Discurso no Senado Federal

QUESTÃO DA REFORMA AGRARIA E CONFLITO DE TERRAS. CONGRATULANDO-SE COM O SR. FRANCISCO GRAZIANO POR SUA POSSE COMO PRESIDENTE DO INCRA.

Autor
Romero Jucá (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Romero Jucá Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • QUESTÃO DA REFORMA AGRARIA E CONFLITO DE TERRAS. CONGRATULANDO-SE COM O SR. FRANCISCO GRAZIANO POR SUA POSSE COMO PRESIDENTE DO INCRA.
Publicação
Publicação no DCN2 de 29/09/1995 - Página 17002
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, DEMORA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, REFORMA AGRARIA, NECESSIDADE, CRIAÇÃO, JUSTIÇA AGRARIA, PAIS, PROMOÇÃO, ALTERAÇÃO, ESTRUTURAÇÃO, SOCIEDADE, PROVOCAÇÃO, JUSTIÇA, CAMPO.
  • CONGRATULAÇÕES, POSSE, FRANCISCO GRAZIANO, PRESIDENCIA, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA).

O SR. ROMERO JUCÁ (PFL-RO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, assim como os meus Pares, tenho tratado desta tribuna da questão da reforma agrária e do conflito de terras. Há pouco, inclusive, a Senadora Benedita da Silva pronunciou-se a esse respeito e foi aparteada por inúmeros Senadores.

Essa questão, como tive oportunidade de dizer, no aparte que dei à Senadora Benedita da Silva, é de extrema gravidade.

Hoje, o Presidente da República está dando posse ao novo Presidente do INCRA, o Dr. Francisco Graziano. Sua Excelência, ao nomear uma pessoa tão ligada a si, uma pessoa que, até então, trabalhava no gabinete presidencial, demonstra, num gesto pessoal, que a questão da reforma agrária, que a questão dos conflitos de terra é efetivamente gravíssima.

Porém, é importante dizer que, embora Chico Graziano seja uma pessoa que conhece o INCRA e que está preparada para exercer um papel decisivo na direção daquela entidade, não é só a mudança de um presidente ou de uma diretoria que trará a solução para um problema tão grave como o da reforma agrária. A reforma agrária passa não só por uma direção competente, ágil e com dimensão política para encarar a questão, mas também, de um lado, pela alocação de recursos pertinentes na dimensão que o problema requer - o que, até agora, não temos visto; não temos verificado sequer um mecanismo que proponha recursos permanentes para a reforma agrária - e, por outro, por uma solução jurídica, por uma solução que encaminhe as pendências que hoje se avolumam nos tribunais, como bem disse, em aparte, o Senador Osmar Dias.

Por isso, quero, dentro dessa ótica que considero premente, dentro do contexto atual, que é a posse do Sr. Francisco Graziano na Presidência do INCRA, voltar a esta tribuna para falar sobre um assunto que diz respeito a um projeto que apresentei há pouco mais de um mês nesta Casa. Apresentei uma proposta de Emenda Constitucional, que tomou o nº 47/95, através da qual se institui a Justiça Agrária no Brasil.

Gostaria, hoje, de enfocar novamente o assunto desta tribuna, porque creio firmemente na urgente necessidade da sua adoção, evidentemente aperfeiçoada pelos meus nobres Pares do Senado e da Câmara dos Deputados. E gostaria de fazê-lo porque a problemática rural, antes de caminhar para uma solução após tantas décadas de debates e reflexões, continua trilhando o caminho do agravamento das tensões, dos confrontos sangrentos e da violação dos direitos recíprocos.

Não estarei correndo o risco do exagero se afirmar que raros são os períodos em que não nos deparamos, no noticiário da mídia escrita, falada e televisada, com a descrição de tristes e desagradáveis fatos ocorridos no campo, a nos encherem de vergonha internamente e a deslustrar a imagem do País também no exterior. Se a tragédia é maior, exacerbam-se os ânimos nacionais e ressurgem, com mais vigor, os reclamos sobre a tardança de uma reforma agrária, como ocorreu no fato de Corumbiara. Reaparecem então as autoridades governamentais, que partem para o açodamento das medidas imediatistas, tomadas setorialmente e sem inserção num contexto sistematizado.

Se a fase, conquanto cada vez mais rara, for mais amena, as manchetes tomam-se menos sensacionalistas, o Congresso deixa de destinar-lhe tanto espaço e o Governo, aliviado temporariamente das pressões, volta ao seu lento caminhar no equacionamento definitivo da questão.

Historicamente tem sido assim, mas nem por isso deixamos de estar sentados sobre um barril de pólvora prestes a explodir. A retórica, queiramos ou não, um dia dará lugar ao conflito maior que a ninguém aproveitará. Não inovaria se aqui discorresse sobre as graves distorções existentes na estrutura agrária do Brasil. Secularmente referidas, foram apontadas à exaustão, na exposição de motivos e nos intensos debates que antecederam a promulgação da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, o nosso esperado Estatuto da Terra.

Da citada exposição de motivos, permito-me destacar o seguinte trecho:

      Não se contenta o projeto em ser uma lei de reforma agrária. Visa também à modernização da política agrícola do País, tendo por isso mesmo objetivo mais amplo e ambicioso: é uma lei de Desenvolvimento Rural. Além da execução da reforma agrária, tem por objetivo promover o desenvolvimento rural através de medidas de política agrícola, regulando e disciplinando as relações jurídicas, sociais e econômicas concernentes à propriedade rural, seu domínio e uso. Busca dar organicidade a todo o sistema rural do País, valorizando o trabalho, favorecendo ao trabalhador o acesso à terra que cultiva. Daí a denominação do projeto que, por constituir um verdadeiro Estatuto da Terra, visa regular os diversos aspectos da relação do homem com a terra, tratando-os de forma orgânica e global. (grifos nossos)

Ainda que desprezemos o período anterior a esse diploma legal, para ficarmos apenas no passado mais recente, já se vão mais de 30 anos de sua edição sem que nos aproximássemos de um sistema agrário adequado ao nosso desenvolvimento, no qual os benefícios da terra sejam mais democraticamente distribuídos entre todos a ela ligados, sejam eles proprietários, arrendatários, meeiros, autônomos ou empregados.

Pois bem, o que se constatou mais uma vez? Na impecável redação daquela exposição de motivos, qual dos objetivos foi alcançado? Nenhum. Até hoje carecemos de uma verdadeira política agrícola, não demos organicidade às relações jurídicas, sociais e econômicas relativas à propriedade rural e, via de conseqüência, tampouco conseguimos quebrar as resistências oligopolistas que se opõem à reforma agrária.

Cansado da meia-sola, o País clama por uma bota nova e mais confortável para o campo. E essa bota há de ser a implantação urgente e inadiável de uma estrutura técnica compatível, sem a qual a monótona e repetitiva adoção de planos nacionais e regionais de reforma agrária continuarão apenas como alimentadores de desilusões e fomento da violência.

Por isso mesmo, não podemos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, continuar cometendo o equívoco de 1964, quando, apesar da intenção do legislador, deixou-se de criar, em conjunto com o Estatuto da Terra, uma justiça especializada em questões agrárias. São mais de trinta anos, e ainda não nos rendemos aos exemplos de sucessos de tantas nações que já o fizeram, tais como a Suécia, Alemanha, França, Irlanda, Inglaterra, Escócia, Holanda, Suíça, Itália e Espanha e os nossos vizinhos da América Latina, como Peru, Venezuela, México, Equador, Bolívia e Honduras.

E notem que muitos desses países nem sequer se aproximam da grande vocação agrícola que, mercê de um território extremamente favorável, se reserva ao nosso.

Hoje em dia, dadas as características de aldeia global em que se transformou o mundo, deixa-se muitas vezes de sedimentar-se idéias de grandes pensadores modernos cujas palavras, insistentemente citadas e aceitas num dado momento pela intelectualidade, caem, de repente, no esquecimento não obstante subsistirem as verdades nelas contidas.

Vale assim lembrar Alvin Toffler e o seu "A Terceira Onda", ensinando que modernamente a opção das nações estava entre a agricultura, a manufatura e a tecnologia aliada à informação. Para nós, brasileiros, em razão das nossas peculiaridades, a primeira seria a mais indicada, já que, por maiores que fossem os avanços tecnológicos das outras, não haveria como se alimentarem estas de micro chips de computador.

Teria o quadro mundial mudado de lá para cá? Não creio. E, no entanto, pouco progredimos no sentido de nos prepararmos para ser a reserva alimentar do mundo, garantia indiscutível de uma balança comercial equilibrada e favorável.

Penso não incorrer em erro quando acredito não haver muitos opositores a essas conceituações. E é isso que me anima a insistir no tema e principalmente a renovar o meu apelo por uma apreciação mais rápida do Congresso Nacional quanto à instituição da justiça agrária, seja ela advinda da proposta que apresentei, seja ela pela aprovação de outros projetos congêneres que porventura estejam tramitando no Parlamento.

Estou certo de que somente através da especialização de uma justiça agrária se poderá promover a pacificação do meio rural, porquanto ela representa uma nova mentalidade, um novo enfoque, humana e tecnicamente mais respeitável, a reacender as esperanças dos lidadores da terra, tão desiludidos quanto a uma prestação jurisdicional isenta, rápida e competente, se já não bastassem os infortúnios da inexistência de uma política agrária consistente e duradoura a embasar a planificação segura de seus investimentos.

Nesse convencimento, do qual tenho fundadas esperanças de ser acompanhado pelos eminentes Pares, já que estaremos escudados na autoridade de brilhantes pensadores nacionais e internacionais do Direito Agrário, tenho a clara consciência de que a sua instituição, se não é a única e milagrosa medida a ser tomada para a solução da problemática rural, constitui-se, sem dúvida, em conditio sine qua non para a eficácia de todas as demais.

Ao concluir o meu pronunciamento, Sr. Presidente, Srs. Senadores, parabenizo o Dr. Francisco Graziano, que assume hoje a direção do INCRA. Espero que S. Sª possa, com sua diretoria, implementar a política de reforma agrária que pretendemos. Não se trata apenas do acesso à terra; trata-se de todas as questões pertinentes ao desenvolvimento rural: financiamento para quem está sendo assentado, assistência social, educacional e médica para quem está no campo, enfim, condições mínimas para que o povo brasileiro possa produzir alimentos e viver no interior do nosso País com dignidade. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 29/09/1995 - Página 17002