Discurso no Senado Federal

IMPACTOS DA REFORMA TRIBUTARIA, PROPOSTA PELO GOVERNO FEDERAL, PARA A DIMINUIÇÃO DAS DESIGUALDADES REGIONAIS.

Autor
Renan Calheiros (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AL)
Nome completo: José Renan Vasconcelos Calheiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA TRIBUTARIA.:
  • IMPACTOS DA REFORMA TRIBUTARIA, PROPOSTA PELO GOVERNO FEDERAL, PARA A DIMINUIÇÃO DAS DESIGUALDADES REGIONAIS.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, José Alves, José Eduardo Dutra.
Publicação
Publicação no DCN2 de 01/09/1995 - Página 14948
Assunto
Outros > REFORMA TRIBUTARIA.
Indexação
  • ANALISE, EFEITO, PROPOSTA, REFORMA TRIBUTARIA, GOVERNO FEDERAL, SOCIEDADE, CRITICA, VONTADE, IMPOSIÇÃO, EMPRESTIMO COMPULSORIO, RESULTADO, ATIVIDADE ECONOMICA, QUEBRA, SIGILO BANCARIO, CONTRIBUINTE, PERIODO, INVESTIGAÇÃO, INDEPENDENCIA, EXISTENCIA, PROCESSO JUDICIAL.
  • APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO, AUTORIA, ORADOR, MESA DIRETORA, CRIAÇÃO, COMISSÃO PROVISORIA, SENADO, OBJETIVO, DEBATE, DISCUSSÃO, PROPOSTA, REFORMA TRIBUTARIA, GOVERNO.

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB-AL. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o fato político mais relevante da atualidade brasileira é, sem dúvida alguma, o conjunto das reformas constitucionais - tributária, administrativa e do Estado - que o Executivo submeteu, na última quarta-feira, à apreciação deste Congresso.

Hoje discuto a primeira delas.

A reforma tributária enseja, desde já, uma preciosa oportunidade para que o Senado, Casa da Federação, converta-se no foro maior de um debate destinado a equilibrar os interesses legítimos dos Estados com as genuínas aspirações do conjunto desta Nação a uma nova ordem fiscal, mais justa, mais equânime e conducente ao desenvolvimento harmônico e integrado.

Apenas o Senado Federal, com a participação efetiva de seus 81 membros, terá condições de implantar obra de engenharia política que componha os interesses da União, dos Estados e também dos Municípios.

Isso ficou claro com a experiência dos últimos meses, quando sucessivos "balões de ensaio" foram lançados pelas autoridades econômicas, a fim de antecipar as reações da opinião pública. A idéia da reforma tributária por si só evocou longos e difíceis embates, envolvendo a federalização do ICMS, a guerra fiscal por investimentos e outras questões, Sr. Presidente, igualmente polêmicas.

Entre parêntesis, forçoso é notar que a opinião pública só não poderia antever o radicalismo de dois dispositivos embutidos na proposta.

O primeiro deles, facultando à autoridade tributária federal a imposição de empréstimo compulsório sobre os frutos da atividade econômica na sociedade, "em razão da conjuntura que exija a absorção temporária do poder aquisitivo" - como diz o Governo.

O segundo, autorizando a quebra de sigilo bancário de contribuintes sob investigação, independentemente da existência de processo judicial.

Em contrapartida, Sr. Presidente, o Governo foi incapaz de prever a reação contrária a ambas em sua própria base parlamentar de apoio. Na Câmara dos Deputados, Parlamentares do PFL e do PSDB chegaram mesmo a se perguntar se o compulsório e a quebra do sigilo não seriam "bodes" ali colocados com o fito exclusivo de fortalecer a posição negociadora do Governo, com a retirada de ambos mais adiante. Tais observadores, no entanto, foram unânimes em considerar essa manobra como de eficácia duvidosa.

Apenas para encerrar este comentário tópico e, em seguida, voltar à análise do impacto da reforma tributária no sistema federativo marcado por profundas disparidades regionais - tema central deste pronunciamento -, chamo a atenção desta Casa para dois pontos.

No que respeita ao sigilo bancário, constitui este uma garantia das pessoas físicas e jurídicas contra as ingerências abusivas de agente do Poder Público no Brasil e no mundo. Urge, portanto, encaminhar essa delicada questão com todo o cuidado, para prevenir abusos e injustiças.

Se, apesar dessas expressas determinações, os vazamentos de informações bancárias e tributárias com segundas intenções políticas ou pessoais continuam, avaliem, senhoras e senhores, as conseqüências de uma oficialização da quebra do sigilo bancário; conseqüências inquisitoriais e policialescas, sem dúvida!

Quanto à cobrança do compulsório destinado a reduzir o consumo, parece que as equipes econômicas que se sucedem nos Governos de nossa República de sempre não perdem o triste hábito de castigar a população trabalhadora e sofrida pelos seus próprios fracassos no gerenciamento de agregados monetários, reservas cambiais e outras variáveis macroeconômicas. A atual equipe econômica, Sr. Presidente, insiste numa velha e desmoralizada tecla. Desde 1987, a União contraiu com o contribuinte brasileiro uma dívida colossal da ordem de aproximadamente R$6 bilhões (seis bilhões de reais), em compulsórios criados e não devolvidos.

Na verdade, Sr. Presidente, medidas extremas como essas, bem assim a obstinação governamental em prorrogar o Fundo Social de Emergência, evidenciam o incômodo paradoxo no discurso federal.

Afinal, se o País vive hoje no marco da mais estrita austeridade fiscal, com a folha de pagamento do funcionalismo sob controle e as contas públicas saneadas, conforme declarou o próprio Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, em sua entrevista coletiva do último dia 21, por que, então, o Governo insiste no Fundo Social de Emergência e em um projeto de depósitos compulsórios evocativos de uma economia de guerra?

Mas dizia eu que esta Casa deveria constituir-se no pólo catalisador do debate e encaminhamento da questão tributária na perspectiva do fortalecimento do nosso pacto federativo. Por essa razão, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estou requerendo formalmente à Mesa o estabelecimento de uma Comissão Temporária Interna para debater a reforma tributária, cujos trabalhos começarão por ouvir todos os Governadores de Estado.

O Senado Federal, Sr. Presidente, não pode retardar sua entrada nessa discussão, esperando que a matéria venha da Câmara dos Deputados depois de dois turnos de votação. Temos de começar com esse assunto imediatamente, e devemos fazê-lo dentro de uma Comissão específica, tal a importância da matéria. O trabalho dessa Comissão certamente servirá para esclarecer os termos da complexa equação tributária brasileira.

Pressionado por ficar com apenas 12% do que arrecada para o custeio do Estado nacional, o Governo Federal vem, com a reforma, disposto a rever as fatias estaduais e municipais do bolo tributário e a redefinir encargos e deveres.

Ao longo dos últimos anos, Sr. Presidente, acostumamo-nos a ouvir queixas das autoridades econômicas federais, segundo as quais a Carta de 1988 prodigalizou, aos níveis estadual e municipal, um montante de recursos muito superior aos encargos e às obrigações que estes se mostravam dispostos a assumir, daí resultando uma União subfinanciada e sobrecarregada.

O Sr. José Eduardo Dutra - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. RENAN CALHEIROS - Concedo o aparte a V. Exª, nobre Senador José Eduardo Dutra.

O Sr. José Eduardo Dutra - Nobre Senador Renan Calheiros, eu queria me congratular com a iniciativa de V. Exª, no sentido da instalação dessa Comissão Especial no Senado Federal para discutir a reforma tributária, na expectativa de que, pelo menos nesse ponto das reformas, o Senado não aceite o papel de mero carimbador das reformas que vierem da Câmara dos Deputados. Como aconteceu, por exemplo, na ordem econômica que, pelos mais diversos argumentos apresentados aqui, entre eles o de que a Câmara já havia debatido exaustivamente aquela matéria e, por isso, não tinha sentido mudar nem uma vírgula. Mas neste caso específico da reforma tributária, principalmente quando estamos vendo que existe uma intenção explícita do Governo em promover uma recentralização dos recursos, o Senado, enquanto Casa que representa a Federação brasileira, tem necessariamente, diria, que dar a palavra final sobre esse assunto. Esperamos, sinceramente, que o requerimento de V. Exª seja aprovado por esta Casa e o Senado tenha, efetivamente, a condição de se aprofundar em matéria de tal importância que, com certeza, poderá trazer reflexos negativos ou positivos para os Estados, a depender fundamentalmente da postura que esta Casa tiver.

O SR. RENAN CALHEIROS - Agradeço o oportuno aparte do Senador José Eduardo Dutra, que veio em defesa da aprovação do requerimento de criação de uma Comissão para, desde já, discutir-se a reforma tributária, e, sobretudo, soma argumento na defesa do fortalecimento do Senado como responsável, em última instância, pela rearrumação desse pacto federativo que todos nós queremos.

Ora, Sr. Presidente, sabemos todos que o quadro real é mais complexo do que o sugerido por essa singela dicotomia. O vezo concentrador da administração pública brasileira, herança do patrimonialismo burocrático e do centralismo pombalino, aprofundada no presente século pelas experiências ditatoriais de 1937 e 1964, esse mesmo vezo transparece na relutância de setores da burocracia federal em ceder aos estados e municípios parcelas efetivas e substanciais de seu poder, em consonância com o espírito e a letra da Constituição de 1988. Ou seja, a tecnoburocracia se queixa da transferência da receita, mas insiste em concentrar nas mãos instrumentos decisivos de política social e econômica.

A persistir esse estado de coisas, a Federação continuará sendo, na melhor das hipóteses, uma Federação pela metade. Uma mudança para valer, Sr. Presidente, exigirá um profundo rearranjo do pacto federativo, com uma descentralização político-administrativa e conseqüente expansão da autonomia das unidades federadas. Estas precisam conquistar, de uma vez por todas, o poder de definir sua estrutura de gastos e de arrecadação, para, finalmente, decidir sobre o seu próprio destino.

Lembro-me do meu conterrâneo, Tavares Bastos, um corajoso liberal do século passado a desafiar, praticamente sozinho, o consenso conservador então vigente, o qual, respaldado na formulação de ilustres homens de Estado como Paulino José Soares de Souza, o Visconde do Uruguai, favorecia a hipercentralização imperial. Militando no pólo oposto desse debate e elaborando pontos de vista dignos de um "Tocqueville dos trópicos", Tavares Bastos denunciava que o poder fortemente concentrado cria a inércia, o desalento, o ceticismo, a corrupção das almas que acabaram capitulando diante da força ou do vil interesse.

"O que caracteriza o homem - dizia Tavares Bastos - é o livre arbítrio e o sentimento de responsabilidade que lhe corresponde". As unidades federadas precisam ser mais livres, mais autônomas, se quisermos sejam mais responsáveis. Só assim fortaleceremos a Federação.

Como notam V. Exªs, a obra de engenharia política, tributária e fiscal que os estados e municípios esperam de nós é muito complexa. Daqui a alguns meses, quando tivermos que decidir sobre o novo sistema tributário nacional, teremos que fazê-lo considerando as bases do federalismo: a autonomia e a competência dos três níveis de governo. Teremos, enfim, que acabar com as decisões centralizadas, autoritárias e uniformes.

Não bastassem essas questões, temos as renúncias de receita tributária e a concessão de subsídios creditícios e financeiros. Como é do conhecimento de V. Exªs, só os valores consumidos com a renúncia tributária significam 1,27% do PIB, o que dá cerca de 11,45% da receita administrativa pela Secretaria da Receita Federal, algo em torno de US$ 6,3 bilhões. A despeito de uma determinação constitucional, o quantitativo regionalizado dos subsídios financeiros e creditícios é ignorado pelo Senado.

O desconhecimento desses quantitativos tem levado o Senado Federal a cometer muitos equívocos com relação ao endividamento dos Estados e municípios brasileiros - um processo invariavelmente desordenado, sem parâmetros que orientem uma política equilibrada de autorizações. Como é sabido, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, apenas quatro Estados brasileiros - São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul - respondem por 80% do endividamento nacional.

O Sr. José Alves - V. Exª me permite um aparte?

O SR. RENAN CALHEIROS - Concedo, com muita satisfação, o aparte a V. Exª.

O Sr. José Alves - Nobre Senador Renan Calheiros, inicialmente quero parabenizar V. Exª pela análise profunda e serena que faz da situação do País; uma situação difícil num momento em que o País paga um tributo elevado nesta transição de um regime inflacionário para um regime de estabilidade econômica; um preço que toda a Nação paga, principalmente a classe média, o campo e nossas empresas. Parabenizo V. Exª pela serenidade de sua análise e principalmente por apresentar propostas concretas para que esta Casa, com a responsabilidade de representar todo o povo brasileiro, possa efetivamente participar da reforma tributária. Muito obrigado.

O SR. RENAN CALHEIROS - Agradeço e incorporo, com muita satisfação, o seu aparte ao meu pronunciamento.

Mas, afinal, Sr. Presidente, quem perde e quem ganha com a reforma tributária proposta? "Ninguém", apressa-se a responder o Sr. Ministro do Planejamento. Para o Senador José Serra, o objetivo é tão-somente o de "simplificar o sistema tributário, combater a sonegação e melhorar a distribuição social da carga tributária". Para tanto, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (estadual) seria acrescido do Imposto sobre Produtos Industrializados (federal), dando lugar a um novo ICMS federalizado, que só começaria a ser cobrado em 1998.

Antes disso, porém, já em 1996, Sr. Presidente, se aprovada a proposta tributária do Governo, deixarão de ser cobrados o ICMS e o Imposto sobre Serviços (este, um tributo municipal) relativos a exportações de bens e serviços, bem como o ICMS sobre investimentos em bens de capital.

Neste ponto, eu indago: se não haverá perda, então por que o Governo prevê um "fundo de compensação", formado, inicialmente, por 20% da receita do IPI e, de 1998 até o ano 2000, por montante relativo a 10% do ICMS recolhido em 1994 sobre a exportação de produtos industrializados e 10% do arrecadado sobre a exportação dos não-industrializados naquele mesmo período? Seja como for, caberá ao Legislativo um papel crucial na regulamentação desse fundo de compensação, inclusive no detalhamento dos valores e de sua sistemática de distribuição - trabalho que será atentamente acompanhado por todos os Governadores.

Outra indagação que surge, Sr. Presidente, diz respeito à autonomia dos Governos estaduais na utilização de ferramentas tributárias para a promoção do desenvolvimento. A julgar por aquelas palavras do Ministro Serra e pelo próprio texto da proposta, essa autonomia simplesmente desaparece. Serra dá a entender que a reforma tributária é regionalmente "neutra", e seu texto prevê a unificação nacional de alíquotas por produto no novo ICMS, com a finalidade de evitar a escalada da guerra fiscal entre os Estados, quando aqueles mais pobres reduzem suas alíquotas a fim de atrair investimentos produtivos geradores de emprego, renda, desenvolvimento e bem-estar. (Aliás, nos últimos tempos, até mesmo Estados mais ricos vêm aderindo a essa prática, como prova a disputa entre São Paulo e Rio de Janeiro pela instalação da nova fábrica de caminhões Volkswagen, vencida por este último.)

No meu entender, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, uma discussão sincera, meticulosa e desassombrada de perdas e ganhos fornecerá o contexto mais adequado à retomada de um debate inadiável sobre a questão de graves dimensões históricas e estruturais para a estabilidade e a saúde do nosso pacto federativo.

Refiro-me ao persistente problema das desigualdades regionais. Com os Estados ricos cada vez mais ricos, ainda que alguns momentaneamente quebrados, e as regiões mais pobres despencando nas escalas econômicas e sociais, as desigualdades vão tomando formas trágicas e insuflando o antagonismo entre os eleitos para a vida e os escolhidos para sofrer. Como não há projetos ousados para a promoção de um desenvolvimento equilibrado, mas apenas políticas assistencialistas, a tendência dessas desigualdades é aumentar, junto com todas as ameaças que elas carregam em seu bojo.

A esta altura, Sr. Presidente, preciso registrar a reunião dos 27 secretários estaduais de Fazenda, promovida pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado no dia de ontem. A megadívida de R$10 bilhões, contraída pelos Estados junto à União, aos organismos financeiros internacionais e ao mercado financeiro privado, está inviabilizando sua capacidade de investir e mesmo de honrar despesas de custeio. Em seus dramáticos depoimentos à Comissão, os secretários relataram a desesperadora situação financeira que vitima indistintamente Estados ricos como São Paulo e pobres como as minhas Alagoas, num cenário de juros estratosféricos e encargos financeiros pesadíssimos. Tais relatos chegaram a abalar a confiança numa rápida tramitação da reforma tributária do governo tal como originalmente formulada, pois, convenhamos, Sr. Presidente, os Estados, hoje vivendo "da mão para a boca", reagirão a qualquer percepção de perda imediata de receita, mesmo que momentaneamente.

Da mesma forma que nas questões tributárias, o Senado dever-se-ia ocupar com mais empenho em formular políticas compensatórias e critérios de equalização que mantenham um equilíbrio mais duradouro, de tal modo que as regiões mais estáveis deixem de viver com soluções de emergência.

Os mecanismos que vierem a regulamentar compensações de qualquer natureza devem ser, Sr. Presidente, tanto quanto possível duradouros para que as unidades federadas possam planejar as suas próprias vidas.

É necessário que nessa formulação, tanto quanto na reforma tributária, seja levado em conta que o sistema é federativo e cooperativo e não unitário, e também que não há uma União forte composta por Estados e Municípios fracos.

É uma honra para todos nós, Sr. Presidente, que uma das fontes mais ricas de soluções, adequada para amenizar as desigualdades regionais, já tenha sido prospectada por este Congresso, graças aos bons trabalhos da Comissão Especial Mista, que estudou os desequilíbrios econômicos no Brasil, presidida pelo Senador Elcio Alvares e relatada pelo nobre Senador Beni Veras, em 1992 e 1993.

Da leitura dos três substanciosos volumes em que a comissão sistematizou seus debates, estudos e conclusões, emergem dados absolutamente chocantes, tais como:

- A renda per capita do Nordeste equivale a menos da metade da renda média nacional (41% da renda per capita brasileira) e a menos de 30% da renda do Sudeste;

- Mais grave que as disparidades econômicas e de renda per capita, Sr. Presidente, são as desigualdades de qualidade e de nível de vida. Qualquer que seja o indicador escolhido, o Nordeste apresenta condições absolutas e relativas muito abaixo da média nacional e de todas as demais regiões. O "Índice de Desenvolvimento Humano" (baseado nos dados de expectativa de vida ao nascer, taxa de alfabetização e renda per capita), no Nordeste, corresponde a apenas 72% da média nacional e 65,9% do índice mais alto, representado pela Região Sul;

- No "Índice do Nível de Vida" (baseado nos indicadores acima, bem como em informações sobre abastecimento d´água e energia, disponibilidade de geladeira, escolaridade, participação econômica e domicílios com rádio e TV), a posição relativa de minha região é ainda mais defasada, alcançando apenas 69,3% da média nacional e pouco mais de 60% do índice apresentado pelo Sudeste;

- Sr. Presidente, dos 38 milhões de indigentes (26% dos brasileiros), mais de 54% estão concentrados no meu Nordeste, região que detém uma população de pouco menos da metade da brasileira;

- Como percentual da população, o Nordeste lidera, de longe, a densidade de pobreza, considerando que 51,2% da população nordestina se enquadra na categoria de pobreza absoluta, quase o dobro da média nacional;

- Em segundo lugar no percentual de pobreza, Sr. Presidente, estão as regiões Norte e Centro-Oeste com 24,6% da população regional, sendo que o indicador nortista deve estar subestimado por não incluir a população rural.

O relatório da Comissão se encerra com uma lista de recomendações, dentre as quais ressalto:

- Uma reforma institucional que crie mecanismos necessários para a estabilidade das políticas de desenvolvimento;

- Um novo sistema de planejamento e orçamento, consubstanciado em planos decenais decorrentes de um processo participativo de tomada de decisões;

- A criação de uma "Comissão do Futuro" destinada a estudar sistemática e continuadamente as novas tendências e caminhos para um desenvolvimento equilibrado.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, eis aí, em brevíssimas pinceladas, os ingredientes de um caldeirão de conflitos regionais prestes a explodir em manifestações de violência; por enquanto, ele fervilha num surdo ressentimento que pouco a pouco envenena a convivência entre irmãos brasileiros nos limites de uma federação de "soma zero".

Como sabemos, jogos de soma zero são aquelas interações econômicas e sociais em que a vitória de um lado depende da derrota do outro.

Aqui no Senado Federal, guardião da unidade nacional e do pacto federativo, temos o dever de lutar para virar esse jogo: transformar a Federação num jogo de soma "positiva", onde todos realmente ganhem.

O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. RENAN CALHEIROS - Ouço V. Exª com muito prazer.

O Sr. Eduardo Suplicy - Cumprimento o Senador Renan Calheiros pela análise que formulou e pela proposição no sentido de que o Senado Federal venha a instituir uma comissão especial para analisar a reforma tributária. Louvo sobretudo a iniciativa de buscar para o País o caminho da maior igualdade e da uniformidade entre as Unidades da Federação e, dentro de cada uma e no conjunto todo, a busca de uma noção clara do sentido de justiça e de eqüidade. V. Exª salientou que, sobretudo no Nordeste e nas regiões Norte e Centro-Oeste, estão, em proporção muito maior, os qualificados na situação de indigência ou de pobreza absoluta. V. Exª procura indagar quais seriam as soluções para isso. A meu ver, foi extremamente saudável, inclusive por ser um Senador do PSDB que está na base de apoio do Governo, o questionamento formulado por V. Exª, no que diz respeito, por exemplo, ao Fundo Social de Emergência. Penso que só podemos efetivamente considerar seriamente essa proposição depois de bem resolvidos todos os questionamentos, tais como V. Exª colocou. No que diz respeito à forma de resolver os problemas de desigualdade, de pobreza absoluta, acredito - e tenho cada vez mais a convicção disso - que deveríamos instituir no País um programa de garantia de renda mínima, que irá ao mesmo tempo contribuir para resolver o problema da desigualdade regional e o da desigualdade pessoal. Precisamos refletir relativamente aos efeitos de algumas décadas de incentivos criados, seja para regiões como as do Nordeste, as do Norte, Centro-Oeste, seja para a região Sudeste, a região mais desenvolvida. Esses incentivos muitas vezes representaram, por sua natureza, recursos carreados para segmentos da população de maior patrimônio no País que, indiretamente, vieram a beneficiar os demais segmentos da população.

Algumas décadas destas experiências, avalio, contribuíram para que o Brasil chegasse a esta situação de campeão mundial da desigualdade. Seria o caso de pensarmos em algum outro instrumento. E, dentre os instrumentos possíveis, tenho-me convencido cada vez mais de que aquele que assegura àquelas pessoas cujas rendas não atingem um certo patamar, mínimo, dando-lhes um direito à cidadania, deveria merecer a atenção do Congresso Nacional. Pode-se até vincular este direito ao compromisso de os adultos que receberem tais benefícios colocarem os seus filhos na escola freqüentando-a efetivamente. Aliás, já foi aprovado um projeto pelo Senado sem que qualquer senador contra ele votasse, em dezembro de 1991, entretanto, ele ainda se encontra tramitando na Câmara. Como há agora experiências significativas consideradas positivas no Distrito Federal, em Campinas e em Salvador, acredito que esta proposição poderá ser examinada com maior atenção ainda pelo Congresso Nacional.

O SR. RENAN CALHEIROS - Agradeço, honrado, o aparte do Senador Eduardo Matarazzo Suplicy e o dado novo que acrescenta ao pronunciamento. Entendo, Senador Eduardo Matarazzo Suplicy, que o seu programa de renda mínima pode ser utilizado como instrumento de equilíbrio desta Federação que agoniza pelas desigualdades e pela pobreza. E este Senado, também neste aspecto, poderá ajudar no seu encaminhamento, na sua materialização.

O compromisso que cada um de nós assumiu perante o estado que representa há de nos inspirar para que aproveitemos a janela de oportunidade aberta pela reforma tributária - em benefício de nosso povo, em nome do Brasil e em benefício da nossa região.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 01/09/1995 - Página 14948