umidade e que tenham um ciclo vegetativo adequado ao ciclo das chuvas. Conseqüentemente, é preciso conhecer-se o comportamento das chuvas, principalmente para se evitar aquela prática tão danosa ao bolso dos agricultores de se plantar imediatamente após a primeira chuva. Se, a seguir vem o sol - o que é muito comum -, a semente germina, mas não se desenvolve. Esse comportamento, já se comprovou, pode trazer sérios prejuízos aos agricultores, dada a necessidade de replantios. Nesse aspecto é importante a contribuição a ser dada pelos órgãos de pesquisa e de assistência técnica, por disporem de meios e gente gabaritada para essas observações.
No tocante ao plantio, tudo leva a crer que a técnica do cultivo mínimo ou do plantio direto seja a mais adequada. Por esse sistema, evita-se principalmente o adensamento do solo, de vez que não há nem a aração nem a gradagem, duas práticas que colaboram sobremaneira para a compactação, o que dificulta o desenvolvimento das raízes e favorece o aparecimento de pragas, além de reduzir o efeito dos fertilizantes. Esse processo é bem adequado à agricultura nordestina, por implicar sempre deixar sobre o solo uma camada seca de folhas, palhas e restos de cultura, para protegê-lo e ajudar a manter a sua umidade.
No tocante à pecuária, primeiro há que se criarem animais de raças mais resistentes às secas. Iniciativas com raças de procedência européia, por exemplo, podem até proporcionar algum resultado teórico, mas os investimentos e os gastos serão de tal modo elevados que não compensarão o esforço, além de constituírem um permanente risco. Por isso, o melhor a fazer é aperfeiçoar geneticamente as raças comuns à região, para melhorar sua qualidade e sua produtividade.
Quanto à alimentação dos animais, o mais adequado é armazenar na época do inverno alimento para a época seca, através de silagem ou fenação, utilizando-se folhas e galhos tenros de leguminosas e forrageiras e alguns capins próprios para isso. Para o tempo da estiagem, pode-se ainda contar com a palma forrageira, espécie bem adaptada e cultivada na região e que, mesmo não sendo um alimento de excelente qualidade, serve, ao mesmo tempo, para mitigar a fome e a sede dos animais.
O reflorestamento tem um papel importante na região, tendo-se em vista principalmente recuperar a proteção das bacias hidrográficas e as áreas já em processo de pré-desertificação, com o cuidado de se usarem plantas nativas ou xerófilas, aquelas que já são bem adaptadas ao clima.
Não tenham dúvidas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o desmatamento é o primeiro passo para a degradação total do solo do Nordeste e para a aceleração do seu processo de desertificação. É um erro julgar que o primeiro passo para o reflorestamento deva ser a eliminação da vegetação já existente para substituí-la por outra. Lamentavelmente, muita caatinga foi destruída em nome dessa nefasta crença, na maioria das vezes com o apoio e o beneplácito do Governo Federal. Não se pode pura e simplesmente eliminar toda a vegetação existente para se promover um replantio com espécies diferentes, mas devem-se cortar tão-somente aquelas espécies que não são produtivas, para serem substituídas por outras que tenham utilidade e que sejam próprias da região.
Muito descalabro também se perpetrou contra a natureza, substituindo-se a vegetação nativa por pomares. Em razão disso, uma vasta área da região está hoje totalmente devastada, em decorrência de capinas constantes e gradagens periódicas. Com o tempo, os pomares deixaram de ser produtivos e a terra, sem vegetação, ficou totalmente degradada, pois a camada fértil foi levada pelas chuvas, provocando ainda o assoreamento dos rios, inclusive do São Francisco.
Não se trata de deixar as terras e a natureza totalmente intocadas, mas de promover as correções que possam colaborar com a sua melhoria e favorecer a manutenção da umidade, sem fugir, repito, às características do clima e da região.
Por fim, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, cabe uma palavra sobre a irrigação, apontada por muitos como a solução redentora de qualquer agricultura. O engenheiro-agrônomo Jorge Coelho da Silva, na sua obra já citada, discorda frontalmente dessa solução. Segundo ele, noventa e sete por cento das terras da região são impróprias para a irrigação, dada a composição do solo. O principal problema que tem surgido, em decorrência da irrigação é a salinização, que ataca implacavelmente solos antes produtivos. Além disso, três outros fatores principais contra-indicam esse processo como adequado: absorve mão-de-obra muito reduzida, o que não é bom para a região; a produtividade é baixa, se comparada com cultivos racionais em sequeiro e com os resultados obtidos em outros países que têm regiões semelhantes à nordestina; os custos de produção são muito elevados, atingindo, em alguns casos, patamares trinta vezes superiores aos da cultura não irrigada.
Conclui Jorge Coelho que "a construção de cisternas é bem mais importante para o sertanejo que o desvio das águas do São Francisco e do Tocantins ou a implantação de barragens sucessivas, por ser o seu impacto social imediato, minorando os sofrimentos de milhões de sertanejos, em vez de atender uma pequena clientela elitizada, como a dos projetos de irrigação, Projeto Sertanejo, Asa Branca e outros". (o.c., pág. 61).
No que tange à Paraíba, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tudo que se disse do Nordeste aí se repete. A situação do sertanejo é bem precária. O empobrecimento é geral e a falta de perspectivas uma constante, demandando, por isso, uma atenção especial de nossas autoridades no sentido de se proporcionar a esses brasileiros uma alternativa de vida mais digna.
Por isso, encareço aos governadores dos Estados nordestinos que, unidos ao Governo Federal, encontrem uma solução para redimir a agricultura dessa vasta região do semi-árido. Como vimos, as melhores soluções não são as mais dispendiosas nem as mais complexas. Por isso, nada de grandes obras, nada de soluções mirabolantes, nada de "reinventar a roda". Tenho certeza de que, com o concurso dos órgãos de pesquisa e de extensão rural, novas soluções igualmente eficientes e ecologicamente viáveis serão encontradas, com a finalidade precípua de minorar os efeitos da seca e melhorar a vida dos habitantes do Nordeste. É disso que eles precisam. É só isso que eles querem.