Discurso no Senado Federal

TESTE NUCLEAR SUBTERRANEO NO ATOL DE MURUROA, REALIZADO PELO GOVERNO FRANCES DO SR. JACQUES CHIRAC.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA NUCLEAR.:
  • TESTE NUCLEAR SUBTERRANEO NO ATOL DE MURUROA, REALIZADO PELO GOVERNO FRANCES DO SR. JACQUES CHIRAC.
Publicação
Publicação no DCN2 de 21/09/1995 - Página 16253
Assunto
Outros > POLITICA NUCLEAR.
Indexação
  • PROTESTO, DECISÃO, JACQUES CHIRAC, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA, REALIZAÇÃO, TESTE, ENERGIA NUCLEAR, OCEANO PACIFICO.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB-PA) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o governo francês, do Senhor Jacques Chirac, realizou um teste nuclear subterrâneo no atol de Mururoa, Pacífico Sul, apesar dos protestos de todo o mundo desenvolvido. japoneses, australianos, filipinos, europeus de diversas nacionalidades e norte-americanos foram às ruas para condenar de maneira veemente a decisão francesa. Governantes repudiaram o teste nuclear e consumidores estão rejeitando produtos tradicionais originários da França.

O custo político e elevadíssimo, mas, ainda assim, o governo de Paris insiste em realizar outros cinco testes, no mesmo campo de provas do Pacífico Sul, em nome da atualização de seu dispositivo bélico nuclear. os militares franceses prometem aderir à moratória internacional de testes atômicos, depois que se encerrar esse ciclo de testes. No entanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desde que a guerra fria se encerrou não há mais espaço, nem necessidade para que as bombas atômicas atormentem a espécie humana.

No último dia seis de agosto, o mundo reverenciou a memória dos 140 mil mortos vitimados pela bomba atômica que explodiu sob os céus de Hiroshima, em 1945. No dia nove, lembramos os 74 mil cadáveres provocados pelo artefato nuclear que brilhou nos céus de Nagasaki, no sul do Japão. Os dois ataques nucleares levaram a humanidade a perceber que havia sido descoberto um meio de se destruir a espécie. Acabara a guerra tradicional, do homem contra o homem.

Em Hiroshima e Nagasaki ocorreram, no ataque nuclear, situações semelhantes: sombras de pessoas pulverizadas pelo calor de mais de três mil graus impressas nas paredes do que restou de prédios e casas destruídos, pilhas de cadáveres calcinados e milhares de feridos vagando em busca de abrigo.Depois veio a chuva negra e chegaram os efeitos da radiação atômica. As duas bombas continuam fazendo vítimas até hoje.

As bombas atômicas lançadas contra o Japão contêm lições preciosas para a humanidade. Terminou naquele dia seis de agosto a era da inocência. Começou a do terror nuclear e a do equilíbrio pela chantagem recíproca, segundo a capacidade de destruição de cada país. A história nuclear começa, no último momento da segunda guerra mundial, quando o grande físico Alberto Einstein escreve ao Presidente Roosevelt chamando sua atenção para a possibilidade de terminar o conflito com o Japão com poucas perdas americanas e absoluta destruição do inimigo.

Os norte-americanos montaram em Los Álamos uma instalação supersecreta que, conduzida por alguns dos mais brilhantes especialistas do mundo, detonou a primeira bomba atômica em 15 de julho de 1945. O Presidente Harry Truman soube do sucesso do teste quando estava em Potsdan, na Alemanha, já negociando com os soviéticos o novo mapa da Europa, pós-fascismo. Dias depois, Truman autorizou o lançamento das duas bombas atômicas sobre o Japão, sob o argumento de evitar a perda estimada de um milhão de soldados norte-americanos na invasão daquele país.

Poucos anos depois, a União Soviética explodiu a sua primeira bomba atômica. Stalin havia infiltrado um agente entre os gênios que trabalharam em Los Álamos. Em seguida o conhecimento técnico sobre como produzir a nova arma se difundiu: chineses, franceses, ingleses e indianos explodiram suas bombas atômicas. Os russos e os norte-americanos chegaram , mais tarde, ao requinte: criaram a bomba de hidrogênio, a arma mais poderosa jamais produzida pelo homem. Ela reduz a cinzas tudo o que estiver num círculo de 32 quilômetros em torno de seu epicentro.

Mas as lições do ataque nuclear contra Hiroshima foram entendidas, desde logo, pelos cientistas que participaram do projeto Manhattan.

Roberto OPEN RAIMER, o pai da bomba, transformou-se num militante pacifista. ele, ao descobrir a eficácia e a abrangência de seu invento, fez sua autocrítica numa frase terrível: "Eu me transformei na morte". Diversos outros cientistas admitiram não ter noção precisa da capacidade destruidora da nova arma.

O mundo mergulhou, em seguida, na provação da guerra fria. Estados Unidos e União Soviética expandiram ao máximo seus arsenais nucleares sob o argumento de que um não iniciaria a guerra por saber que o outro tinha a capacidade de destruir o mundo várias vezes. O confronto leste-oeste se constituiu no argumento básico que permitiu o desenvolvimento das armas e a realização de testes atômicos. Ainda assim, desde os anos cinqüenta, os dois lados começaram conversas sobre limitação dos arsenais atômicos.

Em 1979, os governos dos Estados Unidos e da extinta União Soviética concordaram em limitar a potência dos testes subterrâneos com armas nucleares. A partir dos últimos anos da década de oitenta, o final da guerra fria empurrou os governos na direção de limitar ainda mais o número de testes e os arsenais nucleares. Recentemente, a Rússia, a Inglaterra e os Estados Unidos declararam moratória aos testes nucleares, exemplo oque não foi seguido pela China, que continuou detonando bombas nucleares. Os chineses explodiram bombas atômicas, recentemente, nos dias 15 de maio e 16 de agosto.

Agora o mundo descobre que o governo francês decidiu realizar testes nucleares, entre setembro de 1995 e maio de 1996, no seu campo de provas no Atol de Mururoa, no Pacífico Sul. Os governos do mundo inteiro, sobretudo os situados no Pacífico, estão protestando contra a decisão de Paris. Os japoneses já iniciaram um boicote aos produtos franceses, atitude que começa a ser seguida pelos australianos. A França, o país da liberdade, da fraternidade e da igualdade, vira suas costas para os apelos pacifistas e insiste em submeter o mundo, outra vez, ao flagelo nuclear.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a França das liberdades não é a França das bombas atômicas! O mundo deu passos decisivos em favor da paz, nos últimos anos. As mudanças foram significativas. Caiu o muro de Berlim, a União Soviética se dissolveu em diversos países e a tendência mundial, inclusive no antigo leste-europeu, é o retorno às liberdades democráticas e ao livre comércio. O contrário disto é o obscurantismo da guerra, a ditadura sanguinária e a hecatombe de Hiroshima e Nagasaki.

Nós, no Brasil, estivemos longe do círculo de fogo do poder nuclear. No entanto, devemos levar a nossa solidariedade àqueles que protestam em todos os recantos do Planeta contra a retomada dos testes nucleares pelo governo da França. Não existe mais a guerra tradicional, não ocorre mais a situação de um soldado lutar em campo aberto contra o inimigo. A guerra de agora, se ocorrer, será travada por sofisticados computadores capazes de infligir o maior dano possível ao adversário e, por extensão, à vida humana.

A guerra atômica ameaça a vida no Planeta Terra. Nenhuma país, em verdade, poderá utilizar essa arma. Se o fizer, será varrido do mapa. Não haverá tempo para que os aviões levantem vôo, nem para que os soldados se coloquem em marcha. os mísseis com ogivas nucleares, saindo de bases terrestres ou e submarinos, são capazes de acabar com o mundo diversas vezes.

Não há sentido na realização de novos testes nucleares. os governos europeus trabalharam com afinco no sentido de organizar e implantar a sua comunidade de países. Em verdade, a Europa caminha, a passos largos, para se transformar num único país. Lentamente, as fronteiras foram se abrindo, o comércio se expandindo, as diplomacias se entendendo e a paz começou a emergir como uma possibilidade concreta. Em sentido contrário, os nacionalismos, as ditaduras e os belicistas perderam terreno.

Tudo, enfim, aponta no sentido de uma paz duradoura, profícua e extremamente benéfica para todos quantos dela participarem. E, neste bom momento da humanidade, justamente o país da democracia, das liberdades, da preocupação com os direitos individuais, a França de tantos exemplos dignificantes para a história da humanidade, decide agredir não só o homem, como a sua própria história.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não podemos deixar de reprovar, de público, a infeliz decisão do governo do Senhor Jacques Chirac de retomar os testes nucleares no Pacífico Sul. Esses testes só prejudicam o atual status da grande Nação Francesa, além de não intimidar os demais detentores do poder atômico. O momento é de paz e de construção da liberdade, da democracia e de busca da igualdade. O governo da França, com essa decisão, contraria a sua própria história de liberdade, fraternidade e igualdade que sempre ofereceu ao mundo.

Finalizamos apelando para que o governo brasileiros manifeste de público a sua condenação se somando aos demais países do mundo que buscam o caminho da paz para a humanidade.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 21/09/1995 - Página 16253