Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS A PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO DE SUA AUTORIA E OUTROS SRS. SENADORES, ENCAMINHADA A MESA, QUE REGULA A QUESTÃO AGRARIA NO PAIS.

Autor
Darcy Ribeiro (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RJ)
Nome completo: Darcy Ribeiro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA CONSTITUCIONAL. REFORMA AGRARIA.:
  • COMENTARIOS A PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO DE SUA AUTORIA E OUTROS SRS. SENADORES, ENCAMINHADA A MESA, QUE REGULA A QUESTÃO AGRARIA NO PAIS.
Aparteantes
Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 04/10/1995 - Página 130
Assunto
Outros > REFORMA CONSTITUCIONAL. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, ENCAMINHAMENTO, MESA DIRETORA, PROPOSIÇÃO, INCLUSÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ILICITUDE, MANUTENÇÃO, PROPRIEDADE IMPRODUTIVA, ATENDIMENTO, IMPOSIÇÃO, DIREITO DE PROPRIEDADE, VIABILIDADE, SOLUÇÃO, PROBLEMA, TRABALHADOR, SEM-TERRA.

O SR. DARCY RIBEIRO (PDT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trago ao Senado comentários meus e propostas minhas que dizem respeito ao problema mais importante deste País, que mais angustia hoje a mais brasileiros.

Dias atrás, fiz apresentação da matéria mais longamente aqui no Senado, sendo honrado por um belo aparte do nosso Senador gaúcho. Hoje, comunico que fiz a entrega à Mesa do meu Projeto de Emenda à Constituição, com 35 assinaturas de Senadores que me dão apoiamento para o debate. Quero dar uma idéia sobre o que desejo propor à Casa.

A questão básica brasileira continua sendo, depois de séculos, a agrária. Em 1850, o Brasil teve a sua Lei de Terras; dez anos depois, a América do Norte fez a sua. A nossa dizia: a posse não faz propriedade; a lei de terra americana determinava: vai para o Oeste (para o Goiás, o Mato Grosso, o Pará de lá), e se for feita uma casa e uma roça e nela permanecer por mais de 5 anos, a terra pode ser demarcada como sua e de sua família, até 30 hectares. Os Estados Unidos cresceram como uma nação de granjeiros; nós, como uma apossada por latifundiários, com dois direitos: jus abutendi, o de ter qualquer dimensão - de ter um milhão de hectares, por exemplo; e o direito de ter e não usar e não deixar usar.

A terra, como bem fundamental, poder legalmente não ser usada e nem deixar usar é o instituto mais constrictor do Brasil. Em função dele, uma centena de milhões de pessoas estão na cidade, que não está preparada para recebê-los, nem estará. Essa é a causa da fome, do desemprego, da violência que se desencadeia sobre o nosso País.

O que estou propondo aqui, Sr. Presidente, é que se inclua na Constituição um princípio novo, fundamental - deveria ser óbvio, mas não está lá: o de que a ninguém é lícito manter a propriedade improdutiva por força do direito de propriedade. Isso é uma ruptura do que tem sido a tradição brasileira, que é o direito de não usar.

Diz-se que a ninguém é lícito manter improdutiva a terra porque é dono. Disso decorre a noção de uso lícito. O uso lícito que estou propondo é quatro vezes a área efetivamente utilizada. Não há problema algum para qualquer fazendeiro ou empresário rural ativo, porque têm a garantia de que é intocável quatro vezes a área de que se utilizam. Mas o que excede essas quatro vezes, Sr. Presidente, o que excede ao uso lícito volta ao domínio público, volta ao domínio do Estado, que deve receber essas terras baldias e devolutas, pela Constituição de 1991. Então, volta ao Estado com a obrigação de usar como um fundo de colonização, que não possa ser entregue a ninguém em propriedades maiores do que 100 hectares.

Creio, Sr. Presidente, que esta lei, que tem o seu caráter de violência, porque afeta questões consideradas como direitos, ainda que sejam abusos, terá oposição.

No entanto, apelo a este Senado - e é lindo que eu tenha tido, ainda que inicialmente, o apoio de 35 Senadores - para que coloquemos a mão na consciência, pois o Movimento social mais amplo e mais perigoso que o Brasil já viu é o dos Sem-Terra. Segundo cálculo de pessoas informadas, aproximam-se de mil esses grupos, alguns deles com centenas ou milhares de famílias. Essa gente está pleiteando um pedacinho de terra, onde possam plantar sua mandioca, seu milho, onde possam viver livres e com dignidade.

Esse movimento está em curso, e a única forma de fazer frente a ele não é dentro da legislação atual e dos princípios atuais da Constituição, pelo pagamento prévio em dinheiro do chamado "justo valor". Que justo valor de terras que nunca se utilizou e nem se pode utilizar, além do próprietário não ter condições de utilizá-la! A forma melhor de defender o fazendeiro ativo é devolver ao domínio público as terras não usadas, nessa proporção generosa.

Proponho também que se entregue a tarefa de pôr em execução essa lei à Justiça do Trabalho, porque, evidentemente, é a que está mais próxima de poder, em cada Município, em cada lugar, executá-la.

Sugiro que se crie, neste País, uma Lei Agrária. É claro que é indispensável para o Brasil, mais do que para outros países minúsculos, que têm leis agrárias, uma Lei Agrária que regulamente a matéria. Contudo, até que isso aconteça, que a legislação trabalhista cuide disso.

O que temos em vista, Sr. Presidente, é criar uma situação que permita resolver, na legalidade, um desafio extremamente perigoso: quais são as três saídas possíveis?

Uma saída quanto aos sem terra: mandar o Exército matá-los; isso se fez em Canudos, isso se fez no Contestado. O Exército irá matá-los nos dias de hoje? É evidente que, se não se consegue conter esse movimento, não se resolverá dessa forma, não se resolverá fazendo outra chacina como as que marcaram a nossa história.

A outra saída é essa lei: o princípio do uso lícito da terra, de que não é lícito o não-uso da terra.

A terceira saída, que temo muito - conhecendo meu País como conheço - que acabe sendo executada, é a não-contenção do Movimento dos Sem-Terra; eles continuarão progredindo, invadirão também as fazendas produtivas. Mas devemos saudar isso, se se suceder, como o ingresso do povo brasileiro na História do Brasil.

Obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Pedro Simon - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PRESIDENTE (Levy Dias. Fazendo soar a campainha.) - A Presidência deseja esclarecer ao Senador Pedro Simon que o tempo do orador é de cinco minutos. Mas como o Regimento Interno não proíbe aparte, a Mesa concede um minuto a V. Exª para que formule o seu aparte ao Senador Darcy Ribeiro, mesmo já tendo esgotado seu tempo.

O Sr. Pedro Simon - Muito obrigado pela gentileza de V. Exª, Sr. Presidente. Nobre Senador Darcy Ribeiro, gostaria de dizer que V. Exª está apresentando um projeto da maior importância. Podemos divergir, mas devemos discutir aqui. O que V. Exª está dizendo é o seguinte: o cidadão tem mil hectares produtivos e pode ter mais quatro ou cinco mil improdutivos, mas não pode produzir em mil hectares e ter cem mil hectares improdutivos. Penso que a análise deve ser discutida. A proposta tem conteúdo social e ético. Podemos divergir, mas o apelo que faço ao Senado é no sentido de que debatamos o seu projeto, que o analisemos. Pode até haver outras propostas baseadas na sua, e a oportunidade de se fazer uma discussão séria é boa demais. Espero que essa não seja mais uma das mil propostas de reforma agrária apresentadas, mas sem efeito, pois nunca se fez nada. Os meus cumprimentos, do fundo do coração, pela importância e pelo significado do projeto de V. Exª.

O SR. DARCY RIBEIRO - Muito obrigado, Senador Pedro Simon.

O meu propósito é exatamente esse: interessar o Senado e o Congresso por uma solução legal de um problema muito sério. Temos que voltar atrás num erro terrível, de 1850, que determinou que a forma da propriedade é o latifúndio improdutivo. Isso não pode prosseguir. E é claro que o projeto que apresento a esta Casa e ao Congresso Nacional é para ser reformado, para ser reestudado, para encontrar a forma justa. Mas advirto, Sr. Presidente, que não há nenhum projeto de reforma agrária sério em discussão no Congresso. Fiz a análise de dezenas deles; todos mantêm o direito abusivo de ter e não usar.

Muito obrigado pela paciência, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/10/1995 - Página 130