Discurso no Senado Federal

PROBLEMA DA DEVASTAÇÃO DA AMAZONIA, EM PARTICULAR NO ESTADO DO ACRE, COMO MOSTRADO NO PROGRAMA 'SBT REPORTER', DA ULTIMA TERÇA-FEIRA.

Autor
Flaviano Melo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Flaviano Flávio Baptista de Melo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • PROBLEMA DA DEVASTAÇÃO DA AMAZONIA, EM PARTICULAR NO ESTADO DO ACRE, COMO MOSTRADO NO PROGRAMA 'SBT REPORTER', DA ULTIMA TERÇA-FEIRA.
Publicação
Publicação no DSF de 04/10/1995 - Página 142
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • COMENTARIO, PROGRAMA, EMISSORA, TELEVISÃO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DENUNCIA, PROBLEMA, DESTRUIÇÃO, REGIÃO AMAZONICA, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO ACRE (AC), ILEGALIDADE, RETIRADA, EXPLORAÇÃO, MADEIRA, PROVOCAÇÃO, DANOS, MEIO AMBIENTE, AMEAÇA, MORTE, SACERDOTE, COMBATE, DESMATAMENTO, REGIÃO.
  • DEFESA, URGENCIA, DEFINIÇÃO, MODELO, DESENVOLVIMENTO, REGIÃO AMAZONICA, GARANTIA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, SIMULTANEIDADE, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE.

O SR. FLAVIANO MELO (PMDB-AC) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, retomo hoje um assunto que há muito venho denunciando, juntamente com outros colegas da minha região, sem que severas providências sejam tomadas: o problema da devastação da Amazônia, em particular do meu Estado, o Acre, conforme tão bem mostrou o Sistema Brasileiro de Televisão, em seu programa SBT Repórter da última terça-feira.

As imagens, os depoimentos, as denúncias apresentadas no programa confirmam o que as vozes que se levantam em meio à floresta, e mesmo nesta Casa, tentam mostrar: a situação é dramática, e não permite que as autoridades competentes continuem fazendo de conta que não existe ou mesmo protelando as providências cabíveis.

Como disse o programa: O Acre está em chamas. Ou melhor, a Amazônia está em chamas! A nuvem de fumaça que há meses paira sobre a região, causando prejuízos à própria saúde da população e dificultando inclusive a navegação aérea dá bem a dimensão do índice de devastação.

Tudo vai virar pasto para gado, disse bem o SBT, que colocou também outro grave problema enfrentado pelo Acre: a retirada ilegal de madeira nobre, principalmente do mogno - a maior riqueza local e que, todavia, não deixa praticamente nada para o Estado.

Já denunciei aqui, outras vezes, o nível de devastação e dos danos ambientais causados por este tipo de atividade, como em 94, quando equipes do IBAMA apreenderam cerca de 10 mil metros cúbicos de mogno que estavam sendo retirados ilegalmente no Município de Sena Madureira, pela Madeireira Ferreira. Conforme disse na época o IBAMA, a madeireira promoveu a maior exploração de mogno de toda a história do Estado, deixando um terrível rastro de destruição.

Os danos podem ser imaginados pela própria forma como a madeira era retirada, arrastando tudo à frente, abrindo estradas em plena floresta, aterrando rios e igarapés para possibilitar a passagem das máquinas. Onde a madeireira atuou, praticamente acabou com a capacidade de regeneração da floresta. E do que era derrubado, aproveitava apenas o filé - o mogno de primeira qualidade. O resto, era abandonado.

E esse tipo de ação que continua acontecendo no Estado, envolvendo outras madeireiras, como as denúncias feitas pelo SBT Repórter, por falta de providências mais rígidas que desestimulem estas ações.

O Acre, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é um Estado extremamente pobre, sem qualquer expressão econômica e que tem na floresta o seu único grande patrimônio, mas que está sendo dilapidado por pessoas inescrupulosas que nunca estiveram preocupadas com a floresta e muito menos com os seus habitantes.

É no Acre, além do Pará, onde se concentram as maiores reservas de mogno do Brasil. Todavia, a população local nada em miséria, enquanto o seu maior patrimônio está sendo dilapidado. Como o SBT mostrou: O madeireiro paga 150 reais por uma árvore no chão. Essa mesma árvore ele vende por cinco mil reais para países como Japão, Itália e principalmente Inglaterra. A maioria da madeira é retirada de forma ilegal, não paga impostos e não deixa divisas para o Acre, onde o serviço de fiscalização é muito precário.

Por outro lado, quem ousa se opor ao desmate, corre risco de vida. Grande exemplo é o assassinato do sindicalista Chico Mendes, ocorrido em 1988, e as atuais ameaças a lideranças como os padres Heitor e Paolino Baldassari, que lutam contra a devastação no Município de Sena Madureira.

Diante do quadro, é preciso que as perguntas feitas pelo Padre Heitor sejam repetidas:

- Governo do Acre, onde está?

- Brasília, onde está?

O Governador do Acre, ao que consta, negocia empréstimo de 165 milhões de dólares junto a empresa colombiana MOBIL AMI, que está sob investigação por suspeita de que os recursos que se dispõe a emprestar é oriundo da lavagem de dinheiro proveniente de tráfico, conforme já foi denunciado nesta Casa, pelo Senador Romeu Tuma. E oferece como garantia do empréstimo parte da nossa floresta tropical, em regime de comodato, para que a empresa possa explorá-la por um período de 10 anos.

Além disso, o governador anda às voltas com o problema do Boeing 727-200 que, declarou na imprensa do Acre, é de sua propriedade, e que recentemente foi apreendido no aeroporto de Cumbica transportando carga sem documentação e, segundo o Jornal Correio Braziliense, foi comprado do Cartel de Medelin.

Quanto ao Governo Federal, a própria situação do IBAMA, com apenas 12 fiscais para atender 22 Municípios onde o acesso, em sua grande maioria, é extremamente difícil e que somam, ao todo, mais de 150 mil quilômetros quadrados, já diz tudo.

É como diz o superintendente local do IBAMA, Antonio Pacaya: enquanto os fiscais vão para um lado, o madeireiros exploram do outro. Ou fazem como os Diniz, no Vale do rio Iaco, em Sena Madureira:Mesmo não tendo seu projeto de exploração de madeira aprovado pelo IBAMA - uma vez que lá encontram-se animais em extinção - promovem as desastrosas derrubadas que há tempos vêm sendo denunciadas por habitantes da região, como os padres Heitor e Paolino Baldassari e mostradas pelo SBT.

É crime previsto em lei e passível de prisão. A legislação, portanto, precisa ser aplicada.

É preciso que se esclareça, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que não pertenço à corrente defensora da tese de que a Amazônia deve ser um santuário intocável, esquecendo que o homem que nela vive é parte integrante e fundamental do meio ambiente.

Ao contrário. Sempre defendi a idéia de que o homem, principalmente o da Amazônia, deve usufruir dos recursos que a floresta oferece - madeira, castanha, resinas, etc. Apenas precisa fazê-lo de forma racional, sem destruí-la.

Para isso, é preciso que se dê a esse homem os meios para que possa utilizar economicamente estes recursos, garantindo a preservação ambiental. Já disse várias vezes: se dermos aos próprios empresários opções de investimentos rentáveis, que não agridam a natureza, eles seguirão.

É o que chamo de desenvolvimento sustentado da região. Um modelo que, porém, é ainda uma aspiração da sociedade e do qual só temos uma vaga idéia. Só sabemos - ou esperamos - que do uso racional dos recursos florestais, basicamente, possa a força de trabalho gerar riqueza, sem que se complete de uma só vez o ciclo da floresta.

No entanto, ainda não conhecemos plenamente as matérias-primas, nem temos o domínio completo dos processos produtivos, assim como a combinação ideal de ambos.

A base de conhecimentos técnicos e científicos disponíveis hoje sobre a Amazônia é certamente insuficiente para garantir a utilização sustentada dos nossos recursos naturais.

A multiplicidade de ecossistemas que se abrigam em nosso entre-rios constitui um desafio à imaginação criadora dos cientistas e planejadores, no sentido de estabelecerem critérios de preservação ecologicamente adequados, mas que ao mesmo tempo viabilizem economicamente o Estado, contribuindo para o progresso do nosso povo.

A tarefa é imensa, pois temos a maior biodiversidade do planeta, e seu completo domínio levará séculos.

No entanto, é nessa direção que temos que caminhar, produzindo as condições necessárias para viabilizar uma economia de base florestal para a região.

Nesse estágio de transição entre modelos precisamos - Estado e sociedade organizada - concentrar nossas atenções. É preciso que seguremos firmemente as rédeas desse processo, apostando na geração de conhecimento e tecnologia para a região.

Precisamos conhecer nossa floresta e descobrir o que dela podemos tirar e transformar sem o pesado ônus social e ambiental que hoje se verifica. Isso significa, inclusive, ampliar os espaços de influência dos Estados da Amazônia na gestão e adaptação das políticas públicas voltadas para a região.

Já indaguei, durante palestra realizada no BID, na época em que governava o Acre, e volto a perguntar aqui:

- Quanto a humanidade deve pagar para dispor da Amazônia?

Mais especificamente:

- É justo o preço que se paga hoje pelo metro cúbico de madeira extraída de uma árvore que levou cem anos para se tornar adulta?

- O valor nutritivo da castanha-do-Brasil está corretamente avaliado pelo mercado internacional, quando comparado a outras fontes de proteínas?

- Existe ao menos uma estimativa parcial do valor da flora medicinal amazônica?

- E, especialmente, está sendo justa a remuneração do trabalho do homem da Amazônia, guardião e provedor destas riquezas?

No período em que governei o Acre, de 1987 a 1990, procurei inserir a administração pública nessa perspectiva, direcionando as ações governamentais no sentido de viabilizar um modelo de desenvolvimento sustentado para a região, através do fortalecimento e criação de órgãos ambientais e de pesquisa, além do início do zoneamento econômico-ecológico local e do conseqüente plano de ocupação.

Infelizmente, porém, estas ações de governo, em sua maioria, não tiveram a continuidade esperada e desejada. A desarticulação é completa.

Por outro lado, as políticas do Governo Central para a Amazônia não tem respondido à altura às necessidades da região.

O resultado é a devastação que estamos presenciando e diante da qual não podemos ficar parados. É urgente que avancemos na definição desse novo modelo de desenvolvimento que garanta preservação ambiental e melhorias econômicas e sociais para os habitantes locais.

Neste aspecto, permitam-me colocar a minha decepção no que se refere às ações governamentais neste sentido.

Recentemente, por exemplo, participei de um encontro da Bancada Parlamentar da Amazônia para discutir a questão com representantes de órgãos federais ligados à área e com o próprio Ministro do Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Amazônia Legal, Gustavo Krauser, e não vi, em nenhuma das exposições, nada de concreto a este respeito. Cobrado, o Ministro argumentou: "Pelo menos estamos discutindo a questão". Todavia, é o que estamos fazendo há anos. E o fogo e as motoserras não esperam.

É verdade que a formulação de propostas dessa natureza, por sua complexidade, demanda tempo. Já é hora, porém, de ações mais concretas, de atitudes mais ousadas.

E enquanto não se define esse novo modelo, é vital a ampliação da fiscalização e a utilização dos mecanismos legais de proteção ao meio ambiente.Além de multas mais altas, é preciso que a legislação ambiental seja aplicada, especialmente no que se refere à prisão para os devastadores. Só desta forma conseguiremos desestimular estas ações criminosas.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/10/1995 - Página 142