Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM AOS 93 ANOS DO EX-PRESIDENTE DA REPUBLICA JUSCELINO KUBITSCHEK DE OLIVEIRA.

Autor
Mauro Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Mauro Miranda Soares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM AOS 93 ANOS DO EX-PRESIDENTE DA REPUBLICA JUSCELINO KUBITSCHEK DE OLIVEIRA.
Publicação
Publicação no DCN2 de 13/09/1995 - Página 15695
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, JUSCELINO KUBITSCHEK DE OLIVEIRA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB-GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores; Exmº Sr. Governador Cristovam Buarque; Exmº Sr. Governador, em exercício, de Minas Gerais, Walfrido Mares; D. Sarah Kubitschek; Governadora Márcia Kubitschek; filha de Juscelino, Maristela; Srs. Ministros; senhores convidados; senhoras e senhores, quando Juscelino Kubitschek assumiu a Presidência da República, eu terminava o ginásio na minha querida Uberaba. Na pré-adolescência dos 15 anos, a política não passava de uma referência distante. Cultivei o orgulho regionalista de ver um mineiro chegar ao Palácio do Catete, mas meu interesse pelo fato não ia além desse limite. Não imaginava que era parte de uma geração cujo destino seria radicalmente transformado pelo vendaval reformista que empolgou o País naqueles anos de ouro. Nem cabia nos sonhos de menino a fantasia de chegar a esta Casa, e muito menos a honra de um dia ser o escolhido para homenagear a memória do brasileiro mais ilustre deste século. Meus agradecimentos comovidos ao Presidente José Sarney. Antecipo desculpas aos colegas se minhas palavras não corresponderem à importância desta responsabilidade.

Nesta sessão especial, estamos lembrando os 93 anos de nascimento do criador de Brasília. Mas há vinte dias completaram-se os 19 anos de seu desaparecimento trágico e inesperado. Para este Congresso, para este País, para este povo, a sensação é de que o sentimento de orfandade se acentua com o avanço do tempo. Sua obra em vida deu sentido novo às expectativas pessoais de progresso de cada cidadão, alentando sonhos e despertando vontades, pelo estilo alegre de governar e pela força indomável que comandou a sua luta pelas utopias. Desde que pela força indomável que comandou a sua luta pelas utopias. Desde que Juscelino passou a faixa ao sucessor, há 34 anos, vivemos numa sociedade que caminha de lado, carente de identidade e escassa de projetos.

O otimismo, que foi a marca predominante da personalidade de Juscelino Kubitschek, é hoje uma sentida saudade daqueles tempos felizes. Sua fé era espontânea, natural, sem retoques artificiais. A esse privilégio dado por Deus somavam-se ao estadista as virtudes da determinação, da coragem e da crença de que nada era impossível. Costumava dizer que os indivíduos, como as nações, fazem o destino. Falando e fazendo o que queria o País, integrou o poder e o povo numa cumplicidade de propósitos à sua imagem e semelhança. Recuperou os descrentes, mobilizou aliados e admiradores, e desarmou os adversários pela tolerância. Na amargura do exílio, não cedeu ao ódio nem atiçou a discórdia. Não havia lugar para sentimentos de vingança nos largos espaços de sua grandeza.

A biografia de Juscelino Kubitschek é um candente poema de vigor existencial. Poder carismático de liderança, sensibilidade às causas do Estado e do cidadão, obstinação para realizar, disponibilidade para servir e sabedoria para conviver com os contrários, fundiam-se no perfil comum do homem simples e do estadista. Desde a infância pobre em Diamantina, todo o roteiro de sua vida foi uma sucessão de exemplos. Sendo o vencedor como todos sonhamos ser, a constância de suas lutas deveria impregnar o ensino brasileiro como modelo para as futuras gerações, inspirando a formação de novos líderes e reduzindo a multidão de desajustados e de indiferentes.

Órfão de pai aos três anos, nosso bandeirante de Diamantina sentiu muito cedo o drama das carências sociais brasileiras. A tuberculose, insidiosa e fatal para a época, matava o pai, João César de Oliveira, na juventude dos 35 anos. O sofrimento da família fazia nascer em Juscelino o desejo de tornar-se médico. Era como se essa decisão lhe desse o poder de vitória contra as doenças incuráveis. Nascia ali, na consciência do menino pobre e descalço do Tijuco, a primeira das grandes obsessões que o acompanhariam por toda a vida. Viúva aos 28 anos, Dona Júlia, modesta professora primária, dava aula a três quilômetros do município. Ia e voltava a pé, para prover o sustento da família e compartilhar com o filho os sonhos da medicina. Longe da jovem professora imaginar que sua luta pessoal seria a semente para as grandes transformações que se operariam no Brasil de meio século depois.

Alfabetizado pela mãe, o menino Nonô completou o ginásio aos 15 anos no colégio dos padres do arraial do Tijuco. Aos 17 anos, passou num concurso para telegrafista dos Correios. Foi o seu passaporte para sair da pacata Diamantina e tomar o rumo de Belo Horizonte. Na chegada e na adaptação à Capital, Juscelino cumpriu a mesma rotina dos jovens humildes e ambiciosos. Desembarcou de um vagão de segunda classe e foi morar numa pensão, pagando a metade do salário de telegrafista. Foi lá que conheceu José Maria de Alkmin, seu colega na pensão e nos Correios.

Formou-se em Medicina em 1927 e dedicou-se à profissão até 1945, quando trocou definitivamente os hospitais pela política. Em 1931, casou-se com Dona Sarah, a grande companheira de todas as lutas. Veio a Revolução de 32, e com ela a sucessão de acasos que injetaram o sangue da política nas veias do jovem doutor. Nomeado oficial da Força Pública, seguiu para Passa Quatro, no Sul do Estado, para servir no pequeno hospital que atendia às tropas de resistência aos paulistas. Na volta à capital, conheceu Benedito Valladares, delegado das tropas legalistas e seu futuro patrono na política. Em dezembro de 1933, Getúlio Vargas fazia de Valladares o interventor federal no Estado, e o Dr. Juscelino assumia o Gabinete Civil. Em 1935, ganhava o primeiro mandato de Deputado Federal, com a maior votação de toda a Bancada mineira. Veio o golpe de 37 e com ele o fechamento do Congresso. Manteve-se amigo do interventor, mas voltou à Medicina, distanciando-se politicamente de Valladares, de quem discordava no apoio à ditadura. Inaugurando a escalada de sucessos nas atividades do Executivo, resolveu aceitar, em 1940, a nomeação para a Prefeitura de Belo Horizonte. Aos amigos que lhe reclamaram coerência, alegou que fora encarregado pelo interventor de preparar a cidade para as eleições gerais que Vargas realizaria naquele ano, recompondo a normalidade democrática. Mas a ditadura manteve-se viva até 1945, quando aconteceu a queda de Vargas.

Sem abandonar a Medicina, Juscelino Kubitschek imprimiu administração revolucionária na capital de Minas. Na campanha presidencial de 1945, colocou todo o peso de seu prestígio no apoio ao candidato Eurico Gaspar Dutra, que venceu as eleições contra o brigadeiro Eduardo Gomes, nome indicado pela UDN. Retornou à Câmara Federal, sendo um dos Constituintes de 46, no clima de otimismo do pós-guerra. Membro da Comissão de Transportes e Comunicações, viajou aos Estados Unidos para ampliar o horizonte de seus conhecimentos sobre administração pública. Voltou convencido de que o Brasil não tinha saídas sem uma industrialização intensa e diversificada. Era a chave para as novas concepções que o levariam ao Governo de Minas Gerais. Entre a aprovação do nome do candidato e a vitória nas urnas, em 1950, Juscelino Kubitschek promoveu intensa campanha de apenas dois meses, empolgando o eleitorado com o slogan "Energia e Transporte". Distribuía promessas de desenvolvimento e contagiava com o estilo novo e alegre de campanha, seguindo dos comícios para os bailes, onde começava a consagrar a fama de "pé-de-valsa".

Com as obras de infra-estrutura que cobriram todo o Estado, o Governador Juscelino Kubitschek estabeleceu as bases para a campanha vitoriosa que o levaria depois à Presidência da República. Vivia-se um surto de desenvolvimento incomparável com o resto do País. O planejamento econômico e o desenvolvimento estavam inaugurados na nova face de Minas e na mensagem modernizadora que o Estado revelou para toda a Nação.

Juscelino já era o retrato perfeito do estadista aos olhos de admiração do País. A oposição armava-se para vender-lhe a imagem de perigosa armadilha inflacionária. Mas a ponte política estava solidamente estendida, e o candidato natural do PSD à Presidência da República superou todos os obstáculos com a determinação, a coragem e a teimosia que contracenavam com a personalidade conciliatória. Venceu o poder de fogo e a inteligência de Carlos Lacerda, que o identificava com o getulismo. Para derrubar a tese do candidato único, recurso de setores militares para impedir as eleições, convenceu Plínio Salgado a lançar-se e criou o fato consumado do pleito presidencial. Seguiram-se pequenas e grandes crises na contestação à candidatura, sob a liderança da Tribuna da Imprensa. Eleito Presidente, Juscelino ainda teve de superar a tentativa do golpe de 11 de novembro. Os passageiros da fuga no Tamandaré jamais foram punidos pelo Presidente, que editou no governo uma lei de anistia incluindo os revoltosos de Jacareacanga e Aragarças.

Foi com esse mesmo espírito desarmado que Juscelino começou a presidir os destinos da Nação brasileira em 31 de janeiro de 1956. Seu primeiro ato foi o de suspender a censura à imprensa e pedir ao Congresso o fim do Estado de Sítio. Manteve a todo custo o clima de liberdade, sem ceder a provocações que pudessem levar a impasses políticos. Impedir pretextos para a radicalização interna era a grande arma de sua estratégia política. Era assim que desarmava confrontos potenciais e desanimava os adversários da ruidosa frente oposicionista. A paixão obstinada pelo programa de metas era a sua razão de vida. Nada deveria afastá-lo do objetivo. E foi assim que chegou ao final do governo, cumprindo o ritual de transmissão do cargo ao sucessor. Um fato que não acontecia neste País desde 1926. E foi assim que ele pôde completar a obra monumental dos "cinqüenta anos em cinco", o que levou Affonso Arinos a defini-lo como o "poeta da ação".

Descrever a dimensão da obra do saudoso Presidente é como um mergulho no infinito, tal a sua grandeza real, tais foram e serão as suas projeções sobre o futuro. Atual na ação e futurista na semeadura, Juscelino revolucionou conceitos cristalizados sobre os limites da capacidade do homem em conceber e realizar. Multiplicou realidades inconquistáveis para a timidez fatalista de nossos complexos, dando asas a um País conformado com a superfície. Quebrou a hegemonia política do litoral, redesenhando o mapa em que o Oeste e o Norte eram apenas referências territoriais. Lançou a semente abençoada do desenvolvimento, criando as bases para que nos transformássemos em oitava economia do mundo. Com ele, fomos campeões mundiais em crescimento econômico. Implantou a indústria automobilística. Reinstituiu em nossa cultura democrática o espetáculo da sucessão com normalidade. Abrindo vinte mil quilômetros de estradas, integrou mais de dois terços do interior ao litoral e apresentou os brasileiros do Norte aos brasileiros do Sul. Acordou o gigante amazônico, rompendo as entranhas da floresta tropical com a ousadia da Belém-Brasília. Concebeu processos dinâmicos de ações descentralizada, com os grupos de trabalhos e os grupos executivos, desatrelados dos emperramentos burocráticos da administração direta. Iluminou a imensidão silenciosa do Centro-Oeste, plantando nele o pólo irradiador de Brasília, a meta-síntese de seu programa de realizações. Redimiu o Nordeste do atraso secular, dando à Região mais pobre do País a agência de desenvolvimento autônoma em que se transformou a SUDENE. Abriu mercado da produção industrial para mais de 200 mil empregos. Modernizou todo o parque industrial brasileiro, abrindo os portos à entrada de bens de capital e estimulando o surgimento da indústria pesada. No Plano Internacional, assumiu corajosamente o rompimento com o FMI diante da timidez dos investimentos no Brasil, e construiu os alicerces da Aliança para o Progresso, ao tomar para si a liderança continental da Operação Pan-Americana. No arrojo e na grandeza de sua obra, concebida e realizada no curto espaço de um período presidencial, Juscelino adquiriu para a História a aura do mito. Mas foi, em todos os momentos, o homem simples, afável, transparente, amigo dos amigos, festeiro e informal. Vertical na obstinação, nosso grande estadista foi horizontal nas relações de cordialidade com o seu povo.

Neste rico plenário de notáveis inteligências, temos jovens parlamentares e homens públicos experientes e calejados. Aqui está José Sarney, ex-udenista e adversário político de Juscelino, a presidir esta homenagem. Aqui está Antonio Carlos Magalhães , de origem idêntica. Presidente da Eletrobrás no Governo Geisel, passou por cima das conveniências e foi para a beira do túmulo chorar JK, como choravam o Brasil e Brasília naquela madrugada triste de agosto de 1976. Aqui está Artur da Távola que, vereador aos 21 anos no Rio de Janeiro, liderou ferrenha oposição a Carlos Lacerda, o principal adversário do Presidente. Aqui está Hugo Napoleão, filho do embaixador Aluízio Napoleão, biógrafo e amigo de Juscelino. Aqui está Benedita da Silva, filha de humilde lavadeira da família presidencial, nos tempos do Catete. Aqui está Iris Rezende, que se inspirou em Juscelino para fazer o que já fez por Goiás no campo político e das grandes obras de infra-estrutura. Aqui já esteve Jarbas Passarinho, autor de corajoso pronunciamento em que agradeceu pelos paraenses a construção da Belém-Brasília. Vivíamos os momentos mais duros da repressão política, e Juscelino era um proscrito. São provas eloqüentes de que JK foi a mais autêntica expressão de convergência pluralista dos nossos tempos.

Trago comigo a lembrança do pai udenista, que não votou em Juscelino, mas redimiu-se ao comparecer à missa de inauguração de Brasília e participar daquela grande festa cívica. Trago por igual o precioso orgulho das coincidências. Também vim de Minas, e também fui acolhido por Goiás, que deu a Juscelino o último de seus mandatos políticos. Foi o reconhecimento pela dívida de gratidão do povo goiano, cuja História foi reescrita a partir de JK. Até o fim dos séculos, tudo o que fizermos para reverenciar a memória do grande Presidente será pouco. E quis o destino que fosse em Jataí a proclamação da transferência da Capital da República para o Centro-Oeste. No longínquo sudoeste do Estado, hoje pujante graças a JK, e no ano distante de 1955, o candidato à Presidência da República definiu Brasília como a meta-síntese de seu audacioso programa de governo e fez ecoar por todo o cerrado a anunciada epopéia de conquista do Centro-Oeste.

Meus cumprimentos ao Senador José Roberto Arruda pela iniciativa de promover esta sessão especial. Mineiro de Itajubá e filho de modesto trabalhador ferroviário, ganhou as estradas abertas por Juscelino e chegou ao Planalto Central e a este Senado. Esta cerimônia reclama o tratamento das homenagens que se renovam anualmente. Eternizar a memória de Juscelino Kubitschek como símbolo e patrono da identidade nacional, nesta Casa que lhe serviu de último pouso político, é renovar a mística de sua epopéia e inspirar a luta por um país melhor, mais justo, mais alegre, mais esperançoso e menos complicado. Não poderia deixar de transmitir uma palavra especial a este grande exemplo de mulher que tem sido Dona Sarah Kubitschek. Companheira inseparável, amiga e confidente dos momentos felizes e das dores do exílio, ela representou o coração de todos os brasileiros na intimidade da família exemplar.

São as minhas modestas palavras para reverenciar a memória e o legado histórico desse brasileiro inesquecível que é Juscelino Kubitschek. Muito obrigado. (Muito bem. Palmas!)


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 13/09/1995 - Página 15695