Discurso no Senado Federal

CONSEQUENCIAS E ASPECTOS SOCIAIS CRUEIS DA DECISÃO GOVERNAMENTAL DE ELEVAR OS JUROS.

Autor
João França (PP - Partido Progressista/RR)
Nome completo: João França Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • CONSEQUENCIAS E ASPECTOS SOCIAIS CRUEIS DA DECISÃO GOVERNAMENTAL DE ELEVAR OS JUROS.
Publicação
Publicação no DCN2 de 16/09/1995 - Página 15925
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, RESULTADO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO, EXCESSO, TAXAS, JUROS, RECESSÃO, PROVOCAÇÃO, DEMISSÃO, AUMENTO, DESEMPREGO, INADIMPLENCIA, FECHAMENTO, CONCORDATA, FALENCIA, INDUSTRIA, PREJUIZO, CRESCIMENTO ECONOMICO, PAIS.

O SR. JOÃO FRANÇA (PP-RR) - Sr. Presidente, Srª e Srs. Senadores, a sociedade brasileira é testemunha do sucesso alcançado pelo Plano Real na estabilização dos preços. O Brasil detém um recorde difícil de se superar: é o país que conviveu com as mais altas taxas de inflação durante o período mais longo. Sofremos desse mal por mais de dez anos, período em que as taxas anuais superaram a mil por cento. Nos meses imediatamente anteriores à implantação do programa, os preços subiam ao ritmo de cinqüenta por cento ao mês. Nesse agosto de 1995, a taxa de inflação deverá se situar entre um e dois por cento. É uma vitória importante e relevante para o futuro. O capital internacional volta a olhar para o Brasil como uma possibilidade efetiva de investimento.

No seu início, o Plano Real teve como base e substância, a abertura comercial e a chamada âncora cambial. Os comerciantes podiam importar com liberdade, praticar preços inferiores aos de mercado e fazer efetiva concorrência ao produto nacional. Esse, por sua vez, não encontrava espaço para elevar preços sem correr o risco de não encontrar compradores. O dólar barato, na faixa de 84 centavos de Real, facilitava as importações. A conjugação de dólar a baixo preço com a oportunidade de importar estabilizou o mercado interno e garroteou a inflação. Aumentar preços passou a significar deixar de vender, porque a concorrência se instalou no Brasil.

O mérito desse programa foi, além de colocar o processo inflacionário sob rigoroso controle, o de atacar de frente os muitos cartéis existentes no Brasil. Eles são vários. Vamos, contudo, citar apenas o da indústria automobilística. Quatro montadoras dividiam o mercado interno nacional entre si. Fabricavam carros para um mercado protegido e longe de qualquer disputa. Rapidamente, a concorrência tornou-se um acordo de cavalheiros. A qualidade do produto caiu e o preço subiu. Algumas empresas chegaram ao cúmulo de se associar entre si, como foi o caso da Autolatina, hoje extinta.

A abertura do mercado trouxe a concorrência e acabou com o acordo anteriormente existente. As empresas foram obrigadas a concorrer entre si e a disputar novo espaço diante da presença agressiva do produto estrangeiro, que carrega consigo financiamentos em condições melhores e uma superior qualidade tecnológica. Em pouco mais de três anos, o panorama se modificou por completo. Os preços de veículos novos tiveram uma queda significativa e os dos usados recuaram abruptamente. Hoje, esse mercado, que era frenético, porque os brasileiros investiam em automóveis, passou a ser estável.

Entre a decisão de abrir o mercado interno e sua execução, ocorreu a crise do México, que abalou profundamente o sistema econômico-financeiro dos Estados Unidos e de toda a América Latina. Os norte-americanos eram grandes investidores no milagre mexicano. Quando o governo mexicano desvalorizou o peso, o cenário de lucros fáceis e imediatos desmoronou. O presidente Bill Clinton foi obrigado a comandar uma inédita operação de resgate financeiro, colocando recursos do Tesouro dos Estados Unidos e constrangendo o Fundo Monetário Internacional a liberar empréstimos de emergência para o governo mexicano. Foi uma operação de cinqüenta bilhões de dólares.

Diante dessa nova realidade, os governos latino-americanos entraram em crise, uma crise de confiabilidade nas recentíssimas democracias e na capacidade de seus dirigentes de conduzir o processo de estabilização financeira. O Brasil passou pela turbulência no primeiro semestre deste ano. O governo de Brasília caminhou no sentido contrário de sua retórica. Elevou as tarifas de importação para setenta por cento, no caso dos automóveis, abriu um conflito com os países do Mercosul e colocou as taxas de juros internas na estratosfera. Em meia dúzia de atos, os executivos brasileiros desfizeram o que eles mesmos haviam pregado nos últimos tempos e contrariaram a plataforma de campanha do então candidato Fernando Henrique Cardoso.

O livre comércio ficou comprometido e a imagem do Brasil arranhada no exterior e mais ainda no âmbito do Mercosul, em função da discussão sobre as alíquotas a serem aplicadas aos veículos montados na Argentina e no Uruguai. O governo, em verdade, trabalhou para reduzir as possibilidades de importação com o objetivo de diminuir o déficit no balanço comercial. Ao mesmo tempo modificou sua política cambial, hoje o dólar está a 95 centavos de Real, e, por último, elevou brutalmente os juros internos. Cerceou o crédito, reduziu o número de prestações e jogou a economia numa recessão alarmante.

Os resultados dessa política começam a ser visíveis. Diria, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que os resultados dessa política começam a ser escandalosamente visíveis. Os economistas, quando pegos em flagrante, costumam brigar com as palavras. Na época em que o Brasil convivia com uma inflação de mais de mil por cento ao ano, eles não admitiam a hiperinflação. Falavam de um processo inflacionário vigoroso, forte e definido. Não era hiperinflação, no entanto. Agora, não há recessão. Há uma indefinida redução do nível geral de atividade da economia. Palavras, palavras, palavras. O que há, neste momento, no Brasil é uma recessão profunda.

Não preciso recorrer a exemplos. Todos os dias os jornais noticiam que grandes empresas estão realizando demissões em massa. Milhares de trabalhadores foram colocados no desemprego. Várias indústrias estão fechando, estão dando férias coletivas, estão trabalhando em dias alternados. Outras, mais objetivas, simplesmente, entraram em concordata. Outras foram para a falência. Não estou revelando segredos. Os jornais, dia após dia, contam essa história de desespero e de recessão econômica, ditada diretamente pelos executivos da área econômica. As brutais taxas de juros inviabilizaram o crescimento econômico nacional.

É natural, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que uma sociedade em guerra, ou diante de desastres naturais, se defenda. O dinheiro escasso provoca a elevação dos juros. No Brasil, no entanto, não ocorreu nada disso. O país não passou por guerras, terremotos, maremotos ou coisa semelhante. O aspecto cruel dessa decisão de elevar os juros, é que ela decorre, exclusivamente, da decisão solitária de alguns poucos executivos da área econômica do governo brasileiro. Ao trabalhador desempregado não importa que ele tenha sido demitido por força de uma recessão, depressão ou pela redução da atividade econômica. Ele perdeu sua fonte de sustento. Sua mulher e seus filhos vão sofrer os efeitos da decisão tomada em Brasília por burocratas insensíveis ao sofrimento humano.

Desde a implantação do Plano Real, quatorze instituições financeiras fecharam as suas portas no Brasil. Esse gigantesco processo falimentar se explica, apenas em parte, pela redução da inflação. Ocorre, também, que a inadimplência é, hoje, a norma das transações comerciais. Ninguém paga, porque pouquíssimos têm dinheiro. Ninguém investe em atividades produtivas, na expansão de negócios e nas novas oportunidades. Tudo está bloqueado em nome de uma correção circunstancial de rumos, imposta à sociedade pelos executivos da área econômica do governo federal. O sofrimento de milhares é decidido por uns poucos, aqui em Brasília.

Essa situação não pode persistir, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores. O Brasil é maior que a compreensão desses funcionários que deveriam servir a sociedade e não sobre ela aplicar modelos teóricos, transformando os brasileiros em cobaias de suas experimentações. Em todos os lugares, no Brasil, há o desalento, a tristeza e o desemprego. No estado de São Paulo, grandes empresas, nacionais ou não, desempregam aos milhares. No meu estado, Roraima, o fenômeno é igual, guardadas as devidas proporções. Estamos navegando em plena recessão, uma recessão estranha porque decidida e executada por meia dúzia de funcionários à revelia dos superiores interesses da Nação.

Nesse contexto não há que falar em distribuição de renda. Só é possuir, redistribuir o que existe. O desempregado, que rapidamente caminha para a economia informal, não tem nada a contribuir. Enquanto aumenta a massa dos que obtêm recursos na economia informal, aumentam os impostos para aqueles que ainda persistem no trabalho reconhecido. A distorção torna-se cada vez maior, entre o Brasil real e o Brasil que aparece nas estatísticas oficiais. Esse conjunto de distorções resulta da ação desse grupo de pessoas que, dentro do governo, não respeita o brasileiro, nem age em nome dos objetivos da sociedade. Não é razoável que se decida impor uma recessão apenas para corrigir aspectos de política monetária de curto prazo.

Ação nesse sentido é cruel, é perversa, é desumana. Brasileiros condenam brasileiros ao subemprego, ao desemprego, à fome, à miséria, ao desespero, ao desabrigo, tudo em nome de suas políticas ensandecidas. O Plano Real deixou de ter sua âncora na política cambial. O dólar está sendo desvalorizado, dia a dia. Deixou de lastrear a abertura comercial. As alíquotas de importação foram elevadas em níveis inesperados. O programa de estabilização é, agora, um projeto monetarista, igual a todos os outros, com fundamento, somente, no sofrimento do povo. As elevadíssimas taxas de juros criaram esse cenário pavoroso na sociedade brasileira.

É fundamental, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, rever, com urgência, essa política monetarista, que eleva juros, mergulha o País numa recessão profunda e acaba com o parque industrial. Apenas no mês de agosto, as indústrias paulistas demitiram 20.200 empregados. O Brasil está descendo a ladeira da economia, enquanto os executivos do governo limitam-se a anunciar medidas paliativas. As taxas de juros precisam retornar aos patamares civilizados.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 16/09/1995 - Página 15925