Discurso no Senado Federal

SOLIDARIEDADE AO DIRETOR DA PETROBRAS, EX DEPUTADO JOSE MACHADO SOBRINHO, NA LUTA CONTRA A PRIVATIZAÇÃO DA EMPRESA.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • SOLIDARIEDADE AO DIRETOR DA PETROBRAS, EX DEPUTADO JOSE MACHADO SOBRINHO, NA LUTA CONTRA A PRIVATIZAÇÃO DA EMPRESA.
Publicação
Publicação no DCN2 de 30/09/1995 - Página 17140
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • SOLIDARIEDADE, JOSE MACHADO SOBRINHO, EX-DEPUTADO, DIRETOR, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), LUTA, OPOSIÇÃO, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA ESTATAL.
  • CRITICA, FORMA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, SUBSTITUIÇÃO, NORMAS, PROJETO DE LEI, PROTEÇÃO, MONOPOLIO ESTATAL, PETROLEO, GARANTIA, AREA, PROSPECÇÃO, EXPLORAÇÃO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), AMEAÇA, EMPRESA ESTATAL.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o que me traz a esta tribuna é a necessidade que sinto de, primeiro, solidarizar-me com um diretor da PETROBRÁS que defendeu a empresa, devido aos seus receios de que esse patrimônio social, essa tecnologia de ponta, esse saber acumulado e essa eficiência indiscutível que constituem o patrimônio econômico, cultural e moral da empresa venham a ser malbaratados, como tem acontecido inúmeras vezes no Brasil, em se tratando do processo de privatização, de parceirização ou qualquer nome que se venha a dar ao assalto à coisa pública.

Estou falando a respeito de alguém que foi Deputado por Minas Gerais durante quatro legislaturas, combativo, defensor das grandes causas. Antes de ter sido Deputado e Diretor da PETROBRÁS, foi também Chefe de Gabinete dos Ministros Gabriel Passos, João Mangabeira e Eliezer Batista e Assessor Especial de Aureliano Chaves. Portanto, trata-se de uma pessoa que conheço há mais de duas décadas e a quem admiro desde que vim a conhecê-lo.

José Machado Sobrinho escreveu e fez publicar na imprensa um artigo intitulado "Crime de Lesa-Pátria". E, por esse artigo, cortaram-lhe o pescoço, seccionaram-lhe a brilhante carreira e puseram-no no ostracismo.

Requeri, há cerca de um mês, que a Comissão de Assuntos Econômicos ouvisse esse eminente brasileiro, conhecedor profundo dos problemas da PETROBRÁS. Mas foi em vão. Não consegui que o meu intento se transformasse em realidade. A má vontade e critérios pouco claros fizeram, sempre, que fosse postergada a audiência do eminente brasileiro.

Depois, vimos que o momentoso problema da privatização da PETROBRÁS foi esfriado, saiu das manchetes e da preocupação do Legislativo. Aqueles que têm confiança em uma nova forma de produção de leis, uma forma realmente insólita que substitui um preceito constitucional que estava sendo elaborado para proteger o monopólio da União sobre o petróleo e garantir as áreas em que a sua prospecção e exploração já estavam sendo feitas pela grande empresa; e que, no caso de haver um empate em alguma concorrência pública brasileira, esse seria resolvido em proveito da empresa nacional, a PETROBRÁS. Pois bem, vimos que o processo que garantia a presença desses dispositivos na Carta Magna - e que o Senador Ronaldo Cunha Lima havia aceito - foi, de repente, transformado numa carta, ao invés de se transformar em texto constitucional. É uma forma epistolar de legislar, uma inovação neste País. Com essa forma não concordo e não acredito nela. Não posso acreditar, não posso submeter-me e silenciar-me diante da ameaça que é essa forma epistolar de legislar, através de uma carta encaminhada ao Presidente do Congresso Nacional, Senador José Sarney.

Parece-me que existe algo misterioso que fez com que o Senhor Presidente da República, ao invés de permitir o trânsito do projeto, substituísse essa transformação patriótica recebida das mãos do seu Relator aqui no Senado por uma garantia, por uma regra epistolar, que passou a valer mais do que o texto constitucional em elaboração.

Portanto, fico indagando: o que terá movido Sua Excelência o Presidente da República a introduzir algo, assim de repente, na história do Direito, na luta pelo direito multissecular, multimilenária? A partir do Código de Hamurabi, nunca tive notícia de que uma carta pudesse substituir um preceito constitucional. Onde estamos? Em que país nos encontramos, com pessoas que se dizem adeptas da organização legal e racional de Max Weber e que, com cartinhas, hipotecam a palavra, como se essa palavra fosse algo proferido no Monte Sinai, algo indiscutível? E discuto essa palavra!

Durante meses e muitos dias, debrucei-me sobre os textos escritos e assinados pelo Senhor Presidente da República e, com profunda tristeza, vi que Sua Excelência não estava levando a sério os seus próprios escritos e a sua própria assinatura, ao, de repente, propor que nós, seus admiradores, seus leitores, esquecêssemos tudo o que havia escrito. Por que não esquecer também essa carta em determinado momento? Ou por que não viajar para a Europa um certo dia e permitir que o Vice-Presidente da República, assumindo a Presidência, venha a dizer: -"Eu não tenho nada a ver com isso; não assinei carta alguma. O que faço é cumprir o meu dever. Jurei obedecer à Constituição Federal e vou fazê-lo, privatizando a PETROBRÁS, desfazendo as garantias de uma certa proteção que existe na carta do Senhor Presidente da República ao Presidente do Senado Federal."

Todos os argumentos técnicos e de qualquer jaez que foram levantados a favor da privatização da PETROBRÁS e da Vale do Rio Doce caem por terra.

Há poucos dias, nesta Casa, questionou-se o Presidente do BNDES, órgão que deveria ser privatizado, pois o Brasil não pode mais suportar o custo desse Banco, que tira recursos da população, recursos tributários, do FAT e de outros fundos, conseguidos com o suor dos trabalhadores, e os repassa, a preço de banana, para a eficiência em crise, a eficiência falida de empresários e banqueiros nacionais.

O BNDES é um órgão nefasto. Aqueles que afirmam que o modelo construído a partir dos anos 50 se exauriu esquecem-se de que o BNDES foi um órgão fulcral dessas empresas constituídas a partir do início dos anos 50. Ele próprio foi criado, em 1953, com recursos extraídos do Imposto de Renda - um adicional do Imposto de Renda que teria apenas um ou dois anos de vigência, mas que acabou se eternizando na forma de transferência de recursos do povo para o BNDES, para que este os doasse aos Lutfalla, às empresas falidas, à VASP; para doá-los, muitas vezes ilegalmente, ao arrepio da própria Constituição e das leis, a esses empresários que foram os grandes beneficiários desse processo.

Portanto, o que deveria ser feito, justamente por aqueles que acreditam na capacidade empresarial, no mercado e na concorrência, é eliminar esse órgão pernicioso que perturba a atuação do mercado, principalmente quando atua como selecionador, eliminando os empresários incompetentes.

Pois bem. A PETROBRÁS, sozinha, em 41 anos de existência, já investiu cerca de US$83 bilhões, enquanto todas as multinacionais, somadas, não ultrapassam a US$73 bilhões em investimentos totais no País desde que aqui chegaram. E, diferentemente do que afirmam seus detratores, há 21 anos, a União não faz aporte de um centavo para a empresa, que, ao contrário, é credora de cerca de US$4 bilhões originários da conta petróleo e do álcool.

A PETROBRÁS contribuiu com cerca de 4,5% do PIB brasileiro, enquanto 244 bancos nacionais e estrangeiros, somados, participam com 14%. Não obstante, a estatal, sozinha, está recolhendo aos cofres públicos cerca de US$6 bilhões de tributos por ano, enquanto esses 244 bancos não alcançam US$3 bilhões de recolhimento aos mesmos cofres. E sem falar nos US$190 bilhões que a PETROBRÁS já economizou em divisas para o Brasil.

Portanto, eu não poderia silenciar-me, pois tenho uma visão diferente daquela que predomina talvez nesta Casa, no sentido de que estou com receio de que esse silêncio, esse hiato nas discussões de tão importante assunto, qual seja, a privatização da PETROBRÁS, da ELETROBRÁS, da Vale do Rio Doce, tenha sido um arranjo feito para quem, muitas vezes, gosta de esquecer e de pregar o esquecimento, a amnésia como um dos ingredientes da sua vida pública.

Portanto, Srªs e Srs. Senadores, é de se estranhar que, por exemplo, tenha vindo aqui o Sr. Edmar Bacha, Presidente do BNDES, afirmando que não sabe qual o valor do patrimônio da Vale do Rio Doce. Agora, levantamentos feitos por especialistas mostram que só as reservas da Vale do Rio Doce valem US$344 bilhões. A Drª Helena Landau, Diretora de Privatização do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - que, no entanto, é um Banco anti-social; colocou um "s" para mal mascarar o seu comportamento, os seus intuitos e a sua real atividade no País -, afirma que os US$23 bilhões que o BNDES acha que vai conseguir de receita com a venda ou a doação das estatais não serão suficientes para pagar sequer uma parte dos juros que vão vencendo ao longo do processo de privatização; ou seja, entregaremos as estatais, e a receita da venda não cobrirá sequer os juros; a dívida mobiliária do Governo Federal continuará depois da privatização, tal qual era antes.

Portanto, temos receio de que também a PETROBRÁS venha a ser atingida por aquelas pessoas que criaram essa forma epistolar de impedir a manifestação da vontade tanto do eminente Relator da matéria, Senador Ronaldo Cunha Lima, como de todo o Legislativo. Daí por que eu não poderia silenciar-me. Um dia, talvez, pesquisando a história dos nossos desgovernos, algum pesquisador encontre estas palavras pronunciadas por um modesto e obscuro Senador, que talvez tenha sido a voz solitária, e gostaria que não fosse premonitória, a respeito dessas formas indecorosas, indiretas de tratar o grave problema da privatização da coisa pública.

Tancredo Neves dizia que "a política deixa as suas vítimas; a vitória dos políticos deixa em sua estrada os cadáveres dos derrotados". Desta vez, o processo de privatização e os benefícios que esse processo trará aos herdeiros gratuitos dessa riqueza também fazem as suas vítimas. Não apenas aqueles que serão demitidos, engrossando o rol de 180 mil bancários ameaçados com o enxugamento do sistema financeiro brasileiro. A esses 180 mil se somam os 160 mil do tempo do Collor e se somarão os 80 mil funcionários vítimas do Sr. Bresser Pereira, conforme ele promete. Também os funcionários dessas empresas estatais serão obviamente demitidos. A eles será dada a isca de poderem comprar seus 10% ou 15% de ações a preços privilegiados, um cala-boca para aqueles que têm a boca propensa ao silêncio e à subserviência.

O nobre ex-Senador e Administrador da PETROBRÁS foi assessor dos grandes Ministros que estão na história da criação e do crescimento da PETROBRÁS, como Gabriel Passos, João Mangabeira e outros. Trata-se de um homem admirável, que se encontra impossibilitado de romper o seu silêncio. Não pôde vir até hoje à Comissão de Assuntos Econômicos para externar a sua angústia, a sua dúvida a respeito desse processo. Pediu-me ele que eu não falasse na sexta-feira. Mas, se eu não falar na sexta-feira, em que dia falarei?

Desculpe-me o nobre Diretor da PETROBRÁS e amigo José Machado Sobrinho, mas tive de falar, a contragosto seu e meu, nesta deserta sexta-feira.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 30/09/1995 - Página 17140