Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA INTERVENÇÃO NO BANCO ECONOMICO.

Autor
Jefferson Peres (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
BANCOS.:
  • CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA INTERVENÇÃO NO BANCO ECONOMICO.
Aparteantes
Bello Parga, Epitácio Cafeteira, Osmar Dias.
Publicação
Publicação no DCN2 de 19/08/1995 - Página 14116
Assunto
Outros > BANCOS.
Indexação
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, ESCLARECIMENTOS, SOCIEDADE, IRREGULARIDADE, OCORRENCIA, BANCO PARTICULAR, RESULTADO, INTERVENÇÃO, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN).
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, CONCESSÃO, AUTONOMIA, INDEPENDENCIA, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), RESPONSABILIDADE, LEGISLATIVO, EXECUTIVO, PAIS.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como não sou Líder de Partido, que ocupa a tribuna quando lhe apraz, somente hoje posso abordar o affair do Banco Econômico; com atraso, portanto, mas não em momento inoportuno, porque o assunto não morreu.

É verdade que a Nação respirou aliviada nas últimas 24 horas, quando constatou que o Governo fez um recuo tático, e não uma capitulação. Se tivesse realmente capitulado, como disse o Senador Pedro Simon, teria acabado naquele momento. No entanto, sabe-se agora que o Governo não abriu mão do oferecimento de garantias pelo Estado da Bahia e tomou a decisão - acredito que para valer - de não colocar dinheiro público, nem um centavo mais, no Banco Econômico.

Muito bem! Palmas para o Senhor Presidente da República. Mas se as águas deixaram de ser turbulentas, continuam, no entanto, turvas, Srs. Senadores. Há muitas questões não explicadas; há muitas perguntas sem respostas.

O jornal O Estado de S. Paulo dá uma informação que passou despercebida por todos, até pelo resto da nossa imprensa, tão investigativa, tão vigilante, e que não atentou para isso. Diz o seguinte, na página 3:

      "Sabe-se que no Econômico foram injetados US$ 1,5 bilhão, em operações de socorro direto, e ao menos outros US$ 500 milhões de forma indireta, via Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil."

O Banco do Brasil está com o balanço em vermelho, a Caixa Econômica com o balanço maquiado. A que título - se é verdadeira a informação - a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil injetaram dinheiro no Econômico, como depositantes? Foram depósitos? Quando? Há poucos dias, sabendo que o Banco estava insolvente? Esse dinheiro é recuperável? Quem autorizou o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal a prestarem esse socorro, quando eles é que precisam de pronto-socorro?

O interventor do Banco Central no Banco Econômico, Sr. Flávio Salles Barbosa, disse que foram realizadas várias operações não usuais de saída de dinheiro nos dias que antecederam a intervenção.

O Banco chegou ao caos por má administração mesmo e operações malfeitas. Algumas dessas operações beneficiaram empresas ligadas ao mesmo grupo empresarial do Banco. Aconteceram muitas saídas de recursos nas últimas horas antes da intervenção. Fala-se no saque de R$ 183 milhões por um dos diretores, ou ex-diretores do Banco.

A Nação terá conhecimento, em toda sua extensão, do que aconteceu no Banco Econômico?

Agora, repito o que disse o Senador Pedro Simon: "Quero saber. A sociedade brasileira quer saber."

O pior é que talvez não saiba, Sr. Presidente. Já caiu no esquecimento a lista do Senador Antonio Carlos Magalhães dos doze supostos corruptos, entregue ao Presidente da República. Quem mais está cobrando isso? Onde estão os nomes, os doze que o Senador Antonio Carlos Magalhães afirma serem corruptos? Ninguém sabe. Daqui a pouco, cairá totalmente no olvido. Daqui a pouco vai cair no esquecimento também o caso do Banco Econômico, por mais rumoroso que seja, não há dúvida.

Quem se lembra do Maisonnave, do Banco Auxiliar, do COMIND, que faliram e, segundo a revista Veja, seus ex-dirigentes ainda estão com seu patrimônio muito volumoso?

Sr. Presidente, quaisquer que sejam os desdobramentos desse triste episódio do Banco Econômico, uma coisa é certa: serviu para alguma coisa, serviu para demonstrar, com muita clareza e transparência, que, em primeiro lugar, o Brasil não pode mais ser considerado uma república de bananas, na qual políticos conseguem obter o que mais querem "no grito". Nós fomos uma banana republic. Creio que não somos mais.

Em segundo lugar, está provado que a independência ou autonomia do Banco Central é algo imperioso. O Senado, a Câmara e o próprio Executivo vêm postergando a necessidade imperiosa de se dar autonomia ao Banco Central para transformá-lo, realmente, no que deve ser: um guardião da moeda.

Lembro-me de uma passagem do livro do Sr. Roberto Campos, na qual S. Exª conta que, na fase de transição do governo Castello Branco para o governo Costa e Silva, dirigiu-se ao Presidente "eleito", Marechal Costa e Silva, para salientar a necessidade de o Banco Central ser realmente independente, porque se tratava de um órgão que devia ser, como é em todo país civilizado, o guardião da moeda. E o Marechal Costa e Silva rosnou: "O guardião da moeda sou eu!"

Que país é este em que o Presidente da República, sujeito a toda sorte de pressões políticas e injunções, é o guardião da moeda? É brincadeira, Sr. Presidente!

O Sr. Epitacio Cafeteira - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JEFFERSON PÉRES - Pois não, nobre Senador.

O Sr. Epitacio Cafeteira - Senador Jefferson Péres, ouço, com muita atenção, o pronunciamento de V. Exª que, como sempre, tem em seu contexto as verdades que precisam ser ditas. Aprecio a posição de V. Exª, como também a de tantos outros colegas - e aqui quero citar, por exemplo, o nobre Senador Lúcio Alcântara que, apesar de pertencer ao partido do Governo, é um homem que também diz aquilo que precisa ser dito. Eu tenho um projeto sobre a colocação do Banco Central com a sua total autonomia, mas parece-me que não vamos conseguir autonomia somente editando leis. O Governo Fernando Henrique Cardoso está pobre de pessoas que queiram assumir compromisso e responsabilidade. Entendo que os Ministros deveriam ser para o Presidente como os pára-choques são para um automóvel: a batida tem que ser no pára-choque, não pode ser na lataria do carro. Mas, de certa forma, todo mundo tira o corpo e deixa que a batida chegue ao Presidente da República. Um assunto puramente fazendário, do Banco Central, não tinha por que desaguar na Presidência da República. Político é o Presidente. Sua Excelência é que tem de manter o trato com os parlamentares, e não os Ministros. Mas acontece diferente: os Ministros elogiam os políticos e deixam que o choque aconteça em cima do Presidente da República. Isso é muito ruim, Senador Jefferson Péres. Na realidade, isso não pode continuar acontecendo. Será que os Ministros têm medo de perder o cargo no Ministério? Não acredito que o Presidente Fernando Henrique Cardoso esteja despersonalizando os seus Ministros. É preciso que cada um esteja ali até para dizer ao Presidente: "Presidente, posso desagradá-lo e talvez vá desagradá-lo, mas, enquanto estiver no Ministério, vou cumprir a lei e seguir o programa de V. Exª". Não é o dia-a-dia do Presidente que eles têm que cumprir, é o seu programa. Por isso, congratulo-me com V. Exª pela sua colocação, pela posição de independência, por dizer o que pensa, porque é assim que aprendemos a nos conhecer e a nos respeitar.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Muito obrigado, Senador Epitacio Cafeteira. Eu jamais abdicarei do direito de dizer o que penso.

Mas veja V. Exª que, enquanto a diretoria do Banco Central não tiver um mandado, isso será inelutável, e o Presidente da República será sempre submetido a esses constrangimentos, porque é Sua Excelência quem nomeia e demite o presidente do Banco Central. Os políticos e governadores, inconformados, irão sempre à autoridade maior, que pode, com uma canetada, jogar na rua o presidente do Banco Central.

Este País, nos últimos vinte anos, já teve cerca de vinte presidentes do Banco Central. Isso não existe em país nenhum do mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, quando o Presidente Ronald Reagan fez uma política fiscal permissiva, a única maneira de se controlar a inflação seria através de uma política monetária austera, o que fez o Sr. Paul Volker, presidente do Federal Reserve, que resistiu, bateu de frente com Reagan, apertou e conseguiu fazer a inflação americana cair de 13 para 2, 3% ao ano.

O Sr. Epitacio Cafeteira - Eu concordo com V. Exª.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Se Volker tivesse sido demitido por Reagan a inflação americana teria estourado.

O Sr. Epitacio Cafeteira - O importante, Senador, é colocarmos no Conselho do Banco Central representantes do Congresso para acompanhar os trabalhos, porque entendo que o mandato de presidente do Banco Central mão pode ser tão amplo a ponto de não tomarmos conhecimento do que está acontecendo.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Perfeitamente. V. Exª agora toca num ponto importante. Muita gente da oposição, inclusive das esquerdas, teme a autonomia do Banco Central. Mas como seria a composição dessa diretoria? Poder-se-ia incluir, inclusive, Senador Epitacio Cafeteira, obrigatoriamente, como um dos diretores, um representante da oposição, indicado pelo maior partido da oposição.

Não seria algo inusitado nem esdrúxulo. O Presidente Juscelino Kubitschek fez isso na NOVACAP, a empresa pública que construiu Brasília. Ele temia tanto a pressão da UDN, com o seu enorme poder de fogo, exercido principalmente por um homem brilhantíssimo - talvez o mais brilhante que este País já teve, embora discordasse dele muitas vezes -, Carlos Lacerda, que fez inserir na lei da NOVACAP a obrigatoriedade de que um dos diretores fosse indicado pelo maior partido da oposicionista. E a NOVACAP tinha um representante da UDN. Por que não um representante do PT na Diretoria do Banco Central ou de outro partido da oposição? Por que não, obrigatoriamente, um funcionário de carreira do Banco Central? Essa Diretoria não ficará fiscalizada pelo Congresso? Eles não terão de prestar contas ao Congresso?

Agora, demissível a qualquer momento, demissível ad nutum pelo Presidente da República, subordinado ao Ministro da Fazenda, isso não é Banco Central!

O Sr. Osmar Dias - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Jefferson Péres?

O SR. JEFFERSON PÉRES - Ouço o aparte do nobre Senador Osmar Dias.

O Sr. Osmar Dias - Senador Jefferson Péres, como sempre, V. Exª coloca com muita seriedade a sua posição a respeito desse grave assunto que está incomodando o País. Falei, ontem, com lideranças do Estado do Paraná e todos estão muito perplexos em relação ao que aconteceu. V. Exª é daqueles Senadores que, quando não conheço um assunto e tenho que acompanhar os que conhecem, sigo com absoluta tranqüilidade, porque sei que suas posições são absolutamente neutras e sérias.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Obrigado.

O Sr. Osmar Dias - Não quero fazer um aparte como faz o Senador Pedro Simon, que acaba por transformar o aparte em discurso e o discurso em aparte, mas quero colocar aqui dois pensamentos meus, principalmente porque V. Exª citou o caso do COMIND, em que fui uma das vítimas. Eu tinha dinheiro depositado no COMIND, quando ele sofreu intervenção, e não o recebi de volta. Assim, li, com revolta, na Veja da semana passada, que os diretores do COMIND gozam ainda de fortuna e de todas as mordomias que ela pode lhes proporcionar, uma fortuna que não pertenceria a eles se houvesse justiça neste País. Estou pensando se o Senado, por iniciativa de um Senador, não poderia exigir duas coisas: primeiro, a quebra do sigilo bancário dos diretores para verificarmos se esse rombo do Econômico não está inchando a conta bancária, no País ou no exterior, desses diretores, que foram incompetentes - e não sei se só isso. Segundo, esclarecimento das denúncias feitas, e não confirmadas, pelo Senador Antonio Carlos Magalhães, de que ele teria um dossiê sobre a diretoria do Banco Central, fato muito grave, que deixa essa diretoria sem credibilidade perante todo o sistema financeiro e a Nação inteira. Na verdade, se existe o dossiê, nenhum político tem o direito de escondê-lo. É uma obrigação colocá-lo de forma muito clara ao País. Se não existe esse dossiê, nenhum político pode ser irresponsável a ponto de fazer uma denúncia e, dois dias depois, voltar atrás. Não acredito que o Sr. Antonio Carlos Magalhães seja irresponsável. Acredito que S. Exª tenha o dossiê e, se o tem, é sua obrigação mostrá-lo à Nação. O Governo tem que cobrar do Sr. Antonio Carlos Magalhães esse dossiê, porque a sua denúncia foi muito séria.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Incorporo seu aparte, com muito prazer, ao meu discurso, porque concordo plenamente com ele, Senador Osmar Dias. Acho até que todo o Senado deveria cobrar isso do Senador Antonio Carlos Magalhães. Respeitosamente, S. Exª está na obrigação, tem o dever de exibir esse dossiê ou de dizer que ele nunca existiu; que, num repente, levado pelo estado emocional, inconformado com a situação do Banco Econômico, teria afirmado isso num gesto impensado. Do contrário, S. Exª tem obrigação de exibi-lo.

Eu, como Presidente da República, teria, no ato, exigido do Senador Antonio Carlos Magalhães o dossiê, e ter-lhe-ia até dito que, a partir daquele momento, era o Governo que exigia a exibição desse dossiê, em nome de toda a Nação. O Governo falhou ao não ser muito contundente nessa cobrança ao Senador Antonio Carlos Magalhães.

O Sr. Bello Parga - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Jefferson Péres?

O SR. JEFFERSON PÉRES - Já concedo o aparte a V. Exª, Senador Bello Parga.

Voltando à independência do Banco Central, Srs. Senadores, isso vem de longe. Ganhar no grito vem de longe.

Bancos estaduais faliram por má gerência, outros nem tanto, pode ter acontecido por erros do Banco Central, mas muitos por má gestão, e o saneamento não foi feito porque os governadores ganharam no grito. Isso vem de longe.

O Sr. Saulo Ramos, ex-Consultor da República e Ministro da Justiça no Governo Sarney, falando sobre o decreto-lei baixado pelo então Presidente, para o disciplinamento do setor financeiro, diz:

      "Aquele decreto-lei foi concebido em 1987, no governo Sarney, porque o BANERJ, sob o governo Brizola, estava insolvente e não havia como deixar de intervir na instituição.

      ..................................................

      Meu saudoso amigo Dilson Funaro, Ministro da Fazenda, extremamente cuidadoso, cultor da prudência política, temia a reação de Brizola, prevista como um trovejamento igual ao do senador Antonio Carlos Magalhães."

O Presidente da República e o Ministro da Fazenda de então impediram que o Banco Central da época fizesse o que deveria ter sido feito no BANERJ. Portanto, há oito anos, Sr. Presidente. Não foi feito.

Isto torna absolutamente claro que o Banco Central precisa ter autonomia neste País, não se pode curvar ao trovejamento de ninguém, seja de quem for, e deve prestar contas exclusivamente ao Congresso Nacional.

Concedo-lhe agora o aparte, Senador Bello Parga.

O Sr. Bello Parga - Nobre Senador Jefferson Péres, conquanto atrasado em relação à data em que eclodiu a crise do Banco Econômico, o pronunciamento de V. Exª ainda é oportuno. Antes, porém, de tratar dele, eu gostaria de assinalar que ouço, com muita satisfação, a opinião de V. Exª sobre a autonomia do Banco Central. Faz eco V. Exª a palavras que pronunciei aqui na Legislatura passada, no plenário da Casa e na Comissão de Assuntos Econômicos. É imperioso que se desvincule das decisões do Executivo a gestão do Banco Central, principalmente como guardião da moeda; é imperativo que os membros da sua diretoria tenham mandatos fixos, em períodos diversos do mandato do Presidente da República. Fico satisfeito por isso, Senador Jefferson Péres. Mas, no tocante às palavras que V. Exª expendeu, atemorizado ou receoso de que esse assunto, por momentoso que seja, perca a sua atualidade e caia no esquecimento, quero dizer que está em nossas mãos não permitir que isso aconteça, até mesmo porque já assinei requerimento do Senador José Eduardo Dutra que solicita uma comissão parlamentar de inquérito para avaliar a atuação do Banco Central no caso desses três bancos de agora e dos bancos estaduais anteriores. Parece-me que também na Câmara Federal tramita propositura semelhante, do nobre Deputado Michel Temer. Cabe a nós, na conjuntura, emendarmos essa situação, sanarmos essas irregularidades e permitirmos, conseguirmos ou ordenarmos que o Banco Central entre nos seus verdadeiros trilhos, a fim de que situações como essa percam toda a coloração política e sejam resolvidas da maneira mais técnica possível, porque se trata de assunto que afeta de maneira direta e imperiosa a economia popular. Parabenizo V. Exª. O pronunciamento de V. Exª ainda é oportuno, não está atrasado.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Muito obrigado, Senador Bello Parga. Realmente, a CPI é necessária, e eu firmei o requerimento do Sr. Senador José Eduardo Dutra. Isso precisa ser apurado, haja o que houver, mas acredito que se o Banco Central do Brasil tivesse poder de decisão, a situação não teria chegado a esse ponto, nem precisaríamos de CPI, Senador Bello Parga. O banco teria sido saneado há muito mais tempo. Na quinta-feira, quando foi decidida a intervenção - e foi decidida a intervenção porque houve saques, já havia corrida ao banco - foram sacados R$100 milhões.

O Sr. Bello Parga - A demora da intervenção do Banco Central permitiu exatamente isso.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Foi retardada por 24 horas. No dia seguinte, sacaram R$500 milhões, Senador Bello Parga. Por que o Banco Central vacilou por mais de 24 horas? Certamente, esperando decisões de ordem política.

Eu não apresento projeto a respeito do Banco Central, porque não tenho competência legal para isso. Pela Constituição Federal, cabe ao Poder Executivo a competência privativa para fazê-lo. O Congresso e o Poder Executivo estão devendo a lei reguladora do sistema financeiro, que está na Constituição e até hoje não foi votada, decorridos sete anos da promulgação da Constituição. Até hoje não está sendo cumprida a proibição, expressa na Constituição, de que o Banco Central não pode financiar o Tesouro Nacional - e há uma relação promíscua neste País entre o Tesouro Nacional e o Banco Central.

O Sr. José Roberto Arruda - Senador, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JEFFERSON PÉRES - Já concedo o aparte a V. Exª, ilustre Senador José Roberto Arruda.

Nós não temos capacidade de fazer política monetária, o Banco Central não tem. Neste País, há uma enorme distorção no sistema financeiro. Permitam-me - o momento nem é próprio, nem o local talvez - uma digressão, que é mais de ordem técnica, mas o Banco Central está impossibilitado de fazer política monetária, porque o sistema financeiro deixou de ser como deveria ser, e como é em todo país do mundo que se preza: um intermediador de recursos para o setor produtivo. Aqui, de intermediador de recursos para o setor produtivo passou a agente financiador do poder público.

Os títulos da dívida pública quase se transformaram em moeda - só no Brasil existe isso -, em ativos financeiros de pronta liquidez. O Banco Central apenas ajuda a rolar essa dívida.

É impossível fazer operações de open market para o controle da base monetária. O Banco Central, portanto, está com suas funções desvirtuadas. Entretanto, compete a nós, do Congresso Nacional, por iniciativa do Presidente da República, fazer a lei que regulará o sistema financeiro.

É verdade que isso passa pelo ajuste fiscal. A dívida pública tem que ser saldada mediante superávit fiscal. Mas quem pensa em fazer ajuste fiscal neste País? Nós, políticos, colaboramos para isso? E o ajuste fiscal é absolutamente essencial para o País! Qual é a crise deste País senão a falência do Estado brasileiro, a falta de capacidade operacional do Estado brasileiro? E isso não diz respeito à crise fiscal?!

Interessante é que o Senador Vilson Kleinübing e eu somos vozes que clamam no deserto. Há outros Senadores que também defendem a tese, mas creio que S. Exª e eu temos insistido mais nesse ponto. Ninguém vai ao âmago da questão.

Vejo os ruralistas, vejo meu ilustre amigo e colega Senador Osmar Dias, com toda razão, gritar contra os juros altos; vejo Senadores querendo resolver o problema da saúde com um imposto a mais; vejo Senadores do Pará gritando contra a falta de recursos para recuperar as estradas; mas tudo isso por quê? Porque o Estado simplesmente está falido, está envolvido numa profunda crise com o problema da rolagem da dívida interna, e não se dá um passo com seriedade para resolver a questão.

O Sr. José Roberto Arruda - V. Exª me concede um aparte?

O SR. JEFFERSON PÉRES - Concedo o aparte a V. Exª, Senador José Roberto Arruda.

O Sr. José Roberto Arruda - Quero aproveitar o pronunciamento de V. Ex ª, que me parece muito oportuno, porque é feito com densidade, com profundidade. Parece-me que é a primeira vez que o Senado tem a oportunidade de analisar o fato, ao invés de analisar as versões. E a ponderação, o equilíbrio chegam neste momento e nos dão a chance do fundamental, ou seja, além de analisar o fato, deixando de lado as versões, retirar do fato as lições positivas que ele tem a dar. Parece-me ser consenso nesta Casa - e um primeiro consenso - que o Banco Central deva ter independência, deva ter a sua função institucional melhor definida e cujos dirigentes devam ser homens com responsabilidade pública definida em legislação específica e independente, inclusive do poder político do Governo Federal - quiçá dos Governos Estaduais. Este me parece um ponto consensual. Creio também que há uma segunda lição que merece a nossa reflexão: o nosso sistema financeiro, de um modo geral, nos últimos 30 anos, cresceu, modificou-se, modernizou-se à custa de uma economia altamente inflacionária. Para repetir palavras do Senador Vilson Kleinübing, que estuda bem essa questão, o melhor negócio do Brasil é um banco e o segundo melhor negócio é um banco mal administrado. É claro, porque a melhor produção de lucros que existe é o trato com o dinheiro alheio com altas taxas inflacionárias. Obviamente que a alta taxa de inflação, que é um grande malefício à maior parte da população, principalmente à mais carente, é, na verdade, uma grande fonte de lucros rápidos para quem sabe trabalhar, navegar num clima como esse. A lição que fica é a seguinte: com o sucesso do Plano de Estabilização Econômica, pela primeira vez, em muitos anos, conseguimos ter o valor da nossa moeda respeitado. Sendo esse o primeiro Plano de Estabilização Econômica que chega à última fase prevista nos manuais, que é a desindexação da economia, ou o sistema financeiro e as organizações financeiras reciclam suas estruturas para conviver com a estabilidade econômica ou, fatalmente, teremos não só esse como inúmeros outros problemas em instituições financeiras. Peço licença a V. Exª para fazer uma observação: acompanhando todos esses problemas que tivemos nos últimos dias, chamou-me a atenção, particularmente, a postura firme e também serena do Ministro da Fazenda, Pedro Malan. Em nenhum instante S. Exª se deixou levar pelas emoções. O Ministro soube, com rara habilidade, preservar a figura que deve ter o Ministro da Fazenda; soube, com habilidade, entender as exigências técnicas que fazia o Banco Central; e soube, sobretudo, em meio à discussão mais de versões do que de fatos, manter a autoridade de Ministro da Fazenda, que é tão importante para o sistema financeiro como um todo. No que diz respeito à questão específica do Banco Central, Senador Jefferson Péres - inclusive encomendei um estudo à Consultoria do Senado a esse respeito -, tenho algumas dúvidas. Se transcorridos sete anos da promulgação da Constituição de 1988, e não tendo sido regulamentados aqueles dispositivos legais que diziam respeito especificamente à atuação do Banco Central, eu gostaria de saber se não pode o Congresso Nacional, à vista inclusive de fatos tão claros como esse, tomar a iniciativa dessa regulamentação. Por isso, solicitei à Consultoria do Senado um estudo jurídico sobre a questão. Parabenizo V. Exª e agradeço a oportunidade de, repito, agora com a tranqüilidade que o momento oferece, analisar os fatos ao invés de analisar as versões.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Muito obrigado, Senador José Roberto Arruda.

Finalmente, Sr. Presidente, o tempo já se esgota e vou terminar.

Mas, como disse, desse episódio vão ser tiradas lições; certamente lições positivas.

Vejo que o brasileiro começa melhor avaliar a importância de ter uma moeda de fato.

Convivemos com décadas de inflação galopante. Criou-se uma cultura inflacionária no País, daí porque nunca se deu importância à função do Banco Central como guardião da moeda.

Se o Plano Real, para desgraça deste País e por incompetência da classe política, fracassar, talvez também seja bom para a Nação que caminhemos para a hiperinflação. E é possível que se repita aqui o que aconteceu na Alemanha: foi preciso que aquele país chegasse à hiperinflação, de 1922 a 1923 - e oito anos depois desaguasse no advento do nazismo -, para que a nação alemã, traumatizada, desse uma importância fundamental à estabilidade da moeda.

É por isso que o Bundesbank é hoje realmente um guardião do marco, na Alemanha, e a inflação gira em torno de 2% ao ano. Oxalá o Brasil não precise passar por essa purgação para tomar consciência da importância de possuir uma moeda estável.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 19/08/1995 - Página 14116