Pronunciamento de Humberto Lucena em 28/09/1995
Discurso no Senado Federal
QUADRO CRITICO EM QUE SE ENCONTRA A AGRICULTURA BRASILEIRA.
- Autor
- Humberto Lucena (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
- Nome completo: Humberto Coutinho de Lucena
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
AGRICULTURA.:
- QUADRO CRITICO EM QUE SE ENCONTRA A AGRICULTURA BRASILEIRA.
- Aparteantes
- Carlos Patrocínio, Josaphat Marinho, Levy Dias, Ney Suassuna, Osmar Dias, Ronaldo Cunha Lima.
- Publicação
- Publicação no DCN2 de 29/09/1995 - Página 17066
- Assunto
- Outros > AGRICULTURA.
- Indexação
-
- APREENSÃO, ORADOR, SITUAÇÃO, DIFICULDADE, ATIVIDADE AGRICOLA, PAIS, RESULTADO, PLANO, ESTABILIZAÇÃO, ECONOMIA, GOVERNO, COMBATE, INFLAÇÃO, PROVOCAÇÃO, INADIMPLENCIA, AGRICULTOR, PAGAMENTO, DIVIDA, CREDITO AGRICOLA, BANCO DO BRASIL.
- DEFESA, RETOMADA, PROGRAMA SETORIAL, AGRICULTURA, RECUPERAÇÃO, CULTIVO, CACAU, ALGODÃO, REGIÃO NORDESTE, DESTINAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, SUBSIDIOS, PRODUTOR RURAL.
- DEFESA, URGENCIA, GOVERNO, ADOÇÃO, POLITICA AGRICOLA, OBSERVAÇÃO, DIFERENÇA, AMBITO REGIONAL, EFICACIA, DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA.
- COMENTARIO, APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, APROVAÇÃO, SENADO, TRAMITAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, DISPOSIÇÃO, CONCESSÃO, SUBVENÇÃO, OPERAÇÃO FINANCEIRA, CREDITO RURAL, MEDIO PRODUTOR RURAL, PEQUENO PRODUTOR RURAL, REGIÃO NORDESTE.
- SOLICITAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, DEFINIÇÃO, POLITICA AGRICOLA, ABRANGENCIA, NECESSIDADE, URGENCIA, REFORMA AGRARIA.
O SR. HUMBERTO LUCENA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trago hoje ao plenário desta Casa minha preocupação com o quadro crítico em que se encontra a nossa agricultura. Setor que normalmente já se ressente das dificuldades decorrentes das instabilidades climáticas e que hoje amarga mais uma vez, e mais fortemente ainda, os efeitos das modificações ditadas pela política econômica.
Com efeito, de modo até paradoxal, os agricultores do País estão pagando a conta da estabilização da economia, que o Plano Real, nos seus dezesseis meses de vigência, tem conseguido manter, suplantando as expectativas e superando, com êxito, os seus antecessores. Uma conta que o próprio Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, também na condição de médio agricultor, vem de público reconhecer, manifestando, ao mesmo tempo, sua preocupação em se traçarem melhores e mais consistentes perspectivas para o setor agrícola.
Na verdade, essa crise já vem se arrastando há muitos anos. E, sem dúvida, expressa a falta de uma verdadeira política agrícola para o País. Mas nos últimos oito meses ela ganhou objetivamente uma maior intensidade, fazendo com que assistíssemos a cenas preocupantes e, em alguns casos, até dramáticas, envolvendo produtores rurais que, inadimplentes, tiveram e continuam a ter que se desfazer de seus patrimônios a preços vis, para poderem honrar seus compromissos com os bancos e com fornecedores de matérias-primas e insumos. O preço médio de venda da terra, por exemplo, desde o mês de abril, caiu pela metade.
Os números dessa crise, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, chegam a ser comparados por alguns analistas com os que se registraram no chamado crack de 1929. O que, mesmo se considerando que possa haver nessa apreciação algum exagero, demonstra a sua inquestionável gravidade.
Objetivamente, as razões básicas e imediatas para a eclosão e desenvolvimento desse quadro residem nos seguintes pontos: 1. Os preços de mercado dos produtos agrícolas desceram a um nível extremamente baixo, ficando praticamente congelados durante o primeiro ano do Real; 2. Os juros sobre os financiamentos, por sua vez, foram colocados pela chamada "âncora" monetária do Plano em um patamar ineditamente alto. A Taxa Referencial (TR), por exemplo, que corrigia os empréstimos, evoluiu para 37,44% entre agosto do ano passado e agosto deste ano; 3. O câmbio supersobrevalorizado veio a contribuir fortemente para que as exportações agrícolas caíssem e, ao mesmo tempo, para que os produtos agrícolas estrangeiros, altamente subsidiados em seus países de origem e ajudados ainda mais por tarifas internas muito favoráveis a eles, viessem a concorrer deslealmente com os nossos; 4. Os impostos incidentes sobre os produtos agrícolas nacionais, que continuam excessivamente altos; e tudo isso em meio ao impacto dos fatores climáticos negativos, como a estiagem do Sul/Sudeste logo na largada do plantio, no inverno e primavera do ano passado, sem o que a safra 94/95 teria, com certeza, sido muito maior.
Assim, estabeleceu-se uma situação insustentável para a economia do campo, com os centros produtores mais distanciados, enveredando por um verdadeiro caos, como se está vendo acontecer, particularmente, na região dos cerrados e nos rincões gaúchos, onde a abertura de fronteiras veio tornar inviável cultivos de longa tradição, com os inevitáveis reflexos sobre os demais setores da economia. Haja vista que a venda de tratores para o campo caiu 33% no primeiro semestre deste ano, em relação ao primeiro semestre de 1994, e a venda de adubos declinou 21% em igual período, fato que obviamente tem redundado em um inevitável aumento do desemprego nesses setores.
Desse modo, não é por acaso que já se denominou a crise agrícola atual uma "âncora" verde do Plano Real, ou seja, ela propiciou a manutenção de uma grande parte dos preços da economia em patamar expressivamente baixo, ao mesmo tempo em que provocou a redução da receita do setor vegetal em torno de 30%.
Na verdade, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a situação de dificuldade na área agrícola não é de hoje. Vem já de alguns anos e foi agravada, particularmente, durante o Governo Collor. Primeiro foi a excessiva redução das tarifas de importação de produtos agrícolas, implementada com base na idéia de que uma forte abertura de nossa economia para o mercado externo supostamente iria conferir-lhe maior competitividade no comércio exterior.
Segundo, o plano de estabilização daquele Governo não somente desmantelou o pouco de política agrícola, até então em vigor, como não permitiu o necessário desenvolvimento de qualquer alternativa para o planejamento agrícola nacional, nos prazos médio e longo. E as culturas que mais sofreram foram justamente as mais importantes para a composição da cesta-básica de alimentos, com destaque para o arroz que, junto com o feijão, forma o prato de resistência da grande maioria da população brasileira.
No caso do feijão, segundo a Sociedade Rural Brasileira, de janeiro a abril deste ano, os produtores de São Paulo, por exemplo, receberam em média 61% menos do que no mesmo período de 1994. Em termos globais, a entidade estima que houve uma queda de receita da ordem de 26% sobre o ano passado. Já o arroz, que é a nossa maior cultura depois do milho e da soja, com uma produção de onze milhões de toneladas em 1994, determinou um prejuízo nunca imaginado pelos agricultores brasileiros - 9,6 bilhões de reais ou 2% do PIB nacional, segundo recente pesquisa da Universidade de São Paulo (USP). Com relação ao algodão, o Brasil que até o início dos anos 90 era o sexto produtor mundial e o quarto exportador, em 1992 já tinha passado a ser o segundo maior importador, perdendo apenas para o Japão.
A propósito do algodão, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, devo fazer um registro especial: pouco antes da visita que o Senhor Presidente Fernando Henrique Cardoso fez ao Nordeste, particularmente, à Paraíba, tive a oportunidade de endereçar a Sua Excelência, subscrita pelos Senadores do meu Estado e pelos Deputados da bancada do PMDB na Câmara, uma carta em que sugeria o lançamento de um programa de recuperação da cultura algodoeira do Nordeste, praticamente dizimada pela chamada praga do "bicudo".
O Senhor Presidente da República mandou os órgãos técnicos examinar a matéria. A EMBRAPA entrou em ação; o Sr. Ministro da Agricultura deu parecer favorável, e o Senhor Presidente Fernando Henrique Cardoso, em sua visita a Campina Grande, anunciou de público o plano de recuperação da cultura do algodão, que se fosse realmente executado teria dado um passo muito grande no sentido de que pudesse aquela cultura pudesse vir a ser reativada, inclusive numa convivência com o "bicudo", como já acontece em vários países do mundo.
Acontece, porém, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que o programa de recuperação da cultura do cacau ficou no papel. Até hoje um centavo sequer foi liberado pelo Governo Federal - e já se vão vários meses da visita do Senhor Presidente da República a Campina Grande e à Paraíba - para que se iniciasse a recuperação da cultura do algodão do Nordeste, salientando que o algodão mocó, algodão de fibra longa, próprio do semi-árido, do Sertão, do Cariri, do Curimataú, da Paraíba e dos demais Estados nordestinos, deixou de ter ampliada sua plantação e, com isso, sofreu grandemente a nossa exportação.
O Sr. Osmar Dias - Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. HUMBERTO LUCENA - Ouço V. Exª com prazer.
O Sr. Osmar Dias - Com muita satisfação observo o exame detalhado da crise que envolve a agricultura e, de forma bastante profunda, o agrobusiness brasileiro responsável, hoje, por 40% de tudo que se comercializa externamente. Ou seja, estamos matando 40% da receita que estamos conquistando no mercado exterior. Não há mais tempo a perder. Ou o Brasil entende que o único setor que apresenta vantagens comparativas no mercado internacional é o setor agropecuário ou irá perder uma grande oportunidade de se integrar, de forma competitiva, na globalização do mercado como ocorre atualmente. Tenho defendido a tese de que devemos parar de reclamar a falta de uma política agrícola e conclamar uma política de segurança alimentar como fizeram os países na Europa após a Segunda Guerra, igualmente os Estados Unidos e o Japão que tratam a segurança alimentar como se fosse uma verdadeira religião. Não é à toa que os estoques de alimentos no mundo estão altos exatamente nos países desenvolvidos e muito baixo nos países em desenvolvimento. Fiz um estudo bastante profundo a respeito da questão dos subsídios que ocorrem nos principais países desenvolvidos do mundo. Cheguei à conclusão de que se esses mercados compradores - os mercados desenvolvidos - deixarem de subsidiar de repente a sua agricultura, seria aberto para os países em desenvolvimento um mercado de matéria-prima superior a US$40 bilhões e, desse mercado, o Brasil conquistaria US$14 bilhões todos os anos na exportação de produtos primários. Não acredito que vamos vencer o problema da crise da agricultura brasileira discutindo os problemas internos, crédito rural. Há décadas, ouço discutir sobre o assunto que, até agora, não foi resolvido. Penso que o Brasil deve colocar-se numa postura muito mais exigente em relação às negociações, principalmente do GATT, já que o alto subsídio que chega a US$350 bilhões por ano, nos três principais blocos econômicos, tem sido o grande adversário dos preços dos produtos agrícolas. Neste estudo que fiz, cheguei também à conclusão que, em função do subsídio, só por causa dele, os preços dos produtos agrícolas têm caído 0,5% ao ano, o que significa que, nos últimos 30 anos, quando começou efetivamente o subsídio, principalmente na União Européia, os preços dos produtos agrícolas declinaram cerca de 20% no mundo, o que significa um impacto extremamente negativo, especialmente para a produção de alimentos e até para a produção de produtos de exportação. Para contrariar tudo isso que estou dizendo, o Ministério da Agricultura, da Indústria e do Comércio, que tem a obrigação de fiscalizar se há subsídio na origem, não o faz. E estamos agora com um estoque de milho historicamente o maior da nossa história e uma empresa importando 10 mil toneladas de milho nas barbas do Governo, sem que o mesmo peça, na origem, a fiscalização, isto é, há ou não subsídio, para impedir, porque é um direito existente através de alíquotas de proteção do mercado interno. Não o faz, porque, talvez, não tenha interesse em fazê-lo. Só que isso está matando os agricultores, como já matou a cultura do algodão, que, nos últimos três anos, teve uma redução de 60% da área e, em conseqüência, de 60% da produção em nosso País, obrigando-nos a deixar de ser exportadores de fibra de algodão para sermos importadores de mais da metade do nosso consumo. Com essa política, estamos entregando e perdendo a nossa soberania, como aconteceu com o trigo, em que já chegamos a uma dependência de 80% do mercado exterior e vamos chegar logo com o algodão nos 80% de dependência de mercado externo. Isso significa que estamos desprezando aquilo que nos é mais caro neste momento: a geração de empregos, porque não há uma cultura que gere mais emprego do que o algodão.
O SR. HUMBERTO LUCENA - Muito obrigado a V. Exª, que vem sendo altamente competente, nobre Senador, no debate desta matéria no Senado Federal. Tenho ouvido freqüentemente o discurso de V. Exª, que não é outro senão este que acaba de dar conteúdo ao seu brilhante aparte.
Quanto aos subsídios para a agricultura, já chegarei lá. Quero apenas, nesta ocasião, lembrar a V. Exª que, na verdade, foram justamente os altos subsídios concedidos à agricultura pelos que compõem a Comunidade Européia que dificultaram o andamento da chamada rodada Uruguai do GATT. V. Exª deve lembrar-se disso, e lá estava presente a delegação brasileira.
O Sr. Ronaldo Cunha Lima - V. Exª me permite um aparte?
O SR. HUMBERTO LUCENA - Pois não, nobre Senador Ronaldo Cunha Lima.
O Sr. Ronaldo Cunha Lima - Senador Humberto, uma vez mais, V. Exª, com autoridade e conhecimento, aborda questões econômicas de vital importância para o Brasil, principalmente para o Nordeste. Faz pouco tempo, e V. Exª lembrou, fruto de um trabalho seu, de uma sugestão encaminhada por carta ao Senhor Presidente da República, a proposta de recuperação da cultura do algodão nordestino, dizimada praticamente com o advento da praga do bicudo, os órgãos técnicos do Governo, principalmente do Ministério da Agricultura, chegaram à conclusão da viabilidade da proposta e do acatamento, ensejando que o Presidente fosse a Campina Grande para, em solenidade ali realizada, anunciar a adoção, pelo Governo, de uma nova política, visando à recuperação da cultura algodoeira no nosso Estado. Com este pronunciamento que V. Exª faz, aduzindo outras razões e considerações a respeito da nossa economia, principalmente no setor primário, mais especificamente da agricultura, traz subsídio valioso para o estudo e decisões que devem ser tomadas nesse sentido. Por isso mesmo, em nome da Paraíba e do Nordeste agradecidos pela colaboração do nobre Senador motivando o Presidente da República a acatar sua sugestão, quero felicitá-lo pelo pronunciamento e pelas idéias concretas que traz a esta Casa e principalmente à Nação.
O SR. HUMBERTO LUCENA - Grato a V. Exª, nobre Senador Ronaldo Cunha Lima, pelas suas palavras, que muito me sensibilizam. V. Exª, que foi Governador do Estado e que deu uma grande contribuição à reorganização de nossa economia e ao saneamento de nossas finanças, mais do que ninguém conhece de perto o grande drama que atravessa a agricultura brasileira e, particularmente, a agricultura nordestina e a do nosso Estado.
A propósito disso, lembrei há pouco - e o Senador Josaphat Marinho pode dar o seu testemunho - o programa de recuperação da cultura do algodão - que foi um pleito de nossa bancada junto ao Senhor Presidente da República - inspirado num programa semelhante lançado na Bahia em favor da recuperação da lavoura do cacau. E, pelo que sei, também na Bahia não está sendo posta em prática até agora a programação que foi publicada pelo Diário Oficial da União.
Retomo o meu pronunciamento, Sr. Presidente.
Logicamente, diante disso, não se podia esperar senão um crescendo de manifestações. Como se viu, desde março deste ano, começaram os protestos dos produtores agrícolas, cujo desdobramento em abril foi a queda da TR no Congresso, culminando em junho com o chamado caminhonaço, o que evidentemente levou o Governo a sair da relativa inércia em relação à crise da agricultura e a propor algum arrefecimento para essa situação. Flexibilizou os repasses feitos pelo Banco Central para o setor agrícola, além de determinar a fixação de juros relativamente baixos, da ordem de 16%, para os novos financiamentos, determinando que os produtores poderão receber empréstimos de 30 mil reais pela equivalência do produto. E os produtores de arroz, feijão, mandioca, milho ou trigo deverão pagar, também a referida taxa de juros 16% ao ano, em empréstimos de até 150 mil reais.
Do mesmo modo, foram melhoradas as condições das cooperativas agrícolas, que deverão passar a receber 700 milhões de reais para que se operacionalizem os contratos de crédito dos seus associados, sendo parte desses recursos originária do Banco do Brasil. Além do que, o Ministério da Agricultura já colocou em disponibilidade, para empréstimo, R$3,5 bilhões, destinados à safra de 1995/96.
O Sr. Ney Suassuna - V. Exª me permite um aparte?
O SR. HUMBERTO LUCENA - Ouço V. Exª.
O Sr. Ney Suassuna - O tema que V. Exª aborda nesta tarde é de fundamental importância para este País. Há poucos dias estávamos em uma reunião de presidentes de associações rurais em Cajazeiras, na Paraíba, e todos reclamavam da pouca remuneração e da perda absoluta em relação ao ano passado. Mesmo os que tinham poços perfurados reclamavam que não tinham feito uma receita para fazer a eletrificação e a operacionalização do poço perfurado. Imaginei que era uma cifra alta e procurei saber quanto custava a operacionalização, ou seja, puxar água do poço perfurado: R$1 mil. Nenhum deles tinha condição de fazer a instalação da bomba e da rede elétrica, que custava R$1 mil, para puxar água, que garantiria a ele um pequeno roçado e a sobrevivência do seu pouco gado. Hoje, estamos vivendo a crise do celeiro cheio. Um saco de feijão está custando R$8; um saco de milho está custando R$6. Ainda se tem da safra passada, mas quase não se está plantando para o ano que vem, porque quase não está sobrando e não há como comprar sequer os implementos necessários ou as sementes. Então, vamos ter um problema sério em relação à agricultura no próximo ano. Um País que está usando a terra agricultável em menos de 20%, quando podia estar usando os seus 100% e exportar muito, está gradualmente definhando na sua agricultura, ou seja, está diminuindo a sua área cultivável. Se não prestarmos atenção, em breve vamos ter dificuldade até de alimentação. Parabéns, Senador. Realmente é um tema para o qual o Governo deve prestar atenção com a máxima urgência.
O SR. HUMBERTO LUCENA - Ouvi com atenção as palavras de V. Exª, nobre Senador Ney Suassuna, que conhece bem a matéria, pois V. Exª, não digo que seja um grande produtor, mas tem conhecimento de causa porque é também produtor rural. Conheço bem a vida de V. Exª.
Quero dizer que, face ao baixo desempenho da agricultura e, bem como, ao baixíssimo preço dos produtos agrícolas é que o Governo tem conseguido, ao que parece, manter os níveis de inflação que vêm sendo anunciados no País e o preço da chamada "cesta básica", mas isso com o grande sacrifício daquele que trabalha justamente na área rural.
Volto ao fio das minhas considerações, Sr. Presidente.
No entanto, convenhamos, Sr. Presidente, se isso representa alguma folga em todo esse portentoso aperto que sofrem os agricultores do País, sobretudo os de médio e pequeno porte, o fato é que a raiz do problema ainda está para ser erradicada.
Com razão, os produtores insistem em que a cobrança da TR sobre os financiamentos agrícolas passados não pode ser suportada, ficando o País a assistir a um impasse da maior gravidade. Os recursos para a agricultura foram captados na base dessa taxa. Não cobrá-la significaria, evidentemente, aumentar ainda mais o déficit do sistema financeiro, em que o principal ator é o Banco do Brasil. Mas cobrá-la é o mesmo que decretar a total falência do campo, com os resultados macroeconômicos mais negativos possíveis, particularmente para a manutenção da estabilização econômica.
Ora, já se sabe seguramente neste momento que a safra de 1995/96 será, pelo menos, 10% menor do que a do período 1994/95, o que, mesmo sabendo-se da existência de estoques governamentais suficientes para compensar essa diminuição, nos leva a todos a aumentar a preocupação quanto aos anos seguintes, pois esse pode ser um processo encadeado de contínua descapitalização e endividamento da nossa agricultura.
O Sr. Carlos Patrocínio - V. Exª me permite um aparte, nobre Senador Humberto Lucena?
O SR. HUMBERTO LUCENA - Pois não, nobre Senador Carlos Patrocínio.
O Sr. Carlos Patrocínio - Nobre Senador Humberto Lucena, V. Exª, como representante do Nordeste, onde imperou a agricultura do algodão em tempos áureos, que até enriqueceu muitas pessoas, propicia-nos a fazer reflexões a respeito do que está acontecendo hoje em nosso País. V. Exª assevera muito bem: a âncora principal do Plano Real poderíamos chamar de âncora verde, ou seja, dos produtos do campo, em que tivemos uma redução significativa nos preços da cesta-básica. Parece-me que o Governo, embora tenha inserido a agricultura como prioridade em sua campanha, ainda não se deu conta da gravidade do problema. V. Exª estima em 10% a diminuição da próxima safra com relação à anterior. Penso que V. Exª está sendo muito otimista. Queira Deus que haja tão-somente essa quebra de 10% na safra que haveremos de colher no próximo ano. Gostaria de ressaltar que o Senado Federal ainda não se descuidou do problema. A dívida da Bancada Ruralista, que, na realidade, não existe, porque é unanimidade dentro desta e da outra Casa do Congresso Nacional que esse é um problema muito muito grave, ainda está sendo negociada com o Senhor Presidente da República. E creio que iremos sensibilizá-lo. Pelas condições climáticas do momento, em que não se vê chuva por aqui nem no meu Estado, parece que São Pedro está aguardando uma providência do Excelentíssimo Senhor Presidente da República e das autoridades competentes, pois, quando começar a chover já será hora de plantar. Portanto, está certo V. Exª ao abordar esse problema, como nordestino, como homem de uma região que produziu tanto algodão - matéria-prima que importamos 60% do que necessitamos. Sou originário do norte de Minas de Gerais, incluído no polígono da seca devido as suas relações físico-climáticas com o Nordeste. Ali, durante certo tempo, floresceram inúmeras indústrias de beneficiamento de algodão; todavia, estão todas fechadas, e não tivemos a praga do bicudo, que V. Exª alertou ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República. Não sei por que motivo o norte de Minas, que foi um grande produtor de algodão, hoje não está produzindo nada. É triste vermos todas aquelas usinas de beneficiamento de algodão, de fábricas de óleo de caroço de algodão totalmente desativadas. Portanto, é um aspecto muito importante esse que V. Exª fere neste momento. Quero cumprimentá-lo por mais esse brilhante e oportuno discurso.
O SR. HUMBERTO LUCENA - Agradeço a V. Exª, nobre Senador Carlos Patrocínio, que conhece como ninguém o assunto em pauta, porque é lá do Tocantins, uma região daqui bem próxima, que foi desmembrada do Estado de Goiás, e de produção essencialmente agrícola. V. Exª fala de cátedra, conhece de perto, pelas populações que representa no Congresso Nacional, todos esses problemas que estamos discutindo neste momento.
Sr. Presidente, volto ao meu pronunciamento.
É bem verdade que a grita do setor agrícola já conseguiu que se aumentasse o rol de medidas para melhoramento da situação. É o caso, por exemplo, da proposta de securitização das dívidas dos agricultores. Ou seja, o Tesouro Nacional assumiria parte dessas dívidas e emitiria títulos que seriam pagos em termos muito mais favoráveis.
Mas há outras propostas que tanto quanto devem ser apreciadas detidamente. Fala-se da criação de um fundo, com recursos fiscais de R$12 bilhões a R$15 bilhões, para sustentar a agricultura e refinanciar dívidas do setor em caso de frustração de safra. E o Governo, até agora francamente arredio a desenvolver uma política de subsídios para a agricultura, já começa a rever felizmente o assunto.
Pois, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como se sabe, não há país industrializado do mundo que não subsidie, e fortemente, os seus produtos agrícolas. E o nosso País, ao adotar a postura de abertura de seus mercados, que se impõe a cada passo, ficará, cada vez mais, inviabilizado em termos de sua produção agrícola. É preciso, portanto, uma política mais pragmática nessa matéria ou, melhor dizendo, a adoção de uma verdadeira política agrícola para o País. Uma política que leve em conta as diferenças regionais, por exemplo, porque, se neste momento os agricultores do Sul/Sudeste e Centro-Oeste do País se encontram nessas dificuldades, imaginemos os agricultores do semi-árido nordestino. Com relação a esses, por oportuno, devo dizer que não foi outra a razão, senão suas enormes agruras, que me levaram a apresentar um Projeto de Lei, já aprovado nesta Casa e ora tramitando na Câmara dos Deputados, com o nº 3.489-A, dispondo sobre a concessão de subvenção econômica nas operações de crédito rural para pequenos e médios produtores rurais daquela parte do Nordeste e suas cooperativas.
Logicamente, não podemos adotar uma política agrícola nos termos tradicionais. Também nesse área se dá, como é evidente, o esgotamento dos antigos modelos. Temos que combinar competentemente a atenção para com as dificuldades internas e as ações que o chamado agrobusiness está a exigir. Temos, por exemplo, sério problema de estocagem. Segundo os técnicos do setor informam, os Estados Unidos podem hoje armazenar 100% de sua safra nas propriedades rurais; a Argentina tem capacidade para fazer em torno de 40%; e o Brasil, apenas ínfimos 5%. O que nos faz hoje ter perdas de cerca de 30% de nossa produção agrícola.
Ademais, é preciso compreender que a nossa inserção na chamada globalização econômica em curso não se pode dar apenas "em uma mão", ou seja, em termos de industrialização. Ao contrário, se negligenciarmos a agricultura, seguramente estaremos, em médio prazo, inviabilizando a própria indústria do País, pois a agricultura é o mercado da indústria. Basta lembrar que só a indústria têxtil já dispensou 250 mil trabalhadores neste ano.
Enquanto isso, as informações que nos vêm da OCDE - Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico - nos dão conta de que os países que a compõem desembolsaram US$340 bilhões em subsídios à agricultura, no ano passado. O que demonstra claramente a grande diferença de comportamento governamental entre ele e nós, que parece estarmos querendo, nesta questão dos subsídios à agricultura, ser mais realistas do que o rei.
Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, creio que o Governo deva tirar uma grande lição dessa crise da agricultura. Antes de tudo, admitindo que, igualmente a antecessores seus, pouco fez até agora para tornar a agricultura nacional um verdadeiro esteio da estabilização econômica, social e política do País. O próprio Presidente da República acaba de admitir essa falha, ao afirmar que não temos ainda uma política agrícola digna deste nome.
O Sr. Levy Dias - Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. HUMBERTO LUCENA - Ouço V. Exª com prazer.
O Sr. Levy Dias - Senador Humberto Lucena, presto muita atenção aos seus pronunciamentos, porque sinto que são pensados, analisados, pesados, e V. Exª os traz a esta Casa com muita serenidade e equilíbrio.
O SR. HUMBERTO LUCENA - Muito obrigado.
O Sr. Levy Dias - Acredito que nunca o Congresso Nacional enfocou tanto o produtor rural como neste ano. Se a imprensa desse 10% do espaço que deu ao "Bráulio", creio que o Governo se sensibilizaria, porque não tem nenhum problema mais sério do que este. Nenhuma nação do mundo tem um problema mais sério do que o da agricultura. Como desmoronou o grande império soviético? Foi quando o Presidente Gorbachev disse: "Temos um exército de milhões de homens, temos estação orbital, temos bomba atômica para destruir o mundo várias vezes, mas não temos chuchu na mesa". No dia em que a produção foi totalmente desestruturada na União Soviética, ela deixou de ser chamada superpotência. É um grande exemplo para todos nós. Meu Estado, o Mato Grosso do Sul, é um produtor de alimentos. O Globo Rural de algumas semanas atrás apresentou uma reportagem especial do grande jornalista José Hamilton Ribeiro, enfocando o Município de Maracaju, no meu Estado, como o Município mais produtivo do País. Apresentou o quadro da agricultura que mostrava, inclusive, inúmeros agricultores que, há 10 anos, não vão ao banco pedir dinheiro para plantar; plantam com recursos próprios. Foi mostrada a situação desses produtores que tiveram, no ano de 1994, a maior produção de todas as suas vidas e, paradoxalmente, "quebraram". Creio, Senador Humberto Lucena, que não há sensibilidade para isso. Torço, como o Senador Carlos Patrocínio, para que V. Exª esteja certo quando diz que a quebra será apenas de 10%. Já chegou a hora de alguns insumos serem lançados à terra, e ninguém muda as estações do ano. Não existe nenhuma lei, decreto, medida provisória, nenhuma ação do Banco Central que mude as estações do ano. A hora de plantar é a hora de plantar e isso não vai mudar. No meu Estado, o calcário teve 50% de quebra. O calcário é produto fundamental para corrigir a acidez do solo. Não há procura por adubo. O agricultor está ainda mais desestimulado agora com a alta do óleo diesel, porque os insumos aumentam e os seus produtos diminuem. Não precisa ser nenhum gênio para chegar à conclusão de que este assunto irá atingir um ponto completamente sem solução, que é o plantio da safra de verão deste ano. Parabenizo V. Exª pelo estudo profundo que apresenta sobre o seu Nordeste, o qual defende com tanta garra neste Senado da República e, nós, do Sul, hipotecamos-lhe solidariedade porque o problema se repete lá no Mato Grosso do Sul, igualmente nos Estados do Tocantins, Goiás e Paraná. Hoje, o produtor rural não pode compreender - pois são homens humildes que trabalham de sol a sol, com o cabelo vermelho de terra - como um País avança se é estimulado quem especula e, esmagado, quem produz.
O SR. HUMBERTO LUCENA - O aparte de V. Exª é uma valiosíssima contribuição ao debate sobre este importante tema no Senado Federal, que tem se debruçado, quase que diariamente, sobre ele.
Vim a esta tribuna, sucedendo uma série de pronunciamentos de vários Srs. Senadores sobre a matéria, porque, na verdade, estamos sentindo na própria pele o que está acontecendo no meio rural brasileiro, não só no que tange à produção agropastoril - e, daqui há pouco, aflorarei rapidamente esse aspecto - como, também, no que tange ao atraso dos programas de reforma agrária, sobretudo nas regiões de maior tensão social, como por exemplo, o Nordeste.
Basta lembrar a V. Exªs que no meu Estado ainda temos - e isso vem se arrastando desde 1964, da época das chamadas Ligas Camponesas - mais de cem conflitos de terra sem solução.
O Sr. Josaphat Marinho - Senador Humberto Lucena, V. Exª permite um aparte?
O SR. HUMBERTO LUCENA - Ouço com muita honra o nobre Senador Josaphat Marinho.
O Sr. Josaphat Marinho - Nobre Senador Humberto Lucena, a imprensa, o Parlamento de modo geral e o próprio Governo reconhecem que falta uma política agrícola, como V. Exª acaba de salientar. As medidas adotadas são sempre incertas ou isoladas. Ora se dá uma proteção, uma assistência à semeadura ou ao plantio, ora à colheita, ora à comercialização. Nunca se adota um conjunto de medidas para as três operações, o que é essencial para garantir a continuidade, o aumento da produção em toda a extensão do País. Como não há essas medidas conjugadas e permanentes, a crise se instala sempre e as medidas também, sempre ocasionais, circunstanciais, isoladas e incompletas. Daí a crise que no momento se estende a todo País e com relação a todos os setores agrícolas. Na Bahia, por exemplo, além do cacau, a que V. Exª já se referiu, está em declínio sensível a produção do café. No oeste baiano, o pessoal da soja faz apelos dramáticos para o Governo favorecer o auxílio financeiro através do Banco do Brasil, para que o desenvolvimento que ali se vinha operando com segurança possa ser mantido. Falta, V. Exª diz bem, a política agrícola. Medidas ocasionais não bastam. É preciso um regime de atuação planejada e constante que garanta, não apenas para uma safra, mas para a continuidade do trabalho agrícola.
O SR. HUMBERTO LUCENA - Em outras palavras, V. Exª combate o casuísmo.
O Sr. Josaphat Marinho - Evidente, em que estamos muito viciados no Brasil.
O SR. HUMBERTO LUCENA - Pelo que se vê, o casuísmo não impera apenas nas leis eleitorais, mas também na prática da administração. O que falta, realmente, além de uma política agrícola é, como diz V. Exª, um plano integrado, voltado para a produção agrícola.
O Sr. Josaphat Marinho - Exatamente, um plano integrado, um plano que obedeça, sobretudo, à lei permanente, e não ao critério pessoal dos governantes eventuais.
O SR. HUMBERTO LUCENA - Sr. Presidente, urge, desta forma, que todos se dinamizem. Particularmente o Congresso Nacional. Para que se reformulem devidamente as bases agrícolas do País. O que passa, é lógico, pelo estabelecimento dessa nova conceituação de política agrícola, da qual não deve escapar a necessidade de uma também urgente reforma agrária. Tema que, desde 1960, vem sendo alvo de amplas, profundas, e naturalmente apaixonados debates nas duas Casas Legislativas, ao tempo em que se alternaram várias campanhas com vistas à sua implementação, com a elaboração de vários projetos, cujos desdobramentos sempre tiveram desfechos políticos pontilhados de grave exacerbação dos ânimos sociais e políticos, mercê do inevitável choque de interesses de classes, em jogo.
Na verdade, trata-se de se discutir uma reforma agrária atualizada e devidamente adequada aos novos paradigmas que o País enfrenta, diante da referida globalização da economia mundial. Matéria que oportunamente abordarei aqui de forma específica. Pois, afinal, a atual crise agrícola, sem dúvida, vem agravar ainda mais a dramática situação do campo. O que inegavelmente só contribuirá para atrasar o processo de modernização capitalista de nossa agricultura e do País, ao criar sérios obstáculos à inserção de nossa economia no quadro de alta competitividade que ora se enfrenta.
A questão, portanto, Sr. Presidente Srªs e Srs. Senadores, ao lado da crise dos pequenos e médios agricultores, reside também, basicamente, na necessidade de se reverter o quanto antes o fato de termos hoje cerca de sete milhões de trabalhadores rurais que não recebem renda alguma ou, no máximo, conseguem uma remuneração de US$50.00 mensais.
As movimentações dos Sem-terra, quer se queira ou não, têm aí a sua raiz. E a falta de uma ampla, pertinente e adequada política agrícola vem apenas agravar essa situação, expressando-se em cada vez mais desassentamentos de milhares de pequenos agricultores, que vêm engrossar direta ou indiretamente a luta permanente pelo acesso à terra. O que significa lutar por uma participação na renda do País e pela necessária assistência tecnológica, capaz de propiciar aumento da produção e da produtividade no campo, sobretudo no que diz respeito à produção de alimentos, de que tanto necessitamos.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao terminar este discurso, lembro-me bem dos dias, que já vão longe, do Governo João Goulart em 1964, quando compunha com alguns companheiros, uns trinta mais ou menos, a chamada "ala mais jovem" do então PSD, que era aliado do PTB. Apoiávamos, ao contrário da cúpula do nosso Partido, dirigida pelo saudoso Ministro Amaral Peixoto, as reformas de base, inclusive a reforma agrária.
No meu Estado, a Paraíba, acompanhei de perto o Movimento das Ligas Camponesas; senti, Sr. Presidente, a angústia de centenas, senão de milhares de trabalhadores rurais, sobretudo da indústria açucareira, onde se buscava implementar um projeto elaborado por Celso Furtado e que preconizava a diminuição da área de plantio da cana-de-açúcar, para que restassem terras destinadas à agricultura de subsistência, em que poderiam trabalhar centenas e centenas de agricultores que não tinham do que viver, que não tinham o que comer. E o resultado todos sabem: houve uma verdadeira convulsão no Nordeste, com luta armada entre proprietários e trabalhadores rurais, com vítimas fatais, de lado a lado.
Agora mesmo estive na Paraíba e fui procurado por algumas pessoas que me indagavam por que não constavam da lista dos desaparecidos de 1964 os nomes de dois líderes camponeses: Pedro Fazendeiro e Nego Fuba, heróis e mártires da luta das Ligas Camponesas.
Tenho lido nos jornais e visto pela televisão, Sr. Presidente, entrevistas de proprietários rurais que estão anunciando a formação de uma milícia para defender suas terras, ao mesmo tempo em que os sem-terra se mobilizam para continuar o movimento de invasões sob os olhos generosos de segmentos importantes da sociedade brasileira.
Observo, então, que estamos, novamente, diante de um risco de grande convulsão social nos campos e que se Sua Excelência o Senhor Presidente da República, do alto da sua autoridade, não chamar a si realmente a responsabilidade pela solução da reforma agrária, poderemos ter neste País, dentro de pouco tempo, conflitos os mais graves possíveis, como, aliás já ocorreram no Acre, Rondônia, Mato Grosso, Pará e em outros Estados do Nordeste, inclusive no meu, onde tivemos, há algum tempo, o assassinato da líder camponesa Margarida Alves, sendo ainda hoje desconhecido o autor de sua morte.
Sr. Presidente, faço essa advertência pela larga experiência que tenho na vida pública, de mais de quarenta anos, e por entender que estamos vivendo uma hora dramática, uma hora difícil. Vamos trabalhar para o soerguimento da agricultura, por uma política agrícola realmente voltada para o agricultor, mas vamos trabalhar também para que a reforma agrária permita que os trabalhadores que não têm terra possam encontrar espaço para tra alhar no campo, num programa nacional e democrático de reforma agrária.
Muito obrigado, Sr. Presidente.