Discurso no Senado Federal

POSIÇÃO CONTRARIA A DISPOSIÇÃO DO GOVERNO FEDERAL DE PRIVATIZAR A COMPANHIA VALE DO RIO DOCE.

Autor
Sebastião Bala Rocha (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AP)
Nome completo: Sebastião Ferreira da Rocha
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • POSIÇÃO CONTRARIA A DISPOSIÇÃO DO GOVERNO FEDERAL DE PRIVATIZAR A COMPANHIA VALE DO RIO DOCE.
Aparteantes
Ademir Andrade, Antonio Carlos Valadares, José Eduardo Dutra, Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DCN2 de 14/09/1995 - Página 15769
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • OPOSIÇÃO, DECISÃO, GOVERNO FEDERAL, PRIVATIZAÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD).
  • HISTORIA, ATUAÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), IMPORTANCIA, EMPRESA DE MINERAÇÃO, MUNDO.

O SR. SEBASTIÃO ROCHA (PDT-AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Governo Federal, por intermédio de seus Ministros da área econômica, anuncia a disposição de privatizar a Vale do Rio Doce, empresa que teve um lucro de US$645 milhões em 1994, resultado do trabalho e da eficiência de quarenta e três subsidiárias, nos setores de mineração, celulose, alumínio e transporte. Esse conglomerado gigantesco, formado e desenvolvido por técnicos nacionais, tem como sócios, em suas diversas atividades, capitais com origem em doze diferentes países. A União detém 51% do capital, enquanto os quarenta e nove restantes estão nas bolsas de valores ou em mãos de particulares.

Quanto vale a Vale? Não é fácil responder a essa pergunta. Criada há cinquenta e três anos para abastecer de minério de ferro os países aliados durante a Segunda Guerra Mundial, a Vale tornou-se uma das principais empresas do setor de mineração no mundo. A decisão, tomada nos anos 40 pelo Presidente Getúlio Vargas, de nacionalizar a antiga Itabira Iron Company, criada por capitais ingleses, resultou nesse sucesso espetacular. A Vale do Rio Doce, sozinha, é responsável por 25% de todo o minério de ferro produzido no planeta.

A empresa também produz ouro, manganês e alumínio, controla uma respeitável frota de navios e possui participação em siderúrgicas, em empresas de fertilizantes, de papel e celulose, como a Cenibra e a Bahia Sul, entre outras. Seu faturamento anual passa dos seis bilhões de dólares. Mas a Vale não é apenas o conjunto de empresas. É composta por uma elite empresarial, por uma elite de técnicos e por formidáveis reservas de minérios, boa parte delas ainda não devidamente demarcadas, nem medidas. Quanto vale a Vale? É muito difícil responder.

O saudoso Senador Severo Gomes, falecido no mesmo desastre que nos levou o inesquecível Dr. Ulysses Guimarães, chegou a calcular o valor dos dezoito bilhões de toneladas de minério contidos nas reservas da Serra dos Carajás. A vinte dólares a tonelada, somente Carajás valeria 360 bilhões de dólares. Os escritórios que se ocupam da compra e venda de empresas estatais possuem uma visão diferente, segundo nos informam as revistas especializadas. Um deles identifica nos japoneses, que são os principais clientes da empresa, compradores em potencial. E arrisca: "Para os japoneses, a Vale pode representar algo em torno de 18 bilhões de dólares".

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos falando da maior empresa de mineração do mundo. Uma empresa que nos últimos cinqüenta anos tem dado motivos para o orgulho nacional. Atua sem qualquer tipo de monopólio para protegê-la e consegue resultados admiráveis. A Vale, por exemplo, desenvolveu há mais de uma década programas importantes de conservação do meio ambiente. Uma operação desse vulto e com essa grandeza não pode, nem deve, ser deixada ao acaso de uma oferta no leilão público. Os especialistas não sabem avaliar a Vale. Mas os brasileiros sabem o quanto custará perdê-la.

Há pouco mais de cinqüenta anos, a Vale do Rio Doce era apenas a mina de Itabira, Minas Gerais, a ferrovia Vitória/Minas e um porto em Vitória. Hoje, além de se constituir em um importante conglomerado de empresas, opera o Porto de Itaqui, em São Luís do Maranhão, as minas da Serra dos Carajás, no Pará, a ferrovia, trabalha em Minas Gerais, Espírito Santo e desenvolve pesquisa em toda a Região Amazônica. Não há nenhum sentido, nenhuma lógica em colocar à venda uma empresa que é eficiente, que é lucrativa, que gera empregos e possui uma tecnologia inteiramente brasileira. Além disso é uma das maiores do mundo nos diversos setores em que atua.

Parece, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que o Governo brasileiro não suporta o sucesso. O único motivo que justifica a venda da Vale, segundo o discurso oficial, é o fato de ela ser uma empresa estatal. Mas é uma estatal eficientíssima, lucrativa e que possui 48,6% de seu capital em mãos de particulares. Suas ações possuem ampla conversibilidade e são negociadas livremente nas bolsas de valores. O Governo da União já negociou com particulares diversas de suas empresas, mas nenhuma delas nas condições e com a performance da Vale do Rio Doce.

Caso concordemos com a venda dessa empresa, estaremos admitindo o princípio de que, pelo simples fato de ser estatal, uma empresa é ruim. Nesse caso, não adianta olhar para o seu desempenho, sua lucratividade, sua contribuição social. Ela possui um vício de origem que a torna descartável dentro da lógica do Governo Federal. É de uma luminosidade capaz de ferir até os olhos menos sensíveis que o caso da Vale do Rio Doce é diferente. Trata-se de uma empresa modelar, com grandes serviços prestados ao Brasil, que poderá continuar a prestá-los desde que o Governo assim o permita.

Na verdade, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não há dinheiro que pague o valor de uma empresa do porte da Vale do Rio Doce. De seus técnicos, sua tecnologia, os executivos, os funcionários, as subsidiárias, as jazidas que estão em processo de pesquisa e aquelas que já estão operando. É uma quantidade de dinheiro sem precedentes no mundo, na linha do que foi calculado pelo saudoso Senador Severo Gomes. Esse dinheiro não vai aparecer. É melhor que não apareça porque os brasileiros precisam dessa empresa como um importante instrumento de desenvolvimento regional e de conhecimento do subsolo do País.

Não há qualquer sentido ou lógica na decisão de vender a Companhia Vale do Rio Doce a capitais privados. Eles já são associados, por intermédio de grandes empresas ou do pequeno investidor. O resultado dessa comunhão de esforços tem sido altamente benéfico para o povo brasileiro. A Vale foi, portanto, a primeira a implantar um sistema de auditoria ambiental para aferir a qualidade do meio ambiente. Faz zoneamentos ecológicos, realiza inventários da flora e da fauna e ainda oferece educação ambiental para crianças e adultos. Que empresa privada terá semelhantes preocupações?

Apenas na Amazônia, a Companhia Vale do Rio Doce detém os direitos de concessão das reservas de bauxita (Mineração Rio do Norte), além da produção de alumina (Alunorte) e de alumínio primário (Albrás), todos localizados no Estado do Pará.

O Sr. Ademir Andrade - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. SEBASTIÃO ROCHA - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Ademir Andrade - Senador Sebastião Rocha, estou de pleno acordo com a preocupação de V. Exª quanto ao desejo do Governo de privatizar a Vale do Rio Doce. A Vale do Rio Doce, na verdade, não é essa flor que se apresenta. Ela é uma empresa, embora estatal, que busca a eficiência, mas que tem os seus pecados, que não são poucos, pois, desde que se implantou no nosso Estado, se não fosse a pressão popular, a atitude de determinados segmentos políticos e a organização do próprio povo, não daria absolutamente nada em troca a todos os que são donos daquela riqueza. Ela também objetiva muito lucro e, se hoje atua um pouco no social, não foi por vontade própria, V. Exª pode ter certeza disso. A Vale do Rio Doce recebeu a concessão de uma área de 400 mil hectares no nosso Estado e hoje administra uma área de 1 milhão e 167 mil hectares no Pará. É uma empresa que tem perseguido trabalhadores rurais e garimpeiros; tem tido atuações boas e outras más; está isolada, como se fosse um Estado independente dentro do nosso próprio Estado, o Pará. Veja V. Exª que ela faz tudo isso sendo uma empresa estatal. Imagine se fosse uma empresa privada! Seria a desgraça total e absoluta. Portanto, ao fazer esses reparos, gostaria de salientar que também somos totalmente contrários e entendemos ser absolutamente inadmissível a venda da Companhia Vale do Rio Doce. Faremos tudo para que isso não se concretize. O interessante, a meu ver, é que, até hoje, não vi um único político, um único representante do povo, seja Senador, Deputado Federal, Prefeito ou Vereador, defender a privatização da Vale do Rio Doce. O próprio Governador do meu Estado, que é do Partido do Presidente da República, já fez um manifesto no sentido de que essa companhia não seja privatizada. É com alegria que observo essa bandeira de luta, que é nossa, começar a influenciar outras pessoas que têm um poder expressivo na política do País. Parabenizo o Presidente José Sarney pela atitude que tem tomado em defesa da Vale do Rio Doce, o próprio Senador Jader Barbalho, que também agora manifesta o desejo de que não seja privatizada e, inclusive, propõe-se a apresentar um projeto para que essa privatização só ocorra com o consentimento do Congresso Nacional. Hoje o Governo pode fazê-lo sem nosso consentimento. Até hoje, não vi nenhum parlamentar pronunciar-se a favor da privatização. Não entendo, portanto, como um governo age contra a vontade de todo o Congresso Nacional. Se há alguém a favor da privatização que se manifeste, porque, até agora, ninguém falou sobre isso. Eu gostaria que nós ou aprovássemos o projeto do Senador José Eduardo Dutra o mais rápido possível ou, então, que o Líder Jader Barbalho encaminhasse a esta Casa o seu projeto, para garantir a proteção dessa empresa que, apesar dos seus pecados, queremos que continue nas mãos do povo brasileiro, nas mãos do Estado brasileiro. Muito obrigado.

O SR. SEBASTIÃO ROCHA - Agradeço o aparte do Senador Ademir Andrade. Quero expressar a importância de ouvi-lo sobre esse assunto, já que V. Exª representa o Estado do Pará, onde a Vale do Rio Doce tem um projeto grandioso. É interessante que o contraditório seja estabelecido, nesta Casa, a respeito de alguns pontos sobre a Vale do Rio Doce. V. Exª coloca muito bem alguns dos pecados, digamos, da empresa, mas, no final, converge para o mesmo sentimento, a mesma posição, que é a de não privatização.

Dessa forma, mesmo com entendimentos diversificados, V. Exª deixou muito claro o que praticamente é consensual nesta Casa, a não ser por algumas exceções de parlamentares ligados ao Governo, ou seja, de que a grande maioria é contrária à privatização e já tem declarado isso. Inclusive, como V. Exª frisou, duas lideranças importantes da Casa se manifestaram nesse sentido, entre outras: o próprio Presidente da Casa e o Senador Jader Barbalho, Líder do PMDB no Senado.

O Sr. José Eduardo Dutra - V. Exª me concede um aparte?

O SR. SEBASTIÃO ROCHA - Concedo o aparte, com prazer, ao Senador José Eduardo Dutra.

O Sr. José Eduardo Dutra - Nobre Senador Sebastião Rocha, V. Exª, na tarde de hoje, novamente coloca em discussão esse tema tão importante, que diz respeito à privatização da Companhia Vale do Rio Doce. Esse assunto foi objeto de amplas discussões neste plenário, há duas semanas, quando estava em pauta o nosso projeto que prevê a exigência de autorização legislativa para que a Vale do Rio Doce venha a ser privatizada. Na minha opinião, existem duas abordagens que devem ser feitas nesse processo de discussão sobre a privatização. Uma delas é essa que foi levantada pelo Senador Ademir Andrade, sobre a qual nós, da esquerda, temos necessariamente que discutir. Infelizmente, temos sido confundidos como herdeiros ou como defensores de um modelo de Estado e de um modelo de empresas estatais que foi implantado neste País, sobre cuja construção não tivemos a mínima responsabilidade. Trata-se de empresas estatais voltadas principalmente ao favorecimento da acumulação do capital privado; trata-se de empresas estatais autoritárias, sem compromisso com o social e com o público. Entendo que, ao assumirmos a defesa do patrimônio público, temos que assumir a defesa de uma perspectiva crítica, na mesma linha adotada pelo Senador Ademir Andrade. Temos que dizer que não só defendemos o patrimônio público, mas também que as atuais empresas estatais sejam privatizadas e que tenham a participação dos trabalhadores, dos usuários e, principalmente, da sociedade em que ela está inserida. Esse é um dos aspectos que não podemos deixar de registrar sempre que abrirmos um debate sobre a questão das empresas estatais. No caso específico da Companhia Vale do Rio Doce, estou, inclusive, muito à vontade, porque, na discussão do meu projeto, foi dito que o mesmo era excessivamente moderado. Sinto-me à vontade em ser colocado como moderado, como centrista, talvez, até pelos meus ancestrais que são do velho PSB de Minas Gerais. Eu poderia até ter apresentado um projeto no sentido de excluir, a priori, a Companhia Vale do Rio Doce da privatização. Tenho apresentado emendas à Medida Provisória nº 1.097, que modifica a Lei nº 8.031, medida essa que vem sendo sucessivamente reeditada. Entendo, entretanto, que o mais importante é não se abortar esta discussão; o mais importante é o Congresso Nacional retomar uma prerrogativa que era dele e que foi entregue ao Poder Executivo através da Lei nº 8.031. Essa lei, como diversas vezes registrou aqui o Senador Pedro Simon, foi aprovada por um Congresso acuado, em final de mandato, no mesmo caso em que se aprovou o confisco da poupança e aquela reforma administrativa que sucateou a máquina pública brasileira. Então, o meu projeto nada mais faz do que reinserir, para discussão no Congresso Nacional, a privatização da Vale do Rio Doce. Até porque - como também já fizemos questão de registrar - a privatização da Companhia Vale do Rio Doce envolve bens que, constitucionalmente, são da União, que é o caso do subsolo. Pode-se argumentar que ela só tem a concessão. Contudo, sabemos também que o modelo de administração dos recursos minerais brasileiros, ao estabelecer uma concessão por tempo indeterminado, transforma em letra morta o art. 176, que determina que a propriedade é da União até o bem ser descoberto. A partir do momento em que ele é descoberto, passa a ser efetivamente propriedade de quem o descobriu. Sabemos também que a Companhia Vale do Rio Doce só recebeu a concessão da Província Mineral de Carajás - que é a maior província mineral do mundo, porque envolve ferro, alumínio, cobre, ouro e prata - porque era uma empresa estatal. Se ela não fosse uma empresa estatal, com certeza aquela concessão seria retalhada, como aconteceu em todas as outras províncias minerais do Brasil. Por isso, estranhamos, da mesma forma que o Senador Ademir Andrade, que ninguém aqui tenha se manifestado em defesa da privatização. No entanto, sabemos que o Governo utilizou-se de uma manobra protelatória para poder não discutir o projeto. Estamos atentos aos prazos. O prazo foi de 20 dias, e até agora não foi nem nomeado o Relator da matéria na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Logo que se esgotar o prazo, no dia 27 de setembro, iremos apresentar um requerimento para que o projeto volte ao plenário. Esperamos que, então, os Senadores votem a favor ou contra, mas que pelo menos se manifestem quanto ao mérito do projeto, porque até agora o Governo não permitiu a sua discussão. Parabenizo V. Exª pela oportunidade do seu discurso.

O SR. SEBASTIÃO ROCHA - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador José Eduardo Dutra, e gostaria de dizer que as preocupações de V. Exª, da mesma forma que as preocupações do Senador Ademir Andrade, são também minhas, com relação aos erros, aos equívocos que com certeza ocorrem dentro do projeto todo da Vale do Rio Doce.

E, atendendo a clamores de vários Srs. Senadores, estamos apresentando um projeto de lei que pretende revogar a lei que deu carta branca, que deu um cheque em branco para o Presidente Fernando Collor de Mello privatizar as empresas estatais, dispensando a consulta ao Congresso Nacional. Estamos trazendo essa matéria para ser discutida, já que houve várias críticas àquela lei. Por isso, estamos propondo um projeto que objetiva revogar a legislação anterior, retomando, portanto, essa função importante do Senado e do Congresso Nacional que é deliberar, pois, já que aprovamos a criação de empresas, por que não aprovar também, no caso, a privatização, a extinção de outros temas dessa natureza?

Incorporo com todo o prazer o aparte de V. Exª ao meu pronunciamento e digo-lhe que a sua emenda conta com o meu integral apoio.

Logicamente, se o Senador Jader Barbalho ingressar com um projeto de lei que proponha, em definitivo, o impedimento da privatização da Vale do Rio Doce, vamos analisar os dois projetos e, de acordo com a discussão na Casa, aprovaremos seguramente um deles.

Quero dizer que o maior projeto da Vale do Rio Doce na Região Amazônica fica na província de Carajás, cujas reservas são estimadas em 18 bilhões de toneladas, numa área superior a diversos países da Europa. Este projeto tem suporte numa efetiva política de proteção ambiental que possui uma área de preservação de 411 mil hectares. A Ferrovia Carajás, que interliga a mina ao Porto de Itaqui, possibilita também o transporte da produção agrícola e de passageiros.

A Vale é a única empresa estatal que possui um Fundo de Desenvolvimento Social aplicado em saneamento básico, pontes, rodovias, construção de escolas e hospitais, recuperação de patrimônios culturais, reflorestamento de encostas e outras atividades de infra-estrutura. Ninguém poderá garantir que a política social e as iniciativas ligadas ao desenvolvimento regional figurem entre as preocupações do particular que, eventualmente, venha adquirir o controle da empresa.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, diante dos fatos aqui narrados, suponho ter tornado cristalinos os motivos que me levam a ser contra a privatização da Vale do Rio Doce. Por motivos semelhantes, estou submetendo ao julgamento dos meus nobres Colegas um projeto de lei que revoga a Lei nº 8.031, de 12 de abril de 1990, e o Decreto nº 99.464, de 16 de agosto do mesmo ano. É um projeto simples que tem por objetivo trazer para o Poder Legislativo a decisão de privatizar, ou não, as empresas estatais. Ele determina que toda e qualquer desestatização de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação pública dependerá de autorização do Congresso Nacional.

A Constituição Federal, em seu Capítulo VII da Administração Pública, art. 37, inciso XIX estabelece:

      "Somente por lei específica poderão ser criadas empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação pública."

Se há necessidade de uma lei específica para a criação de empresas estatais, isto é, de uma autorização legislativa, caso a caso, deve ser exigido o mesmo procedimento em sentido contrário. Ou seja, quando o Governo cogitar de extinguir ou vender empresas estatais deve, antes, receber a aprovação do Congresso Nacional.

A legislação atualmente existente é, na verdade, um verdadeiro cheque em branco, dado pelo Poder Legislativo ao Executivo, que dispõe dos meios e argumentos para alienar um valioso patrimônio público, formado pelo valioso esforço dos brasileiros e pelo trabalho dos técnicos.

No caso da Vale do Rio Doce, a sua privatização escapa a qualquer conceito lógico e a qualquer argumento razoável. Trata-se de uma grande empresa que funciona com elevado índice de eficiência, tem associações com capitais privados, possui milhares de investidores e investe muito no desenvolvimento social do Brasil. Além disso, seu valor não pode ser medido por pequenos números. Para que e por que privatizar esse conglomerado lucrativo? Melhor deixá-lo em mãos de brasileiros.

O Sr. Lauro Campos - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Sebastião Rocha?

O SR. SEBASTIÃO ROCHA - Ouço V. Exª, nobre Senador Lauro Campos.

O Sr. Lauro Campos - Quero, de início, parabenizar V. Exª por estar recuperando, para o Legislativo, o poder de influenciar sobre fatos importantíssimos da vida nacional. Realmente, essa capitis diminutio a que vem sendo submetido o Poder Legislativo é de se lamentar. O nosso poder sobre a vida nacional foi empalmado por meia dúzia de tecnocratas, como sabemos. Em relação à questão da privatização, chamo, também, a atenção de V. Exª para o que se encontra no Jornal do Brasil do dia 11 de setembro, pág. 10. É uma declaração feita pela Srª Helena Landau, encarregada, no BNDES, justamente do processo de privatização. Parece-me que a privatização, tal como está sendo feita no Brasil, aceitando títulos da dívida agrária, aceitando papéis podres, moedas podres em pagamento de um patrimônio como o da USIMINAS, como o da Siderúrgica Nacional, está ocasionando a dilapidação desse patrimônio, que sabemos o quanto custou ao Brasil. De início, o próprio Ministro José Serra havia prometido que os recursos da privatização seriam aplicados no social, ou voltariam para lá, de onde saiu esse imenso patrimônio. O sacrifício da sociedade, o sangue, o arrocho salarial, a dívida externa crescente e a dívida pública constituíram esse patrimônio das empresas estatais. Mas, na hora de se desfazer dele, entregam tudo nas mãos dos banqueiros. E isso vai continuar acontecendo, porque, como esclarece a Srª Helena Landau, pretendendo argumentar em sentido oposto, a privatização, tal como está sendo feita até agora, vai conseguir cobrir apenas 25%. Num trecho dessa matéria publicada no Jornal do Brasil, diz-se: "25% de uma dívida, que, em pouco mais de um ano do Plano Real, já cresceu 45,15%"; uma dívida pública mobiliária de R$ 84 bilhões. E se as empresas estatais forem vendidas, como se pretende até agora, espera-se que o Governo obtenha R$ 21 bilhões apenas, ou seja, obterá apenas 25% de recursos, que serão para pagar apenas 25% de uma dívida pública crescente. Então, o Governo ficará "sem os anéis e sem os dedos": sem as empresas estatais e com a dívida pública ainda maior do que no início do processo de privatização. Então, realmente, é de se lamentar que isso ocorra. A dívida do Governo com o mercado cresceu tanto, desde o início do Plano Real, que o esforço da venda de estatais para pagar o débito pode se tornar inútil, pelo menos a curto prazo. Somente de janeiro a maio deste ano, as despesas do setor público - União, Estados e Municípios - com juros da dívida, atingiram 4,7% do Produto Interno Bruto, ou seja, mais de R$20 bilhões nesse curto espaço de tempo. Logo, as empresas estatais serão, de acordo com esse tratamento que está sendo dado à privatização, entregues gratuitamente ao sistema bancário nacional e internacional; estes, os grandes beneficiários, trocarão esse grande patrimônio por uma fatia, uma parcela insignificante da dívida pública mobiliária. Portanto, é de se lamentar que isso ocorra. Gostaria também de declarar-me de acordo com a colocação feita pelo Senador José Eduardo Dutra, do meu Partido, no sentido de que as empresas estatais jamais representaram algo em direção ao socialismo; pelo contrário, para mim, são resultado de uma ação de um Governo ditatorial, que, através da força, de emissões, de recursos do Erário e do endividamento externo, criaram esse patrimônio. Eu sabia que esse patrimônio seria um dia doado. Previ isso há cerca de 22 anos. Sabia que seria doado para banqueiros. Escrevi um trabalho sobre isso e publiquei-o em 1982. Eu era otimista e previa também que apenas 20% do patrimônio dessas empresas seria recuperado pela doação. Realmente, é muito menos de 20%, se o procedimento continuar esse que está sendo objeto de tratamento da venda das empresas estatais. Quero parabenizar V. Exª quando diz que precisamos realmente mudar a legislação, a fim de que possamos retomar o controle sobre esse descalabro que está sendo praticado: a venda de empresas como a Companhia Vale do Rio Doce, contra a qual não se pode colocar a pecha de ineficiência do setor das empresas estatais. Os bancos privados - até bancos privados! - entram em falência, e foram dezoito a partir do Plano Real; o banco privado está falindo neste país, fora a Mesbla, as Casas Pernambucanas e outras empresas, provando, portanto, de acordo com eles, a sua ineficiência; no entanto, muitas dessas entidades estão sendo auxiliadas por recursos públicos. A Companhia Vale do Rio Doce não pode, obviamente, ser objeto dessa pecha de ineficiência, dessa pecha de incapacidade administrativa, porque ela demonstrou, na prática, o contrário. Esse argumento também não prevalece para respaldar a dilapidação do patrimônio da Companhia Vale do Rio Doce. Parabenizo V. Exª, concordo plenamente com o seu discurso e com a sugestão nele contida.

O Sr. Antonio Carlos Valadares -  V. Exª me concede um aparte?

O SR. SEBASTIÃO ROCHA - Quero, primeiramente, agradecer a intervenção, a participação do Senador Lauro Campos e dizer que, de fato, é bastante pertinente. Portanto, incorporo-a, com prazer, a meu pronunciamento.

Concedo o aparte ao Senador Antonio Carlos Valadares.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - V. Exª profere, na tarde de hoje, um grande discurso, que certamente vai ter repercussão nesta Casa, dada a providência tomada no sentido da apresentação de um projeto de lei, rejeitando ou revogando a malsinada Lei nº 8.031, que deu ao Governo Federal carta branca para fazer as privatizações, justamente conferido esse direito ao Governo Federal por um Congresso totalmente desmoralizado, por um Congresso totalmente colocado na parede em face daquele triste episódio com a criação da CPI do Orçamento, na qual a nossa instituição quase chegou ao nível zero da desmoralização pública. E foi justamente diante de uma situação como essa que os defensores da privatização se aproveitaram do enfraquecimento de nossa instituição e conseguiram a aprovação da Lei nº 8.031, que, numa primeira hora, sofreu contestação que considero da maior importância porque foi o primeiro passo para a discussão do problema, mediante o Projeto de Lei do Senador José Eduardo Dutra, do Estado de Sergipe, do meu Estado, que faz parte da Bancada do Partido dos Trabalhadores. Depois, o Senador pelo Estado do Pará, Líder do PMDB, Jader Barbalho, conhecedor profundo dos problemas daquela Região, prometeu que apresentaria um projeto excluindo a Vale do Rio Doce do processo de privatização. E o Senador Ademir Andrade, que também é um homem solidário com o patrimônio nacional teve a ocasião de, aparteando V. Exª, se solidarizar diante da proposição que ora apresenta à apreciação desta Casa. Quero dizer que tudo isso parte da cobiça externa nascida das grandes possibilidades econômicas do Brasil, das riquezas incomensuráveis que possui o nosso subsolo e cuja exploração não veio à tona, notadamente porque o nosso País ainda é um País em desenvolvimento e não dispõe de todos os recursos necessários para os empreendimentos, visando ao aproveitamento industrial dessas riquezas. Mas não será por isso, Senador Sebastião Rocha, que esta Casa vai deixar de tomar uma providência. Acredito que não vai ficar de braços cruzados, não só ante a ameaça da privatização, não mais a ameaça, mas a concretização, porque existe um dispositivo legal do Governo Federal quanto à Vale do Rio Doce; existe também a ameaça da privatização da PETROBRÁS, apesar de uma carta que foi enviada pelo Senhor Presidente da República ao Presidente do Congresso Nacional, Senador José Sarney, dizendo que a PETROBRÁS não iria sofrer qualquer processo de privatização. Enquanto isso, o Senado Federal já dispõe de uma emenda prevenindo a possibilidade de uma privatização dessa outra grande empresa estatal, que é a PETROBRÁS. Essa emenda também foi assinada por V. Exª. Fui o primeiro signatário e também assinaram os Senadores Lauro Campos, Ademir Andrade e José Eduardo. Já tenho 25 assinaturas, só faltam duas para a composição do número legal que me dará o direito de discutirmos em profundidade, na próxima terça-feira, essa questão da PETROBRÁS. Mas, para finalizar e não tomar o tempo de V. Exª, gostaria de dizer que, ao lado de projetos em defesa do patrimônio nacional, como esse de iniciativa de V. Exª, temos que cuidar do controle dessas estatais, da fiscalização mais intensa sobre as dívidas que elas contraem não só internamente, mas também no exterior. Quanto à aplicação dos recursos nas regiões onde atuam, a forma como é feita a contratação de servidores, queremos defender essas estatais que são benéficas para o País, mas que sejam devida e rigidamente controladas pelo órgão competente, que é o Poder Legislativo, formado pelo Senado Federal e pela Câmara dos Deputados. Gostaria, portanto, Senador Sebastião Rocha, de felicitar V. Exª por essa iniciativa que, desde já, conta com o meu integral apoio e o meu mais veemente aplauso.

O SR. SEBASTIÃO ROCHA - Agradeço a V. Exª o aparte e faço votos de que consiga as duas assinaturas que lhe faltam. E até diria que tenho certeza de que V. Exª conseguirá as assinaturas, haja vista o sentimento patriótico desta Casa e o compromisso de todos os Senadores com a preservação do patrimônio nacional e, portanto, não permitindo que a PETROBRÁS venha a ser futuramente privatizada.

Ao encerrar meu pronunciamento, quero aqui fazer o registro de um evento de grande importância para a região amazônica, que estará acontecendo no meu Estado, o Amapá, nos dias 28, 29 e 30 do mês de setembro. Na ocasião, reunir-se-ão a Bancada Parlamentar da Amazônia, o Conselho Deliberativo da SUDAM e o Conselho Deliberativo da SUFRAMA. Teremos na oportunidade, quinta, sexta e sábado, portanto, três grandes eventos.

Quero, neste momento, deixar aqui meu convite amigo e fraterno e dizer da minha satisfação e honra em receber os Senadores da nossa região lá no querido Amapá. O povo generoso do Amapá saberá recebê-los com carinho e com afeição.

Faço este registro agora porque, no próximo dia 15, estarei me ausentando da Casa e do País por aproximadamente 13 dias, em razão de uma visita oficial, de interesse parlamentar, à China, a convite do governo chinês. Fui indicado pela Presidência do PDT para compor a delegação e a viagem realizar-se-á entre os dias 15 e 28 deste mês. Mas estarei presente no Amapá para receber de braços abertos todos os companheiros e amigos da Casa.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 14/09/1995 - Página 15769