Discurso no Senado Federal

QUESTÃO AGRARIA E RAZÕES DO RECRUDESCIMENTO DA VIOLENCIA NO CAMPO.

Autor
Roberto Freire (PPS - CIDADANIA/PE)
Nome completo: Roberto João Pereira Freire
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • QUESTÃO AGRARIA E RAZÕES DO RECRUDESCIMENTO DA VIOLENCIA NO CAMPO.
Publicação
Publicação no DCN2 de 29/09/1995 - Página 17004
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • ANALISE, AGRAVAÇÃO, PROBLEMA, TRABALHADOR, SEM-TERRA, AUMENTO, VIOLENCIA, CAMPO, CONFLITO, TERRAS, RECONHECIMENTO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, NOMEAÇÃO, FRANCISCO GRAZIANO, CHEFE DE GABINETE, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, PRESIDENTE, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA).
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, GOVERNO, ITAMAR FRANCO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, ESFORÇO, BUSCA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, REFORMA AGRARIA, PAIS.
  • DEFESA, NECESSIDADE, ATUAÇÃO, EFICACIA, GOVERNO FEDERAL, APERFEIÇOAMENTO, LEGISLAÇÃO, PROCESSO, REFORMA AGRARIA.

O SR. ROBERTO FREIRE (PPS-PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, vou abordar uma questão que ocupa, quase diariamente, as manchetes dos meios de comunicação e que hoje foi objeto de vários pronunciamentos nesta Casa. Refiro-me à questão agrária e ao preocupante recrudescimento da violência no campo.

Isso foi reconhecido pelo próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso no seu último programa semanal de rádio, quando disse que "o problema dos sem-terras se agravou".

O importante é que no dia seguinte à audiência que teve com a CONTAG, Sua Excelência fez um gesto concreto - saúdo-o em meu nome e em nome do Partido Popular Socialista: demitiu o Presidente do INCRA e nomeou para o cargo o próprio Chefe de Gabinete da Presidência da República, pessoa de sua inteira confiança, o que - creio - sinaliza status político preferencial ao programa de reforma agrária.

Mas por que se deu esse quadro de crescente agravamento dos conflitos no campo?

No Governo Itamar Franco - o Senador Pedro Simon, no Senado, e eu, na Câmara, tivemos a honra de liderar - a questão agrária recebeu tratamento diferenciado que se expressou nos que assumiram a responsabilidade de comandar as ações de intervenção fundiária e de assentamento rural, todos comprometidos com o processo de mudança da realidade agrária brasileira. Mais ainda, naquele período, após mais de 4 anos de paralisia institucional, fruto não só da inapetência governamental, mas também do rescaldo dos traumáticos embates sobre a propriedade na Constituinte, o Congresso Nacional decretou e o Presidente da República sancionou a legislação regulamentadora do Texto Constitucional relativo à reforma agrária, disciplinado hoje pela Lei 8.629, de fevereiro de 1993 (conhecida como Lei Agrária) e pela Lei Complementar nº 76, de julho de 1993 (chamada de Lei do Rito Sumário).

A edição dessas leis representou um marco em nosso ordenamento jurídico e possibilitou a criação das precondições institucionais necessárias para a atuação do Estado no campo fundiário. Com isso, pode o Governo retomar o processo de reforma com mecanismos legais mais eficazes e dessa forma melhor enfrentar o peso ideológico, e até superá-lo, no tratamento da questão agrária.

O Estado, a partir daí, recuperou, ainda que gradativamente, seu papel de mediar, através do INCRA, os conflitos existentes. No final do Governo Itamar, havia sido decretada a desapropriação de mais de um milhão e meio de hectares em todo o País. Ficou, ainda, para o governo seguinte, uma reserva de processos tramitando, que permitiu a desapropriação, já no início do novo governo, de mais um milhão de hectares. Esse estoque de terras possibilita o assentamento de aproximadamente 60 mil famílias de trabalhadores rurais.

Ao lado disso, em 1993, mais de 87 mil famílias receberam crédito para a produção e para a implantação de projetos de assentamento. Ao todo, naquele período de governo, mais de 140 mil famílias obtiveram acesso a esse tipo de crédito especial, significando uma retomada do apoio financeiro aos assentamentos.

O que garantiu o êxito dessa política foram as medidas sérias, equilibradas, persistentes e corajosas tomadas no Governo Itamar Franco e conduzidas na gestão democrática e competente do INCRA de então, apoiada, inclusive, pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, à época Ministro da Fazenda.

Como o próprio Governo Itamar, todo aquele processo foi de transição, gestando as condições institucionais, legais e administrativas para uma nação do Estado mais criteriosa e mais ampla.

O início do governo Fernando Henrique Cardoso parecia seguir nessa direção, garantindo a via democrática para a solução dos graves e seculares problemas fundiários brasileiros. Entretanto, havia, como ainda há, grave contradição no seio do Governo entre os que formam sua base de sustentação política no que tange à questão agrária, e por cruel ironia ela se reflete com toda força exatamente no Ministério da Agricultura. E não demorou muito a sua explicitação e aquela linha inicial foi desvirtuada nesses quase nove meses de governo.

Não tardou muito também para que surgissem claros sinais de inquietação na sociedade como um todo e, particularmente, junto aos trabalhadores rurais. Isso poderia ter sido evitado, e ainda é tempo de se remediar. O acirramento das tensões sociais não interessa à sociedade, não interessa aos trabalhadores e suas organizações, não interessa ao setor produtivo e não interessa ao Governo.

É preciso dar um basta no estado de violência que se instala perigosamente. O Estado não pode ficar ausente e o Governo não pode permitir que ministro e dirigente de órgãos públicos tergiversem no enfrentamento dos problemas fundiários.

Infelizmente, é o que vem ocorrendo no Ministério da Agricultura e, há até poucos dias, ocorria no INCRA.

É urgente desarmar os espíritos e não só, desarmar também a capangagem, as milícias particulares e, com determinação, pavimentar o caminho que viabilize um processo de entendimento entre agentes públicos e atores sociais. São necessárias soluções pactuadas que minimizem eventuais divergências e maximizem o entendimento social.

Em primeiro lugar, torna-se imperioso o resgate da credibilidade da instituição encarregada da reforma agrária - o INCRA. O Presidente da República deu o primeiro e importante passo mudando a direção do órgão, conforme reivindicado pelas organizações dos trabalhadores rurais.

Em segundo lugar, há que se mediar soluções democráticas para os conflitos, deslocando da "porteira da fazenda" para a "porta do INCRA" essa mediação. Na "porteira da fazenda" essa interlocução baseia-se na boca dos fuzis, enquanto que na "porta do INCRA" tem que se basear no cumprimento da lei e no respeito à cidadania.

Assim, ninguém vai fazer, mas também ninguém vai impedir a reforma agrária por meio da violência. A era dos extremos deve dar lugar à era da democracia e da negociação.

Em terceiro lugar, há que se repensar a matriz institucional-administrativa da reforma agrária. A vinculação do órgão executor da reforma agrária ao Ministério da Agricultura - a experiência demonstra isso - cria problemas operacionais e, principalmente, políticos insuperáveis. Não seria o caso de se criar um Ministério da Reforma Agrária, mas de dar um status ministerial à presidência do INCRA.

Em quarto lugar, deve-se dar continuidade e aceleração ao processo desapropriatório de imóveis improdutivos, ao lado de outros modos de obtenção de terras. Há que se formar permanentemente um estoque de terras que possibilite assentamentos presentes e futuros. Se assim não for, nos próximos meses e nos anos seguintes ter-se-á um agravamento maior ainda dos conflitos e da violência, capaz de comprometer, inclusive, a própria democracia tão duramente construída.

Em quinto lugar, há que dotar o programa de reforma agrária de recursos minimamente adequados para atender as metas propostas. É preciso, igualmente, repensar o próprio financiamento do programa, descentralizando suas ações e integrando os estados e municípios nesse processo.

Em sexto lugar, há que se privilegiar o apoio creditício. O crédito para reforma agrária, tanto em relação à implantação dos projetos quanto em relação à produção, constitui a aplicação governamental com retorno econômico-social mais rápido. É necessário, também, incorporar novas tecnologias e promover programas de capacitação, de modo a tornar viáveis os assentamentos como unidades produtivas autônomas e competitivas, inclusive integradas a processos econômicos descentralizados de agroindustrialização.

Em sétimo lugar, devem-se estudar medidas de aperfeiçoamento da legislação, visando criar mecanismos que agilizem o processo de intervenção do Estado na questão fundiária.

A sociedade brasileira, hoje, entende como necessária a realização da reforma agrária em nosso País. O desenvolvimento das economias capitalistas modernas baseou-se numa forte agricultura familiar e em processos de reforma agrária.

A retomada do desenvolvimento com justiça social, orientando as ações do Estado para o combate à fome e à miséria, é necessidade inadiável e exige a solidariedade e a parceria não só dos diferentes setores do governo como nos diversos atores sociais. Democratizar o acesso à terra, ampliando a renda e o emprego no campo e aumentando a oferta de alimentos, são os resultados mais visíveis que se pode esperar da ação do Estado.

Somente alguns setores dominantes - atrasados e retrógados - uma elite conservadora burra, não conseguem perceber isso.

No limiar do século XXI, a democracia constitui a única via para o desenvolvimento e a conquista do bem-estar social, o único caminho para a paz duradoura no campo.

O movimento sindical e os movimentos sociais no campo têm grande responsabilidade nesse momento. Devem procurar soluções negociadas capazes de ampliar o processo de democratização da terra. Não resta dúvida, entretanto, que a responsabilidade maior cabe ao Estado, particularmente ao Governo Federal. É possível um entendimento em nome de um interesse maior: o interesse de toda a Nação, o interesse do Brasil. Basta querer.

Gostaria de lembrar inclusive, Sr. Presidente, que os Partidos de esquerda têm uma posição clara nesta questão. O próprio Partido dos Trabalhadores, recentemente, teve uma audiência com a Presidência da República, tem demonstrado a sua preocupação com o agravamento da situação e se propõe a cooperar na busca de soluções.

Creio que, com o gesto de demitir o Presidente do INCRA, e talvez um gesto que pudesse acompanhar na questão do próprio Ministro da Agricultura - figura contraditória para tratar as questões fundiárias deste País -, talvez o Presidente da República tenha a oportunidade histórica de fazer em nosso País uma verdadeira reforma agrária.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 29/09/1995 - Página 17004