Discurso no Senado Federal

REGISTRANDO A ENTREGA OFICIAL DO RELATORIO DA DELEGAÇÃO PARLAMENTAR BRASILEIRA A IV CONFERENCIA MUNDIAL SOBRE A MULHER, REALIZADA EM PEQUIM-CHINA, AOS PRESIDENTES DO SENADO E DA CAMARA DOS DEPUTADOS QUESTÃO FUNDIARIA.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
FEMINISMO. REFORMA AGRARIA.:
  • REGISTRANDO A ENTREGA OFICIAL DO RELATORIO DA DELEGAÇÃO PARLAMENTAR BRASILEIRA A IV CONFERENCIA MUNDIAL SOBRE A MULHER, REALIZADA EM PEQUIM-CHINA, AOS PRESIDENTES DO SENADO E DA CAMARA DOS DEPUTADOS QUESTÃO FUNDIARIA.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Ney Suassuna, Osmar Dias, Romero Jucá, Valmir Campelo.
Publicação
Publicação no DCN2 de 29/09/1995 - Página 16998
Assunto
Outros > FEMINISMO. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, ATO OFICIAL, ENTREGA, RELATORIO, DELEGAÇÃO BRASILEIRA, CONGRESSISTA, PARTICIPANTE, CONFERENCIA INTERNACIONAL, MULHER, PAIS ESTRANGEIRO, CHINA.
  • COMENTARIO, INVASÃO, PROPRIEDADE RURAL, MUNICIPIO, CORUMBIARA (RO), ESTADO DE RONDONIA (RO), PROVOCAÇÃO, RETOMADA, DEBATE, PROBLEMA, REFORMA AGRARIA, APREENSÃO, ORADOR, SITUAÇÃO SOCIAL, TRABALHADOR RURAL, NECESSIDADE, URGENCIA, GOVERNO FEDERAL, EXECUÇÃO, DESAPROPRIAÇÃO, SOLUÇÃO, CONFLITO.
  • SOLICITAÇÃO, ANEXAÇÃO, PRONUNCIAMENTO, ORADOR, DOCUMENTO, MANIFESTAÇÃO, TRABALHADOR, SEM-TERRA, DEFESA, URGENCIA, IMPLANTAÇÃO, REFORMA AGRARIA.

A SRª BENEDITA DA SILVA - (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de iniciar fazendo um registro: hoje, no Espaço Cultural da Câmara dos Deputados, a Delegação Parlamentar Brasileira que participou da IV Conferência Mundial sobre a Mulher, em Pequim, está realizando um ato de entrega oficial do relatório às Presidências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

Gostaria ainda de fazer um segundo registro, que imputo importante, a respeito do encerramento do Encontro de Mulheres Indígenas, que vem se realizando aqui em Brasília, e que tem sua conclusão, hoje, às 16h.

Feitos esses registros, gostaria de falar a respeito das últimas notícias dos jornais, seja da cidade do Rio de Janeiro ou do Jornal Nacional. Li, com muita preocupação, que está acontecendo, no Brasil como um todo, o chamado conflito de terras. A questão da terra, para mim, não pode e não deve ser tratada ideologicamente. E por que digo isso? Porque a minha concepção de vida filosófica, de fé, já disse isso e vou repetir, é baseada no fato de que Deus criou todas as coisas e entregou-as em nossas mãos para que nós fôssemos administradores. E não o fez com a injustiça de escolher entre nós líderes, seja homem ou mulher. Apenas criou todas as coisas e entregou-as em nossas mãos. Portanto, a terra é um dádiva divina e deve ser cultivada para o nosso próprio benefício, independentemente de siglas partidárias, de ideologias, de classe social, de raças ou de etnias.

É importante que tenhamos a terra como o fruto maior da vida e aceitemos que nela haja uma função social para os viventes. É duro perceber que basta uma vontade política para que iniciativas com relação à reforma agrária sejam feitas, sem que tenhamos a necessidade de abrir os jornais dos nossos Estados e tomar conhecimento de conflitos por reforma agrária, que é muito necessária.

Estamos presenciando uma convulsão social. E quem são, evidentemente, as vítimas dessa situação? Encontramo-nos diante de uma situação muito particular: o caso de Corumbiara. Mas sabemos que há outras situações. Conhecemos conflitos há décadas e eles acontecem exatamente pela ausência do Estado na implementação da política necessária. Então, como posso ler nos jornais notícias sobre conflitos de terra em que são vítimas posseiros, sendo eu uma militante do Partido dos Trabalhadores, que tem o movimento dos sem terra, lutando e reivindicando, batendo às portas do Judiciário, do Legislativo, do Executivo, como posso aceitar uma manchete como:"PT promove invasões."?

Primeiro, não aceito essa denominação de invasão. Quero, primeiro, que os proprietários de terras mostrem o seu atestado de propriedade. Quero do primeiro dia de vida do ser humano. Não há invasão e sim uma ocupação em um espaço que se faz necessário para as pessoas necessitadas.

Fiz uma ocupação há 53 anos, na Favela de Chapéu Mangueira, quando era terminantemente proibido morar no Estado do Rio de Janeiro; o espaço reservado eram as favelas, que proliferaram, porque não havia, até então, uma política habitacional para a pobreza, para aqueles que vinham do interior para as grandes cidades. Então, foi feita uma ocupação.

Não podemos aceitar que essas vítimas, por uma razão política e ideológica, continuem sendo chacinadas e nós não tenhamos aqui o respeito, a coragem e a parceria de fazer com que o Governo, usando do instrumento legal, faça a reforma agrária.

Não. O inimigo não pode ser gente com fome; o inimigo não pode ser gente com vontade de trabalhar; o inimigo não pode ser gente miúda, criança, desdentada; o inimigo não pode ser gente envelhecida; o inimigo não pode ser gente envelhecida precocemente por uma vida ruim; não pode ser gente chutada, não pode ser gente baleada, não pode ser gente espancada, chacinada. Não, não pode ser essa execução geral.

O Sr. Romero Jucá - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Romero Jucá - Senadora Benedita da Silva, V. Exª traz à discussão um tema que hoje é um drama nacional, e sobre o qual falarei daqui a pouco também neste plenário. Mas gostaria de fazer essa intervenção para dizer que é fundamental que se discuta, efetivamente, a questão do uso social da terra - uma questão fundamental no País - e para dizer também que, independente do tipo de ocupação ou de invasão, ou qualquer nome que queira se dar à necessidade de obtenção de terra para as populações mais pobres, mais carentes, para os idosos, enfim, para todos os segmentos citados por V. Exª, não se pode concordar com a violência, com o tipo de encaminhamento que tem se dado no Brasil, ao longo dos anos, inclusive chacinando, matando, torturando, fazendo com que os mais carentes, os mais necessitados sejam vítimas da opressão. Solidarizo-me com a colocação de V. Exª, este é um tema que urge ser discutido no Congresso Brasileiro e ser encaminhado com uma solução pertinente pelo Governo Federal porque é uma chaga que o povo brasileiro não pode mais carregar. Temos que solucionar esta questão.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª, que também tratará da questão.

Quero dizer que não é o PT; não é sequer o Sendero Luminoso, com militantes do PT infiltrados. Não! É uma realidade que está colocada, na medida em que o poder público se ausenta das questões urgentes, urgentíssimas, da sociedade e, evidentemente, algum outro poder, organizadamente, vai ocupar. É preciso levar em conta que a nossa sociedade está mudando. E também o nível de consciência da própria sociedade está mudando.

Não tenho procuração dos sem-terra, nem do Sendero Luminoso, que não estou aqui defendendo, mas temos que encarar esse problema como uma questão social. A reunião de hoje da Comissão de Relações Exteriores - da qual o nobre Senador Antonio Carlos Magalhães é presidente - foi interessante e, se não tivesse sido secreta, talvez eu pudesse dizer alguma coisa do que ouvi. Eu gostaria tanto de poder apenas revelar um ponto: a questão fundiária é uma questão social. Eu ouvi isso hoje e é algo que estamos dizendo há muito tempo.

E, por conta da política, a questão da reforma agrária foi tratada como um problema ideológico e não houve o reconhecimento de que não é apenas uma obrigação do governo, é uma ação que não está presa pura e simplesmente ao governo. Temos que tratar das terras devolutas, das chamadas terras que estão sendo guardadas apenas para especulação, pois sabemos que precisamos produzir.

Uma questão que me preocupou muito foi saber que na Assembléia da ONU tratou-se do caso de Corumbiara, e o Brasil continua sendo considerado o mais violento nesses assuntos, um país que desrespeita as resoluções que assina. Isso não fica bem. É preciso ter a convicção de que a reforma agrária é um papel que devemos assumir para nós, juntamente com o Governo Federal.

Há uma iniciativa do Governo que, neste momento, com a substituição do presidente do INCRA, pretende implementar uma política que poderá ser feita urgentemente. A mim pouco importa quem será o presidente, o que me importa neste momento é que, quando o Presidente da República tomou essa medida, avocou para si a responsabilidade de cumprir não só o que estava escrito no seu programa de governo, no compromisso assumido durante a campanha, mas como chefe maior desta Nação, a responsabilidade de começar já a reforma agrária.

Ao mesmo tempo em que elogio essa iniciativa do Governo de tomar para si esse assunto, correndo um risco muito grande, é claro, quero lamentar - não que seja masoquista - porque muito sangue foi derramado. Tem um versículo da Bíblia que eu gostaria que nunca que fosse cumprido na vida do povo brasileiro: "Sem derramamento de sangue, não haverá redenção."

Tenho lutado a vida inteira para que versículos como esse não sejam cumpridos, pelo menos na Nação brasileira, porque há um entendimento democrático e não há necessidade de se derramar sangue - e sangue inocente - para ocupar um pedacinho de terra.

Estamos nessa vida de passagem. É preciso que possamos compreender isso. Por mais bens que tenhamos, não conseguiremos sequer usá-los, porque nosso tempo não nos permite. E quanto mais bens se tem, mais ocupado se fica, mais preocupado se fica. Então, por que não dividir os que têm com os que não têm, de uma forma democrática, transparente, em tempo de paz? Se estamos vivendo realmente esse tempo de paz, temos que aceitar a questão agrária, a questão fundiária como uma função social, como uma questão de direitos humanos. Não podemos esperar que haja um ajuste de leis.

Quando houver um conflito, vamos sempre utilizar a mesma alegação: "Precisamos de reforma agrária. O Congresso Nacional tem que votar uma lei." Não! Nessa situação aqui basta que o Governo tenha a iniciativa, até mesmo porque tem um elenco de situações que possibilitam fazer o assentamento imediato, sem que haja a necessidade de uma lei. O que é preciso é uma vontade política nesse momento. É uma vontade e um desejo - agora já passa a ser um desejo - das diferentes forças desta Nação para que a reforma agrária aconteça.

O Sr. Ney Suassuna - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Ney Suassuna - Não resta dúvida de que pacificaria o País se dispuséssemos de mais terras para o projeto da reforma agrária. Estamos estudando um projeto de lei onde todos os proprietários de terras. com mais de 200 hectares dariam 3% do seu território ou poderiam pagar em outra área. Com toda a certeza poderíamos fazer isso para o público em geral e, em relação à Igreja, poderíamos ver o que é propriedade da mesma e utilizar também, uma vez que a Igreja só se preocupa com a alma e não tem por que ter tanta terra. Acredito que se tivéssemos 3% das terras de quem dispõe delas, ou se tivéssemos até a possibilidade de comprá-las em outra área e utilizá-las para reforma agrária, ou também se fizéssemos um levantamento do que a Igreja dispõe e pudesse ceder, com certeza colocaríamos todas essas famílias que estão necessitadas de terra.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço a V. Exª o aparte, mas não quero, neste momento, transferir para a Igreja a responsabilidade, pois ela é de todos: é da Igreja, é dos Poderes Legislativo, Judiciário , Executivo e é da sociedade brasileira. Não podemos transferir uma situação agravante como essa. Do ponto de vista ideológico, através das páginas dos jornais, a imprensa está dizendo que isso é responsabilidade de um partido ou de um grupo mais sectário ou radical, quando sabemos que é responsabilidade nossa.

O Sr. Ney Suassuna - Perdão, Exª, mas estou falando em geral, ou seja, 3% das terras de quem dispõe de mais de 200 hectares, e prioritariamente as da Igreja. As terras seriam da Igreja e de todos.

A SRª BENEDITA DA SILVA - V. Exª agora deixou muito mais claro. Eu não quero saber de quem é a terra, se é da Igreja ou não. O que está sendo questionado por mim é a necessidade de uma ação imediata, emergencial do Governo, em relação a uma situação que se agrava a cada dia em nosso País. E aí, salve-se quem puder, mas não da forma como estamos vendo nos jornais. Violência gera violência. Se criar ideologicamente que o Movimento dos sem-terra é um movimento de guerrilha altamente organizado, que vai tomar o poder daqui a dois segundos. Ora, meu Deus, quem pode tomar o poder pelas armas em dois segundos, não vai estar em procissão, batendo à porta do Legislativo, do Executivo e do Judiciário! Se estão fazendo isso é porque querem em tempo de paz resolver. E sabem perfeitamente que a sua correlação de forças é inteiramente desfavorável para ter uma ação radicalizada dessa envergadura.

Portanto, o que estamos buscando é fazer com que esses movimentos, que estão surgindo a partir da consciência do direito do cidadão, possam encontrar respaldo nas nossas iniciativas. Quer dizer, cada um de nós, na verdade, detém uma parcela de poder tendo ou não terra. Não tenho terra alguma, mas faço parte do Poder Legislativo do meu País. Portanto, tenho que garantir que esta Casa possa fazer essa discussão e respaldar o Governo em sua iniciativa.

O Sr. Osmar Dias - Permite V. Exª um aparte, nobre Senadora Benedita da Silva?

A SRª. BENEDITA DA SILVA - Com prazer, ouço o aparte de V. Exª

O Sr. Osmar Dias - Lamento ter ouvido somente metade do pronunciamento de V. Exª, embora assim mesmo o tenha entendido. Concordo com a linha do seu pronunciamento, apenas quero adicionar uma questão da responsabilidade do Congresso Nacional. Com a atual legislação, nenhum Governo, nem do PSDB, nem do PT, nem de qualquer partido, por maior boa-vontade que tenha, vai cumprir meta alguma. Este é o primeiro ponto. A legislação amarra. Dou um exemplo, Senadora Benedita da Silva. No Paraná, em 1986, ocupamos junto com os sem-terra uma fazenda de propriedade do Grupo Atala de 10 mil hectares, totalmente improdutiva. Aquela fazenda foi transformada em uma grande fazenda de produção de arroz com 400 famílias que colocamos lá, e até hoje a Justiça não emitiu o título de propriedade para aquelas famílias. O processo se enrosca e se enrola na Justiça e não há uma conclusão. Portanto, estabelecer metas é, no mínimo, temerário. O que deveríamos e vou procurar fazer, quem sabe contando com a ajuda de V. Exª, é tornar a lei menos enrolada para que possamos agilizar o processo de reforma agrária. A respeito da proposta do Senador Ney Suassuna de que cada proprietário de mais de 200 hectares doe 3% para a reforma agrária, com essa idéia poderíamos sugerir, também, que cada empresário da cidade doe 3% de sua fábrica, da sua indústria aos trabalhadores; cada proprietário de apartamento doe 3% de sua propriedade e sugiro ao Senador Ney Suassuna que doe 3% da rede de colégio que tem, aos seus alunos e professores. Muito obrigado.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª.

O Sr. Eduardo Suplicy - Permite V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Ouço V. Exª com muito prazer.

O Sr. Eduardo Suplicy - Gostaria de cumprimentar V. Exª, Senadora Benedita da Silva, pelo teor do pronunciamento, especialmente quando procura distinguir o sentido do que seja o Movimento dos Sem-Terra e da ação de ocupar as diversas áreas improdutivas deste País. Ainda no último sábado, ouvi a entrevista daquele que foi criador do Estatuto da Terra e Presidente do INCRA ao tempo do Governo do Presidente José Sarney, refiro-me ao Professor José Gomes da Silva, que fazia uma distinção muito clara. Quando existem espaços vazios de áreas rurais improdutivas, para pessoas que estão no campo com dificuldade de sobrevivência, o fato de essas pessoas ocuparem essas áreas para a finalidade de lavrar a terra, de produzir, constitui ação legítima, a defesa de sua própria vida; constitui ação que visa atingir ideais, objetivos que estão na própria Constituição, para que os seres humanos neste País venham a ter condições de igualdade, para que todas as pessoas possam, de fato, exercer os direitos à cidadania. É preciso que esse conceito seja muito claro. Quando autoridades, seja do Exército, do Serviço de Inteligência do Governo, simplesmente estão a emitir relatórios, afirmando que cá e lá houve invasões, sem se preocupar com essa questão, essa visão que é a do Movimento dos Sem-Terra, não estão compreendendo inteiramente a natureza do problema. É importante ressaltar que o Governo pode estar muito melhor informado sobre a natureza do Movimento dos Sem-Terra se atender ao convite dos Coordenadores do Movimento, feito no ano passado, ao Ministro Almirante Flores da Secretaria de Assuntos Estratégicos, e renovado anteontem ao Secretário-Geral da Presidência da República Eduardo Jorge. Na ocasião, convidaram o Secretário-Geral, o Presidente da República, Ministros, o Presidente do INCRA, integrantes do Serviço de Inteligência do Exército, da SAE, enfim, as pessoas do Governo a visitar os institutos de ensino, os cursos do Movimento dos Sem-Terra, como, por exemplo, aquele que é considerado um dos mais importantes, o de Caçador, em Santa Catarina, ou também visitar todos os acampamentos onde estão os trabalhadores sem-terra para ouvi-los, conhecer os seus problemas, ouvir suas histórias, por que razão estão preocupados com a realização da reforma agrária num tempo mais rápido do que até agora vem sendo realizado pelo Governo. Finalmente, Senadora Benedita da Silva, acredito que o fato de o Presidente Fernando Henrique Cardoso ter designado o Sr. Francisco Graziano, que foi, até agora, seu Secretário Especial, secretário particular, aquele que trata da agenda pessoal do Presidente da República, significa que o Presidente está colocando na Presidência do INCRA uma das pessoas mais próximas a Sua Excelência, uma pessoa de sua inteira confiança. Acredito que o Sr. Francisco Graziano vai tratar dessa questão com a urgência que se faz necessária. Abro, em princípio, um crédito de confiança, esperando que possa realmente ser melhor compreendida a natureza do Movimento dos Sem-Terra do que tem sido até agora. Ainda que o jornalista Jânio de Freitas tenha dado hoje uma informação relevante, qual seja, de que, no dia 14 de outubro de 1994, Francisco Graziano, numa palestra aos jornalista, tenha afirmado que não entendia muito bem a razão do Movimento dos Sem-Terra. Imaginava, então, que deveria haver nas cidades, por exemplo, o Movimento dos Sem-Indústria. Ora, espero que Francisco Graziano, à frente do INCRA, tenha o sentido da urgência da realização da reforma agrária, que tem faltado não apenas a este, mas aos governos que se sucederam ao longo deste século e dos anteriores.

O Sr. Valmir Campelo - V. Exª me concede um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Valmir Campelo - Serei rápido, nobre Senadora Benedita da Silva. Quero apenas cumprimentar V. Exª pelo seu pronunciamento na tarde de hoje. Realmente, é um tema apaixonante que vem despertando sua divulgação e o interesse de toda a sociedade brasileira. Comungo no ideal de V. Exª, mas condeno a maneira às vezes organizada que gera a violência. Assistimos pela televisão e ouvimos pelo rádio que os movimentos de ocupação de fazendas são feitos com antecedência, com participação de proprietários de rádio, com divulgação bastante acentuada, o que sugere uma indústria da invasão rural. Absolutamente, não posso concordar com esse tipo de organização que, realmente, gera a violência, que não é o que se espera. Eu participo da idéia de que a reforma agrária é necessária, que o Estado deverá, imediatamente, implantar uma política agrícola que venha atender aos interesses dos trabalhadores rurais. Penso também, nobre Senadora Benedita da Silva, que não basta um pedaço de papel e um pedaço de terra. Há necessidade de, além disso, o Governo dar incentivos para que essas famílias tenham condições de produzir e se fixar naquela área. Meus parabéns pelo seu pronunciamento.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª, nobre Senador.

O Sr. Presidente me adverte pela campainha que não posso mais conceder apartes, o que lamento.

A intervenção do nobre Senador Eduardo Suplicy me sugere - já que sou detentora da carta do Movimento dos Sem-Terra ao Presidente da República - e eu solicito que essa missiva seja anexada ao meu pronunciamento, juntamente com os apartes e o material para a informação de que existe, por parte desse Movimento, uma vontade política organizada sim, mas não na clandestinidade. Temos que reconhecê-lo, foi todo um trabalho iniciado pela CPT, as pastorais trabalharam muito nisso; foi criado o MST e, a partir deste, foram criados também outros grupos, mas todos eles tiveram suas assembléias, seus núcleos, cursos de formação, seus congressos e, portanto, abertos ao público para questionamentos e conhecimento dos seus pensamentos e até mesmo de suas estratégias.

Concluindo, Sr. Presidente, quero dizer que esta Casa, que tem se levantado e tomado conhecimento de que não vale a pena viver sobre sangue derramado, deve pensar no quanto é importante e bom que possamos deixar nascer as flores; que possamos plantar e que possamos colher.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 29/09/1995 - Página 16998