Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM POSTUMA AO EX-SENADOR E GOVERNADOR DA PARAIBA, ANTONIO MARIZ.

Autor
Josaphat Marinho (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Josaphat Ramos Marinho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM POSTUMA AO EX-SENADOR E GOVERNADOR DA PARAIBA, ANTONIO MARIZ.
Aparteantes
Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DCN2 de 19/09/1995 - Página 16054
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ANTONIO MARIZ, EX SENADOR, GOVERNADOR, ESTADO DA PARAIBA (PB).

O SR. JOSAPHAT MARINHO (PFL-BA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a representação do Partido da Frente Liberal associa-se ao sentimento de dor experimentado pela Paraíba e por sua representação nesta Casa.

Podia tê-lo feito em aparte ao discurso sentido que acaba de ser proferido pelo nobre Senador Ronaldo Cunha Lima, que conseguiu, apesar da emoção, juntar ao brilho de sua palavra a grandeza de sua dor. Não seria justo, porém, que o Partido traduzisse sua dor apenas num aparte.

Antonio Mariz não era apenas o Governador da Paraíba. Quantos lhe acompanhamos o trabalho de parlamentar, tivemos oportunidade de observar o caráter, o espírito e a firmeza de um grande homem público. Sóbrio e recatado, sentava-se bem ali, na terceira ou quarta fila, ao centro. Ouvia com atenção, não era freqüente na tribuna, nem no aparte. Quando, porém, ocupava a tribuna, revelava-se perfeitamente preparado para o exercício da vida pública. Se, de regra, não lia o discurso, proferia-o com a segurança de quem bem conhecia os assuntos tratados, quer na revelação dos elementos que trazia ao debate, quer na lucidez do pensamento.

Era o homem apto ao bom desempenho do mandato parlamentar. Mas não o era apenas ao bom desempenho. Tendo colhido nos estudos na França, ou ali desenvolvido, o sentimento de liberdade e igualdade, manteve o espírito atualizado, volvido para as transformações de seu tempo. Bastava que se o provocasse, para vê-lo com as idéias renovadas e em evolução.

Era um homem de pensamento progressista, no melhor sentido. Se não se inscreveu em nenhuma legenda socialista, em qualquer uma, entretanto, poderia atuar com ampla perspectiva de justiça para a sociedade de nosso tempo.

Mas, por igual, comedido e preparado, a exaltação não o levava à prática de injustiça. Vimo-lo, aqui, Relator do grave processo que conduziu ao impeachment de um Presidente da República. Em nenhum momento a firmeza de sua atitude confundiu-se com o gesto mesquinho da ofensa indevida ao Presidente acusado. Nas suas manifestações na Comissão era assim, e foi assim, sobretudo, no admirável parecer final que ofereceu à Comissão, para o julgamento da matéria.

Analisou todas as provas, a umas, criticou, outras, aceitou, corrigiu distorções e, afinal, afirmou a verdade com a dureza que resultava dos fatos, mas sem esquecer que não era, naquela nobre função, um representante de Partido, mas o juiz. Nem sequer a sua atuação de Promotor Público influiu no desdobramento da acusação naquele momento.

Revelou-se capaz, competente e nobre pela segurança com que opinou, mas, ao mesmo tempo, pela seriedade com que tratou o Presidente no infortúnio. Sabia, como bom homem público, que, num documento daquela natureza, a paixão de quem emitia o parecer precisava ser dominada pela seriedade do homem público, que julgava.

E assim se manteve até o fim dos debates neste plenário. Ninguém dele ouviu uma palavra de mesquinhez ou de desrespeito a quem, acusado por motivos diferentes, poderia ser atacado, mas devia ser tratado com o respeito, a bem da Nação, de quem ainda era Presidente, embora sujeito a processo.

Vimo-lo depois, com a doença se agravando, internado em São Paulo, e retornando a esta Casa, candidato a governador do seu Estado. Aí o outro sentimento revelou nitidamente a vocação do homem público para bem servir ao seu povo. Era visível que a doença o perseguia tenazmente. Via-se, víamos na sua fisionomia como a moléstia o tragava atrozmente. Mas ele aqui chegava, ia à Paraíba, participava de comícios, retornava a esta Casa, de novo volvia ao se estado com a firmeza de quem vencia a doença para servir à coletividade.

Já Governador, eu o vi, nós o vimos aqui com a fisionomia transformada, porém o mesmo homem de trato sóbrio e de firmeza inquebrantável, que dirigiu o seu Estado, por alguns meses, com ânimo de servi-lo honradamente.

Agora, temos notícia de sua morte

O Sr. Lauro Campos - Permite V. Exª um aparte?

O SR. JOSAPHAT MARINHO - Com muito prazer, nobre Senador.

O Sr. Lauro Campos - Sinto, Senador Josaphat Marinho, interromper o seu magnífico discurso, para associar-me a ele rapidamente. Lembro-me agora, ao ouvi-lo discorrer com tanta sensibilidade sobre o passamento do Senador e Governador Antônio Mariz, de que a frase de Anatole France se associa, na minha cabeça, às suas palavras: "Il n`y a rien plus triste que l`écoulement universel des choses", ou seja, nada existe de mais triste do que o passamento total das coisas." E esse passamento, essa transformação, esse esvaecimento se torna particularmente triste quando ele nos leva o nosso admirado Senador e Governador Antonio Mariz. Não o conheci nesta Casa, mas o conheci em casa de amigos comuns, ele e a Dona Mabel. Sua filha Adriana, conheci-a em minha casa, onde ela, para felicidade nossa, vai freqüentemente, e também na Comissão de Assuntos Econômicos, onde ela atende a todos nós. Em uma dessas coincidências que acontecem em Brasília, como para aqui afluem imigrantes de todos os quadrantes do Brasil, no fim de semana, na casa de minha filha menos nova, conheci um livro que falava sobre João Agripino. Li essa biografia, e foi lá que comecei a crescer na admiração por toda a família, que, posteriormente, se particularizou na admiração que passei a ter pelo nosso Senador ontem desaparecido. De modo que aproveito a oportunidade para dirigir à família do Senador, a sua esposa, Dona Mabel e principalmente a suas duas filhas, em especial a Adriana, as minhas condolências, o sentimento profundo de pesar que me habita, quando, como parte do "l´écoulement universel des choses" de que fala Anatole France, este esgotamento, esta perda também nos leva agora o eficiente Governador, aquele que havia se transformado à custa de sua sabedoria, transformado o conhecimento, o estudo em saber. E esse saber foi, como nós todos pudemos perceber, joeirado no silêncio, no recolhimento, naquela calma, naquela tranqüilidade que só a profundidade do saber, a firmeza das posições consegue esculpir no ser humano. Então, apresento à família, através de V. Exª, neste modesto aparte, a minha admiração pelo seu pronunciamento e, ao mesmo tempo, as minhas condolências, o meu sentimento profundo de pesar pela perda que nós experimentamos, ontem, na Paraíba e que atingiu a todos os brasileiros, principalmente aqueles que tiveram o privilégio de conhecê-lo.

O SR. JOSAPHAT MARINHO - V. Exª diz bem, Senador Lauro Campos, ao recordar que nada é mais triste do que o passamento das coisas. Sim. Nada é mais triste do que o passamento das coisas como o passamento dos homens. Mas há coisas e homens que passam, e passam definitivamente, e há coisas e homens que sobrevivem por sua vida prestante. Na existência dos homens, sobretudo, há que considerar a daqueles que, mortos, desaparecem e a daqueles que, mortos, sobrevivem. Há os que, não tendo correspondido na vida aos deveres, aos anseios de sua geração e de seu país, efetivamente desaparecem com a perda da vida, e há os que, tendo cumprido bem a sua tarefa, tendo servido à verdade e aos seus conterrâneos ou a quantos mereciam seu respeito, sobrevivem por atitudes e gestos praticados. Antonio Mariz morre, mas, inegavelmente, dele há lições que ficam.

Há pouco, o Senador Ronaldo Cunha Lima disse que, com Antonio Mariz, morriam também esperanças. Sem dúvida, toda morte sepulta esperanças. Há esperanças, entretanto que os mortos sustentaram no curso de sua existência, que, com eles, não desaparecem.

Pelo conhecimento que tive de Antonio Mariz, pelo que com ele convivi, pelo que percebi de seu sentimento de liberdade e igualdade, é justo assinalar que, não obstante morto, muitas de suas esperanças sobreviverão, porque correspondem a anseios do povo brasileiro.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 19/09/1995 - Página 16054