Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM AOS 93 ANOS DO EX-PRESIDENTE DA REPUBLICA JUSCELINO KUBITSCHEK DE OLIVEIRA.

Autor
José Roberto Arruda
Nome completo: José Roberto Arruda
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM AOS 93 ANOS DO EX-PRESIDENTE DA REPUBLICA JUSCELINO KUBITSCHEK DE OLIVEIRA.
Publicação
Publicação no DCN2 de 13/09/1995 - Página 15691
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, JUSCELINO KUBITSCHEK DE OLIVEIRA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA (DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) -

"3 de junho de 1964.

      Sr. Presidente, Srs. Senadores, na previsão de que se confirme a cassação de meus direitos políticos, que implicaria a cassação do meu direito de cidadão, julgo do meu dever dirigir desta tribuna algumas palavras à Nação brasileira.

      Faço-o agora para que, se o ato de violência vier a consumar-se, não me veja eu privado do dever de denunciar o atentado que na minha pessoa vão sofrer as instituições livres.

      Não me é lícito perder esta oportunidade, que não me pertence, mas pertence a tudo que represento nesta hora. Julgo ser este um dos mais altos momentos da minha vida pública. Comparo-o ao instante em que recebi a faixa presidencial, depois de uma luta sem tréguas contra forças de toda ordem, inclusive as da calúnia que, em vão, tentaram deter a vontade do povo brasileiro.

      Sou ainda o mesmo cidadão. Ontem, detentor do Governo, chefe constitucional das Forças Armadas, aquele que amparou e promoveu os seus mais ferrenhos adversários. Hoje, um homem desarmado, sem possibilidades de reação material, mas disposto a reagir com a energia, a determinação e a coragem dos que combatem para cair de pé.

      Sr. Presidente, é o caso de me perguntar se deveria ficar envaidecido de tão grande privilégio, o de ser o alvo principal da luta antidemocrática, porque me invade neste instante uma tristeza das mais terríveis por que já passei em toda a minha acidentada vida pública. Essa tristeza nasce, sem dúvida, de que, se por um lado me oferecem uma oportunidade de glória, por outro lado, fere o nosso País, humilhando na minha pessoa a nossa civilização, degradando-nos no conceito das demais nações livres.

      Sei que nesta Terra as tiranias não duram, que somos uma Nação humana penetrada pelo espírito de justiça. Muito mais do que a mim, cassam os direitos políticos do Brasil.

      Dirijo-me agora, de maneira particular, aos países estrangeiros, à opinião pública internacional, para dizer-lhes que não julguem o meu País por esse ato inspirado no ódio. Quero pedir-lhes que confiem não apenas na capacidade de recuperação do Brasil no plano econômico, mas também nas grandes reservas morais do nosso País. Estamos apenas atravessando uma hora difícil, mas este é um país democrático que repele os extremismos de qualquer natureza. Não nos julguem apenas por um ato. É o que peço a todos os que nos contemplam de fora, neste momento, em que me elevo um pouco acima de mim mesmo pela discriminação do ódio e pela cegueira criminosa.

      Diante do povo brasileiro, quero declarar que me reinvisto de novos e excepcionais poderes, neste momento, para a grande caminhada da liberdade e do engrandecimento nacional."

O que acabo de ler são trechos do último discurso do então Senador Juscelino Kubitschek de Oliveira, feito nesta mesma tribuna no dia 03 de junho de 1964.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Sr. Senador Josaphat Marinho, o único daquela Legislatura presente aqui, hoje, com mandato de Senador pelo Estado da Bahia, e presente naquela sessão histórica; Sr. Governador de Brasília, Professor Cristovam Buarque; Sr. Governador de Minas, Dr. Walfrido Mares Guia; D. Sarah Kubitschek; Srªs Márcia e Maristela Kubitschek; Srs. Carlos Murilo e Ildeu de Oliveira, primos do Presidente Juscelino; familiares; amigos do Presidente; Srs. Embaixadores de Nações amigas; Srs. Senadores; Srs. Deputados; demais autoridades presentes; pioneiros de Brasília:

Passados 30 anos dessa sessão histórica, estamos todos aqui, no Senado Federal - esta que foi a última tribuna política do Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira - para reverenciar sua memória no dia em que completaria 93 anos; para homenagear, na pessoa de D. Sarah Kubitschek - eterna Primeira-Dama deste País - a grande figura pública do grande estadista Presidente Juscelino Kubitschek.

Mas todos nós, brasileiros, sabemos, D. Sarah, Márcia, Maristela, que é impossível fazer uma homenagem ao Presidente Juscelino, sem que antes façamos uma reflexão sobre as grandes lições, os grandes exemplos da sua vida pública que estão aí, como a modelar um novo projeto de país. Na verdade, o Presidente Juscelino, pela sua história de vida, desde menino humilde em Diamantina, até o período de estudos, com dificuldades, em Belo Horizonte, a carreira como médico, como Oficial da Polícia Militar mineira, depois como Prefeito de Belo Horizonte, Deputado, Governador de Minas, Presidente da República, enfim, toda sua trajetória, humana e pública, está repleta de exemplos que merecem a reflexão de todos nós que sonhamos o mesmo País que ele, antes de nós, teve a coragem de sonhar.

Destaco três grandes lições que me parecem extremamente atuais para sobre elas refletirmos. A primeira delas: foi o Presidente Juscelino Kubitschek o primeiro Líder político brasileiro a falar em desenvolvimento. Antes de Juscelino, falávamos em progresso, herdeiros ainda da teoria positivista de Comte. O Presidente Juscelino, não só no discurso, mas principalmente na prática, quer como Prefeito de Belo Horizonte, ao inventar a Pampulha e ao fazer a Avenida Antônio Carlos, com três largas pistas de cada lado e ser acusado de visionário - afinal de contas, os mineiros, na época, andavam ainda de charrete, e, hoje, a Avenida Antônio Carlos está com o trânsito caótico, já foram feitas inclusive outras avenidas, túneis - visionário, porque viu à frente de seu tempo; quer como Governador de Minas, quando levava energia elétrica a cada pequeno vilarejo de Minas, transformando a economia do Estado, criando a CEMIG e lançando bases para a construção de Três Marias, que viria a ser parte do seu binômio energia-transporte; quer como Presidente da República, quando teve a coragem de, pela primeira vez na História republicana, elaborar um Plano de Metas. Com a ajuda do eminente Professor Lucas Lopes e de outros grandes nomes da época, o Presidente Juscelino teve a coragem de, nos anos 50, falar em planejamento estratégico, em administração pública - o que é moderno hoje. Mais do que pensar em 30 metas, cumpri-las; mais do que isso, ver o País como um todo e tentar, na inter-relação dessas 30 metas e da meta-síntese - que não era a construção de Brasília, mas a interiorização do desenvolvimento -, enxergar o País do futuro, o País que, com tantas riquezas naturais e possuindo um povo bom, tinha que ter um futuro de desenvolvimento e não apenas de progresso. E por que desenvolvimento? Porque contemplava não apenas o desenvolvimento material da Nação, mas a melhoria da qualidade de vida das pessoas. O Presidente Juscelino Kubitschek cunhou pela primeira vez no discurso e na prática a importância do desenvolvimento - essa, a primeira grande lição.

Mas, como grande homem, não ficaria nisso. Ele se impôs uma segunda lição, ainda mais importante que a primeira, que era fazer todo esse desenvolvimento, fazer com que o País desenvolvesse 50 anos em 5; que construísse estradas, trouxesse a indústria automobilística; duplicasse a produção de aço; multiplicasse por cinco o potencial de energia elétrica; enfim, desenvolvesse todos os seus estágios, sobretudo, num clima de total respeito às liberdades democráticas. Essa, a segunda grande lição do Presidente Juscelino, que assumiu a faixa presidencial em clima de turbulência e teve como primeiro ato a revogação do estado de sítio. Enfrentou Aragarças e Jacareacanga, que acabaram passando para a História menos pelos ideais dos revoltosos de então, muito mais pelo gesto de anistia do agredido. Conviveu com todo tipo de opositores, mas o fez democraticamente, por meio do debate com o Congresso Nacional prestando sua contribuição àquele que era um plano ousado de desenvolvimento.

Parece-me, Sr. Presidente, Srs. Governadores, Srªs e Srs. Senadores, D. Sarah, que essas duas lições - de desenvolvimento e de liberdades democráticas - são tão grandes, tão importantes que modelariam ainda hoje o projeto de país que todos nós desejamos. Bastariam as duas não só pela tese, mas principalmente pela prática, para eternizar na memória e na emoção de todos os brasileiros a figura ímpar do Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira.

Mas não se faz estadista por acaso. Antes desse, tem que haver uma grande figura humana; e é na figura humana de Juscelino Kubitschek que está o terceiro e talvez o mais importante exemplo de toda a sua vida para as futuras gerações brasileiras. Além de promover um surto inigualável de desenvolvimento, em clima de total respeito às liberdades democráticas, conseguiu fazer tudo isso com otimismo, com um constante sorriso no rosto, com um abraço fraternal, inclusive aos adversários - o Presidente não tinha inimigos. Conseguiu explicar ao povo brasileiro - sabe Deus em que idioma - que acima do projeto de desenvolvimento, acima do clima de democracia, tinha que haver uma confiança maior, de todos os brasileiros, na capacidade de nós mesmos construirmos um país melhor. Juscelino tinha não só um projeto de país no campo econômico, mas um projeto de Nação brasileira; mais do que isso, tinha um projeto de Pátria, porque incluía-se nesse projeto de pátria o componente psicológico da confiança e do otimismo que respirávamos todos os brasileiros no final da década de 50.

Todos lembramos que, quando se construiu Brasília - e o Presidente Juscelino explicava sua construção - não era apenas para ser uma nova cidade, mais bonita, Capital do País, mas principalmente para ser um pólo de interiorização do desenvolvimento nacional. Antes éramos um país litorâneo, econômica e demograficamente litorâneo. Passados 450 anos da chegada dos portugueses ao Brasil, foi justamente a construção de Brasília e depois a construção de estradas e de usinas hidroelétricas - modelo de desenvolvimento do Presidente Juscelino - que fez com que nós, brasileiros, pela primeira vez, voltássemos as costas ao Oceano Atlântico e olhássemos nosso próprio território; mais do que olhar o próprio território, fez com que todos os brasileiros, das mais diversas regiões do País, acreditassem naquele sonho, naquele ideal.

O Presidente Juscelino contagiou a Nação brasileira. As imagens de Dino Casolla, que ainda hoje estão por aí disponíveis, mostram os candangos chegando a Brasília em carrocerias de caminhão; homens humildes, com suas famílias e com suas esperanças; alguns chegavam em lombos de burros; muitos vieram a pé, com suas famílias, das mais diversas regiões deste País.

E o que movia essas famílias? Um ideal. A prova concreta de que um sonho, quando sonhado juntos, torna-se uma realidade. Mais do que a epopéia de toda uma geração de construir Brasília, foi o clima de otimismo que respiravam todos os brasileiros.

Lá no interior, onde eu vivia, D. Sarah, era comum que, na beira da estrada de ferro, onde nasci, famílias humildes, ao construírem suas casas, fizessem dos muros imitações das colunas do Palácio da Alvorada, símbolo do orgulho que todos os brasileiros sentiam não só por causa da nova Capital, mas também pelo momento de otimismo que vivia a Nação brasileira.

Essa é a terceira grande lição do Presidente Juscelino. Mas essa também não é apenas uma homenagem ao Presidente. Permitam-me os Srs. Embaixadores, os Srs. Senadores, Srs. Governadores que esta seja também uma homenagem aos pioneiros da Região Nordeste, do Norte do País, da Região Sul, do Centro-Oeste, de todo o Brasil; os pioneiros que tiveram a audácia de acreditar num sonho, de acreditar no que era absolutamente visionário e de acompanhar esse sonho com as suas famílias, com as suas esperanças, com as suas perspectivas de futuro; e de construírem aqui, juntos, com o suor do rosto de cada um, com calos nas mãos e com muita emoção, esta cidade, que é marco do início de uma nova época na vida brasileira. Esses pioneiros, muitos dos quais estão nessas galerias hoje, principalmente os anônimos, são merecedores da mais profunda homenagem do Senado Federal.

Mas todas essas lições, Sr. Presidente, na verdade, talvez tenham ficado claras, pela primeira vez, na consciência nacional, no dia 23 de agosto de 1976. Nesse dia, quando perdíamos o Presidente Juscelino e quando, nas palavras de um outro eminente mineiro, o saudoso Tancredo Neves, a multidão se estendia do aeroporto à Catedral, nas ruas e avenidas de Brasília, foi talvez quando ocorreu um dos fenômenos mais importantes de psicologia de massa que se possa estudar no Brasil contemporâneo: o então Cardeal de Brasília, que nos honra com a sua presença neste instante, chama D. Sarah à frente da Catedral e pede-lhe, naquele momento de tristeza, que faça algo para conter a multidão que invadia a Catedral, no intuito de despedir-se do Presidente. Lembro-me bem das palavras firmes, dignas, sofridas de D. Sarah, dizendo ao povo deste País que todos poderiam ver o Presidente, mas que tivessem calma e entrassem aos poucos na Catedral. E o povo obedeceu.

Tancredo Neves, então Senador da República, quando da homenagem do Congresso à memória do ex-Presidente, numa das páginas mais marcantes desta Casa, lembrava esse episódio e traçava um paralelo, com o elogio fúnebre de De Gaulle, feito por André Malraux. Contava-nos ele que, quando Malraux chega ao Palácio onde está sendo velado e recebe as últimas homenagens do grande General francês, uma mulher do povo, humilde e triste, tenta vencer o isolamento dos soldados franceses e diz que quer se despedir do grande General. Nesse momento, os soldados franceses se voltam para aquela mulher e dizem: "A ordem é para todos e ninguém poderá entrar". André Malraux, que vinha logo em seguida, chega altivo aos sentinelas e diz: "Deixe-a passar, ela é a França"!

Cada um de nós que esteve presente no dia 26 de agosto de 1976 representava, nesse momento, a emoção e o sofrimento da Nação brasileira.

Ainda foi Tancredo que, em palavras, imortalizava esse momento, dizendo que houve, em cada lar, uma prece; em cada alma, uma lágrima e, em cada coração, um voto de pesar e de saudade. É que Juscelino pertencia àquela alta estirpe do herói de Sófocles; não viera para partilhar o ódio, viera para distribuir o amor.

Continua o Presidente Tancredo, dizendo que as nacionalidades dependem muito de sua configuração física, dos acidentes imprevisíveis e misteriosos de sua formação; dos nomes telúricos que lhe vinham com a índole e a vocação, mas não há notícia na história de alguma que se haja transformado em nação poderosa, digna e culta, sem a presença dos condutores clarividentes e proféticos, sem os guias seguros e carismáticos, sem os líderes sábios e generosos. São os predestinados que, com suas mãos fortes e rígidas, nas virtudes e defeitos dos seus povos, os constroem viris e dinâmicos, com o olhar fito no futuro, para rasgar, nos horizontes, a perspectiva iluminada do seu destino.

Nesta homenagem que fazemos ao Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira; nesta homenagem que fazemos, os que somos de Brasília; nesta homenagem que fazemos, os que vieram de Goiás, o Estado que deu a última tribuna política ao Presidente Juscelino; e os mineiros, berço do Presidente; nesta homenagem que fazemos todos, Senadores de todos os Estados brasileiros - alguns dos quais, como o ex-Presidente da República, José Sarney, atual Presidente do Congresso Nacional; o Senador Antonio Carlos Magalhães, já presentes na vida pública brasileira naquele grande momento de desenvolvimento nacional; como o Senador Josaphat Marinho, fio condutor da história; S. Exª também integrante, posteriormente, da Frente Ampla, juntamente com o Presidente Juscelino - como todos os que estão aqui, os mais jovens, os menos experiente, mas sequiosos de absorver essa lição política, essa lição de vida pública e essa lição humana do Presidente Juscelino; todos nós, nesta homenagem que prestamos ao Presidente Juscelino e aos pioneiros de Brasília, com a presença, que é um privilégio para todos nós, de D. Sarah Kubitschek; com a presença de Márcia e Maristela, as filhas do Presidente; com a presença de Ildeu de Oliveira e de Carlos Murilo, seus primos - talvez, o único lapso que Carlos Murilo cometeu em sua vida tenha sido me lançar na vida pública, embora ele me tenha dito hoje que ainda não se arrependeu disso; tenho estima pessoal e grande carinho por ele -, todos nós temos a consciência, D. Sarah, de que, mais do que uma homenagem, fazemos uma reflexão conjunta sobre os exemplos do Presidente Juscelino Kubitschek e sobre a sua importância nos contornos do futuro deste País.

Ao terminar esta oração, que faço emocionado, como mineiro, como brasiliense, como Senador da República, tomo emprestadas as palavras do próprio Presidente Juscelino, que, talvez, em nenhuma outra saudação, tenha sido capaz de imortalizar estas três grandes lições: a do desenvolvimento, a da democracia e a do otimismo.

Termino com as palavras do Presidente Juscelino, para que os aplausos desta Casa sejam à memória do grande Presidente. Dizia ele:

      "Deste Planalto Central, desta solidão que em breve se tornará o cérebro das mais altas decisões nacionais, lanço os olhos, mais uma vez, sobre o amanhã do meu País e antevejo, com fé inquebrantável e uma confiança sem limites, o seu grande destino."

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 13/09/1995 - Página 15691