Discurso no Senado Federal

CONCLUSÕES DA EDIÇÃO DO MES DE ABRIL DA 'SUMULA', DA FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ, SOBRE O VERGONHOSO PAINEL DA FOME E DA MISERIA NO BRASIL.

Autor
Odacir Soares (PFL - Partido da Frente Liberal/RO)
Nome completo: Odacir Soares Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • CONCLUSÕES DA EDIÇÃO DO MES DE ABRIL DA 'SUMULA', DA FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ, SOBRE O VERGONHOSO PAINEL DA FOME E DA MISERIA NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DCN2 de 01/09/1995 - Página 14953
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, SUMULA, ORGÃO DE PUBLICAÇÃO, FUNDAÇÃO INSTITUTO OSWALDO CRUZ (FIOCRUZ), MINISTERIO DA SAUDE (MS), RELAÇÃO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, MISERIA, FOME, POBREZA, POPULAÇÃO, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO NORDESTE, EXPLORAÇÃO, TRABALHO, CRIANÇA.
  • CRITICA, VONTADE, IMPOSIÇÃO, PAIS INDUSTRIALIZADO, PROGRAMA, CONTROLE DA NATALIDADE, PAIS SUBDESENVOLVIDO.

O SR.ODACIR SOARES (PFL-RO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, por mais embotada que ande nossa sensibilidade, em virtude do convívio acomodado com as misérias que nos cercam, há momentos em que o apelo mais dramático de alguém ou a sinalização mais vigorosa de algum porta-voz dos excluídos logram sustar o prolongado torpor em que se deixou mergulhar a consciência coletiva.

Empenhada nesse ofício de avivar a sensibilidade dos homens, a CNBB, não faz muito, reativando a campanha da fraternidade, buscou converter em solidariedade, a indiferença de tantos, para com a legião de excluídos que gravita à sua volta.

Mais ou menos à mesma época, embora só agora, se me ofereça o ensejo de registrá-lo, um brilhante periódico do Ministério da Saúde também entregou-se ao mesmo mister de despertar a cidadania apregoando alguns dados de nossa dramática realidade social.

De fato, em sua edição de abril do corrente, "Súmula", órgão oficial da Fundação Oswaldo Cruz, publicado pelo Programa Radis (Reunião, Análise e Difusão de Informação sobre Saúde) aplicou em seus leitores um atordoante choque de cidadania, ao descerrar, mais uma vez, em nada menos do que três tópicos, que sequer chegam a ocupar uma página, o vergonhoso painel da fome e da miséria, que estamos longe de ter varrido do território brasileiro.

No primeiro tópico intitulado "Brasil mostra a sua miséria", Súmula relembra-nos que:

" O Brasil é um País com 42 milhões de pessoas vivendo em situação de pobreza, entre elas 16 milhões em absoluta indigência. Um País onde 16,9% das crianças entre 10 e 14 anos, trabalham para sustentar famílias inteiras, abandonando escolas e contribuindo para um índice nacional constrangedor de 20,2 milhões de analfabetos".

Após sublinhar que essa trágica realidade social destaca-se dos dados recolhidos no relatório elaborado pelo Itamaraty e apresentado pelo Ministro Paulo Renato de Souza a representantes de 193 países reunidos na Dinamarca para participar da " Reunião da Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social ", passa a descrever num segundo tópico, a fome que devasta a infância do Nordeste:

"No País mostrado ao mundo em Copenhague, a taxa de mortalidade infantil registra que, em cada mil crianças nascidas no Nordeste, 88,5 morrem antes de atingir um ano de idade e 31% dos idosos não recebem nenhum tipo de auxílio de seguridade social. Desses , 700 mil vivem - ou morrem - como indigentes, sem qualquer fonte de rendimento para sua sobrevivência.

Aproximadamente 5,3 milhões de crianças nordestinas com idade entre zero e cinco anos apresentam sinais de desnutrição de média ou grande gravidade e pelo menos 2 milhões vivem com alto risco de contrair doenças ou morrer por causa disso. Os números são de pesquisa iniciada em julho de 1994 pela nutricionista Zuleika Albuquerque, consultora da organização Pan-Americana de Saúde (Opas). Ela afirma que nenhum dos 1507 municípios do nordeste apresenta taxa de desnutrição inferior a 10%,e em 56,7% deles, a desnutrição é superior a 30%".

A configuração dessa "geografia da fome" é arrematada com os dados recolhidos pelo Núcleo de Nutrição e Saúde da USP sobre a fome infantil, envolvendo crianças de zero a 5 anos, desnutridas, por estados da Região:

Bahia     1.412,000

Pernambuco     830.000

Ceará      817.000

Maranhão     715.000

Paraíba      386.000

Piauí      335.000

Alagoas      326.000

R.G. do Norte     295.000

Sergipe      188.000

Total Nordeste -   5.304.000 

O terceiro tópico, Senhor Presidente, a despeito de ocupar-se, já agora, da pobreza no mundo e não apenas no Brasil, não atenua a violência do choque, pelo contrário agrava-o ainda mais, uma vez que escancara aos nossos olhos, o panorama de gritantes contradições que alimentam e fazem crescer as riquezas e a pobreza do mundo.

Os números da pobreza no mundo, sumariados abaixo, são tanto mais convincentes quanto se sabe que colhidos em fontes da Organização das Nações Unidas:

OS NÚMEROS DA POBREZA NO MUNDO

Um quarto dos 5,6 bilhões de habitantes do planeta vive em miséria absoluta, enquanto um quinto dessa população goza de 85% das riquezas.

2 bilhões de pessoas não têm acesso a água potável.

700 milhões de pessoas sofrem de desnutrição.

14 milhões de crianças morrem anualmente de enfermidades evitáveis.

Há em todo o mundo 1 bilhão de analfabetos.

Os desempregados são 800 milhões - oficialmente 120 milhões - sobre uma população de 2,7 bilhões de pessoas.

As mulheres constituem 70% da população desfavorecida e dois terços dos analfabetos.

Os gastos militares anuais dos países ricos são iguais à renda de 2 bilhões de pessoas pobres.

Mais de 1,5 milhão de crianças foram assassinadas em conflitos armados nos últimos dez anos. Atualmente, 90% das vítimas de guerra são civis.

A assistência internacional aos países em desenvolvimento chega, anualmente, a US$ 110 bilhões, mas o reembolso anual da dívida dos países em desenvolvimento carreia US$ 170 bilhões de volta aos países ricos.

Fonte: Organização das Nações Unidas

Sr. Presidente, Srs. Senadores

Dados como os que acabo de desfiar neste pronunciamento dispensam maiores comentários. Mesmo porque, de si só, em sua muda objetividade, são eles suficientemente eloqüentes para clamar aos céus e abalar em seus fundamentos a indiferença que capeia o egoísmo humano.

Daí porque um único comentário aflora-me à mente, à guisa de conclusão deste pronunciamento. Ele resulta, por sinal, da constatação de que mais chocante ainda do que a desnutrição dos famintos é o desperdício e a indiferença dos saciados. Mais revoltante do que a pobreza de uns e a miséria absoluta de outros é a insensibilidade absoluta dos abastados e poderosos que não apenas nada fazem para extirpar as causas da pobreza do mundo, mas até concorrem para perpetuá-la, porquanto alicerçam seu poder e sua prosperidade na penúria e na exproprição da imensa maioria dos excluídos.

Veja-se o caso dos países ricos. Assustados com o crescimento da miséria no Terceiro Mundo, não vislumbram outro meio mais eficaz de sanar o problema, do que investindo somas incalculáveis no desenvolvimento, em tais países, de programas drásticos de controle populacional, obtido mediante o incentivo ao uso indiscriminado dos contraceptivos, à disseminação da prática do aborto e da esterilização em massa das mulheres que neles habitam.

Noutras palavras, é assim que os povos abastados prestam socorro aos povos periféricos: aplicando-lhes o tiro de misericórdia e estancando-lhes as fontes de vida.

É o que penso Sr. Presidente,


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 01/09/1995 - Página 14953