Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A REJEIÇÃO, PELA CAMARA DOS DEPUTADOS, DA MAIORIA DAS EMENDAS DO SENADO A NOVA LEI ELEITORAL.

Autor
Jefferson Peres (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO ELEITORAL. LEGISLATIVO.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A REJEIÇÃO, PELA CAMARA DOS DEPUTADOS, DA MAIORIA DAS EMENDAS DO SENADO A NOVA LEI ELEITORAL.
Aparteantes
Bernardo Cabral.
Publicação
Publicação no DCN2 de 30/09/1995 - Página 17131
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO ELEITORAL. LEGISLATIVO.
Indexação
  • CRITICA, AUSENCIA, ESTABILIDADE, LEGISLAÇÃO ELEITORAL.
  • ANALISE, CRITICA, REJEIÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, MAIORIA, EMENDA, APROVAÇÃO, SENADO, RELAÇÃO, LEGISLAÇÃO ELEITORAL.
  • QUESTIONAMENTO, POSIÇÃO, SENADO, NECESSIDADE, RECUSA, VOTAÇÃO, PROJETO DE LEI, ORIGEM, CAMARA DOS DEPUTADOS, REDUÇÃO, PRAZO, APRECIAÇÃO, MATERIA.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, freqüentemente tem-se dito, e de forma absolutamente injusta, que o Brasil não é um País sério; absolutamente injusta porque se trata de generalização que ofende todo um povo. Certamente há segmentos nos quais parece predominar a falta de seriedade. Entre esses segmentos, incluo - e o faço com muita tristeza - a classe política brasileira.

O que aconteceu com o projeto de lei eleitoral recentemente votado pelo Congresso é uma demonstração disso. Em primeiro lugar, é inconcebível - creio que não ocorre em nenhum país do mundo - não se ter uma lei eleitoral permanente. A cada eleição, vota-se um projeto específico. Nenhum país pode viver sem essa coisa comezinha, que é a estabilidade de regras.

No Brasil, parece interessar a uns poucos que essas regras sejam mudadas a cada eleição. Além de não haver lei permanente, como deveria, a tramitação do projeto recém-aprovado mostra infelizmente a falta de seriedade com que um assunto dessa importância é tratado no Congresso Nacional. 

O projeto tramitou alguns meses na Câmara, mas foi aprovado a duas semanas do prazo fatal, que seria 02 de outubro, obrigando o Senado a votá-lo às pressas.

Fui dos poucos Senadores - cuja opinião, infelizmente, não prevaleceu - que entendiam que diante daquela circunstância, ou seja, impor-se ao Senado um prazo exíguo para a apreciação de matéria de tamanha relevância, esta Casa não deveria votar. Deveria deixar expirar o prazo e ficar a cargo da Justiça Eleitoral estabelecer as normas para a eleição municipal do ano vindouro. Infelizmente, venceu a opinião de que o Senado deveria, assim mesmo, votar a lei.

O Senado o fez, apesar do tempo curto, e aprovou quarenta e três emendas.

A sessão de terça-feira se prolongou até meia-noite, exigindo um longo esforço dos Senadores e um debate exaustivo em torno do assunto.

Para a nossa surpresa, no dia seguinte, numa tarde, em poucas horas, a Câmara dos Deputados rejeitou a maioria das emendas aprovadas nesta Casa, aprovando apenas dezesseis das quarenta e três.

O problema, no entanto, não é de número, é de qualidade, Sr. Presidente, porque a Câmara, infelizmente, aprovou exatamente as emendas menos relevantes. Aquelas realmente importantes, de cunho moralizador, foram todas derrubadas na Câmara dos Deputados. Como, por exemplo, a Emenda nº 12, cuja autoria desconheço, que diz expressamente:

      "Será assegurada a recontagem automática dos votos pela Junta Apuradora, que efetivar-se-á no prazo máximo de 48 horas, quando, na fundamentação do recurso, ficar evidenciada a atribuição de votos a candidatos inexistentes, o não fechamento da contabilidade da urna, bem como a apresentação de totais de votos nulos, brancos ou válidos destoantes da média geral..."

Esta emenda caiu. Note-se, Srs. Senadores, que não se trata de indício de fraude, mas dizia a emenda "quando ficar evidenciada". E deputados, por maioria, derrubaram essa emenda, o que é um estímulo à fraude.

A Emenda nº 17, de autoria do eminente Senador Pedro Simon, parágrafo único ao art. 46, rezava:

      "A qualquer tempo, no curso da campanha, a requerimento fundamentado do Ministério Público ou de partido político, a Justiça Eleitoral, por seu órgão competente, poderá determinar o exame das arrecadações e aplicações financeiras de partido político e dos candidatos, até então efetivadas."

É estarrecedor, Sr. Presidente, a lei atribuir ao Ministério Público, que é um órgão isento, que é o fiscal da lei, a tarefa - o que parece até redundante - de, no desempenho da sua função, da sua missão específica, fiscalizar as finanças do partido no decorrer da campanha e a Câmara dos Deputados derrubar. Não querem fiscalização no movimento financeiro dos partidos durante a campanha. Isto dispensa comentários.

A Emenda nº 26 propunha:

      "A manifesta preferência em favor de algum candidato, ou em detrimento de outro, acarretará a suspensão das transmissões da emissora por um dia, por determinação da Justiça Eleitoral, mediante denúncia de partido político, de candidato ou do Ministério Público, ficando o responsável sujeito às penalidades previstas no art. 323 do Código Eleitoral..."

Esta também foi derrubada. Ou seja, as pessoas influentes que tenham, durante a campanha, preferência no noticiário - fora do programa eleitoral gratuito - pelas emissoras de rádio e televisão não serão punidas; o que pode desequilibrar o jogo eleitoral.

A Emenda nº 37 estabelecia:

      "A Justiça Eleitoral, auxiliada pelos órgãos mencionados no parágrafo anterior, exercerá fiscalização das atividades dos candidatos e dos partidos políticos, podendo requisitar diligências investigatórias e instaurar inquérito policial para apuração de qualquer indício de delito eleitoral".

Essa emenda é de minha autoria. Caiu na Câmara dos Deputados. Não haverá fiscalização da Justiça Eleitoral durante a campanha.

Dir-se-á que ação da Justiça Eleitoral no tocante aos gastos eleitorais poderá ser feita ou deverá ser feita a posteriori. Consumado o pleito? Eleitos os candidatos? Adquirida a imunidade? Evidentemente que os beneficiários das irregularidades ficarão impunes.

Outra emenda derrubada proibia doações financeiras a candidatos feitas por empresas contratadas pelo Poder Público para a realização de obras e fornecimento de bens ou serviços. A emenda caiu também na Câmara Federal.

Uma emenda também de minha autoria, Sr. Presidente, visava impedir o que ocorre freqüentemente nos pleitos, inclusive, no meu Estado: candidatos a prefeitos e a vereadores, mediante tráfico de influência e licitações maquiadas, com endereço certo, contratam obras, às vezes desnecessárias, às vezes superfaturadas, e essas empresas vão poder fazer doações legalmente aos candidatos apoiados pelo Poder. A emenda também foi derrubada pelos Srs. Deputados.

Como se não bastasse, restabeleceram a emenda que proíbe que órgãos da imprensa façam análises de pesquisas eleitorais e projeções. Um dispositivo flagrantemente inconstitucional que viola uma das garantias fundamentais da Constituição, que é a liberdade de expressão e o direito de opinião. Agora, as pesquisas terão que ser publicadas, pura e simplesmente, com números frios, e o direito sagrado de interpretar aqueles números - ainda que, muitas vezes, tendenciosos, não importa, mas é o direito de opinião - está doravante proibido.

O Senado havia derrubado essa emenda, mediante uma emenda supressiva, e a Câmara dos Deputados, em poucas horas, numa sessão rápida, por acordo de Lideranças, restabeleceu essa proibição, de cunho fascistóide.

O Sr. Bernardo Cabral - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JEFFERSON PÉRES - Com muito prazer, Senador Bernardo Cabral.

O Sr. Bernardo Cabral - Senador Jefferson Péres, o que se observou constitui-se numa espécie de alerta para o Senado, de que só consegue se manifestar nos estertores que lhe cabem dos prazos assinados nas últimas horas, quando se diz que não se deve emendar nenhum projeto oriundo da Câmara, para que não volte àquela Casa, uma vez que o tempo seria exíguo. A Câmara demonstrou, em curto período, pouco caso em relação às emendas apresentadas pelo Senado. Não cabe aqui censura aos Srs. Deputados; cabe uma análise crítica à postura do Senado, de que, doravante, deve se reservar - e já há uma idéia para a reforma regimental - um prazo, que seja mínimo, para estudos. V. Exaª registra, com muita propriedade, a emenda do Senador José Roberto Arruda, para a qual dei a minha contribuição, referente à inconstitucionalidade prevista na emenda que derrubou a manifestação de pensamento. É que o art. 220 do texto constitucional, em seu § 1º, declara:

      "Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social."

E ainda manda observar o disposto no art. 5º, incisos IV, V, X, XIII e XIV. V. Exª tem absoluta razão quando protesta com a forma de se retornar à censura neste País. Não importa se algumas vezes há excesso, exageros da imprensa, mas é preciso que ela faça sua análise crítica. Quero me solidarizar com V. Exª pela sua manifestação.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Muito obrigado, Senador Bernardo Cabral, V. Exª tem inteira razão quando diz que isso deve merecer uma análise crítica do Senado.

Creio que, doravante, nós, Senadores, devemos recusar-nos a votar qualquer projeto de lei que venha da Câmara Federal com prazo fatal, já prestes a expirar. É o mínimo que o Senado pode fazer para apreciar matéria com a responsabilidade que a Nação espera desta Casa.

Mas, infelizmente, caímos na armadilha, e acabamos, mais uma vez, na prática, carimbando, homologando um projeto que os Srs. Deputados elaboraram ou, pelo menos, votaram às pressas. Votaram às pressas antes de remetê-lo a esta Casa e votaram às pressas quando, como Casa Revisora, apreciaram o projeto emendado pelo Senado.

Esse fato soma-se a outros preocupantes, como o movimento de um grupo de Deputados, com o silêncio cúmplice e hipócrita de muitos, mas com aprovação silenciosa, no sentido de alguma forma de aumento dos subsídios. Espero que fatos deste tipo tornem-se cada vez mais raros, embora, muitas vezes, com muito pouca esperança de que isso realmente ocorra.

Na minha vida pública tenho tido surtos de otimismo em relação a este País, especialmente à classe política, mas, às vezes, quando ocorrem ou se repetem episódios como esse, sou tomado de um profundo desânimo a respeito do futuro deste País.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 30/09/1995 - Página 17131