Discurso no Senado Federal

COMENTANDO ARTIGO DE AUTORIA DO CARDEAL PRIMAZ DO BRASIL E PRESIDENTE DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS BISPOS DOM LUCAS MOREIRA NEVES, INTITULADO 'A VIDA, NÃO!', SOBRE A COMPLEXIDADE DA LEI DE PATENTES.

Autor
Odacir Soares (PFL - Partido da Frente Liberal/RO)
Nome completo: Odacir Soares Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PROPRIEDADE INDUSTRIAL.:
  • COMENTANDO ARTIGO DE AUTORIA DO CARDEAL PRIMAZ DO BRASIL E PRESIDENTE DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS BISPOS DOM LUCAS MOREIRA NEVES, INTITULADO 'A VIDA, NÃO!', SOBRE A COMPLEXIDADE DA LEI DE PATENTES.
Publicação
Publicação no DCN2 de 13/09/1995 - Página 15725
Assunto
Outros > PROPRIEDADE INDUSTRIAL.
Indexação
  • TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DOCUMENTO, AUTORIA, LUCAS MOREIRA NEVES, CARDEAL, PRESIDENTE, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), ANALISE, COMPLEXIDADE, OPOSIÇÃO, LEGISLAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, PROPRIEDADE INDUSTRIAL.

O SR. ODACIR SOARES (PFL-RO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, veio-me às mãos, encaminhada por deferência da CNBB, cópia de oportuníssimo artigo da lavra do ilustrado Cardeal Primaz do Brasil e Presidente da Conferência Nacional dos Bispos, Dom Lucas Moreira Neves, intitulado "A VIDA, NÃO!".

Pela profundidade dos conceitos nele emitidos e pela palpitante atualidade da temática nele versada, rendo-me ao instigante ensejo de comentá-lo, hoje, nesta Tribuna.

Faço-o, além do mais, porque as informações repassadas na citada matéria e os argumentos nela desenvolvidos podem favorecer o aprofundamento dos debates travados nesta Casa, com vistas à votação da lei das patentes e ao aclaramento dos aspectos sumamente polêmicos nela contidos.

À guisa de introdução à abordagem de "A VIDA, NÃO!", Sua Eminência põe ao nosso alcance duas informações de inquestionável importância, colhidas ambas em revistas européias de alto conceito.

A primeira delas diz respeito à tomada de posição dos líderes de cerca de 90 Igrejas e/ou grupos religiosos norte-americanos, expressando clara oposição à concessão de patentes sobre genes animais e humanos, células, órgãos e embriões engenheirados, isto é, modificados mediante sofisticados processos biotecnológicos.

A segunda informação extraída de uma nota da ONG espanhola Grain (Genetic Resources Action International) dá-nos conta de que, no dia 1º de março próximo passado, o Parlamento Europeu, em decisão memorável tomada após sete anos de discussão, derrubou o decreto sobre "a proteção legal às invenções biotecnológicas", proposto pela União Européia.

O eminente articulista vale-se desses posicionamentos convergentes, para introduzir seus leitores na percepção da alta complexidade da matéria concernente à "lei de patentes". É que, nela, aduz Sua Eminência:

" existe uma inegável dimensão ético-moral e religiosa, que não pode ser desdenhada. O Parlamento de Estrasburgo olhou mais o aspecto político. Mas há outros aspectos mais, desde o semântico (a clara distinção que há entre invenção e descoberta e o verdadeiro conceito de microorganismo) até o direito internacional (o direito que tem um país, mesmo terceiro-mundista e pobre, de tutelar a própria biodiversidade e de poder usá-la para os seus próprios interesses e não premido por formas neocolonialistas em benefício de outros países)."

Após referir-se às múltiplas dimensões que configuram os agudos problemas ligados à questão da propriedade industrial e da conseqüente legislação sobre os limites do direito de patenteamento, assim pondera o sábio prelado:

" Não é nada desprezível, antes, pode ter inquietantes consequências, a diferença entre invenção e descoberta. É justo e natural, sobretudo em uma cultura como a nossa na qual têm grande relevo a indústria e as relações industriais, promover e defender os direitos de invenção. É justo coibir qualquer tipo de "pirataria" industrial. Receio, porém, que, pronunciada por um Estado contra outro, esta se torne uma palavra mágica, destinada a legitimar toda sorte de pressões em favor de uma "proteção da propriedade industrial" votada no Congresso a todo vapor. Acrescento, com muita convicção, que, contra a "pirataria", vale proteger as invenções, obra do engenho, arte e criatividade humanos. Mas não vale chamar invenção e simples descoberta de algumas forças e leis da natureza, instrumentalizadas pelo homem e, consequentemente, colocadas a serviço de interesses comerciais de pessoas ou grupos."

Na verdade, para o ilustrado articulista, a distinção entre invenção e descoberta têm conseqüências que transcendem a simples questão legal. Em última análise entra em jogo a questão da vida que, no pensamento de João Paulo II, cumpre respeitar, considerar sagrada e insusceptível de ser manipulada, nem mesmo sob o pretexto da ciência e do progresso tecnológico.

Essa postura de profundo respeito à vida, não decorre exclusivamente de uma consideração ditada pela fé religiosa, mas também de amplos e altíssimos interesses nos quais está implicada a pessoa humana, conseqüentemente toda a sociedade dos homens.

É aqui que, Dom Lucas, aduzindo declarações de líderes religiosos de variadas vertentes, destaca o absurdo que ressuma da pretensão dos que intentam patentear as formas de vida surgidas das manipulações de cientistas e engenheiros genéticos. Com efeito, ressalta Sua Eminência:

" Os líderes religiosos de que falei acima, muito diversos entre eles, desde os mais "liberais" (sem excluir os que até caíram em certo agnosticismo) até os mais "conservadores", contando também judeus,muçulmanos e budistas, assestam suas interpelações e contestações contra o "Escritório de Patentes", o qual -diz o comunicado- "ao reduzir todas as formas de vida à categoria de invenções humanas, de fato desafiam a antiga e perene crença de que a vida é criação de Deus". E mais: "Se se permite aos cientistas e aos laboratórios biotecnológicos patentear toda forma de vida, isto resultará no triunfo final dos valores mercadológicos sobre os valores do espírito, da razão e da fé".

Sr. Presidente, Srs. Senadores

Acredito que não apenas os homens de fé, mas, também, todas as pessoas sensatas que prezam os valores humanos, sobretudo os valores do espírito e da razão, hão de estar acordes com as colocações de Dom Lucas.

Ouso admitir, inclusive, que a grande maioria dos senadores que muito em breve irão votar a chamada "lei das patentes" estará de acordo com os cinco itens que constituem o fecho conclusivo do artigo de Sua Eminência, cujo teor tenho a satisfação de reproduzir abaixo:

" Neste terreno de extrema delicadeza, algumas coisas devem ficar claras:

- que um Estado não tem direito de exigir de outro Estado uma lei de patentes favorável ao primeiro e danosa ao segundo como condição para algum tipo de ajuda;

- os inventos biotecnológicos devem ser objeto de uma lei própria que tenha em conta o caráter especial da "matéria" do invento;

- não há patente possível para animais e vegetais, para genes e embriões;

- patentes para organismo supõem uma reta definição dos mesmos;

- a pipeline tal como é entendida e proposta hoje é fortemente discutível para não dizer inaceitável;

- em suma: podem patentear muitas coisas - a vida, não!"

Sr. Presidente,

Por perfilhar integralmente as conclusões do eminente Primaz do Brasil; por entender que não devemos votar de afogadilho uma matéria que o Parlamento Europeu julgou tão complexa que houve por bem dedicar sete anos a discuti-la para, depois, derrubá-la tal como configurada no decreto de "proteção legal às invenções biotecnológicas" proposto pela União Européia; por pretender, sobretudo, a discussão séria e exaustiva da matéria, examinados todos os subsídios capazes de aclarar seus pontos polêmicos ou seus aspectos ainda obscuros, é que agora requeiro a inserção do artigo em referência, como anexo deste pronunciamento. Acredito que, assim o fazendo, estarei brindando os meus pares com um contributo de inestimável valor, para exame exaustivo e os debates aprofundados, hora em curso nesta Casa, sobre a matéria.

É o que penso Sr. Presidente,


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 13/09/1995 - Página 15725