Discurso no Senado Federal

O DESCASO COM QUE AS POTENCIAS ECONOMICAS DO OCIDENTE TEM TRATADO OS ACORDOS FIRMADOS COM O BRASIL, NO DOMINIO DA POLITICA AMBIENTAL.

Autor
João França (PP - Partido Progressista/RR)
Nome completo: João França Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • O DESCASO COM QUE AS POTENCIAS ECONOMICAS DO OCIDENTE TEM TRATADO OS ACORDOS FIRMADOS COM O BRASIL, NO DOMINIO DA POLITICA AMBIENTAL.
Publicação
Publicação no DCN2 de 07/09/1995 - Página 15581
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • DENUNCIA, OMISSÃO, GRUPO, PAIS ESTRANGEIRO, PRIMEIRO MUNDO, DESCUMPRIMENTO, ACORDO, BRASIL, DESTINAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, FINANCIAMENTO, PROJETO, RELAÇÃO, MEIO AMBIENTE.

           O SR. JOÃO FRANÇA (PP-RR) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não me é sempre tranqüilo subir à tribuna do Senado Federal para manifestar, de uma altura tão nobre, o descontentamento do País com a nova ordem político-econômica mundial. Porém, como homem público da Amazônia, sinto-me no dever de assim o fazer agora.

           Venho hoje denunciar o silêncio e o descaso com que as potências econômicas do Ocidente têm tratado os acordos firmados com o Brasil no domínio da política ambiental. Refiro-me especificamente aos países que integram o poderoso Grupo dos Sete, G-7, sobre cuja autoridade e poder no destino das nações ninguém alimenta qualquer divergência.

           Pois bem, desde que, no final dos anos oitenta, o País se viu sujeito a responder por toda e qualquer denúncia de crime ecológico em seu território, os brasileiros se sentiram coagidos a participar de um novo código ético dentro do concerto das nações.

           Sem julgar o mérito moral da coação diplomática internacional imposta, o Brasil se submeteu incontinenti às novas regras do jogo das relações políticas com o Primeiro Mundo. Nada ingênuos, os dirigentes mundiais não descartavam em absoluto considerar o Brasil pelos olhos do potencial econômico que suas riquezas naturais ainda inspiravam. 

           Encerrado o período da Guerra Fria, o Grupo dos Sete, que reúne em sua estrutura decisória, além dos Estados Unidos, a França, a Alemanha, o Japão, a Grã-Bretanha, a Itália e o Canadá, decidiu rapidamente adotar o tema da preservação ambiental como o novo paradigma civilizatório.

           Sr. Presidente,

           Mais do que nunca, o tema da ecologia se converteu, na virada da última década, em moeda de valor muito cobiçado nas reuniões do G-7. Por conseguinte, toda a balança de poder no globo passou a conferir aos projetos de desenvolvimento econômico peso substancialmente enorme se, e somente se estivessem atrelados a uma consciência popularmente denominada do "verde".

           Com a inibição da camada de ozônio, as ameaças do efeito estufa apavoraram as populações urbanas das grandes cidades do globo. O discurso sobre o meio ambiente ganhou as ruas rapidamente, o que resultou, naturalmente, numa nova plataforma de reivindicação política.

           Não é preciso lembrar que a Amazônia se tornou alvo privilegiado no imaginário ecológico internacional. Ao extrapolar os requisitos mínimos de um autêntico santuário da natureza mundial, o Norte do País se candidatou automaticamente ao cargo de gigantesco museu sagrado da diversidade biológica.

           Dezenas de entidades governamentais e não-governamentais invadiram o vasto território da região para lá instalarem seus escritórios de representação. Prometendo projetos mirabolantes para preservação do ecossistema, angariaram a simpatia de uns e o desafeto de outros.

           No rastro e no lastro de toda essa expansão da consciência ecológica pela Amazônia, os países do Norte se comprometeram a investir grandes somas de recursos na implementação dos projetos preservacionistas.

           Portanto, se o problema supostamente mais crucial se reduzisse à escassez de verbas alocadas para tal propósito, o Brasil, então, poderia ficar sossegado que tudo estaria resolvido. Seja sob o pretexto de cooperação técnica, seja sob o pretexto de demarcar reservas extrativistas e indígenas, projetos os mais amplos conquistaram o apoio financeiro para sua concretização.

           Sr. Presidente, na verdade, o G-7 chegou a anunciar o desembolso de cerca de um bilhão e meio de dólares no programa, cifra que espantou a todos pelo colossal montante de capital excedente posto à disposição do meio ambiente.

           Isso aconteceu em 1990, por ocasião da reunião de cúpula do G-7 realizada em Houston, quando do lançamento do Programa Piloto. Tratava-se de um programa ambicioso cuja linha mestra consistia em defender acima de tudo a conservação das florestas tropicais brasileiras.

           Àquela época, o panorama mundial não despertava qualquer desconfiança quanto às sinceras intenções ecológicas dos países desenvolvidos. No entanto, de lá para cá, cinco anos se evaporaram pelo ar, com uma velocidade excepcional dentro do quadro de mudanças na conjuntura internacional.

           O episódio histórico da queda do Muro de Berlim significou, mais do que tudo, transformações estruturais no ardiloso mapa da geopolítica mundial. Para além de efeitos simbólicos e ideológicos, o fim dos regimes totalitários do Leste implicou novo rearranjo de forças no complicado xadrez das relações entre as potências do Ocidente.

           Disso resultou um novo direcionamento para o capital internacional excedente. Em vez de canalizá-lo para os projetos de ordem ecológica nas regiões periféricas do globo, os integrantes do G-7 deslocaram o eixo de prioridade levemente para o Leste.

           Ora, estava implícita no processo de desmantelamento dos regimes comunistas do Leste uma contrapartida financeira e técnica por parte dos países do Ocidente. Sob o manto histórico do Plano Marshall, a operação resgate visou a dotar os países da Cortina de Ferro de infra-estrutura básica para enfrentar a transição até o capitalismo pleno.

           Sr. Presidente, traduzindo em miúdos, esse compromisso ideológico com a retomada do crescimento econômico do Leste exigiu do G-7 a revisão de sua política de investimentos. Isso refletiu de imediato no espírito auspicioso que rondava o empenho do Primeiro Mundo na bandeira "verde".

           O ritmo acelerado impresso nas primeiras reuniões foi logo substituído por uma cadência mais lenta, que rapidamente se revestiu de uma indiferença às vezes maçante. Como um ponto localizado no pé de uma curva descendente, o envolvimento da agenda internacional com o assunto caiu vertiginosamente.

           E as primeiras manifestações desse afastamento puderem ser nitidamente comprovadas durante a realização da ECO-92 no Rio de Janeiro. Naquela oportunidade, a imprensa brasileira e do exterior documentaram com lucidez um certo ar de "esvaziamento" do tema.

           Na prática, se avaliava que, na contramão da expectativa de graves decisões em torno de uma política ambiental transnacional, não se obteve outra coisa senão o contágio de uma apatia generalizada entre os mais ilustres chefes de governo.

           A própria rejeição dos grandes países em assinar as Convenções sobre a Biodiversidade e Mudanças Climáticas correspondeu a um rompimento velado com os princípios inspirados na cúpula de Houston. Além disso, o fiasco a que se resumiu a inofensiva Carta do Rio sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente deu o tom do processo de irreversível desencantamento.

           Sr. Presidente, contraditoriamente, enquanto os projetos bilaterais e multilaterais entre o Brasil e as demais nações no âmbito do Programa Piloto encaminhavam-se para uma fase de amadurecimento, a disposição de recursos estrangeiros para implementação dos mesmos arrefecia-se a toque de caixa.

           Com o desfecho desanimador da ECO-92, o Brasil se viu virtualmente abandonado, mas não recuou de sua posição "ecologicamente correta" de editar uma versão interna e modernizada de política ambiental. Para tanto, já havia sido convocada, nos primórdios da gestão Collor, a figura eminente do professor Lutzenberger para assumir a pasta da Secretaria do Meio Ambiente.

           Sob a égide do ilustre professor, o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) foi erguido com o propósito de fiscalizar, controlar e denunciar eventuais crimes contra o patrimônio ecológico nacional. Mais do que isso, ao IBAMA se atribuiu a tarefa de administrativa e ecologicamente propor e gerir uma política de proteção ambiental para o País.

           Inserido dentro de um contexto ideológico que apontava o desenvolvimento sustentável como o caminho mais consistente para atender aos princípios de soberania política e de crescimento econômico, o País adotou o respeito ao patrimônio ecológico como um sagrado compromisso com a natureza.

           É evidente que esse compromisso _ Sr. Presidente _ não pode ser confundido com um congelamento radical de seus recursos naturais. Não se pode esperar do Estado brasileiro uma política de tombamento patrimonial tout court.

           Afinal de contas, o Brasil não esbanja um perfil econômico suficientemente autônomo, capaz de lhe proporcionar certa comodidade no trato de suas riquezas naturais. A bem da verdade, talvez se esconda em nossos recursos físicos nossa maior promessa de autodeterminação.

           Não que os consideremos como candidatos exclusivos ao salto de qualidade das sociedades, via transformação de matéria-prima em acumulação de valor. Porém, seguramente, não podemos refutar as verdades históricas que registram na potencialidade dos meios naturais a grande fonte de riqueza das nações.

           Agora, o Brasil ensaiou e ainda ensaia, com muita seriedade, erguer uma cultura ecológica, digna de capacitar nossa sociedade para um engajamento ambiental equilibrado. Aos poucos, um movimento de massa travestido na forma de consenso social sobre a preservação do meio ambiente parece dominar a mente e o comportamento dos cidadãos. 

           Com isso, devemos interpretar que as florestas brasileiras merecem a proteção que há muito lhes devíamos, mas desde que nosso empenho não atinja as raias do exagero e comprometa a sobrevivência da própria espécie humana.

           Sr. Presidente, exposto tudo isso, como evitar uma hecatombe ambiental no planeta se mais da metade de seus habitantes vive em condições de miséria crônica? No caso do Brasil, como evitar uma exploração predatória na Amazônia se a instabilidade de seu processo ocupacional segue uma precária garantia de condições socioeconômicas a seus habitantes?

           Levantamos essas indagações na expectativa de suscitar reflexões sobre o real papel dos países industrializados do Norte no rompimento do processo de transformação do discurso de equilíbrio ambiental em discurso de equilíbrio econômico. Ambos os discursos e respectivas ações deveriam necessariamente acompanhar o mesmo passo.

           Em outros termos, até que ponto os integrantes do Grupo dos Sete podem moralmente exigir de nós uma postura ecologicamente correta sem, na contrapartida, honrar seus compromissos financeiros, ainda que na forma de doação, com os países mais pobres?

           Esse descompasso não nos parece ingênuo, nem acidental. A intervenção do Banco Mundial como agente mediador dos financiamentos revela por si a indisposição da comunidade internacional em facilitar o acesso do Brasil aos recursos prometidos.

           Não é necessário esclarecer que os critérios exigidos por uma instituição da natureza do Banco Mundial para aprovação de projetos multilaterais obedecem a parâmetros absolutamente rígidos. Isso se explica porque o Banco está por definição afinado com uma lógica de análise estritamente fundada na consistência econômica e na viabilidade técnica.

           Na condição de órgão tecnocrata das relações financeiras internacionais, o Banco Mundial está habituado a processos de empréstimo de capital para cuja aprovação exigem-se longos e minuciosos exames sobre as garantias de eventuais aportes. Historicamente, quem tem batido à porta do Banco são os países pobres do Sul, a cujas voláteis economias seus diretores têm imposto normas drasticamente austeras.

           Por isso, sua especialidade se inscreve dentro de um código de conduta extremamente autoritário sobre a liberdade de seus parceiros. No caso das doações e repasses do G-7 ao Brasil para assuntos ambientais, não se pode admitir submissão de ordem igual ou mais desprezível do que tem rotineiramente sido com o Banco Mundial.

           Quando se misturam operações tão distintas sob o crivo de uma instituição essencialmente creditícia, não se pode esperar outra coisa senão o acúmulo de obstáculos, mal-entendidos, atropelos administrativos, má vontade política e ignorância de ofício.

           O equívoco certamente não está no Banco Mundial, mas sim na escolha do Banco como agente de repasse. Se os países industrializados nutrem, de fato, tanta desconfiança em relação a nossa competência gerencial, então que nos comuniquem oficialmente do juízo e deixem de tanta protelação, para não expressar coisa pior.

           Sr. Presidente, independentemente disso, o que interessa aqui é o flagrante indiscutível de descumprimento de acordos selados entre os sucessivos governos brasileiros e o G-7. Do montante inicialmente empenhado para financiamento dos projetos, nem vinte por cento foi até a data presente liberado.

           Segundo informações colhidas junto às organizações não-governamentais que atuam na Amazônia, apenas duzentos e cinqüenta milhões de dólares ingressaram de fato em território nacional desde a promessa do G-7 em destinar um bilhão e meio, em 1991.

           E o que é pior, desse valor, menos ainda tem sido concretamente utilizado nos projetos. A justificativa para esse descalabro se encontra no despreparo tanto interno quanto externo em otimizar o casamento perfeito entre recursos financeiros e viabilidade real dos projetos encaminhados.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, enfim, tudo merece uma revisão urgente. Desde os métodos de repasse das verbas do Banco Mundial para o Brasil até a implementação de uma reforma administrativa do Estado, nada escapa a uma retomada dos princípios e meios que nortearam há não tanto tempo assim a consciência mundial sobre o meio ambiente global.

           Contudo, acima de qualquer coisa, é necessário que os países industrializados, tão bem representados no G-7, recuperem o interesse pelo tema e elejam-no pauta prioritária na agenda política internacional.

           Enquanto isso, deve o Governo brasileiro aproveitar com mais agilidade o conceito de desenvolvimento sustentável e aplicá-lo na forma de projetos que, ao explorarem nossas riquezas naturais, revertam benefícios econômicos para as regiões mais carentes.

           Era o que tinha dizer.

Muito Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 07/09/1995 - Página 15581