Discurso no Senado Federal

DESENVOLVIMENTO SOCIOECONOMICO DO NORDESTE.

Autor
Joel de Hollanda (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Joel de Hollanda Cordeiro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • DESENVOLVIMENTO SOCIOECONOMICO DO NORDESTE.
Aparteantes
Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DCN2 de 27/09/1995 - Página 16769
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • ANALISE, PROBLEMA, DESIGUALDADE REGIONAL, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO NORDESTE, DEFESA, REVISÃO, POLITICA, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, GOVERNO.
  • COMENTARIO, LIVRO, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), INVESTIGAÇÃO, EVOLUÇÃO, SITUAÇÃO SOCIAL, BRASIL.
  • APRESENTAÇÃO, DADOS, DEFINIÇÃO, PROBLEMA, DESEQUILIBRIO, ECONOMIA, REGIÃO NORDESTE.
  • COMENTARIO, DOCUMENTO, SECRETARIA DE PLANEJAMENTO DA PRESIDENCIA DA REPUBLICA (SEPLAN), DEFINIÇÃO, ATUAÇÃO, VIABILIDADE, PLANO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, REGIÃO NORDESTE.

O SR. JOEL DE HOLLANDA (PFL-PE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, através desta fala, pretendemos contribuir para uma análise das desigualdades regionais, enfocando o caso do Nordeste, para cuja solução definitiva se requerem o concurso e o empenho decidido desta Casa, das autoridades do Poder Executivo e dos dirigentes das instituições financeiras públicas e de empresas estatais.

No processo de desenvolvimento brasileiro, o crescimento econômico significativo, ao longo de décadas - com exceção do período recente -, tem gerado grandes condições de desequilíbrios espaciais e sociais, que se manifestam entre regiões, entre Estados, entre meio rural e meio urbano, entre centro e periferia.

Embora o crescimento rápido dos anos 70 tenha provocado alguma melhoria nos indicadores do fenômeno, as desigualdades relativas são ainda impressionantes.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - Senador Joel de Hollanda, interrompo V. Exª para prorrogar a Hora do Expediente da sessão por 15 minutos, de ofício, para que V. Exª possa proferir o seu discurso.

O SR. JOEL DE HOLLANDA - Agradeço, Sr. Presidente.

Continuando, o livro O Brasil Social: Realidades, Desafios, Opções, editado pelo IPEA em 1993, sob a coordenação de Roberto Cavalcanti de Albuquerque, constitui uma investigação de natureza global sobre a situação social brasileira e sua evolução recente.

Inicialmente, constata o óbvio: o Brasil é uma sociedade extremamente desigual, caracterizado pela oposição de "dois Brasis", expressão cunhada por Jacques Lambert, em 1953: entre um país novo e próspero e outro velho, colonial e miserável.

A chamada "década perdida" - dos anos 80 -, caracterizada pela estagnação econômica e pelas variadas tentativas de ajuste interno - os planos "ortodoxos" e "heterodoxos" -, só fez aprofundar os já péssimos indicadores de saúde, educação, saneamento, habitação e distribuição de renda para grande parcela da população. O livro revela ainda que o Brasil padece de elevado nível de concentração de renda: em 1970, os 40% mais pobres detinham apenas 10% da renda total e, nos últimos 20 anos, eles não conseguiram sequer manter aquele patamar. Aponta ainda para o fato de que a redução das disparidades de renda no País passa pela estabilização da economia com a conseqüente redução da inflação. Em certa altura, faz a seguinte observação impactante:

      "O Brasil ingressa na década de 90 com uma pesada e incômoda herança: 45 milhões de pessoas - ou 11 milhões de famílias - na condição de pobreza absoluta. Mais importante do que isso, a tendência é no sentido desse contigente continuar crescendo no futuro próximo. Para tal, contribuíram significativamente: a) os choques externos dos anos 70, como o do petróleo e das taxas de juros internacionais; b) os sucessivos experimentos fracassados de ajustamento interno que caracterizaram a década de 80, a exemplo do cruzado; e c) a passividade que tem assinalado as políticas sociais nos últimos 10 anos.

      A combinação de tais ingredientes não poderia ter outro resultado senão uma década marcada pela recessão, estagnação econômica e recrudescimento da desigualdade de renda e riqueza."

Como o nosso pronunciamento tem como principal foco as desigualdades regionais, entendemos que se faz necessário apresentar alguns dados para bem situar o problema.

Nos últimos 35 anos - de 1960 a 1994 -, foi expressivo o desempenho da economia nordestina, que exibiu crescimento médio anual de 4,7% - muito próximo ao brasileiro, de 5%. Esse crescimento foi comandado de processo incentivado de industrialização, que produziu importantes modificações na estrutura produtiva nordestina. Houve, concomitantemente, significativa melhoria nas condições médias de vida e de bem-estar da população nordestina. Ocorreu também considerável redução dos níveis de pobreza crítica, particularmente nos anos 70, e alguma redução das desigualdades parciais inter-regionais, tanto entre os Estados quanto entre o meio rural e as cidades.

Ao lado desses aspectos positivos, não se pode deixar de reconhecer que o Nordeste padece de sérias vulnerabilidades.

Economicamente, a região não consegue financiar, com poupança interna ou com capitais externos, atraídos pelo mecanismo de mercado, seu crescimento. Apresenta elevado déficit global na balança comercial, financiado ou com transferências públicas ao consumo ou com estímulos financeiros e fiscais aos investimentos. Persistem, no semi-árido, a agricultura tradicional de subsistência e pecuária extensiva com baixa produtividade, além de expostas ao risco secular da seca.

Socialmente, a pobreza crítica aflige a metade de sua população, e o desemprego e o subemprego são muito elevados.

Geoambientalmente, além das vulnerabilidades climáticas do semi-árido, grande parte dos solos nordestinos encontra-se degradada.

A despeito de existir no Nordeste razoável capacidade científico-tecnológica, percebe-se pouca coordenação do esforço de pesquisa e experimentação, pobre articulação com as matrizes nacional e internacional de geração de conhecimento e fraca conexão entre pesquisa e inovação.

No que concerne à área político-institucional, persistem, ao lado de saudável renovação do sistema político, práticas clientelistas e outras formas de apropriação privada do Estado. A capacidade dos organismos públicos de atender com eficiência às demandas sociais padece de sérias limitações.

A estratégia de desenvolvimento sustentável do Nordeste delineia-se a partir das quatro dimensões referidas: a econômico-social, a geoambiental, a científico-tecnológica e a político-institucional.

Estrategicamente, o desenvolvimento sustentável deve ser o processo em que se produz interação dinâmica e sistêmica entre áreas estratégicas selecionadas ad hoc. As áreas estratégicas devem desdobrar-se em programas prioritários, que, embora concebidos para o Nordeste como um todo, serão elaborados pelos Estados e executados descentralizadamente, com a participação dos municípios e em íntima colaboração com a sociedade civil organizada. A União deverá dar a esses programas o necessário apoio técnico-financeiro, segundo critérios que considerem os desequilíbrios interestaduais de desenvolvimento.

A Comissão Especial Mista que tratou do Desequilíbrio Econômico Inter-Regional Brasileiro, sob a Presidência do Senador Beni Veras, relata alguns dados e aspectos que achamos importantes retransmitir aqui.

A Tabela 1 mostra a participação de cada região brasileira em termos de Produto Interno Bruto e de população. Aí se vê que, em 1990, o Nordeste abrigava 29% da população do País e participava apenas de 13% no PIB.

TABELA 1

BRASIL: Participação Regional no PIB e na População

REGIÃO % PIB % POPULAÇÃO
       Sul        16,75        15,05
       Sudeste        60,91        42,65
       Nordeste        13,21        28,91
       Norte        3,49        6,98
       Centro-Oeste        5,64        6,41
       BRASIL        100,00        100,00

Obs.: 1) A economia do Nordeste deve ter alcançado, em 1994, PIB da ordem de US$ 58,1 bilhões, correspondentes a 13% do PIB brasileiro (estimado em US$ 447,3 bilhões).

2) Em 1994, a população do Nordeste, de 44,8 milhões, correspondeu a 28,9% da brasileira (154,8 milhões).

O produto per capita médio da região mais atrasada - o Nordeste - em 1990, representava 43% da média e apenas 33% do índice da Região Sudeste. (Ver Tabela 2)

TABELA 2

BRASIL: PIB per capita a

Custo de Fatores por Grande Região

1990

Em US$

REGIÃO PIB PER CAPITA
       Sul        2.772
       Sudeste        3.546
       Nordeste        1.173
       Norte        1.398
       Centro-Oeste        2.187
       BRASIL        2.527

Obs.: Em 1994, o PIB per capita da região Nordeste, de US$ 1.298, correspondeu a 45% do nacional (US$ 2.889)

Desagregado em Unidades Federadas, o PIB per capita revela que os sete Estados do Sul e Sudeste estão entre os dez que têm a maior renda per capita. No outro extremo, figuram os do Nordeste. A distância que separa o primeiro, São Paulo, do último, o Piauí, é de quase oito vezes.

A disparidade econômica se reflete em disparidades sociais: a expectativa de vida, a escolaridade, a mortalidade infantil e outros indicadores sociais desfrutam de melhor situação nas regiões de maior nível de renda.

Mais graves, porém, as desigualdades absolutas. Segundo estudo recente do IPEA ("O Mapa da Fome: Subsídios à Formulação de uma Política De Segurança Alimentar", março de 1993), o Brasil possuía, em 1990, 31,7 milhões de indigentes, cerca de 21% de sua população. Desse total, 54,3% residiam no Nordeste que abrigava 29,3% do contingente demográfico do País. A soma dos indigentes da Bahia, Ceará e Pernambuco supera, em mais de 20%, a do Sudeste, onde a maior incidência de pobreza absoluta se dá na área urbana, diferentemente do Nordeste, que é na área rural, onde é particularmente grave a concentração da propriedade e do uso da terra e da água.

Os indicadores que provam e explicam o desequilíbrio espacial e social entre regiões e Estados e entre o meio rural e urbano, entre o centro e a periferia, são hoje do conhecimento comum. A questão de maior importância não mais reside na busca de explicação para o fenômeno, mas na intervenção deliberada que permita corrigir ou minimizar os efeitos das profundas diferenças.

Nesse sentido, é preciso rever a política de desenvolvimento regional que tem sido praticada no Brasil, geralmente restrita a tímidas ações de natureza compensatória voltadas para as regiões mais deprimidas (Norte e Nordeste) e, não raro, com características nitidamente paternalistas.

Foi com alívio que ouvimos o Ministro José Serra, no dia 10 fevereiro, durante reunião da SUDENE, falando em nome do Presidente Fernando Henrique Cardoso, anunciar mudança na política do Governo para o Nordeste, garantindo-lhe apoio para o seu desenvolvimento e prioridade nas soluções. Em certo trecho do seu discurso, afirmou que o desenvolvimento da região não será mais tratado como questão regional, mas incorporado à política de desenvolvimento nacional.

Além da desregionalização, o Ministro ainda disse que o Governo terá duas outras atitudes em relação ao Nordeste: "Não ao catastrofismo, deixar de lado a idéia de um Nordeste atrasado e pedinte; e rejeição à grandiloqüência, responsável por grande parte do ceticismo, quando se fazem essas reuniões na SUDENE, justificado pelo que aconteceu no passado".

O Ministro também enfatizou que o Nordeste possui "duas importantes instituições": a SUDENE e o BNB, mas que elas precisam ser "um braço do planejamento nacional", e não "simples órgãos regionais confinados". Informou que em breve o BNB perderá seu caráter de banco comercial para tornar-se um banco de desenvolvimento, atuando sobretudo em setores de grande potencial para o Nordeste, como o turismo, a agricultura irrigada e a agroindústria. Por fim, o Ministro informou que o Governo pretende continuar com os programas em andamento e fazer uma parceria com os governos estaduais para a definição de prioridades de obras e parceria na gestão de empreendimentos.

O documento "Nordeste: Cidadania e Desenvolvimento", editado pela SUDENE a partir dos textos discutidos ao longo do Seminário Internacional sobre o Desenvolvimento do Nordeste Brasileiro, realizado no Recife, entre os dias 5 e 7 de dezembro de 1994, já realçava a importância do papel da SUDENE como órgão de planejamento regional. O processo de planejamento regional do Nordeste vem sendo progressivamente enfraquecido em conseqüência do esvaziamento técnico e administrativo da SUDENE, que deveria ser o órgão central do sistema de planejamento regional do Nordeste. Equivocadas políticas do Governo Federal respondem pela inadequada inserção da SUDENE na hierarquia do Sistema Federal de Planejamento, no qual está classificada como órgão seccional e, por isso mesmo, subordinada ao escalão setorial.

Com efeito, a política regional do Nordeste demanda um sistema institucional e administrativo em que se definam com clareza os níveis espaciais do aparato gerencial e logístico, as atividades e os órgãos setoriais e regionais envolvidos, bem como a natureza, as funções e a composição do organismo de articulação das ações governamentais - no caso, a nova SUDENE -, a inserção explícita desse organismo regional no Sistema Federal de Planejamento, subordinado ao próprio Presidente da República, as exigências de flexibilidade e continuidade de ação dos órgãos regionais e, por fim, a vinculação hierárquica da SUDENE como organismo regional. Os demais organismos regionais de atuação exclusiva ou predominante no Nordeste, como a CHESF, o DNOCS, a CODEVASF, o BNB e a FUNDAJ, dentro dessa perspectiva, devem submeter suas respectivas programações anuais ao Conselho Deliberativo da SUDENE, para efeito de compatibilização com os Planos Regionais de Desenvolvimento.

O Projeto Regional do Nordeste brasileiro, cujos fundamentos estão na Constituição Federal, estruturado num horizonte de longo prazo e em função do enfrentamento dos seus grandes desafios, depende, para seu êxito, da sua incorporação ao Projeto de Desenvolvimento Nacional. De acordo com a Magna Carta, é dever da União regionalizar, com base no planejamento, as suas políticas setoriais, sociais e macroeconômicas (art. 174, § 1º), os seus orçamentos e a sua estrutura administrativa (art. 165, §§ 6º e 7º), na perpectiva da ordenação do território (art. 21, IX), buscando a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III, combinado com o art. 43 e parágrafos).

Do que foi visto impõe-se, por disposição constitucional, que deve ser posta em prática a regionalização tanto das políticas nacionais setoriais, sociais e macroeconômicas, quanto dos orçamentos federais.

No texto constitucional, está definido que o Nordeste deve receber uma clara e expressiva atenção governamental, traduzida em instrumentos programáticos, operativos e institucionais, para que, assim, possa contribuir para a aceleração e a elevação dos níveis sociais, econômicos e políticos do desenvolvimento global do País.

Em nível estratégico, portanto, a principal entidade de desenvolvimento regional, funcionando como elo de ligação dos diferentes espaços e níveis decisórios, deve ser a SUDENE, que, supervisionada pela SEPLAN, passaria por profunda transformação em sua natureza jurídica, suas competências e sua atuação. A nova SUDENE deve ser o órgão responsável pela formulação e negociação de planos, diretrizes estratégicas e instrumentos executivos, bem como pela articulação, compatibilização e acompanhamento da execução de programas prioritários, elaborados pelos Estados da região, como desdobramento do Plano de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste.

O Sr. Lauro Campos - Gostaria de merecer um aparte de V. Exª, Senador Joel de Hollanda.

O SR. JOEL DE HOLLANDA - Pois não, nobre Senador.

O Sr. Lauro Campos - Ouço com muita atenção, nobre Senador, a exposição de V. Exª. Faço duas rápidas lembranças: uma delas é a evocação do ex-Ministro Celso Furtado, em seu livro Fantasia Organizada. Segundo o autor, foi justamente a visão do Presidente Juscelino Kubitschek a respeito dos problemas do Nordeste que fez com que ele se aproximasse do Presidente e depois se tornasse Ministro e Presidente da SUDENE. O que o Professor Celso Furtado afirma em seu livro é justamente o que está sendo repetido hoje, trinta anos depois, pelo Ministro José Serra. Juscelino afirmou que incorporaria o Projeto de Desenvolvimento do Nordeste do Brasil ao seu programa de governo e não o trataria mais como um caso regional e secundário; iria colocá-lo no painel importante de suas metas e realizações. Trinta anos depois, como eu disse, isso aparece como uma novidade pronunciada pelo Ministro José Serra. É realmente lamentável que isso ocorra. Ao contrário do que a expressão "dois Brasis", de Jacques Lambert, parece afirmar, a riqueza de São Paulo, a riqueza do Centro-Sul do Brasil tem ligação com a pobreza do Nordeste, está baseada na pobreza do Nordeste. De modo que existe relação de mútua dependência entre a concentração de renda que privilegia São Paulo e a repartição nacional do poder, da renda, da saúde, etc., que conhecemos muito bem. Gostaria também de fazer uma afirmativa, agora recordando o General Golbery, que escreveu, certa vez, que a deusa da justiça distributiva grega era a mesma deusa da crise e da destruição. Infelizmente, parece que o nosso sistema só conhece uma forma de distribuição de renda, não fazendo com que a base se aproxime do pico, não privilegiando aqueles que recebem uma parcela insignificante da renda nacional - que são esses 31 milhões a que V. Exª se referiu; o nosso sistema conhece apenas essa forma que, através da crise, achata o pico, traz a falência, a concordata e o empobrecimento do pico, aproximando-o da base da população. Infelizmente, esses mais de trinta anos que se passaram parecem comprovar esta afirmação do General Golbery, ou seja, de que o nosso sistema capitalista só conhece a forma de distribuição de renda através do empobrecimento dos ricos e não do enriquecimento dos pobres. Muito obrigado.

O SR. JOEL DE HOLLANDA - Nobre Senador Lauro Campos, agradeço a a V. Exª a gentileza do aparte. Concordo quando V. Exª chama a atenção para o fato de que já Celso Furtado, o fundador da SUDENE, lutava para que o Nordeste fosse considerado prioridade nacional, para que a Região fosse incluída nos planos de desenvolvimento do País como um todo. Lamentavelmente, nesses trinta anos não aconteceu. E agora, novamente, a Região está buscando alcançar esse objetivo. E esta Casa, nobre Senador Lauro Campos, está dando o exemplo de compromisso com a Região na medida em que o conjunto de Senadores nordestinos está se reunindo, está discutindo um projeto estratégico para a Região, que será submetido, oportunamente, ao Presidente da República, para que, de uma vez por todas, o Nordeste seja inserido no planejamento nacional. Não queremos políticas assistencialistas, não queremos esmolas, não queremos apenas projetos de salvação nacional: queremos que as potencialidades do Nordeste sejam reconhecidas e inseridas no Programa Nacional de Desenvolvimento.

Sr. Presidente, continuo o meu modesto pronunciamento.

              A viabilização da estratégia de desenvolvimento do Nordeste dependerá, ainda, da elevação da taxa de investimento da região e do aumento da produtividade dos investimentos e da melhoria da eficiência dos gastos públicos.

              A taxa de investimento do Nordeste chegou a alcançar vinte e cinco por cento do PIB no período 1971-75; é indispensável recuperar esse padrão histórico.

              As liberações do FINOR, que, na década de setenta correspondiam a 1,19% do PIB regional, hoje não passam de 0,66% do PIB. Os bancos oficiais, que, na mesma ocasião, chegaram a suprir quase setenta por cento da oferta de crédito regional, hoje reduziram essa participação para pouco mais de trinta por cento.

              A consolidação e o avanço do processo de desenvolvimento brasileiro, que supõe a plena inserção da região Nordeste nos mercados nacionais, estão exigindo, entre outras providências elementares, a realização urgente de ousadas modificações nos mecanismos e instrumentos administrados pela União. Essas mudanças terão de orientar-se pela efetiva e duradoura vinculação dos referidos mecanismos e instrumentos com a consecução dos objetivos e metas de redução dos desequilíbrios inter-regionais, enfatizando o caso do Nordeste, região onde ainda se concentram os principais óbices ao desenvolvimento nacional sustentável, apesar de ter dado respostas excepcionais aos reduzidos e declinantes estímulos recebidos nas últimas décadas. Com efeito, a economia nordestina cresceu a taxas médias anuais superiores às brasileiras, no período de 1970-92.

              De acordo como o documento "Nordeste: uma Estratégia de Desenvolvimento Sustentável", elaborado em dezembro de 1994 pelo Projeto Áridas coordenado pela SEPLAN, um Plano de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste só terá condições de ser viabilizado, caso sejam rigorosamente observadas as seguintes linhas de ação:

              1. Preservação das fontes tradicionais de financiamento de origem pública, particularmente no que concerne ao sistema de incentivos fiscais (FINOR com seus US$ duzentos e cinqüenta milhões de dólares anuais) e ao Fundo Constitucional do Nordeste (que de 1989 a 1992 acumulou um volume de empréstimos contratados da ordem de US$ um bilhão e meio de dólares).

              Ante a redução da participação do Nordeste no total dos gastos públicos e das aplicações das instituições financeiras do Governo Federal, o Fundo de Investimentos do Nordeste - FINOR e o Fundo de Financiamento do Nordeste - FNE constituem, na atualidade, praticamente os únicos instrumentos de promoção do desenvolvimento regional, sob efetivo comando da própria Região. Atuam estimulando os investimentos no sistema produtivo, pelo que devem ser preservados e aperfeiçoados. O fortalecimento do FINOR exige a adoção de medidas, no âmbito nacional, visando ao restabelecimento do caráter espacialmente seletivo dos incentivos, o incremento da sua eficácia, o equilíbrio das finanças públicas e o aumento da capacidade de investimentos governamentais. Por outro lado, é imprescindível aprimorar a gestão do sistema de modo a mantê-lo, orçamentária e financeiramente equilibrado e rigorosamente vinculado às prioridades do desenvolvimento regional. Quanto ao FNE, deve privilegiar, nas suas aplicações, os mini e pequenos produtores rurais e as micro, pequenas e médias empresas rurais e urbanas, de modo a contribuir mais fortemente para a transformação e o desenvolvimento sustentável do Nordeste, em particular do semi-árido, e inserir as atividades produtivas incipientes no sistema de mercado. 

              2. Redirecionamento das estratégias de financiamento do Banco do Brasil e BNDES, para assegurar-lhes uma presença mais ativa no financiamento dos empreendimentos regionais.

              Fundamental é a regionalização das aplicações das instituições financeiras federais, porquanto, nos últimos anos, têm ocorrido reduções significativas no percentual dessas aplicações no Nordeste. Elevar essa participação constitui condição indispensável para o alcance dos objetivos do desenvolvimento regional, especialmente no que tange ao crescimento da contribuição do setor privado na formação bruta de capital fixo e na composição do estoque de capital na Região. Espera-se que esse crescimento seja viabilizado com a ampliação da demanda de crédito, no âmbito regional, em conseqüência da operacionalização dos programas prioritários, sobretudo no que concerne à capacitação de recursos humanos, infra-estrutura econômica e absorção e adoção de novas tecnologias. De todo modo, dever-se-á divulgar a consolidação anual do montante de crédito a ser aplicado, na Região, pelas Instituições Financeiras do Governo Federal, como também o relatório dos resultados das aplicações realizadas. Nesse sentido, importa preservar e consolidar o Comitê Regional Nordeste das Instituições Financeiras e Desenvolvimento- CORIF/NE.

              3. Saneamento das finanças públicas estaduais e municipais, com o objetivo de restabelecer as fontes de poupança pública e de gerar recursos de contrapartida para mobilização de recursos de empréstimos de instituições nacionais e estrangeiras.

              4. Mobilização de recursos externos, tanto de bancos de desenvolvimento internacionais (BID e Banco Mundial), como de bancos comerciais e outras instituições financeiras do exterior. No primeiro caso, citamos o exemplo do PRODETUR com financiamento do BID, ou ainda o PMSS - Programa de Modernização do Setor de Saneamento com empréstimo do Banco Mundial. No segundo caso, podemos dizer que há vários Fundos das Nações Unidas interessados em apoiar projetos nordestinos. Por exemplo, o FNUAP - Fundo de População das Nações Unidas apóia programas de planejamento familiar no Ceará e no Maranhão; o UNIFEM - Fundo para o Desenvolvimento da Mulher apóia projetos em Fortaleza e Recife; o UNICEF dá prioridade aos projetos relativos às crianças do Nordeste; e finalmente o PNUD - Programa para o Desenvolvimento atualmente apóia projetos florestais, projetos para geração de energia alternativa e projetos de educação básica, presta assistência à saúde e à criança em vários Estados do Nordeste e participa de um programa de reforma da administração pública do Ceará.

              Além disso, com a abertura seletiva ao ingresso de capital de risco externo no Nordeste, pretende-se assegurar tratamento vantajoso, em relação às demais regiões brasileiras, aos empreendimentos a serem instalados no Nordeste, com capital de risco externo, inclusive pela concessão de maiores percentuais de remessa de lucros ao exterior.

              Aqui cabe mencionar que o BNB deveria ser preparado para atuar diretamente ou em consórcio com outras instituições públicas ou privadas, na mobilização de recursos externos em prol do Nordeste.

              5. Mobilização de outras fontes de poupança doméstica, tais como os fundos de pensão com ativo de US$ 39 bilhões e os fundos de poupança compulsória FGTS e FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhador.

              6. Utilização de recursos do Fundo de Financiamento do Desenvolvimento, a ser constituído com parte das reservas internacionais brasileiras, para promover a expansão e reestruturação do parque industrial. O BNB deveria preparar um programa integrado de reestruturação industrial e promoção de exportações para a região e mobilizar as suas lideranças para captar diretamente parte dos recursos desse Fundo.

              7. Desenvolvimento de parcerias com o setor privado, para financiar investimentos de infra-estrutura, nas áreas de transportes, distribuição de energia, saneamento básico (na parte de distribuição e comercialização) e comunicações (o que depende ainda da reforma constitucional).

              8. Mobilização de recursos locais para execução de projetos sociais de âmbito municipal ou de natureza comunitária.

              9. Dadas as características do Nordeste, é indispensável a instituição de um programa regional, extraordinário e de caráter complementar, de apoio à viabilização de atividades consideradas estratégicas, à medida que se criam as condições ou se superam os obstáculos aos empreendimentos produtivos estruturadores. Esse Programa cobriria os domínios da infra-estrutura econômica e social, da ciência e tecnologia, da capacitação gerencial e profissional, da promoção de investimentos e da cooperação e assistência técnica. Ele ainda assistiria tanto empreendimentos do setor público, quanto aqueles em parceria com o setor privado, ao abrigo do estatuto da concessão de obras e serviços públicos. Os recursos seriam originários das parcelas de opção dos incentivos fiscais para o Nordeste, ora correspondendo aos Programas de Integração Nacional - PIN e de Redistribuição de Terras e Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste - PROTERRA, os quais seriam, obviamente, extintos. Outra fonte de recursos do Programa seria constituída pelo destaque de parcela dos dividendos da União pela participação acionária nas suas empresas. De qualquer forma, o Programa servirá para captar recursos de outras fontes. Não se tratando de criação de novas despesas governamentais, nem de novas fontes de receita, mas apenas de redirecionamento de recursos disponíveis, basta modificar-se a atual legislação do PIN/PROTERRA, preservando-se a participação do Nordeste em sessenta por cento do total dos recursos, conforme o comportamento histórico dos dois Programas.

              10. A Isenção e Redução do Imposto de Renda e o Reinvestimento constituem mecanismo de forte estímulo a empreendimentos produtivos na Região. Sua importância deriva do fato de manterem o apoio governamental durante a fase de operação das empresas, tornando o Nordeste mais atrativo do que outras regiões do País. Nesse sentido, sua preservação é indispensável.

              11. Criado e conduzido pelo BNDES, o Programa Nordeste Competitivo vem desempenhando importante papel no avanço do desenvolvimento regional. Além das suas linhas específicas de financiamento (têxtil e confecções, hortifruticultura, pedras ornamentais e turismo), abre espaço de apoio a empreendimentos incentivados pelo FINOR e em adiantado estágio de implantação. Desse modo, é preciso garantir-lhe continuidade e dotá-lo de crescente volume anual de recursos, inclusive para diversificação de suas aplicações. À semelhança desse Programa, o BNDES deveria flexibilizar, em termos de bases e condições, suas demais linhas para investimento produtivo, de forma a torná-las compatíveis com as peculiaridades do Nordeste e os objetivos da Política Regional.

              Sr. Presidente, Srs. Senadores:

              Mais do que qualquer outra região do País, o Nordeste ainda necessitará, por muito tempo, da presença mais atuante do Estado para viabilizar seu desenvolvimento. Precisará menos no futuro, desejado por todos, se a presente geração souber contribuir para construí-lo.

              Os governos dos Estados da região detêm hoje a maior parcela de responsabilidade nessa tarefa. É a partir da atuação articulada, catalizadora e convergente dos governadores dos Estados do Nordeste que o desenvolvimento regional sustentável poderá começar a acontecer. Caberá aos governos estaduais decompor a estratégia e os programas prioritários, com os aperfeiçoamentos e adaptações que certamente serão necessários, em programas mais detalhados, concebidos e executados por eles mesmos, sempre descentralizadamente, com o imprescindível apoio dos Municípios, da iniciativa privada e da sociedade organizada. Programas com viabilidade e, portanto, financiáveis.

              É imprescindível também o apoio dos Poderes Legislativo e Executivo da União. O Nordeste precisa dele, para que possa contribuir mais para o desenvolvimento nacional. Dependendo menos dessa ajuda no futuro. Usando-a no presente como quem toma um empréstimo a que deve retorno.

              Esta Casa não faltará a seu dever de criar as condições necessárias à efetivação dos preceitos constitucionais que estabelecem a redução das desigualdades sociais, regionais e inter-regionais. A esse respeito, vale citar pelo menos o inciso terceiro, do artigo terceiro da Constituição da República, que inclui, entre os objetivos da República Federativa do Brasil, "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais".

Sr. Presidente, gostaria de dizer que a contribuição que Senadores nordestinos poderão dar à conquista desse objetivo é muito grande. A elaboração desse planejamento, desse projeto estratégico para o Nordeste, é de fundamental importância, porque poderá mostrar as potencialidades da Região e poderá carrear para essa área os investimentos necessários para reduzir as desigualdades hoje tão gritantes entre o Nordeste e o resto do País.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 27/09/1995 - Página 16769