Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DE UMA POLITICA AGRICOLA NO PAIS.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
AGRICULTURA.:
  • NECESSIDADE DE UMA POLITICA AGRICOLA NO PAIS.
Publicação
Publicação no DCN2 de 19/08/1995 - Página 14129
Assunto
Outros > AGRICULTURA.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, SETOR, AGRICULTURA, DEFICIENCIA, PROCEDIMENTO, ARMAZENAGEM, PRODUTO AGRICOLA, AUSENCIA, PLANEJAMENTO, LAVOURA, ALGODÃO, TRIGO, GRÃO, DEFESA, URGENCIA, PRIORIDADE, GOVERNO FEDERAL, REFORMULAÇÃO, POLITICA AGRICOLA, PAIS.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB.) - A agricultura moderna tem assumido posição de destaque no panorama econômico mundial. A tal ponto isso é verdade que a clássica separação da economia em três setores - primário, secundário e terciário - já é contestada por alguns estudiosos, em razão dos rumos por ela trilhados. Dado o grau de desenvolvimento e de transformação que tomou conta da atividade agrícola, deixou ela de ser um setor primário, para assumir nítidas feições do secundário, já que incorporou no seu processo transformatório características próprias da indústria.

As fazendas, que, até alguns anos atrás, limitavam-se a fornecer matérias primas para o setor industrial, estão hoje se convertendo em verdadeiras indústrias, em que as várias etapas do processo transformatório são observadas com rigor e de onde os produtos já saem acabados, prontos para o consumo.

Essas transformações, ainda que com certo vagar, estão chegando ao Brasil e já foram responsáveis por um grande salto de qualidade e produtividade em nossa lavoura. Hoje em dia não mais se admite aquela agricultura rudimentar, que tinha por escopo a mera subsistência. Para o campo se transportaram os laboratórios de pesquisa, os cientistas e os técnicos, à procura de espécies mais produtivas e resistentes às intempéries, de técnicas de manejo mais eficientes, de insumos mais adequados, ou colocando em prática os novos e revolucionários conhecimentos da engenharia genética.

Está a agricultura integrada ao processo industrial de transformação e de distribuição, formando algo como um grande conglomerado dentro da economia, batizado de agribusiness ou de "negócios agrícolas". Nele se incluem tanto as empresas que cuidam da produção de grãos, quanto as indústrias produtoras de máquinas agrícolas, as grandes cervejarias, os laboratórios de pesquisa ou produtores de defensivos agrícolas, as indústrias de adubos e até as grandes redes de supermercados. Para que se tenha uma idéia da pujança econômica desse setor, no Brasil ele movimenta, por ano, cerca de 40 bilhões de dólares e se responsabiliza por um terço das exportações.

Façamos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, um sucinto levantamento da situação da nossa agricultura nos últimos anos, para, a seguir, fazermos uma prospecção para o futuro.

No que tange, por exemplo, à produção de grãos, no período de dez anos, o crescimento aqui verificado foi de quarenta e dois por cento, passando de 47,6 milhões de toneladas, na safra 82/83 para 69,1 milhões de toneladas, na safra 92/93. O mais auspicioso é que, nesse mesmo período, o aumento da área plantada foi de apenas 0,6%, passando de 37,2 milhões de hectares cultivados para 37,7 milhões de hectares. Esses números demonstram de maneira clara e insofismável que a produtividade do nossas terras aumentou e que, por força de tecnologia e de insumos, o nosso solo tornou-se mais fértil.

No que tange ao crédito agrícola, verificamos um outro dado bem alentado e significativo, que demonstra estar o setor agrícola se consolidando e se tornando menos dependente do apoio financeiro oficial. Em 1981, de acordo com dados do Banco Central, os empréstimos alcançaram seu nível mais elevado - dezesseis bilhões, setecentos e sessenta e oito milhões de dólares. Em 93, esse valor foi reduzido para dez bilhões, trezentos e trinta milhões de dólares, estando incluídos nesses valores os empréstimos para custeio, investimento e comercialização. Apesar disso, a produção no período dobrou, o que denota uma utilização cada vez mais freqüente de capital próprio, o que é bom e saudável para o setor agrícola, em particular, e para o Brasil, no geral.

A despeito dessa onda de progresso que os números bem expressam, a agricultura brasileira padece de sérios problemas. O mais grave de todos é, sem dúvida alguma, o desperdício, decorrente de deficiências na colheita e da armazenagem insuficiente ou inadequada. Levantamentos do Ministério da Agricultura estimam que vinte por cento do total de grãos produzidos no Brasil se percam antes de serem consumidos. Em outros termos, isso indica que, de cada cinco quilos de grãos que se colhem, um quilo é jogado fora; que a nossa população poderia ter vinte por cento a mais de alimentos à sua disposição, se esse desperdício não ocorresse, ou, ainda, que o preço dos alimentos poderia ser mais acessível, já que nele não precisaria estar embutida uma parcela para compensar as perdas. Esse, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é um índice por demais alto, que ultraja a nossa população faminta e desnutrida e que vilipendia as necessidades nacionais de auferição de rendas.

Por aí se vê uma falha de planejamento nas políticas para a agricultura. Só aumentar a produção não é a solução. Essa ação não pode acontecer de forma isolada, precisa vir acoplada a outras, relacionadas ao aumento da capacidade armazenativa e à construção e manutenção das estradas, para que as safras possam ser transportadas até os centros consumidores.

Na cultura do algodão, encontramos outra séria distorção da nossa política agrícola. Além de não dar nenhum incentivo especial aos produtores brasileiros, o Governo, até o ano de 1993, manteve em zero a alíquota de importação, o que, aliado ao crédito externo fácil, tornou as importações do produto extremamente vantajosas e atrativas. Em decorrência disso, a produção interna despencou. Só no ano de 1993, houve um decréscimo de trinta e sete por cento na área plantada e de quarenta por cento na produção dessa malvácea. Isso fez com que o Brasil, de grande exportador de algodão no passado, se transformasse no segundo grande importador mundial, atrás apenas da ex-União Soviética. Destroçado, hoje o setor algodoeiro luta para se reerguer.

No tocante ao trigo, o Brasil enfrenta também outro sério problema. A nossa produção é ínfima frente às necessidades de consumo. De acordo com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos - vejam bem, Srs. Senadores, esse dado é fornecido pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos - a estimativa de consumo desse cereal em nosso país para o corrente ano de 1995 será de nove milhões de toneladas, das quais dois terços ou seis milhões de toneladas deverão ser importadas. O Brasil produz apenas um terço daquilo que consome, sendo, assim, totalmente dependente de importações.

O Brasil chegou a esse ponto por falta de apoio aos triticultores e por falta de pesquisa com vistas à melhoria da qualidade das sementes e à descoberta de espécies adaptadas ao nosso clima e ao nosso solo, à semelhança do que aconteceu com a soja, que já é a principal cultura dos cerrados.

Desperdício de grãos, abandono da cultura do algodão e baixa produção de trigo são apenas três distorções, a meu ver graves, da nossa política agrícola. Outras existem, igualmente sérias. Entretanto, alguns afirmam, e com uma boa dose de razão, que o problema mais sério da política agrícola do Brasil é não existir uma política agrícola.

Em países mais desenvolvidos, essa política existe com objetivos bem definidos e duradouros, independentemente de partidos e de governos. Nos Estados Unidos, por exemplo, a intervenção do Estado na agricultura visa primordialmente a proteger a renda do agricultor de situações econômicas adversas. Secundariamente objetiva proporcionar aos consumidores alimentos em quantidade adequada e a preços razoáveis e estimular as exportações.

Na Comunidade Econômica Européia, a segurança alimentar é prioritária. Em segundo plano, aparecem a elevação da produtividade, a asseguração de vida digna à população rural e a estabilização do mercado.

Quais os objetivos da política agrícola brasileira, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores? Ninguém sabe. Não estão eles definidos como objetivos permanentes do setor como em outros países. Em cada Governo que se instala, estabelecem-se algumas prioridades, mais em função das expectativas do momento do que das necessidades alimentares da população ou do fortalecimento do setor como um todo. Em razão disso, durante um bom período a soja recebeu atenção especial, pois era uma moeda forte no comércio internacional. O café e o açúcar também receberam, em outras épocas, tratamento preferencial.

No Governo do Presidente Itamar Franco, a Coordenação de Desenvolvimento Rural, órgão que cuida da política agrícola, procurou, sob a coordenação do Dr. Ruy Vaz, corrigir esses desvirtuamentos, ao estabelecer algumas diretrizes permanentes para o setor, com vistas principalmente a suprir, de maneira uniforme, as necessidades alimentares da população brasileira. É importante que isso tenha acontecido, todavia melhor ainda é não sofrer esse processo qualquer tipo de interrupção, o que se obtém de forma mais efetiva com a continuidade administrativa.

Efetivamente, uma política agrícola que contemple a segurança alimentar de nossa população como prioridade, se não absoluta, ao menos como principal, precisa ser implantada no Brasil, para que se resolva o sério flagelo da fome que ataca grande parcela da nossa população. De acordo com estudos elaborados por técnicos da EMBRAPA, o Brasil necessitará, no ano 2000, de cento e quatro milhões de toneladas de grãos tão-somente para suprir as necessidades alimentares de sua população. Considerando-se, porém, o desperdício de vinte por cento de tudo o que é colhido, essa produção deverá ser de cento e vinte e cinco milhões de toneladas de grãos. Em seis anos, a nossa produção deverá aumentar sessenta e sete por cento. Consegui-lo não é impossível, mas terá que haver muita disposição, muito trabalho e muito incentivo oficial para que esse objetivo seja alcançado.

No que tange a incentivos, é preciso que o Governo reveja a pauta de privilégios que se concedem à agricultura. Sei perfeitamente que muitos dos senhores poderão olhar essa proposta com desconfianças, mas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a agricultura do mundo funciona às custas de subsídios e de privilégios e assim o é, por se tratar de uma atividade em que o risco é permanente. Na agricultura, muitas coisas podem ser previstas e evitadas, mas o agricultor está permanentemente lidando com o imponderável. O clima trama contra ele com secas, estiagens prolongadas ou chuvas em exagero. As pragas rondam avassaladoramente as suas lavouras. Por fim, o mercado não o perdoa: se a produção é grande, os preços estão baixos. Os preços só ficam altos e compensatórios quando a produção é baixa. Por isso, em algumas safras o retorno do investimento pode ser altamente compensador, mas em outras o prejuízo poderá ser implacável. Daí a razão de a atividade agrícola ser subsidiada em todos os países desenvolvidos do mundo.

Aqueles mesmos países que reclamam de decisões do governo brasileiro e lhe impõem restrições por causa de juros baixos para a agricultura ou de mão-de-obra barata são os primeiros a aquinhoar os seus produtores agrícolas com grandes benesses. Vejamos alguns exemplos: de acordo com editorial do jornal norte-americano The New Republic, publicado pela Folha de S. Paulo em 26 de março de 1992, o total anual de subsídios concedidos aos agricultores norte-americanos chega a cerca de trinta e dois bilhões de dólares, sendo vinte bilhões de doações federais e doze bilhões por aumento do preço dos alimentos. De acordo com matéria do Financial Times, publicado pela Gazeta Mercantil em 20 de agosto de 1990, cada vaca norte-americana atraiu mil e quatrocentos dólares de subsídios no ano de 1986, quantia que é bem superior à renda per capita de metade da população mundial. Esse valor nos assusta, principalmente se considerarmos que, com esse dinheiro, podemos adquirir aqui no Brasil um animal de excelentes qualidades para os nossos padrões. No tocante ao algodão produzido, nesse mesmo país, para a exportação, os subsídios são em número de oito. Na Europa, no Japão, no Canadá, com algumas variações, essa mesma prática se repete.

Por tudo isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é preciso que o Governo encare a agricultura com seriedade; que se estabeleçam metas factíveis e duradouras para o setor, que se aloquem os recursos necessários aos produtores, para que possam enfrentar a empreitada de fazer crescer a nossa produção a taxas constantes e acumuladas de nove por cento ao ano, até o ano 2000. Para isso, é imprescindível que se reveja a política de empréstimos agrícolas que grava o principal com juros acrescidos da variação da Taxa Referencial - TR. Para o setor agrícola essa política é inviável, por ser inacessível ao produtor. Arcar com essa responsabilidade equivaleria a submeter o seu negócio a algo semelhante à espada de Dâmocles que a qualquer momento pode ser acionada, inviabilizando-o totalmente.

Não podemos ter qualquer pejo em dar à agricultura subsídios, benesses, incentivos, pois é a agricultura o carro-chefe de qualquer economia. Nenhum outro setor é capaz de movimentar tantos recursos quanto a agricultura; nenhum outro setor tem possibilidade de proporcionar resposta tão rápida aos investimentos quanto a agricultura; nenhum outro setor é capaz de proporcionar tantos benefícios sociais. Não se deseja, de forma alguma, o exagero de dar ao leite valor de ouro, mas, por outro lado, o valor dos subsídios é o preço a se pagar pela eliminação da fome e de grande parte da miséria que assola o nosso país. Basta a agricultura estar bem para que, no seu encalço, uma série de outros setores também estejam prósperos.

Em razão disso, confio firmemente em que o Governo transforme a agricultura em prioridade nacional, tal qual foi prometido no ardor da campanha e no cume dos palanques. Tenho certeza de que isso será o melhor que poderá fazer pelo nosso povo e pelo nosso País.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 19/08/1995 - Página 14129